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ESTUDOS SOCIAIS AULA 5 Prof.a Máira Nunes 2 CONVERSA INICIAL Olá! Seja bem-vindo à quinta aula da disciplina “Estudos de Sociedade”! A partir de agora, vamos ampliar algumas questões que já abordamos anteriormente, como o contexto pós Revolução Industrial: quais foram as mudanças no mundo e na sociedade? Como as mudanças no trabalho foram se desdobrando? Vamos apresentar também algumas questões sobre a ciência e seus métodos e falar das sociedades multiculturais e da construção de identidades no contexto da globalização. Bons estudos! CONTEXTUALIZANDO Depois da Revolução Industrial, o trabalho foi passando por várias transformações. Mais produtos passaram a ser feitos em massa, e novas técnicas para aumentar essa produção foram aperfeiçoadas. O trabalho passou a ser analisado com técnicas científicas, trazendo consequências para as pessoas que trabalham nessas fábricas. Trabalhos repetitivos e entediantes, feitos sob controle rigoroso de horários, metas e qualidade, são compensados com bonificações em dinheiro e outros estímulos. Esses problemas do trabalho convivem com o que se chama de sociedade pós-industrial, na qual se concebe que bens imateriais, como conhecimento, informação, resultado de pesquisas científicas, entre outros são tão comercializáveis quanto produtos manufaturados. A ciência e seus métodos, essenciais nesse processo, serão descritos nessa aula. Nosso objetivo é que você entenda porque devemos questioná-los apesar de suas conotações de “verdade”. Buscaremos entender também como funcionam as identidades dentro de uma sociedade multicultural, que apesar de não ser algo novo tem outras implicações, por ser globalizada. 3 TEMA 1 – A SOCIEDADE PÓS-INDUSTRIAL Depois de levar o mundo a se industrializar, mudanças tecnológicas também fizeram com que um novo tipo de economia surgisse e fosse ganhando importância. Nesse modelo econômico, “as ideias, a informação e as formas de conhecimento sustentam a inovação e o crescimento econômico” (GIDDENS, 2005, p. 380). Grande parte da força de trabalho se dedica às atividades que, em si, não produzem artefatos, mas sim os concebem, os projetam e pensam estratégias para vendê-los. Também se encaixariam nessa “nova economia” a pesquisa científica, o desenvolvimento de tecnologias, a educação e o setor financeiro. Há vários nomes para esse momento histórico, mas aqui o chamaremos de “sociedade pós-industrial”. O filósofo francês Jean François Lyotard, em seu ensaio “A condição pós- moderna”, situa que os saberes, assim como o trabalho, mudam por influência da tecnologia, principalmente na investigação e na transmissão de conhecimentos: É razoável pensar que a multiplicação de máquinas informacionais afeta e afetará a circulação dos conhecimentos, do mesmo modo que o desenvolvimento dos meios de circulação dos homens (transportes), dos sons e, em seguida, das imagens (media) o fez (LYOTARD, 2009, p. 4). Com novas possibilidades da tecnologia, como comunicação, informatização, arquivamento de informações, entre outras, a informação e os saberes, que antes eram um fim em si mesmos, passaram a ser mais uma mercadoria, a qual pode ser vendida e comprada. Essa “economia do conhecimento” já é parte importante nas finanças de vários países desenvolvidos. Como a ciência, em um sentido amplo, permanece concentrada nas economias desenvolvidas, seria possível pensar nela como um entrave para os países emergentes, como antes era a indústria. A circulação da informação e a transparência também são questões importantes (LYOTARD, 2009, pp. 5-6). Diferentes atores terão interesse em 4 tornar opacas ou transparentes as informações que lhe forem convenientes. No Brasil, por exemplo, entraram em vigor leis de transparência que obrigam os governos a divulgar certas informações sobre gastos, as quais nem sempre são cumpridas. Por outro lado, empresas privadas podem assumir uma postura