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Capítulo 2: Políticas de Saúde no Brasil do período da Redemocratização à Ditadura Militar - 1945 a 1984. Autores: Anamaria Cavalcante e Silva; Carine Teixeira Eleutério; Erlane Brunno Cunha Ferreira; Pedro Duarte Barreto Castillo PERÍODO DA REDEMOCRATIZAÇÃO - 1945 A 1963. CONTEXTO HISTÓRICO, ECONÔMICO, POLÍTICO E SOCIAL A partir de 1945 o cenário mundial após a II Grande Guerra passou por profundas transformações, principalmente nos âmbitos político, econômico e social. Devido à enorme pressão de diversas origens, nacionais e internacionais, o presidente Getúlio Vargas comprometeu-se a realizar eleições; inicia-se, assim, o Período de Redemocratização, após quinze anos da conjuntura que foi denominada de Era Vargas. Apesar dos Movimentos a favor da eleição de Vargas, Eurico Gaspar Dutra é eleito, e, no inicio de seu governo, destaca-se a convocação da Assembléia Constituinte, que discutiria as leis a serem integradas a uma nova Carta Magna. A Constituição de 1946 conduziria a vida do País por mais duas décadas. No âmbito da Saúde Internacional, iniciando o projeto de reconstrução da Europa destruída pela Guerra, em 1946 foi criada a Organização Mundial da Saúde (OMS) vinculada ao sistema da Organização das Nações Unidas (ONU). Na segunda metade do século XX a área de estudos e de produção de conhecimentos, denominada de Política de Saúde, passou a ter visibilidade como disciplina acadêmica e como foco de intervenções sociais. No inicio da década de 50, o novo Governo Vargas, eleito democraticamente, teve como referenciais a continuidade do nacionalismo e o populismo. Em 1956, Juscelino Kubitschek de Oliveira, médico, é eleito Presidente da República. Seu Governo caracterizou-se pelo chamado Desenvolvimentismo, doutrina que se detinha nos avanços técnico-industriais para o desenvolvimento econômico e a industrialização. Buscando reduzir as desigualdades regionais, Juscelino criou a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), em 1959, idealizada pelo economista Celso Furtado, integrando o programa desenvolvimentista do governo vigente. Seu principal objetivo era buscar e avaliar soluções que viabilizassem a progressiva redução das desigualdades observadas entre as diversas regiões geoeconômicas do Brasil. Em 1961, assume a presidência da República Jânio Quadros, eleito com uma votação expressiva. Com sete meses de governo, renuncia exacerbando um estado de instabilidade política. João Goulart, conhecido como Jango, estava em visita oficial à China e, segundo a Constituição, vigente, o vice-presidente deveria assumir o governo. O novo presidente tomaria posse, conservando as determinações da Constituição Federativa do Brasil; entretanto, parte de seu poder seria deslocada para um Primeiro- Ministro. Instala-se o regime parlamentarista e Tancredo Neves é escolhido Primeiro- Ministro. Em 1964, ocorre o golpe militar no Brasil, com presidentes designados por uma junta militar. PREVIDÊNCIA SOCIAL NO PERÍODO DA REDEMOCRATIZAÇÃO Após a 2ª Guerra Mundial, o conceito de seguridade social ganha força no Brasil, segundo o qual, o Estado teria obrigações naturais com qualquer cidadão, devendo haver uma intervenção ativa por parte do Estado nesse sentido, garantindo os direitos básicos, como o acesso à Saúde. Com isso, foram realizadas algumas ações na área da previdência social, como a Lei n° 593, de 1949, que regulamentou a aposentadoria ordinária, por tempo de serviço, disciplinando a aplicação da legislação em vigor sobre Caixas de Aposentadorias e Pensões. Em 1949, foi instituído o serviço de Assistência Médica Domiciliar de Urgência - SAMDU. A relevância desse evento se deve ao atendimento médico-domiciliar, inexistente no setor público, entretanto, comum na prática privada. Foi um serviço de atendimento médico criado pelo Presidente Eurico Gaspar Dutra e tinha os limites pré-fixados de atendimento aos contribuintes e beneficiários dos Institutos e Caixas de Aposentadorias e Pensões (IAP’s) restritos aos casos de urgência. No governo Getúlio Vargas, graças à interferência do Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, João Goulart, o atendimento, uma vez conveniado pelas prefeituras, se estenderia a todos, indistintamente. A unificação dos IAPS`s já vinha sendo desenvolvida desde 1941 e, após tramitação, a Lei Orgânica de Previdência Social foi sancionada apenas em 1960, quando veio estabelecer unificação do regime geral da previdência social, com o intuito de se estender a todos os trabalhadores sujeitos ao regime CLT, excluídos os trabalhadores rurais, os empregados domésticos e os servidores públicos que possuíssem regimes próprios de previdência. CRIAÇÃO DO MINISTÉRIO DA SAÚDE Em maio de 1953, ocorreu a criação do Ministério da Saúde, que veio a ser instituído no dia 25 de julho de 1953, com a Lei nº 1.920, que desmembrou o então Ministério da Educação e Saúde em dois ministérios: o da Saúde e o da Educação. A partir de sua criação, o novo Ministério passou a encarregar-se das atividades que, até então, eram de responsabilidade do Departamento Nacional de Saúde (DNS). Diversas limitações impediam que o Estado atuasse com eficácia na saúde coletiva; faltavam muitos recursos importantes, funcionários especializados, equipamentos apropriados, entre outros. . Miguel Couto Filho foi nomeado o primeiro Ministro da Saúde. Médico, deputado federal, autor de projetos de assistência médico-social voltados para as populações rurais, presidiu a Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados. Foi um dos principais defensores da criação do Ministério da Saúde como pasta autônoma, desvinculada do Ministério da Educação. Como principais atividades, o Ministro ampliou o setor de Saúde Pública ao criar postos e unidades completas para o serviço médico