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Estudos Socias 5

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ESTUDOS SOCIAIS 
AULA 5 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Prof.a Máira Nunes 
 
 
 
 
 
 
 
 
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CONVERSA INICIAL 
Olá! Seja bem-vindo à quinta aula da disciplina “Estudos de Sociedade”! 
A partir de agora, vamos ampliar algumas questões que já abordamos 
anteriormente, como o contexto pós Revolução Industrial: quais foram as 
mudanças no mundo e na sociedade? Como as mudanças no trabalho foram se 
desdobrando? 
Vamos apresentar também algumas questões sobre a ciência e seus 
métodos e falar das sociedades multiculturais e da construção de identidades no 
contexto da globalização. Bons estudos! 
CONTEXTUALIZANDO 
Depois da Revolução Industrial, o trabalho foi passando por várias 
transformações. Mais produtos passaram a ser feitos em massa, e novas 
técnicas para aumentar essa produção foram aperfeiçoadas. O trabalho passou 
a ser analisado com técnicas científicas, trazendo consequências para as 
pessoas que trabalham nessas fábricas. Trabalhos repetitivos e entediantes, 
feitos sob controle rigoroso de horários, metas e qualidade, são compensados 
com bonificações em dinheiro e outros estímulos. 
Esses problemas do trabalho convivem com o que se chama de sociedade 
pós-industrial, na qual se concebe que bens imateriais, como conhecimento, 
informação, resultado de pesquisas científicas, entre outros são tão 
comercializáveis quanto produtos manufaturados. 
A ciência e seus métodos, essenciais nesse processo, serão descritos 
nessa aula. Nosso objetivo é que você entenda porque devemos questioná-los 
apesar de suas conotações de “verdade”. Buscaremos entender também como 
funcionam as identidades dentro de uma sociedade multicultural, que apesar de 
não ser algo novo tem outras implicações, por ser globalizada. 
 
 
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TEMA 1 – A SOCIEDADE PÓS-INDUSTRIAL 
Depois de levar o mundo a se industrializar, mudanças tecnológicas 
também fizeram com que um novo tipo de economia surgisse e fosse ganhando 
importância. Nesse modelo econômico, “as ideias, a informação e as formas de 
conhecimento sustentam a inovação e o crescimento econômico” (GIDDENS, 
2005, p. 380). 
Grande parte da força de trabalho se dedica às atividades que, em si, não 
produzem artefatos, mas sim os concebem, os projetam e pensam estratégias 
para vendê-los. Também se encaixariam nessa “nova economia” a pesquisa 
científica, o desenvolvimento de tecnologias, a educação e o setor financeiro. Há 
vários nomes para esse momento histórico, mas aqui o chamaremos de 
“sociedade pós-industrial”. 
O filósofo francês Jean François Lyotard, em seu ensaio “A condição pós-
moderna”, situa que os saberes, assim como o trabalho, mudam por influência 
da tecnologia, principalmente na investigação e na transmissão de 
conhecimentos: 
É razoável pensar que a multiplicação de máquinas informacionais 
afeta e afetará a circulação dos conhecimentos, do mesmo modo que 
o desenvolvimento dos meios de circulação dos homens (transportes), 
dos sons e, em seguida, das imagens (media) o fez (LYOTARD, 2009, 
p. 4). 
 
Com novas possibilidades da tecnologia, como comunicação, 
informatização, arquivamento de informações, entre outras, a informação e os 
saberes, que antes eram um fim em si mesmos, passaram a ser mais uma 
mercadoria, a qual pode ser vendida e comprada. 
Essa “economia do conhecimento” já é parte importante nas finanças de 
vários países desenvolvidos. Como a ciência, em um sentido amplo, permanece 
concentrada nas economias desenvolvidas, seria possível pensar nela como um 
entrave para os países emergentes, como antes era a indústria. 
A circulação da informação e a transparência também são questões 
importantes (LYOTARD, 2009, pp. 5-6). Diferentes atores terão interesse em 
 