de transparência enquanto têm suas práticas e informações muito bem escondidas. Se por um lado as tecnologias podem propiciar a circulação de informação entre atores que antes não tinham tanto acesso a elas, por outro elas mesmas são usadas para impedir essa circulação, quando for conveniente. A pesquisadora Eduarda Escila Ferreira Lopes, no artigo "Diagnóstico do Sistema Regional de Produção Publicitária (SRPP) na Sociedade Pós-Industrial" relaciona o conceito de sociedade pós-industrial com a produção publicitária do interior de São Paulo. Perceba como as questões apontadas por ela acontecem muito próximas a nós. http://www.portcom.intercom.org.br/pdfs/68871772946643404973086570 302323036698.pdf TEMA 2 – TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO A sociedade pós-industrial trouxe mudanças no trabalho que ainda são visíveis nos dias de hoje. É importante ressaltar que esses processos não ocorrem de maneira revolucionária, mas foram modificando a sociedade aos poucos, isso porque o fato de estarmos numa sociedade pós-industrial não significa que abandonamos por completo modelos de produção antigos. Mas o que é trabalho? Para Giddens (2005, p. 378) trata-se da “realização de tarefas que envolvem o dispêndio de esforço mental e fiśico, com o objetivo de produzir bens e serviços para satisfazer necessidades humanas”. Essa definição aceita variáveis: há trabalhos remunerados e não remunerados; há aqueles que a sociedade reconhece como tal e outros que não parecem trabalho; há também os formais e os informais, que não passam pelo controle do Estado. Além de ganhar dinheiro (no caso de trabalhos remunerados), outros fatores devem coexistir no trabalho, como exercer uma 5 atividade que de outra forma não seria exercida; ter uma mudança de ambiente e contatos sociais; criar uma rotina e até uma identidade. As mudanças tecnológicas e sociais influenciaram a maneira de trabalhar. A agricultura e o trabalho manual eram a norma em sociedades pré-modernas. Vários dos processos aqui abordados, como a Revolução Industrial, a globalização e a urbanização fizeram com que o trabalho se concentrasse em cidades e em fábricas. Novas tecnologias permitiram que o trabalho fosse dividido e analisado como um objeto científico, o que possibilitou o aumento de produtividade dos operários, que sentiram as consequências de se tornarem partes substituíveis de uma empresa. Também aconteceu a chamada divisão do trabalho. Antes, um trabalhador dominava o processo completo de produção de um artefato. Sapateiros, ferreiros e artesãos em geral compravam ou obtinham as matérias- primas e entregavam a seus clientes o produto pronto. Esse tipo de especialização deu lugar ao profissional que se especializa em uma parte do processo de produção. Para produzir um sapato, por exemplo, um funcionário pode se encarregar de costurar uma parte enquanto outro cola o solado. A divisão do trabalho foi concebida no final do século XVIII por Adam Smith, considerado um dos fundadores da economia moderna. Ele observou que a produtividade aumentava se cada pessoa, em vez de se ocupar do processo inteiro de produção, fizesse apenas uma das tarefas necessárias. Um século depois, Frederick Winslow Taylor, consultor de gestão, partiu das ideias de Smith para conceber a “gestão científica” (que depois tomou o nome do seu criador: taylorismo), na qual cada processo de produção pode ser observado para determinar a melhor maneira de executá-lo. Para isso, também era fundamental que cada funcionário trabalhasse conforme o determinado, o que eraincentivado por meio de benefícios econômicos. Uma produção eficiente em massa se complementaria de maneira muito conveniente com um mercado que pudesse absorver toda essa produção. Henry Ford fez essa ligação e aproveitou as vantagens do taylorismo para criar 6 mercado para um automóvel barato, produzido em linhas de montagem com operários encarregados de cada tarefa. O