itinerante. A corrente ideológica sanitarista desenvolvimentista consolidou-se e produziu um estatuto de orientação institucional do Ministério da Saúde que vigorou até o início Ditadura Militar em 1964. A influência americana na área da saúde, nesta conjuntura, refletiu-se na edificação de um modelo de atenção em que grandes hospitais e equipamentos passaram a reunir o atendimento médico de toda uma região, alocando secundariamente a rede de postos de saúde, consultórios e ambulatórios, com custos consideravelmente menores. Havia uma tendência à construção de hospitais cada vez mais complexos e bem equipados. Diante disso, foi instituída a Medicina de Grupo, os designados convênios. Alguns IAP’s construíram seus próprios hospitais, mas algumas empresas, insatisfeitas com o atendimento médico oferecido, passaram a contratar os serviços privados que prestassem assistência médica a seus funcionários. A EVOLUÇÃO DO SANITARISMO CAMPANHISTA PARA O SANITARISMO DESENVOLVIMENTISTA O centralizador Regime Sanitarista Campanhista, em que campanhas específicas contra determinadas doenças eram feitas em locais onde essas doenças eram endêmicas, atingiu seu apogeu no Governo Dutra. Entre 1948 e 1951, houve a redução da incidência dos casos de malária e de tuberculose, devido à disseminação do uso de inseticidas e de antibióticos. Entretanto, Mário Magalhães da Silveira, representante do governo na época, defendia a concepção Sanitarista Desenvolvimentista, afirmando que o desenvolvimento alcançado pelo País seria responsável por essa redução. Em 1956, é criado, no governo Juscelino Kubitschek, o Departamento Nacional de Endemias Rurais, cujo objetivo era organizar e executar os serviços de investigação e de combate à malária, leishmaniose, Doença de Chagas, peste, brucelose, febre amarela e outras endemias existentes no país, segundo conveniências técnicas e administrativas. Na elaboração do Plano de Governo, propostas de mudanças foramformuladas, e rejeição à ideia negativa relacionada às enfermidades do País. O Presidente congregou elites intelectuais, profissionais e políticas em torno de uma reforma sanitária que possibilitasse ao País os instrumentos necessários para superar a situação adversa da saúde pública. Esses médicos e intelectuais apontaram para a existência das endemias rurais, principalmente doenças como ancilostomíase, Doença de Chagas e malária e a deficiência do Poder Público no interior do País, como explicação para o retrocesso do Brasil na área da saúde. Segundo Juscelino, o Brasil havia suplantado o que ele designava de as "doenças pestilenciais", como a febre amarela e a peste bubônica, e seu governo necessitaria dedicar-se a combater principalmente as doenças que afetavam a população de forma mais intensa na época, como a tuberculose, a lepra, as doenças gastrointestinais e as endemias rurais. Na concepção do Governo, o País necessitaria atuar contra as doenças crônico- degenerativas, como os diversos tipos de câncer. O Programa apontava seu otimismo relacionado ao futuro da Nação, vigorando a concepção de que a saúde dos brasileiros havia apresentado melhoras e de que as doenças que afligiam a população não eram as mesmas que a debilitavam no início do século XX. As disparidades regionais nas capitais brasileiras, relativas à mortalidade infantil, eram alarmantes. No Nordeste, esse indicador alcançou o número de 421,6 por mil nascidos vivos em Natal e 353,5 em Salvador, enquanto que os índices no Sudeste eram inferiores a 100, isto é 96,9 em Niterói e 86,5 em São Paulo. Diante dessa situação, o Ministério da Saúde foi incumbido em 1956, de desenvolver um novo e eficiente programa voltado para a assistência às crianças. Multiplicaram-se os serviços de higiene infantil e os postos de puericultura, que incluíam, em suas atividades, não só o acompanhamento, a vacinação e o tratamento das crianças doentes, mas também a assistência às mães. O Serviço Especial de Serviço Público (SESP), órgão responsável por articular ações de saúde pública no País, criou diversos hospitais em cidades da Região Amazônica, no Vale do São Francisco e do Rio Doce; participou ativamente nas campanhas de erradicação da varíola, por meio do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE), ao levar água tratada aos rincões, e atuou na formação de profissionais de saúde. Foi considerado erradicado em 1958, o mosquito Aedes Aegypti, transmissor da febre amarela. Em 1960, o SESP foi transformado em Fundação Serviço Especial de Saúde Pública (FSESP), vinculada ao Ministério da Saúde. O Programa contra a malária se constituiu em uma experiência positiva, com a utilização do sal cloroquinado como agente para a erradicação da malária com reconhecimento internacional. Em 1958, o Brasil assume o compromisso com a Organização Mundial da Saúde (OMS), integrando o Grupo de Controle e Erradicação da Malária - GTEM sob a direção de Mário Pinotti. No final da década de 50, a Política de Saúde Pública Nacional era centro de discussões e debates, avaliando-se o alcance de suas práticas e os limites financeiros do Estado ante os problemas sanitários, com a necessidade da implantação de um modelo de Atenção à Saúde, direcionado para a assistência individual. À medida que o Sistema Previdenciário se desenvolvia, tornava-se evidente a dicotomia entre as ações de saúde pública e a assistência médica. A LLLª CONFERÊNCIA NACIONAL E A MUNICIPALIZAÇÃO DA SAÚDE Em 1963, o Presidente da República convoca a 3ª Conferência Nacional de Saúde (CNS). No discurso da abertura, o Presidente João Goulart mencionou o conceito ampliado de saúde: "...boa alimentação, habitação, saudável regime de trabalho, educação, assistência médico-sanitária, diversão...". O Evento foi realizado no Rio de Janeiro, em dezembro de 1963, e tinha como meta examinar a situação sanitária