 
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tornar opacas ou transparentes as informações que lhe forem convenientes. No 
Brasil, por exemplo, entraram em vigor leis de transparência que obrigam os 
governos a divulgar certas informações sobre gastos, as quais nem sempre são 
cumpridas. Por outro lado, empresas privadas podem assumir uma postura de 
transparência enquanto têm suas práticas e informações muito bem escondidas. 
Se por um lado as tecnologias podem propiciar a circulação de informação 
entre atores que antes não tinham tanto acesso a elas, por outro elas mesmas 
são usadas para impedir essa circulação, quando for conveniente. 
A pesquisadora Eduarda Escila Ferreira Lopes, no artigo "Diagnóstico do 
Sistema Regional de Produção Publicitária (SRPP) na Sociedade Pós-Industrial" 
relaciona o conceito de sociedade pós-industrial com a produção publicitária do 
interior de São Paulo. Perceba como as questões apontadas por ela acontecem 
muito próximas a nós. 
http://www.portcom.intercom.org.br/pdfs/68871772946643404973086570
302323036698.pdf 
TEMA 2 – TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO 
A sociedade pós-industrial trouxe mudanças no trabalho que ainda são 
visíveis nos dias de hoje. É importante ressaltar que esses processos não 
ocorrem de maneira revolucionária, mas foram modificando a sociedade aos 
poucos, isso porque o fato de estarmos numa sociedade pós-industrial não 
significa que abandonamos por completo modelos de produção antigos. 
Mas o que é trabalho? Para Giddens (2005, p. 378) trata-se da “realização 
de tarefas que envolvem o dispêndio de esforço mental e fiśico, com o objetivo 
de produzir bens e serviços para satisfazer necessidades humanas”. 
Essa definição aceita variáveis: há trabalhos remunerados e não 
remunerados; há aqueles que a sociedade reconhece como tal e outros que não 
parecem trabalho; há também os formais e os informais, que não passam pelo 
controle do Estado. Além de ganhar dinheiro (no caso de trabalhos 
remunerados), outros fatores devem coexistir no trabalho, como exercer uma 
 
 
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atividade que de outra forma não seria exercida; ter uma mudança de ambiente 
e contatos sociais; criar uma rotina e até uma identidade. 
As mudanças tecnológicas e sociais influenciaram a maneira de trabalhar. 
A agricultura e o trabalho manual eram a norma em sociedades pré-modernas. 
Vários dos processos aqui abordados, como a Revolução Industrial, a 
globalização e a urbanização fizeram com que o trabalho se concentrasse em 
cidades e em fábricas. 
Novas tecnologias permitiram que o trabalho fosse dividido e analisado 
como um objeto científico, o que possibilitou o aumento de produtividade dos 
operários, que sentiram as consequências de se tornarem partes substituíveis 
de uma empresa. 
Também aconteceu a chamada divisão do trabalho. Antes, um 
trabalhador dominava o processo completo de produção de um artefato. 
Sapateiros, ferreiros e artesãos em geral compravam ou obtinham as matérias-
primas e entregavam a seus clientes o produto pronto. Esse tipo de 
especialização deu lugar ao profissional que se especializa em uma parte do 
processo de produção. Para produzir um sapato, por exemplo, um funcionário 
pode se encarregar de costurar uma parte enquanto outro cola o solado. 
A divisão do trabalho foi concebida no final do século XVIII por Adam 
Smith, considerado um dos fundadores da economia moderna. Ele observou que 
a produtividade aumentava se cada pessoa, em vez de se ocupar do processo 
inteiro de produção, fizesse apenas uma das tarefas necessárias. 
Um século depois, Frederick Winslow Taylor, consultor de gestão, partiu 
das ideias de Smith para conceber a “gestão científica” (que depois tomou o 
nome do seu criador: taylorismo), na qual cada processo de produção pode ser 
observado para determinar a melhor maneira de executá-lo. Para isso, também 
era fundamental que cada funcionário trabalhasse conforme o determinado, o 
que eraincentivado por meio de benefícios econômicos. 
Uma produção eficiente em massa se complementaria de maneira muito 
conveniente com um mercado que pudesse absorver toda essa produção. Henry 
Ford fez essa ligação e aproveitou as vantagens do taylorismo para criar 
 