taylorismo/fordismo tem algumas desvantagens. Do ponto de vista da indústria, a dificuldade é o alto custo de instalação de linhas de montagem e a pouca flexibilidade em mudar o que é produzido. Indústrias automobilísticas japonesas, por exemplo, vendiam linhas de montagem inteiras para a Coreia do Sul e China, que produziam automóveis considerados obsoletos para a indústria japonesa. Do ponto de vista dos operários, o taylorismo/fordismo implica trabalhos repetitivos, de baixa responsabilidade e que trazem a necessidade de mecanismos de controle, o que acarreta problemas de motivação dos funcionários, absentismo, doenças crônicas, entre outros. É o preço de se sentir pouco mais que uma engrenagem do maquinário. No final dos anos 1970, as indústrias começaram a experimentar alternativas ao taylorismo/fordismo. O mercado demandava mais variedade de produtos, priorizando os nichos de mercado e a inovação. Alguns autores chamam essa mudança de pós-fordismo. Trabalhadores foram divididos em equipes menores e encarregados de formar comitês de controle de qualidade, o que aumenta a ideia de responsabilidade sobre o que é produzido. Também começaram a ser valorizados atributos pessoais, como capacidade de liderança e solução de problemas. Para alguns autores, conceber que essas mudanças foram revolucionárias é um exagero, já que ainda persistem princípios do taylorismo/fordismo nas indústrias. Até aqui acabamos nos concentrando em descrever as mudanças na maneira de produzir, mas restam as implicações sociais. Além da apatia e de outras consequências que a divisão do trabalho e os empregos de baixa responsabilidade trouxeram, é necessário considerar outras implicações. A produção industrial começou a empregar indivíduos, em vez de famílias inteiras, separando mais as esferas do público e do privado. Mulheres que tiveram que trabalhar precisaram (e ainda precisam) conciliar o trabalho com as tarefas domésticas, que também são um trabalho, apesar de geralmente não ser 7 concebido como tal. Apesar de conquistas sindicais, como o estabelecimento de um salário mínimo, ajudarem a diminuir a brecha entre mulheres e homens, as mulheres ainda têm salários menores, mesmo as que ocupam altos cargos. Esses e outros fatores também influenciam as famílias. Atualmente, circulam matérias jornalísticas sobre como trabalhadores europeus estão optando por estilos de vida mais simples para poder trabalhar menos horas por dia e, assim, passar mais tempo em atividades de lazer com a família. Outras opções são o trabalho em casa, as jornadas de trabalho flexíveis ou ainda contratar babás e empregados para ajudar nas tarefas domésticas. Porém, como ficam as pessoas que não podem se dar ao luxo de fazer isso? As dificuldades, sejam do indivíduo ou da indústria, levam à precarização do trabalho e geram um conjunto de inseguranças, sendo que a principal é o medo do desemprego. Em sociedades nas quais estar empregado é essencial, perder o emprego não só implica em perder o salário, mas também interações sociais, chegando a ter um caráter de “estigma”. O trabalho, de modo geral, sempre está passando por mudanças. Alguns especialistas apontam que inovações como o trabalho à distância e as jornadas flexíveis possam reduzir os problemas dos trabalhadores e das próprias empresas. Porém, a esses discursos é necessário somar a situação de trabalhadores que não têm condições de aderir a essas inovações. Acesse o link a seguir e leia o texto "Sobre o fenômeno dos trabalhos de merda", do antropólogo David Graeber. Veja quais relações podem ser feitas com os conteúdos vistos até agora. https://medium.com/@vertigens/sobre-o-fenômeno-dos-trabalhos-de- merda-3dc505ef1d01 São típicas as histórias de agências de publicidade que envolvem horários irregulares e jornadas estendidas, sem pagamento de hora extra. Algumas pessoas que trabalham nesse ritmo chegam a tomar isso como parte de sua identidade de publicitário. 