nacional e aprovar programas de saúde que contribuíssem para o desenvolvimento econômico. A Conferência apoiava a reorganização da assistência médico-sanitária no Brasil e a divisão das atribuições entre os níveis políticos administrativos. Nesse contexto, foi discutida a questão da municipalização da Saúde. O tema da 3ª CNS era a "Descentralização na área da Saúde". O seu diferencial foi o aparecimento de movimentos democráticos na área da Saúde, que expandiram o ambiente de discussão e que assinalaram a necessidade de definir um Plano Nacional, abrangendo as esferas federal, estadual e municipal. O então Ministro da Saúde, Wilson Fadul, era um dos principais defensores da Municipalização dos Serviços de Saúde, tenho exercido importante papel no desenvolvimento de novas ideias para os Departamentos de Medicina Preventiva e Social de algumas escolas médicas. Com isso, a ideologia de Integralidade da Assistência à Saúde se destaca no cenário nacional. Nas discussões da lllª Conferencia reconhecia-se o âmbito municipal como o principal responsável pela saúde de sua população, na concepção de que, municipalizar é transferir para as cidades a responsabilidade e os recursos imprescindíveis para desempenharem inteiramente os papéis no âmbito da saúde designado aos municípios. A municipalização representou o novo projeto de políticas públicas no setor da Saúde, que traria características, como a descentralização, sustentada em um modelo de hierarquização, começando pelo atendimento básico, prestado por auxiliares de Saúde, e estendendo-se até o nível terciário com o atendimento médico-hospitalar especializado. Em 1963, dos 3.677 municípios brasileiros, havia 2.100 municípios com precária infraestrutura de assistência à Saúde. A municipalização da Saúde no Brasil somente se efetivaria no início dos anos 1990, no processo de implantação do SUS, que tem como princípio basilar a descentralização dos serviços e ações de Saúde. Em 1993 ocorreria a IX Conferência Nacional da Saúde com o tema: “Municipalização é o Caminho”. PERÍODO DA DITADURA MILITAR – 1964 A 1984 CONTEXTO HISTÓRICO, ECONÔMICO, POLÍTICO E SOCIAL Com o Golpe Militar de 1964, o Brasil experimenta o mais longo período explicitamente ditatorial do País, que se estenderia por 20 anos. Esse período caracterizou-se pela intensa repressão da sociedade civil e dos opositores políticos, pelo domínio político-administrativo dos militares, por lutas e movimentos de classes, pelas desigualdades sociais e pela ofensa à Democracia. O lema do Regime era “Segurança e Desenvolvimento”, e o contexto histórico era o da Guerra Fria, quando o mundo estava polarizado em Capitalismo e Socialismo. O Brasil se voltava para o desenvolvimento econômico e para o capitalismo monopolista, com valorização do capital estrangeiro, principalmente advindo dos EUA. Poucas medidas eram voltadas para os interesses sociais. A economia brasileira, a partir de 1968, apresentava elevados índices de crescimento; este período ficou conhecido como "Milagre Econômico" ou “Milagre Brasileiro”. Esse crescimento estava diretamente relacionado com a entrada de capital estrangeiro, uma vez que o mercado brasileiro se apresentava bastante atrativo. Havia significativa oferta de mão de obra, salários baixos, repressão à "desordem" política e sindical e dava-se prioridade à política de exportação. Apesar do significativo crescimento econômico, não havia uma distribuição equitativa para todas as classes sociais. O poder aquisitivo do salário-mínimo diminuiu como consequência do arrocho salarial, a elevação dos preços motivava a inflação, a menor oferta de alimentos proporcionou o racionamento de certos produtos, e a concentração de renda ocorria em uma parcela ínfima da população. O modelo de intervenção social durante a Ditadura Militar revelou-se especialmente conservador. Esse modelo se apoiava emcinco pilares, com suas respectivas singularidades para cada área social: a regressividade nos mecanismos de financiamento, a privatização de setores públicos, a centralização do processo decisório, a expansão da cobertura e da oferta de bens e serviços e a redução do caráter redistributivo. Em 1968, o II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) foi elaborado com o objetivo de dar continuidade ao ritmo de crescimento da economia e de, por consequência, alcançar o título de "Brasil potência". O maior destaque para o II PND se deve ao campo social, porque houve o reconhecimento de que o desenvolvimento social deveria acontecer concomitante e progressivamente ao desenvolvimento econômico. A educação com foco na pós-graduação e a Saúde relacionada à assistência médica da Previdência Social eram as prioridades desse Programa. Ressalta-se que o II PND estabelecia também a formação de dois campos institucionais na assistência à Saúde: o Ministério da Saúde e o Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS). Ao Ministério da Saúde, eram incumbidas as ações médicas e paramédicas, a vigilância sanitária de fronteiras e de portos, o controle de medicamentos e de alimentos, e a pesquisa de caráter médico-sanitarista. PREVIDÊNCIA SOCIAL E ASSISTÊNCIA À SAÚDE O objetivo da criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), em 1966, revelou-se na estratégia de racionalização administrativa, sem mudanças na forma de expansão dos serviços de assistência médica e de cobertura previdenciária. Isso aconteceu por meio da unificação dos IAP’s, o que afastou representantes de empregados na elaboração de Programas de Saúde. Um dos grandes marcos do INPS se apresenta no caráter de universalização da cobertura previdenciária, em decorrência do aumento da abrangência e da incorporação de classes de trabalhadores. Destacam-se entre essas medidas, a criação do Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (Prorural) e o