 
6 
mercado para um automóvel barato, produzido em linhas de montagem com 
operários encarregados de cada tarefa. 
O taylorismo/fordismo tem algumas desvantagens. Do ponto de vista da 
indústria, a dificuldade é o alto custo de instalação de linhas de montagem e a 
pouca flexibilidade em mudar o que é produzido. Indústrias automobilísticas 
japonesas, por exemplo, vendiam linhas de montagem inteiras para a Coreia do 
Sul e China, que produziam automóveis considerados obsoletos para a indústria 
japonesa. 
Do ponto de vista dos operários, o taylorismo/fordismo implica trabalhos 
repetitivos, de baixa responsabilidade e que trazem a necessidade de 
mecanismos de controle, o que acarreta problemas de motivação dos 
funcionários, absentismo, doenças crônicas, entre outros. É o preço de se sentir 
pouco mais que uma engrenagem do maquinário. 
No final dos anos 1970, as indústrias começaram a experimentar 
alternativas ao taylorismo/fordismo. O mercado demandava mais variedade de 
produtos, priorizando os nichos de mercado e a inovação. Alguns autores 
chamam essa mudança de pós-fordismo. Trabalhadores foram divididos em 
equipes menores e encarregados de formar comitês de controle de qualidade, o 
que aumenta a ideia de responsabilidade sobre o que é produzido. 
Também começaram a ser valorizados atributos pessoais, como 
capacidade de liderança e solução de problemas. Para alguns autores, conceber 
que essas mudanças foram revolucionárias é um exagero, já que ainda 
persistem princípios do taylorismo/fordismo nas indústrias. 
Até aqui acabamos nos concentrando em descrever as mudanças na 
maneira de produzir, mas restam as implicações sociais. Além da apatia e de 
outras consequências que a divisão do trabalho e os empregos de baixa 
responsabilidade trouxeram, é necessário considerar outras implicações. 
A produção industrial começou a empregar indivíduos, em vez de famílias 
inteiras, separando mais as esferas do público e do privado. Mulheres que 
tiveram que trabalhar precisaram (e ainda precisam) conciliar o trabalho com as 
tarefas domésticas, que também são um trabalho, apesar de geralmente não ser 
 
 
7 
concebido como tal. Apesar de conquistas sindicais, como o estabelecimento de 
um salário mínimo, ajudarem a diminuir a brecha entre mulheres e homens, as 
mulheres ainda têm salários menores, mesmo as que ocupam altos cargos. 
Esses e outros fatores também influenciam as famílias. Atualmente, 
circulam matérias jornalísticas sobre como trabalhadores europeus estão 
optando por estilos de vida mais simples para poder trabalhar menos horas por 
dia e, assim, passar mais tempo em atividades de lazer com a família. Outras 
opções são o trabalho em casa, as jornadas de trabalho flexíveis ou ainda 
contratar babás e empregados para ajudar nas tarefas domésticas. Porém, como 
ficam as pessoas que não podem se dar ao luxo de fazer isso? 
As dificuldades, sejam do indivíduo ou da indústria, levam à precarização 
do trabalho e geram um conjunto de inseguranças, sendo que a principal é o 
medo do desemprego. Em sociedades nas quais estar empregado é essencial, 
perder o emprego não só implica em perder o salário, mas também interações 
sociais, chegando a ter um caráter de “estigma”. 
O trabalho, de modo geral, sempre está passando por mudanças. Alguns 
especialistas apontam que inovações como o trabalho à distância e as jornadas 
flexíveis possam reduzir os problemas dos trabalhadores e das próprias 
empresas. Porém, a esses discursos é necessário somar a situação de 
trabalhadores que não têm condições de aderir a essas inovações. 
Acesse o link a seguir e leia o texto "Sobre o fenômeno dos trabalhos de 
merda", do antropólogo David Graeber. Veja quais relações podem ser feitas 
com os conteúdos vistos até agora. 
https://medium.com/@vertigens/sobre-o-fenômeno-dos-trabalhos-de-
merda-3dc505ef1d01 
São típicas as histórias de agências de publicidade que envolvem horários 
irregulares e jornadas estendidas, sem pagamento de hora extra. Algumas 
pessoas que trabalham nesse ritmo chegam a tomar isso como parte de sua 
identidade de publicitário. 
 