8 Em relação a isso, apresentamos duas interessantes leituras complementares. Propomos que você leia o texto “10 coisas que aprendi em 10 anos de publicidade e propaganda” e compare o item 6 com o que é apresentado no vídeo. https://medium.com/@odiogogregorio/10-coisas-que-aprendi-em-10- anos-de-publicidade-e-propaganda-d3dc333cb34e#.pl8dprvzb https://vimeo.com/25421836 TEMA 3 – CIÊNCIA E PROGRESSO Os processos de que tanto falamos, como a globalização e a industrialização, foram colocados aqui como ligados a mudanças científicas e tecnológicas que propiciaram mudanças sociais. Além disso, a sociedade pós- industrial se caracteriza também pelo comércio de informações, que também são obtidas pela ciência. Apesar de não sabermos direito o que é ciência, ela tem uma conotação de “verdade”. Cada conhecimento, para ser considerado “científico”, já passou por experimentações, refutações, discussões, avaliações e até fabricações, até que alguém lhe deu o rótulo de “verdadeiro”, transformando-o em uma caixa preta inquestionável, que se torna parte do senso comum (KREIMER, 2009, pp. 13-14). A ciência é uma prática como qualquer outra, feita por pessoas e, por isso, sujeita a falhas. Porém, considerando que há outras formas de produzir conhecimento, o conhecimento produzido pela ciência é similar aos outros? A ciência tem a capacidade de explicar e prever fenômenos; consequentemente, tem o poder de transformá-los. O sociólogo argentino Pablo Kreimer (2009, p. 19-22) divide a história da ciência em três etapas: Institucionalização: começou no Renascimento, quando a ciência adquiriu seu espaço próprio, separado de instituições religiosas, e começou a se aproximar do Estado; 9 Profissionalização: quando a ciência deixou de ser concebida como algo próximo à arte e financiada de maneira similar; Industrialização: quando a investigação científica passou a adotar meios de produção semelhantes aos da indústria, associando-se a ela em alguns casos e se tornando também uma indústria. Em 1937, quando ainda estavam acontecendo esses fatos, o sociólogo estadunidense Robert Merton concebe que há uma relação entre o conhecimento científico, o desenvolvimento tecnológico e as esferas sociais, econômicas, culturais, políticas, entre outras. Esses fatores comprometeriam a autonomia necessária para fazer ciência. Desafiar a ideia da ciência como algo isolado e neutro era inédito na época e ainda hoje é difícil tirar essa conotação de neutralidade que a ciência tem. Uma noção que costuma ser próxima da ideia da neutralidade da ciência é a do progresso tecnológico linear. Nesse modelo, uma sociedade poderia, através do investimento em ciência, superar a inércia e conseguir um desenvolvimento tecnológico rentável, que pode ser, por exemplo, o comercializado em massa. Esse modelo, apesar de ter servido para impulsionar políticas de ciência e tecnologia, ignora que a maioria dos progressos tecnológicos não aconteceu dessa maneira, mas dentro de uma rede de outros fatores. Além disso, essa noção situa que países emergentes ainda precisariam percorrer o mesmo caminho dos países desenvolvidos, em vez de deixar que desenvolvam de forma autônoma suas políticas de ciência e tecnologia. Considerarque a ciência tem questões que a impedem de ser neutra e que o progresso não avança sobre trilhos nos ajuda a repensar discursos que se apropriam dessas noções para justificar atos que deveriam levar em consideração fatores sociais. Vamos analisar a construção de uma usina hidrelétrica, por exemplo. Se focarmos no plano científico e técnico, concluímos que pode ser uma boa solução para fornecer energia. Porém, se considerarmos que as decisões 10 tomadas, por mais neutras que fossem (ou por mais que quem as tomou tenha tentado se convencer que eram neutras), implicam impactos em várias esferas. Por exemplo, os moradores têm que sair do lugar no qual moraram a vida inteira porque a área vai ser inundada; pessoas