do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural), pois expandiram a assistência à saúde nas regiões rurais e a inclusão de empregadas domésticas e trabalhadores autônomos à cobertura. Com isso, houve um acúmulo de capital, motivado pelo aumento do número de contribuintes, pelo crescimento econômico à época e pela pouca quantidade de aposentadorias e pensões no período. Porém, não havia a possibilidade de o sistema previdenciário existente atender a toda a população, o que obrigou o governo militar a recorrer à iniciativa privada, no intuito de solucionar esse dilema. O Plano de Pronta Ação (PPA), criado em 1974, repercutiu positivamente no processo de universalização dos serviços de saúde. Apesar de não alterar o modelo de saúde vigente, representou uma expansão da assistência à Saúde, uma vez que o INPS passou a comprar serviços de saúde realizando convênios com médicos e com hospitais, o que promoveu o crescimento no uso de medicamentos e de equipamentos médico- hospitalares. No entanto, observava-se o desenvolvimento da “mercantilização” da prática médica, tornando-se comum a prática de declarar serviços não realizados ou executar procedimentos melhores remuneradas pelo Sistema Previdenciário, como a escolha do parto cesariano em detrimento do parto normal. No mesmo ano, com o desmembramento do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), atual Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), foi criado o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS). O INAMPS era uma autarquia federal, vinculada ao Ministério da Previdência e Assistência Social, hoje Ministério da Previdência Social, que garantia assistência médica e odontológica aos trabalhadores da economia formal e a seus dependentes. Com isso, era de se esperar que a assistência prestada pelo INAMPS fosse distribuída proporcionalmente ao poder econômico e a arrecadação de recursos de cada região. De fato, por meio das Superintendências, o Instituto destinava mais recursos às regiões de maior desenvolvimento econômico e com maior número de trabalhadores formais e de beneficiários, principalmente as regiões Sul e Sudeste, chegando ao gasto somado destas duas regiões em mais de 70% da verba total disponibilizada pelo INAMPS. A partir da metade do ano de 1970, a crise econômica, advinda da queda do preço do petróleo, atingiu o setor da Previdência Social, e consequentemente o INAMPS. Por essa razão, o instituto adotou, na década de 1980, um conjunto de medidas de racionalização de recursos, com o objetivo de conter despesas, por meio da compra de serviços do setor público, em detrimento do setor privado. Mesmo em crise, o INAMPS começou a adotar medidas de Universalização do atendimento, como a garantia de assistência à saúde dos trabalhadores rurais, assistidos anteriormente por serviços vinculados ao FUNRURAL. Somente em meados da década de 1980, Período da Nova República, surgiu a não obrigatoriedade em apresentar a carteira de segurado do INAMPS para receber atendimento em seus hospitais e em outros serviços conveniados. Essas medidas de universalização seriam de fundamental importância para a criação do Sistema Único Descentralizado de Saúde (SUDS) e posteriormente o SUS. Tema que será aprofundado no Capítulo III. OS PLANOS E PROGRAMAS DE SAÚDE DOS GOVERNOS MILITARES Com a finalidade de adotar uma política de caráter mais social e tentar diminuir a exclusão da população mais carente dos serviços de saúde, os Governos Militares instituíram programas racionalizadores e de caráter regional. Em 1976, foi elaborado um programa direcionado aos municípios nordestinos com mais de 20 mil habitantes a fim de organizar uma estrutura básica de saúde pública e de, consequentemente, auxiliar na solução de dilemas médico-hospitalares, o Programa de Interiorização de Ações de Saúde e Saneamento (PIASS). Na concretização do PIASS, foi Instituído o Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social do MPAS, que planejava novas formas de assistência à saúde conforme as necessidades de cada região do país. Em 1979, houve a expansão do PIASS. Foi constituído, em 1977, o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (SINPAS), um programa da previdência social para abranger os institutos e estabelecer uma melhor organização. Dessa forma, o INPS, o INAMPS, a Fundação Legião Brasileira de Assistência (LBA), a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM), a Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social (DATAPREV), o Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social (IAPAS) e a Central de Medicamentos (CEME) compuseram o SINPAS. Um novo Programa, o Prev-Saúde, foi concebido por um grupo técnico interministerial, em 1980, para reestruturar os serviços de saúde, englobando as áreas de saneamento e habitação. O Programa estava direcionado à assistência primária, mas não progrediu por apresentar propostas consideradas radicais, no momento em que o País se encontrava na eminência da crise econômica na Previdência de 1981. Nesse mesmo ano, foi criado o Conselho Consultivo de Administração da Saúde Previdenciária (CONASP), com a finalidade de reduzir os custos com a previdência social e reorientar as propostas do Prev-Saúde. Em 1982, aprovou-se o Plano de Reorientação da Assistência à Saúde no Âmbito da Previdência Social, o “Plano do CONASP”, que consistiu no Sistema de Assistência Médico-Hospitalar da Previdência Social, no Projeto de Racionalização da Assistência Ambulatorial e nos Convênios Trilaterais entre Ministério da Saúde, MPAS e os Governos dos Estados. Dessa forma, o plano tinha por finalidade a priorização das ações primárias enfatizando a assistência ambulatorial; a articulação das instituições em nível federal, estadual e municipal; e a participação complementar por parte da iniciativa privada.Baseado