 
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Em relação a isso, apresentamos duas interessantes leituras 
complementares. Propomos que você leia o texto “10 coisas que aprendi em 10 
anos de publicidade e propaganda” e compare o item 6 com o que é apresentado 
no vídeo. 
https://medium.com/@odiogogregorio/10-coisas-que-aprendi-em-10-
anos-de-publicidade-e-propaganda-d3dc333cb34e#.pl8dprvzb 
https://vimeo.com/25421836 
TEMA 3 – CIÊNCIA E PROGRESSO 
Os processos de que tanto falamos, como a globalização e a 
industrialização, foram colocados aqui como ligados a mudanças científicas e 
tecnológicas que propiciaram mudanças sociais. Além disso, a sociedade pós-
industrial se caracteriza também pelo comércio de informações, que também são 
obtidas pela ciência. 
Apesar de não sabermos direito o que é ciência, ela tem uma conotação 
de “verdade”. Cada conhecimento, para ser considerado “científico”, já passou 
por experimentações, refutações, discussões, avaliações e até fabricações, até 
que alguém lhe deu o rótulo de “verdadeiro”, transformando-o em uma caixa 
preta inquestionável, que se torna parte do senso comum (KREIMER, 2009, pp. 
13-14). 
A ciência é uma prática como qualquer outra, feita por pessoas e, por isso, 
sujeita a falhas. Porém, considerando que há outras formas de produzir 
conhecimento, o conhecimento produzido pela ciência é similar aos outros? A 
ciência tem a capacidade de explicar e prever fenômenos; consequentemente, 
tem o poder de transformá-los. 
O sociólogo argentino Pablo Kreimer (2009, p. 19-22) divide a história da 
ciência em três etapas: 
 Institucionalização: começou no Renascimento, quando a 
ciência adquiriu seu espaço próprio, separado de instituições religiosas, e 
começou a se aproximar do Estado; 
 
 
9 
 Profissionalização: quando a ciência deixou de ser 
concebida como algo próximo à arte e financiada de maneira similar; 
 Industrialização: quando a investigação científica passou a 
adotar meios de produção semelhantes aos da indústria, associando-se a 
ela em alguns casos e se tornando também uma indústria. 
Em 1937, quando ainda estavam acontecendo esses fatos, o sociólogo 
estadunidense Robert Merton concebe que há uma relação entre o 
conhecimento científico, o desenvolvimento tecnológico e as esferas sociais, 
econômicas, culturais, políticas, entre outras. Esses fatores comprometeriam a 
autonomia necessária para fazer ciência. Desafiar a ideia da ciência como algo 
isolado e neutro era inédito na época e ainda hoje é difícil tirar essa conotação 
de neutralidade que a ciência tem. 
Uma noção que costuma ser próxima da ideia da neutralidade da ciência 
é a do progresso tecnológico linear. Nesse modelo, uma sociedade poderia, 
através do investimento em ciência, superar a inércia e conseguir um 
desenvolvimento tecnológico rentável, que pode ser, por exemplo, o 
comercializado em massa. 
Esse modelo, apesar de ter servido para impulsionar políticas de ciência 
e tecnologia, ignora que a maioria dos progressos tecnológicos não aconteceu 
dessa maneira, mas dentro de uma rede de outros fatores. Além disso, essa 
noção situa que países emergentes ainda precisariam percorrer o mesmo 
caminho dos países desenvolvidos, em vez de deixar que desenvolvam de forma 
autônoma suas políticas de ciência e tecnologia. 
Considerarque a ciência tem questões que a impedem de ser neutra e 
que o progresso não avança sobre trilhos nos ajuda a repensar discursos que se 
apropriam dessas noções para justificar atos que deveriam levar em 
consideração fatores sociais. 
Vamos analisar a construção de uma usina hidrelétrica, por exemplo. Se 
focarmos no plano científico e técnico, concluímos que pode ser uma boa 
solução para fornecer energia. Porém, se considerarmos que as decisões 
 