se sujeitam a trabalhar correndo riscos porque precisam do salário; traficantes de pessoas trafiquem mulheres para atender a certas demandas desses trabalhadores. Ou seja, em maior ou menor medida, todos nós vivemos as consequências de decisões supostamente neutras. No artigo "Ouvir a ciência, salvar a floresta, enfrentar as controvérsias, pensar a democracia", Jean Horchsprung e Léa Velho narram como, para debater questões relacionados ao novo Código Florestal, deputados convocaram científicos para apoiar suas decisões. Cada lado da discussão levou pareceres favoráveis às suas posições, e os dois lados clamavam a "neutralidade" deles. Acesse o link a seguir e leia na íntegra: http://www.ghgprotocolbrasil.com.br/ouvir-a-ciencia-salvar-a-floresta- enfrentar-as-controversias-pensar-a-democracia?locale=pt-br TEMA 4 – MULTICULTURALISMO Sociedades multiculturais, ou seja, com pessoas de diferentes culturas convivendo em um mesmo espaço (cidade, bairro, país) não são novidade. O Brasil colonial, por exemplo, era uma sociedade multicultural. A novidade é entender como os processos que estamos estudando (industrialização e globalização) atuam nessas sociedades e nas diferentes culturas que as compõem. Segundo Stuart Hall, teórico nascido na Jamaica que será nossa base para entendermos essas questões, há três fatores importantes para o surgimento de sociedades multiculturais contemporâneas: a fragilidade das sociedades “pós-coloniais” que se tornaram independentes recentemente; a dissolução da União Soviética e a globalização (HALL, 2003, pp. 55-58). Uma distinção importante feita por Hall é entre os termos multicultural (o adjetivo que se aplica a sociedades multiculturais) e o multiculturalismo (termo 11 que designa as políticas e maneiras de lidar com questões multiculturais). Há vários tipos de multiculturalismo: Conservador: pretende integrar ou homogeneizar as culturas “diferentes” da cultura da maioria; Liberal: pretende integrar as diferentes culturas ao mainstream, mas tolera certas práticas, desde que feitas no âmbito privado; Pluralista: concede direitos diferentes a diferentes culturas; Comercial: parte do princípio de que se as diferenças entre culturas forem reconhecidas na esfera pública, os problemas serão resolvidos no consumo privado, sem necessidade de redistribuição do poder ou dos recursos; Corporativo: busca administrar e negociar as diferenças, cuidando dos interesses do “centro”; Crítico ou revolucionário: questiona o poder, os privilégios, a hierarquia de opressões e os movimentos de resistência, valorizando a heterogeneidade da sociedade. Há vários argumentos contra o multiculturalismo. À direita do espectro político, há quem acredite que a convivência de diferentes culturas atente contra a “pureza” da cultura de uma nação ou que a “busca da diferença” ameaça a neutralidade de um estado liberal. À esquerda, a crítica é que o multiculturalismo privilegiaria a cultura e a identidade, deixando de lado questões econômicas e materiais. Também se critica o “gerenciamento” do multiculturalismo, que se aproxima perigosamente de políticas segregacionistas, e o “multiculturalismo de butique”, comercializado e consumista, os quais “celebram a diferença sem fazer diferença” (HALL, 2003, p. 54). 12 A partir dessas críticas, podemos pensar que uma homogeneização das culturas seria bem vista por alguns setores, e que uma celebração “rasa” do multiculturalismo não traria benefícios a essas culturas. Podemos pensar, basicamente, que há forças que querem a homogeneização e a assimilação; e forças que querem marcar as diferenças, ao mesmo tempo que reivindicam direitos iguais. Para entender essas forças, podemos pensar em várias marcas, particularmente de produtos de mídia, que chegam ao Brasil, como foi o caso do canal de música MTV; de franquias televisivas como MasterChef e Big Brother ou ainda de estabelecimentos comerciais, como redes de comida rápida. Se