no Plano CONASP, o Programa de Ações Integradas de Saúde (AIS), em 1984, foi o alicerce para a reorganização da Política Nacional de Saúde e incluía princípios como hierarquização, articulação institucional e regionalização. Com o envolvimento de alguns municípios nesse contexto, a participação de grupos civis na elaboração das Políticas de Saúde tornou-se possível, entretanto, a adesão dos convênios por parte dos municípios não foi significativa. O inusitado é que, mesmo com a elaboração dessas políticas e desses diferentes planos e programas de reorganização e de racionalização, não existia concretamente um sistema de atenção à saúde no País. As ações de saúde coletiva eram realizadas de modo fragmentado e sem integração, nacional ou regional, nem mesmo interinstitucional. Os resultados, por meio dos indicadores do quadro sanitário epidemiológico e da assistência universal à Saúde, eram pífios em relação aos investimentos dos diferentes programas e planos sequenciados. O QUADRO EPIDEMIOLÓGICO - A CONTINUIDADE DAS ENDEMIAS E A EMERGÊNCIA DE NOVAS EPIDEMIAS Malária – Um antigo dilema brasileiro A malária, até meados de 1960, alcançava elevadas taxas de incidência em países em que a doença era endêmica, atingindo grandes massas populacionais. No Brasil não poderia ser diferente, com aproximadamente 37 milhões de pessoas vivendo em aéreas de alto risco de contaminação, o Presidente Castelo Branco sanciona a Lei nº 4.709, que determina a criação da Campanha de Erradicação da Malária (CEM), em julho de 1965, sob controle direto do Ministério da Saúde. A CEM, apoiada pela OMS, adota a estratégia de eliminação do vetor, a fêmea do mosquito do gênero anopheles, por meio do uso do DDT intradomiciliar; e do reservatório de infecção, tratando pessoas infectadas com o Plasmodium falciparum, utilizando-se a cloroquina. As ações da CEM tiveram êxito na maioria das regiões do País, o que culminou com uma acentuada diminuição na quantidade de casos diagnosticados, apesar do aumento do número de exames solicitados para rastreio, com diminuição do número de resultados positivos. Entretanto, essas ações surtiram pouco impacto na Região Amazônica, devido à incompatibilidade da estratégia utilizada pela CEM com a realidade da Região e na forma heterogênea com que ocorre a doença nessa área. Prováveis causas desse insucesso são: o ambiente florestal quente e úmido, que favorece a proliferação do vetor; a presença de espécies de Plasmodium resistentes à cloroquina; os grupos populacionais expostos a ambientes favoráveis, como garimpos abertos, assentamentos espontâneos, áreas periurbanas e aldeias indígenas; a precária infraestrutura de serviços de saúde; o crescimento desordenado das cidades; os desmatamentos; as instalações de usinas hidrelétricas; entre outros. Esse conjunto de fatores, aliado à política desenvolvimentista do período, que estimulou a migração para essa região, culminou para que, em 1980, mais de 95% dos casos registrados de malária se concentrassem no Norte do País. Com o encerramento da CEM, previsto para 1975, o Governo Federal perdeu sua principal ferramenta de intervenção, e passou a tarefa de controle da malária para a Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (SUCAM), criada em 1970. Pela limitação de recursos e por sua ampla atuação do mesmo sobre o controle de outras doenças, não obteve os mesmos resultados que a CEM. Entretanto, criou medidas e planos de ação na tentativa de suprimir, de forma sustentável, a transmissão da malária na Região Amazônica, até a estabilização para os níveis atuais da incidência endêmica. A Erradicação da Varíola – Uma vitória da Saúde Pública No início do Período do Regime Militar, a Varíola ainda apresentava caráter epidêmico e endêmico em várias regiões no Mundo, momento em que a OMS lançou o Programa Mundial de Erradicação da Varíola no Continente Americano, deflagrando uma das mais efetivas Campanhas de Erradicação da Varíola, por meio da vacinação, com o Brasil sendo um dos protagonistas. A partir de 1966, o Brasil iniciou a “fase de ataque” da Campanha de Erradicação da Varíola (CEV), que tinha como objetivo reduzir a transmissão do vírus por meio da vacinação do maior contingente possível, implantar um sistema de vigilância epidemiológica e sistematizar essas atividades aos serviços de rotina. Ao final de 1971, a cobertura vacinal atingiu a cifra de quase 82 milhões de pessoas. No mesmo ano, foram registrados os dezenove últimos casos autóctones de varíola nas Américas, no Rio de Janeiro. A Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) teve papel de destaque na análise das diversas espécies do vírus e na produção de vacinas. Após essa primeira fase, o Brasil realizou campanhas de vacinação específicas à população de 0 a 4 anos em regiões de alta incidência, com o objetivo de atingir uma cobertura vacinal de 90%. Até 1973, houve a vacinação de mais 11 milhões pessoas de todas as idades. No mesmo ano, a XXII Reunião do Conselho Diretivo da OPAS anunciou a erradicação da varíola no Continente Americano, e o Brasil recebeu o certificado internacional da erradicação da doença no País. No ano de 1977, a campanha de vacinação foi cessada. Em 1979, a OMS declara, após alguns casos isolados, a erradicação da Varíola no Mundo. As Epidemias de Meningite nos anos 70 foram Silenciadas Em julho de 1971 a maior epidemia de meningite meningocócica da história do País, a primeira causada pelo sorotipo C, assolava a cidade de São Paulo, com focos também no Rio de Janeiro, Salvador e outras capitais. Em maio de 1974, tem início a segunda epidemia de meningite, desta vez pelo meningococo do subgrupo A, o que não significou remissão da primeira. O Brasil vivia a época do “milagre econômico”. Por essa razão, admitir a existência de uma epidemia denunciaria a crise social