 
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tomadas, por mais neutras que fossem (ou por mais que quem as tomou tenha 
tentado se convencer que eram neutras), implicam impactos em várias esferas. 
Por exemplo, os moradores têm que sair do lugar no qual moraram a vida 
inteira porque a área vai ser inundada; pessoas se sujeitam a trabalhar correndo 
riscos porque precisam do salário; traficantes de pessoas trafiquem mulheres 
para atender a certas demandas desses trabalhadores. Ou seja, em maior ou 
menor medida, todos nós vivemos as consequências de decisões supostamente 
neutras. 
No artigo "Ouvir a ciência, salvar a floresta, enfrentar as controvérsias, 
pensar a democracia", Jean Horchsprung e Léa Velho narram como, para 
debater questões relacionados ao novo Código Florestal, deputados 
convocaram científicos para apoiar suas decisões. Cada lado da discussão levou 
pareceres favoráveis às suas posições, e os dois lados clamavam a 
"neutralidade" deles. Acesse o link a seguir e leia na íntegra: 
http://www.ghgprotocolbrasil.com.br/ouvir-a-ciencia-salvar-a-floresta-
enfrentar-as-controversias-pensar-a-democracia?locale=pt-br 
TEMA 4 – MULTICULTURALISMO 
Sociedades multiculturais, ou seja, com pessoas de diferentes culturas 
convivendo em um mesmo espaço (cidade, bairro, país) não são novidade. O 
Brasil colonial, por exemplo, era uma sociedade multicultural. A novidade é 
entender como os processos que estamos estudando (industrialização e 
globalização) atuam nessas sociedades e nas diferentes culturas que as 
compõem. 
Segundo Stuart Hall, teórico nascido na Jamaica que será nossa base 
para entendermos essas questões, há três fatores importantes para o 
surgimento de sociedades multiculturais contemporâneas: a fragilidade das 
sociedades “pós-coloniais” que se tornaram independentes recentemente; a 
dissolução da União Soviética e a globalização (HALL, 2003, pp. 55-58). 
Uma distinção importante feita por Hall é entre os termos multicultural (o 
adjetivo que se aplica a sociedades multiculturais) e o multiculturalismo (termo 
 
 
11 
que designa as políticas e maneiras de lidar com questões multiculturais). Há 
vários tipos de multiculturalismo: 
 Conservador: pretende integrar ou homogeneizar as 
culturas “diferentes” da cultura da maioria; 
 Liberal: pretende integrar as diferentes culturas ao 
mainstream, mas tolera certas práticas, desde que feitas no âmbito 
privado; 
 Pluralista: concede direitos diferentes a diferentes culturas; 
 Comercial: parte do princípio de que se as diferenças entre 
culturas forem reconhecidas na esfera pública, os problemas serão 
resolvidos no consumo privado, sem necessidade de redistribuição do 
poder ou dos recursos; 
 Corporativo: busca administrar e negociar as diferenças, 
cuidando dos interesses do “centro”; 
 Crítico ou revolucionário: questiona o poder, os privilégios, 
a hierarquia de opressões e os movimentos de resistência, valorizando a 
heterogeneidade da sociedade. 
Há vários argumentos contra o multiculturalismo. À direita do espectro 
político, há quem acredite que a convivência de diferentes culturas atente contra 
a “pureza” da cultura de uma nação ou que a “busca da diferença” ameaça a 
neutralidade de um estado liberal. 
À esquerda, a crítica é que o multiculturalismo privilegiaria a cultura e a 
identidade, deixando de lado questões econômicas e materiais. Também se 
critica o “gerenciamento” do multiculturalismo, que se aproxima perigosamente 
de políticas segregacionistas, e o “multiculturalismo de butique”, comercializado 
e consumista, os quais “celebram a diferença sem fazer diferença” (HALL, 2003, 
p. 54). 
 