estabelecer em outro país implica adaptações pequenas ou grandes mudanças, além de usar menos soluções prontas, sejam programas gravados no exterior ou receitas de hambúrgueres. Esses casos podem ser considerados dominação através da imposição de culturas alheias. Por outro lado, as exigências do mercado nacional e as apropriações que as pessoas fazem desses produtos os tornam parte de nossas culturas. Segundo Hall, essas peculiaridades dos mercados supostamente dominados aparecem: nos vazios e aporias, que constituem sítios potenciais de resistência, intervenção e tradução. Nesses interstícios, existe a possibilidade de um conjunto disseminado de modernidades vernáculas. Culturalmente, elas não podem conter a maré da tecno-modernidade ocidentalizante. Entretanto, continuam a modular, desviar e “traduzir” seus imperativos a partir da base. Elas constituem o fundamento para um novo tipo de "localismo" que não é autossuficientemente particular, mas que surge de dentro do global, sem ser simplesmente um simulacro deste (HALL, 2003, p. 61). Os produtos que usamos como exemplo seguem as cartilhas das matrizes, mas aos poucos vão se adaptando ao jeito como os consumidores se apropriam deles. As pessoas podem aceitar ou simplesmente rejeitar, mas também vai haver uma negociação que tornará um produto essencialmente estrangeiro em algo brasileiro. Acesse o link a seguir e leia um trecho do artigo "Direitos Humanos, Interculturalidade e Racionalidade da Resistência", de autoria de Joaquín 13 Herrera Flores. Com qual dos diferentes tipos de multiculticulturalismo apresentados você acha que ele se relaciona mais? https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/view/15330/13921 TEMA 5 – IDENTIDADE E GRUPOS SOCIAIS No tema anterior, apresentamos algumas implicações de sociedades multiculturais. Agora vamos pensar como esses grupos sociais são formados através da construção de identidades. A escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, na palestra que apresentamos anteriormente, fala como somente foi se identificar como africana quando foi morar nos Estados Unidos. Stuart Hall (2003, p. 27) cita que isso também aconteceu quando toda uma geração de caribenhos somente se identificou como tal quando foi morar em Londres, ele inclusive. Podemos pensar que grupos de pessoas que estão fora de seus países e/ou de suas culturas de origem acabam usando essas ideias para construir e reconstruir suas identidades. Enquanto morava na Nigéria, Chimamanda provavelmente se identificava com vários grupos sociais, sendo a identidade nigeriana um dos mais abrangentes. Em outro contexto, ela era colocada, e talvez tenha se colocado, junto de outras pessoas com quem compartilhava valores e significados. Novos significados também podem ser apropriados por essas pessoas, resultando em construções de identidades mais específicas. Emalguns lugares, essas identidades e agrupamentos resultaram na ocupação de lugares específicos, de bairros de uma cidade. A Liberdade, na cidade de São Paulo, é exemplo desses processos. No começo do século XX, imigrantes japoneses preferiram essa região para se estabelecer, já que era próximo do centro da cidade e o valor do aluguel era acessível. Hoje é uma região que ocupa parte de dois bairros e reúne vários estabelecimentos relacionados à cultura japonesa, como escolas, centros comunitários e restaurantes. 