que o País enfrentava e ofuscaria o brilho do crescimento econômico. Devido a isso, autoridades sanitárias da época optaram por negá-la. A omissão desse problema de saúde pública propiciou o avanço da doença, progredindo, de forma concêntrica, da periferia para os centros urbanos, mantendo-se elevada até meados de 1977. O número de casos se manteve constante até 1971, com aumento a partir de 1972 (3.281 casos), chegando ao seu valor mais alto em 1974 (31.390 casos). Com a posse do novo Presidente, General Ernest Geisel, 1974, o Governo assumiu a epidemia, mas proibiu a divulgação dos dados estatísticos para “não alarmar a população”, contribuindo para a subnotificação e criou a Comissão Nacional de Controle da Meningite, incumbida de realizar a vigilância epidemiológica e de traçar um plano de combate à epidemia. O ano de 1975 registrou o maior número de óbitos, 411 óbitos, o que levou, em março, a criação de um Plano Emergencial de Vacinação, com o objetivo de vacinar 10 milhões de pessoas em 4 dias. Foram, então, produzidas as primeiras vacinas polissacarídicas contra esses subgrupos de meningococos. A cobertura vacinal atingiu 93% da população de São Paulo, com redução da incidência de meningite para valores endêmicos a partir de 1977. SURTOS EPIDÊMICOS DE POLIOMIELITE DEFLAGRAM O “DIA NACIONAL DE VACINAÇÃO” A partir do final do século XIX e início do século XX, a poliomelite passou a representar um grave problema de saúde pública no Brasil e em outros países, principalmente aqueles em desenvolvimento. Em 1971, devido à existência de vários focos de surto no País, o MS elaborou o Plano Nacional de Controle da Poliomielite, considerado a primeira tentativa nacional de contenção da doença. Em contrapartida, a avaliação do real impacto das Campanhas sobre a incidência de poliomielite foi pouco conclusiva, porque o Brasil não contava com serviços de armazenamento de dados epidemiológicos fidedignos. No finalda década de 1970, o pesquisador americano, Dr. Albert Sabin, criador da vacina oral com o vírus atenuado, durante surtos de poliomielite no Paraná e em Santa Catarina, denunciou a precária cobertura vacinal da antipólio à imprensa internacional e propôs a criação do “Dia Nacional de Vacinação”, visando à vacinação em massa, em um curto intervalo de tempo, em todo o território Nacional. O Ministério da Saúde (MS) acatou a sugestão e convidou o Dr. Albert Sabin a comandar a ação. Esse fato teve importantes implicações a nível mundial, pois no ano seguinte, 1980, a OMS emitiu uma nota, recomendando a adesão à estratégia dos Dias Nacionais, que passou a ser adotada em outros países. Com a implantação dos Dias Nacionais de Vacinação, o número de casos de Poliomielite reduziu drasticamente a partir de 1980 até o registro do último caso de Poliomielite no Brasil, notificado em 1989 na Paraíba. De acordo com o MS, as campanhas vacinais contra essa doença permanecerão ativas até a OMS declará-la erradicada mundialmente. Ressalta-se que, em 1975, a criação do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SNVE) foi de grande importância na vigilância e no combate às doenças infectocontagiosas. Até então, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) era um dos principais órgãos governamentais brasileiros na coleta de dados, mas, com a criação do SNVE, diversas variáveis e inúmeros fatores puderam ser analisados em relação ao quadro epidemiológico do País. O contexto socioeconômico, a faixa etária, o acesso aos serviços de saúde, as sequelas e a localização geográfica serviram de base para o levantamento de índices e outros dados estatísticos. PROGRAMA NACIONAL DE IMUNIZAÇÃO, UM PROGRAMA QUE SE MANTÉM ATUANTE POR MAIS DE 40 ANOS Em 1971, foi criada a Central de Medicamentos (CEME), que tinha o objetivo de estimular a indústria farmacêutica brasileira na compra, na produção e na distribuição de medicamentos para os setores sociais mais carentes, principalmente as vacinas. A parceria desse Órgão com o MS, estimulou um maior apoio ao investimento no combate a doenças imunopreveníveis e na vigilância epidemiológica, culminando com a criação do Programa Nacional de Imunização (PNI), em 1973. Embora a primeira vacinação em territó rio nacional tenha ocorrido em 1804, a criação do PNI representou um dos marcos do processo de Promoção de Saúde na história do País. Suas ações garantiram ao governo a otimização de recursos, o melhor planejamento e a sistematização de suas atividades, e, consequentemente, produziram a elevada eficácia das Campanhas Nacionais de Imunização. Na elaboração do PNI, ficaram definidos como objetivos principais do Programa, a extensão das vacinações para as áreas rurais, o aperfeiçoamento da vigilância epidemiológica, a capacitação dos laboratórios de Saúde Pública para o favorecimento do diagnóstico precoce, a uniformização das técnicas de administração de vacinas e a promoção da educação em saúde para aumentar a receptividade da população ao Programa de Vacinação. As principais Campanhas do PNI eram voltadas para o combate de sarampo, difteria, tétano, coqueluche, tuberculose, poliomielite, entre outras; levando em consideração as diferenças epidemiológicas de cada faixa etária e priorizando a população de risco, como crianças, idosos e gestantes. Em 1977, a OPAS/OMS elaborou o Programa Ampliado de Imunização (PAI), com o objetivo de ampliar a cobertura vacinal dos grupos mais susceptíveis. Com isso, no Brasil, foram estabelecidas vacinas obrigatórias para os menores de um ano de idade em todo o território nacional. No mesmo ano, foi criada a Caderneta de Vacinação, que consistiu em um dos principais mecanismos de fiscalização e vigilância do calendário vacinal, sendo documento necessário para a comprovação das vacinas administradas e a exigência obrigatória desse documento a partir de julho de 