 
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A partir dessas críticas, podemos pensar que uma homogeneização das 
culturas seria bem vista por alguns setores, e que uma celebração “rasa” do 
multiculturalismo não traria benefícios a essas culturas. Podemos pensar, 
basicamente, que há forças que querem a homogeneização e a assimilação; e 
forças que querem marcar as diferenças, ao mesmo tempo que reivindicam 
direitos iguais. 
Para entender essas forças, podemos pensar em várias marcas, 
particularmente de produtos de mídia, que chegam ao Brasil, como foi o caso do 
canal de música MTV; de franquias televisivas como MasterChef e Big Brother 
ou ainda de estabelecimentos comerciais, como redes de comida rápida. Se 
estabelecer em outro país implica adaptações pequenas ou grandes mudanças, 
além de usar menos soluções prontas, sejam programas gravados no exterior 
ou receitas de hambúrgueres. 
Esses casos podem ser considerados dominação através da imposição 
de culturas alheias. Por outro lado, as exigências do mercado nacional e as 
apropriações que as pessoas fazem desses produtos os tornam parte de nossas 
culturas. Segundo Hall, essas peculiaridades dos mercados supostamente 
dominados aparecem: 
nos vazios e aporias, que constituem sítios potenciais de resistência, 
intervenção e tradução. Nesses interstícios, existe a possibilidade de 
um conjunto disseminado de modernidades vernáculas. Culturalmente, 
elas não podem conter a maré da tecno-modernidade ocidentalizante. 
Entretanto, continuam a modular, desviar e “traduzir” seus imperativos 
a partir da base. Elas constituem o fundamento para um novo tipo de 
"localismo" que não é autossuficientemente particular, mas que surge 
de dentro do global, sem ser simplesmente um simulacro deste (HALL, 
2003, p. 61). 
 
Os produtos que usamos como exemplo seguem as cartilhas das 
matrizes, mas aos poucos vão se adaptando ao jeito como os consumidores se 
apropriam deles. As pessoas podem aceitar ou simplesmente rejeitar, mas 
também vai haver uma negociação que tornará um produto essencialmente 
estrangeiro em algo brasileiro. 
Acesse o link a seguir e leia um trecho do artigo "Direitos Humanos, 
Interculturalidade e Racionalidade da Resistência", de autoria de Joaquín 
 
 
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Herrera Flores. Com qual dos diferentes tipos de multiculticulturalismo 
apresentados você acha que ele se relaciona mais? 
https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/view/15330/13921 
TEMA 5 – IDENTIDADE E GRUPOS SOCIAIS 
No tema anterior, apresentamos algumas implicações de sociedades 
multiculturais. Agora vamos pensar como esses grupos sociais são formados 
através da construção de identidades. 
A escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, na palestra que 
apresentamos anteriormente, fala como somente foi se identificar como africana 
quando foi morar nos Estados Unidos. Stuart Hall (2003, p. 27) cita que isso 
também aconteceu quando toda uma geração de caribenhos somente se 
identificou como tal quando foi morar em Londres, ele inclusive. 
Podemos pensar que grupos de pessoas que estão fora de seus países 
e/ou de suas culturas de origem acabam usando essas ideias para construir e 
reconstruir suas identidades. Enquanto morava na Nigéria, Chimamanda 
provavelmente se identificava com vários grupos sociais, sendo a identidade 
nigeriana um dos mais abrangentes. 
Em outro contexto, ela era colocada, e talvez tenha se colocado, junto de 
outras pessoas com quem compartilhava valores e significados. Novos 
significados também podem ser apropriados por essas pessoas, resultando em 
construções de identidades mais específicas. Emalguns lugares, essas 
identidades e agrupamentos resultaram na ocupação de lugares específicos, de 
bairros de uma cidade. 
A Liberdade, na cidade de São Paulo, é exemplo desses processos. No 
começo do século XX, imigrantes japoneses preferiram essa região para se 
estabelecer, já que era próximo do centro da cidade e o valor do aluguel era 
acessível. Hoje é uma região que ocupa parte de dois bairros e reúne vários 
estabelecimentos relacionados à cultura japonesa, como escolas, centros 
comunitários e restaurantes. 
 
 
14 
 Também recebe pessoas interessadas na cultura japonesa, seja pelo 
suposto tradicionalismo dos restaurantes, cuja comida foi influenciada por outras 
culturas, ou pelas lojas e eventos relacionados à cultura japonesa, como as lojas 
que vendem brinquedos e filmes da cultura do anime e do mangá (animações e 
quadrinhos japoneses). A região também tem uma forte presença de chineses e 
coreanos, o que faz da Liberdade um bairro não somente japonês, mas oriental, 
paulistano e brasileiro. 
A Liberdade é um exemplo de como identidades podem ser reconstruídas. 
Seria possível pensar em como imigrantes japoneses preservaram, 
conscientemente ou não, elementos da sua cultura, enquanto se apropriavam de 
elementos de outras culturas. 
Há também as pessoas que, apesar de não terem ascendência japonesa, 
consomem produtos culturais japoneses, como mangá e anime, e se reúnem 
nesses lugares para encontrar outras pessoas com os mesmos interesses, 
construindo identidades e também formando grupos sociais. 
Identidades também podem ser construídas a partir da diferença. Kathryn 
Woodward exemplifica essa situação citando trechos de um livro do jornalista 
Michael Ignatieff, no qual ele questiona um soldado sérvio sobre o que faz com 
que os croatas sejam considerados inimigos: 
São quatro horas da manhã. Estou no posto de comando da milícia 
sérvia local, em uma casa de fazenda abandonada, a 250 metros da 
linha de frente croata… não na Bósnia, mas nas zonas de guerra da 
Croácia central. O mundo não está mais olhando, mas toda noite as 
milícias croatas e servas trocam tiros e, às vezes, pesados ataques de 
bazuca. 
 
Esta é uma guerra de cidade pequena. Todo mundo conhece todo 
mundo: eles foram, todos, à escola juntos; antes da guerra, alguns 
deles trabalhavam na mesma oficina: namoravam as mesmas garotas. 
Toda noite, eles se comunicam pelo rádio “faixa do cidadão” e trocam 
insultos – tratando-se por seus respectivos nomes. Depois saem dali 
para tentar se matar uns aos outros. 
 
Estou falando com soldados sérvios – reservistas cansados, de meia-
idade, que preferiam estar em casa, na cama. Estou tentando 
compreender por que vizinhos começam a se matar uns aos outros. 
Digo, primeiramente, que não consigo distinguir entre sérvios e 
croatas. “O que faz vocês pensarem que são diferentes?” 
 
O homem com quem estou falando pega um maço de cigarros do bolso 
de sua jaqueta caqui. “Vê isto? São cigarros sérvios. Do outro lado, 
eles fumam cigarros croatas.” 
 
 
 
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“Mas eles são, ambos, cigarros, certo?” 
 
“Vocês estrangeiros não entendem nada” - ele dá de ombros e começa 
a limpar a metralhadora Zastovo. 
 
Mas a pergunta que eu fiz incomoda-o, de forma que, alguns minutos 
mais tarde, ele joga a arma no banco ao lado e diz: “Olha, a coisa é 
assim. Aqueles croatas pensam que são melhores que nós. Eles 
pensam que são europeus finos e tudo o mais. Vou lhe dizer uma coisa. 
Somos todos lixo dos Bálcãs” (IGNATIEFF apud WOODWARD, 2000, 
pp. 6-7). 
 
Ignatieff não entendia como dois povos aparentemente tão parecidos, que 
chegaram a conviver pacificamente, poderiam ter entrado em guerra. Algo 
similar aconteceu com os colegas estadunidenses de Chimamanda, para os 
quais a África parecia uma única região na qual todas as pessoas tinham 
condições de vida precárias. Essas visões dizem respeito a como as identidades 
podem ser construídas de maneiras sutis, imperceptíveis para quem está de fora. 
Em tempos de globalização, é comum pensar que identidades e grupos 
sociais possam ser destruídos ou homogeneizados. Mas não é bem isso que 
acontece: a resistência a esses fenômenos pode acontecer mesmo em níveis 
minúsculos ou através da reconstrução dessas identidades diante de novas 
situações. Identidades não se perdem, são construídas e reconstruídas 
constantemente. 
Acesse os links a seguir e leia algumas matérias sobre a comunidade 
haitiana em Curitiba: 
 "Deus não é tão brasileiro quanto os imigrantes haitianos 
imaginaram", de Simon Benoît-Guyod: 
http://www.vice.com/pt_br/read/deus-nao-e-tao-brasileiro-quanto-
os-imigrantes-haitianos-imaginaram 
 "A república sentimental do Haiti", de José Carlos 
Fernandes: http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/a-
republica-sentimental-do-haiti-5191y190x0hck8m3y2lvbk66m 
 