1978. CONFERÊNCIAS NACIONAIS DE SAÚDE NO REGIME MILITAR E O NASCIMENTO DO MOVIMENTO SANITÁRIO Durante a Ditadura Militar, ocorreram quatro Conferências Nacionais de Saúde (CNS), da 4ª até a 7ª. Entretanto, devido às características do Regime, elas tiveram uma contribuição bastante pífia na função de propor mudanças nas Políticas Públicas de Saúde e melhorias para os Serviços, pois contaram com a participação apenas de representantes de um Governo centralizador, focado no desenvolvimento econômico e pouco aberto às questões sociais. No período entre 30 de agosto e 4 de setembro de 1967, foi realizada a 4ª Conferência Nacional de Saúde que teve como tema central: “Recursos Humanos para as Atividades de Saúde” e contou com a participação de autoridades e especialistas do Ministério da Saúde e da Previdência Social. Os principais objetivos foram definir o tipo de profissional de saúde de que o Brasil necessitava, atribuir a responsabilidade sobre a formação desse profissional ao Ministério da Saúde e integrar as Universidades e outras Instituições de Ensino Superior na formulação das Políticas Nacionais de Saúde. Em agosto de 1975, no Governo de Ernesto Geisel, teve início a 5ª CNS, presidida pelo Ministro da Saúde Paulo de Almeida Machado. O tema de maior destaque em discussão nessa Conferência foi a elaboração e a implantação de um Sistema Nacional de Saúde, determinando os papéis do Ministério da Saúde e do Ministério da Previdência Social, responsáveis pelas ações de prevenção e de Saúde Coletiva, e pela assistência médico-previdenciária, respectivamente. Outros temas abordados foram: a criação de Programas de Extensão das Ações de Promoção da Saúde à população do meio rural; estratégias de implantação do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SNVE); do Programa de Saúde Materno-Infantil e a elaboração do Programa de Controle de Grandes Endemias. Em 1977, ocorreu a 6ª CNS, que tinha como tema o “Controle das Grandes Endemias”, novamente no centro das discussões, o que evidenciava a situação sanitária precária do Brasil; juntamente com o tema de Interiorização dos Serviços de Saúde, exemplificando as ações discriminatórias da assistência médico-previdenciária e a retomada do debate sobre a necessidade de um Plano Nacional de Saúde. Estes dois últimos eram um reflexo da mudança de pensamento sobre os serviços de saúde e a necessidade de uma assistência universal. No ano seguinte, 1980, foi realizada a 7ª CNS, com a presença de representantes do Governo e do setor da saúde. Seu tema central era a “Extensão das ações de saúde por meio de serviços básicos”. As discussões levantadas abriram espaço para a intermultidisciplinaridade; entretanto, o debate focou sobre a elaboração e a implantação de um Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde, Prev-Saúde, para garantir o acesso da população aos serviços básicos de saúde, que não atendia às necessidades da comunidade. Nessa Conferência, houve o questionamento sobre a funcionalidade e estruturação das Conferências Nacionais de Saúde. MOVIMENTO SANITÁRIO – UMA LUTA EM PROL DA SAÚDE PÚBLICA Após o Golpe de 1964, o quadro sanitário e as condições de saúde da população se agravaram. A taxa de mortalidade infantil, que se mostrava em declínio desde a década de 1940, sofreu uma piora em seus índices. Concomitante, a incidência de doenças infectocontagiosas, como tuberculose, malária, Doença de Chagas e esquistossomose; e de agravos na saúde, como violências e acidentes de trabalho, apresentavam índices alarmantes. Essa situação, associada ao aumento da insatisfação de diferentes setores sociais à repressão e ao autoritarismo do Regime, criou um ambiente propício para a formação de movimentos sociais. No Brasil, o Movimento Sanitário foi determinante para a definição de um dos princípios basilares do atual Sistema Único de Saúde, a universalização. Na Ditadura Militar,a assistência à saúde era ofertada por meio da Previdência Social ou de associações filantrópicas, o que excluía parte significativa da população, mesmo após incluir trabalhadores rurais e autônomos na participação da previdência pelo Instituto Nacional de Previdência Social ou através do Programa de Pronta Ação universalizar o atendimento de urgência. A finalidade do Movimento Sanitário não se restringia ao setor da saúde, porque se almejava estabelecer um sentimento de democracia e reafirmar a cidadania dos que estavam excluídos da assistência à saúde. Dessa forma, objetivavam- se garantir o acesso às estratégias de prevenção e promoção da saúde e descentralizar a gestão para que a sociedade se aproximasse das decisões no campo da saúde. A Reforma Universitária de 1968 criou, por lei, o Departamento de Medicina Preventiva (DMP) em todas as Faculdades de Medicina. O DMP iniciou a análise dos problemas de saúde em uma abordagem histórica-estrutural, o que representou os alicerces para o movimento social de transformação do sistema de saúde, a Reforma Sanitária. A Medicina Preventiva relacionou-se com o conceito de Saúde e de Ecologia, tendo em vista que o estado de saúde, tanto físico quanto psíquico, é influenciado pelas relações do indivíduo com o meio, pelas atitudes do indivíduo e por sua relação com a comunidade, entre outros fatores. Nessa conjuntura, destacam-se nomes como o do médico sanitarista, deputado federal, e posteriormente, presidente da FIOCRUZ, Sergio Arouca, um dos principais articuladores e militantes do Movimento Sanitário brasileiro, que foi o responsável pela introdução do novo “modo de pensar em saúde” no Brasil, de que a saúde é resultante de determinantes sociais. Seus ideais incitaram movimentos estudantis por todo o País e debates sobre a reformulação dos pilares da Saúde Pública, ocasião em que foram feitas duras críticas ao modelo vigente. Nesse contexto, surgiu o Movimento Sanitário, em meados da década de 1970. Com a maior compreensão da relevância de outros fatores envolvidos no processo saúde- doença, como a educação, a genética e o acesso aos serviços de saúde, ganhando mais força após a Declaração de Alma-Ata. A assistência médica previdenciária não se mostrou capaz de atender às necessidades da população e o tema da universalização do atendimento ganhou destaque no cenário nacional. A partir da propagação dessa ideologia, principalmente em âmbito acadêmico, algumas instituições começaram a defender um modelo de Saúde Pública que focasse na universalidade da atenção. Destacaram-se nesse processo o Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (CEBES) e a Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO). CEBES E ABRASCO – PRINCIPAIS PROTAGONISTAS DO MOVIMENTO SANITÁRIO O Centro Brasileiro de Estudos em Saúde foi significativo na disseminação e defesa da medicina social. Isso aconteceu por meio de debates sobre temas de saúde comunitária nas Semanas de Estudos sobre Saúde Comunitária (Sesac) em 1974. O objetivo dessas discussões era reunir professores, estudantes e profissionais da área de saúde, para analisar a influência social, política e econômica na estrutura da saúde e debater sobre o progresso das práticas de saúde comunitária. Em 1976, com a proposta de publicar um periódico, o CEBES elabora a Revista Saúde em Debate, o que foi significativa na conjuntura do movimento sanitário. Em uma edição da Saúde em Debate de 1977, resgatava-se a ideologia do direito à saúde e denunciava-se a necessidade de uma mudança efetiva nas condições de saúde da população. Dessa forma, a proposta da revista e dos integrantes do CEBES tinha como base retratar a realidade da saúde brasileira e disseminar os pensamentos de uma Reforma Sanitária caracterizada pela universalização e equidade no acesso aos serviços de saúde. Em novembro de 1979, a Câmara dos Deputados realizou o I Simpósio sobre Política Nacional de Saúde, contando com a participação de membros do Movimento da Reforma Sanitária, e demais movimentos. Nesse cenário, o Movimento Sanitário cria alianças e se fortalece politicamente. As discussões e a conclusão do Simpósio representaram uma vitória para o Movimento, e culminaria com a criação das Ações Integradas de Saúde, em 1982, com o processo de universalização da assistência prestada pelo INAMPS. O Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (CEBES) apresentou seu documento “A Questão Democrática na Área da Saúde”, que trata diretamente do tema da universalização do atendimento. O documento trazia à tona o pensamento de que a saúde é um direito de todos e cabia ao Estado assegurá-la. Tal prerrogativa se apoiava nos ideais da Declaração de Alma-Ata de 1978 e representaria, tempos depois, o cerne da 8º Conferência Nacional de Saúde e seria institucionalizado na Constituição de 1988. Em 1979, houve a criação da ABRASCO, após a 1ª Reunião sobre Formação e Utilização de Pessoal de Nível Superior na Área da Saúde Pública, em Brasília; que contou com a participação de profissionais, estudantes e docentes da área da Saúde. A ABRASCO, fundada com caráter interdisciplinar, tinha o intuito de representar os interesses de diferentes profissionais da Saúde, e nortear os centros de pesquisas e Instituições de Ensino Superior (IES’s), relacionados com o tema Saúde Coletiva, por meio da organização de palestras, seminários, congressos e na elaboração de projetos que visam fortalecer a integração do Serviço de Saúde. A ABRASCO, desde a sua criação, apresentou-se participativa e continua atuante nos diversificados campos de representação da sociedade, como o Conselho Nacional de Saúde e o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, objetivando prosseguir ativamente na elaboração e no monitoramento das políticas envolvendo os setores da saúde, educação, ciência e tecnologia. Em 1996, a ABRASCO publicou o primeiro periódico da Revista Ciência & Saúde Coletiva e, em 1998, da Revista Brasileira de Epidemiologia, dois destacados periódicos na área de produção científica brasileira e reconhecidos pela comunidade científica. AS REPERCUSSÕES DO MOVIMENTO SANITÁRIO BRASILEIRO PARA A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS) Em decorrência da fragmentação do setor saúde, instituiu-se, em 1982, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) objetivando articular e aproximar as Secretarias de Saúde dos Estados e do Distrito Federal no processo de reconstrução e inovação da área. O CONASS, a partir da sua implementação, mantém-se protagonista nas políticas de saúde, intervindo e tendo presença em diferentes eventos sobre a estruturação do Sistema de Saúde. Participou da 8ª CNS, convocando entidades importantes para esse evento que se apresentou como a consolidação do Movimento Sanitário. No decorrer do Movimento Sanitário, houve significativos avanços no campo da legislação relacionada à Saúde. Declarar a Universalização do acesso aos serviços, e considerar a saúde como um direito social e de responsabilidade do Estado, foi imprescindível para a população brasileira, especialmente para os segmentos que não desfrutavam de assistência médica. A 8ª CNS foi o palco para a discussão dessa nova Política de Saúde Pública, apresentando como temas centrais a saúde como direito essencial à cidadania, a reformulação do Sistema Nacional de Saúde e o seu financiamento. REFERÊNCIAS ARANTES, G. R.; RUFFINO-NETTO, A. Tendência da sub-notificação de casos no decorrer da epidemia de meningite meningocócica ocorrida no Estado de São Paulo, Brasil, no período de 1971/75. Rev. saúde públ., São Paulo, n. 11, p. 182-87, 1977. AROUCA, S. Entrevista: Sérgio Arouca. Trab. educ. saúde. , Rio de Janeiro, v. 2, n. 2, p. 355-361, 2003. 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