 
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 "Haitianos em Curitiba fazem festa", do portal Bem Paraná: 
http://www.bemparana.com.br/noticia/386836/haitianos-em-curitiba-
fazem-festa 
A partir do que foi apresentado, tente compreender o que pode acontecer 
com a comunidade haitiana em Curitiba. Será que, como Chimamanda, eles 
passaram a assumir a identidade de seu país quando chegaram a outro? Quais 
fatos narrados nas matérias você acha que fazem parte da cultura deles? O que 
será que eles querem preservar? De que maneira eles vão construir sua 
identidade? 
Trocar uma ideia com alguém que tenha nascido no Haiti e tenha vindo 
ao Brasil pode ajudar a compreender melhor essas questões. 
TROCANDO IDEIAS 
O italiano Paolo Pedercini, sob o nome “Molleindustria”, produz jogos que 
fazem várias críticas sociais. Aqui vamos trabalhar com o “McDonald’s Video 
Game”, o qual você acessa no link a seguir: 
http://www.mcvideogame.com 
 Você deve acessá-lo em um computador, ele não funciona em tablets 
nem em celulares. Escolha o idioma e jogue uma partida ou mais, se achar 
divertido. Feito isso, entre no fórum e debata sobre os seguintes pontos: 
 Na primeira tela, na qual é possível cultivar soja e/ou pôr 
vacas para pastar, também é possível transformar florestas tropicais em 
pastagens. Você sabe de alguma empresa com práticas similares? 
 No matadouro, aparecem dois tipos de vacas que devem ser 
eliminadas para não contaminar a carne. Um deles tem a doença 
conhecida como “vaca louca”. Qual era uma forma típica de contágio 
desta doença? 
 
 
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 O que o jogador, emulando as funções do gerente, pode 
fazer para estimular ou punir os funcionários? Como você relaciona isso 
com o que foi visto na rota? 
 Como é representada a divisão de trabalho no restaurante? 
 Etnicamente, como o autor do jogo representou os 
trabalhadores da loja? E o gerente? 
 Quais as medidas que o jogador pode tomar no marketing 
ou na publicidade? 
 Como o jogo terminou para você? Quais foram seus erros? 
Como você relaciona isso com o conteúdo da aula? 
NA PRÁTICA 
O jogo “McDonald’s Video Game” tem quatro áreas principais de 
simulação: o pasto (onde se planta soja e se criam vacas); o matadouro; o 
restaurante e o “quartel-general” (no qual se planejam estratégias de marketing, 
campanhas publicitárias etc.). 
Qual dessas quatro divisões se relaciona mais à sociedade pós-industrial 
e ao que foi visto na aula sobre mudanças no trabalho? Quais as mudanças e 
semelhanças no trabalho das outras divisões do jogo? Elabore um texto, um 
esquema explicativo ou uma lista sobre esse tema. 
SÍNTESE 
Chegamos ao final de nossa quinta aula! 
Nesse encontro, analisamos as mudanças no mundo do trabalho depois 
da Revolução Industrial, sendo a principal delas a formação da “sociedade pós-
industrial”. Nela, o foco está nas atividades econômicas empenhadas em 
produzirconhecimento, seja científico, do mercado financeiro, entre outros. 
 
 
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Falamos sobre as consequências dessas mudanças na sociedade e nos 
trabalhadores, questionamos parte dessa economia “pós-industrial”, que é a 
ciência e seus métodos, e vimos os riscos de considerá-la neutra e de deixá-la 
dentro da sua “caixa-preta”. 
Ampliamos a discussão iniciada em aulas anteriores sobre identidade e 
grupos sociais, vendo como a questão do multiculturalismo pode ou não ser 
apoiada, e refletindo sobre hierarquias e relações de poder entre diferentes 
grupos sociais de pessoas com identidades distintas. 
REFERÊNCIAS 
GIDDENS, Anthony. Sociologia. Porto Alegre: Artmed, 2005. 
HALL, Stuart. Da diáspora – Identidades e Mediações Culturais. Belo 
Horizonte: Editora UFMG; Brasília: Representação da Unesco no Brasil, 2003. 
KREIMER, Pablo. El científico también es un ser humano. Buenos 
Aires: Siglo XXI Editores Argentina, 2009. 
LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. Rio de Janeiro: 
José Olympio, 2009. 
WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e 
conceitual. In: SILVA, Tomaz Tadeu (Org.). Identidade e diferença – a 
perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000.

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