14 Também recebe pessoas interessadas na cultura japonesa, seja pelo suposto tradicionalismo dos restaurantes, cuja comida foi influenciada por outras culturas, ou pelas lojas e eventos relacionados à cultura japonesa, como as lojas que vendem brinquedos e filmes da cultura do anime e do mangá (animações e quadrinhos japoneses). A região também tem uma forte presença de chineses e coreanos, o que faz da Liberdade um bairro não somente japonês, mas oriental, paulistano e brasileiro. A Liberdade é um exemplo de como identidades podem ser reconstruídas. Seria possível pensar em como imigrantes japoneses preservaram, conscientemente ou não, elementos da sua cultura, enquanto se apropriavam de elementos de outras culturas. Há também as pessoas que, apesar de não terem ascendência japonesa, consomem produtos culturais japoneses, como mangá e anime, e se reúnem nesses lugares para encontrar outras pessoas com os mesmos interesses, construindo identidades e também formando grupos sociais. Identidades também podem ser construídas a partir da diferença. Kathryn Woodward exemplifica essa situação citando trechos de um livro do jornalista Michael Ignatieff, no qual ele questiona um soldado sérvio sobre o que faz com que os croatas sejam considerados inimigos: São quatro horas da manhã. Estou no posto de comando da milícia sérvia local, em uma casa de fazenda abandonada, a 250 metros da linha de frente croata… não na Bósnia, mas nas zonas de guerra da Croácia central. O mundo não está mais olhando, mas toda noite as milícias croatas e servas trocam tiros e, às vezes, pesados ataques de bazuca. Esta é uma guerra de cidade pequena. Todo mundo conhece todo mundo: eles foram, todos, à escola juntos; antes da guerra, alguns deles trabalhavam na mesma oficina: namoravam as mesmas garotas. Toda noite, eles se comunicam pelo rádio “faixa do cidadão” e trocam insultos – tratando-se por seus respectivos nomes. Depois saem dali para tentar se matar uns aos outros. Estou falando com soldados sérvios – reservistas cansados, de meia- idade, que preferiam estar em casa, na cama. Estou tentando compreender por que vizinhos começam a se matar uns aos outros. Digo, primeiramente, que não consigo distinguir entre sérvios e croatas. “O que faz vocês pensarem que são diferentes?” O homem com quem estou falando pega um maço de cigarros do bolso de sua jaqueta caqui. “Vê isto? São cigarros sérvios. Do outro lado, eles fumam cigarros croatas.” 15 “Mas eles são, ambos, cigarros, certo?” “Vocês estrangeiros não entendem nada” - ele dá de ombros e começa a limpar a metralhadora Zastovo. Mas a pergunta que eu fiz incomoda-o, de forma que, alguns minutos mais tarde, ele joga a arma no banco ao lado e diz: “Olha, a coisa é assim. Aqueles croatas pensam que são melhores que nós. Eles pensam que são europeus finos e tudo o mais. Vou lhe dizer uma coisa. Somos todos lixo dos Bálcãs” (IGNATIEFF apud WOODWARD, 2000, pp. 6-7). Ignatieff não entendia como dois povos aparentemente tão parecidos, que chegaram a conviver pacificamente, poderiam ter entrado em guerra. Algo similar aconteceu com os colegas estadunidenses de Chimamanda, para os quais a África parecia uma única região na qual todas as pessoas tinham condições de vida precárias. Essas visões dizem respeito a como as identidades podem ser construídas de maneiras sutis, imperceptíveis para quem está de fora. Em tempos de globalização, é comum pensar que identidades e grupos sociais possam ser destruídos ou homogeneizados. Mas não é bem isso que acontece: a resistência a esses fenômenos pode acontecer mesmo em níveis minúsculos ou através da reconstrução dessas identidades diante de novas situações. Identidades não se perdem, são construídas e reconstruídas constantemente. Acesse os links a seguir e leia algumas matérias sobre a comunidade haitiana em Curitiba: "Deus não é tão brasileiro quanto os imigrantes haitianos imaginaram", de Simon Benoît-Guyod: http://www.vice.com/pt_br/read/deus-nao-e-tao-brasileiro-quanto- os-imigrantes-haitianos-imaginaram "A república sentimental do Haiti", de José Carlos Fernandes: http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/a- republica-sentimental-do-haiti-5191y190x0hck8m3y2lvbk66m 16 "Haitianos em Curitiba fazem festa", do portal Bem Paraná: http://www.bemparana.com.br/noticia/386836/haitianos-em-curitiba- fazem-festa A partir do que foi apresentado, tente compreender o que pode acontecer com a comunidade haitiana em Curitiba. Será que, como Chimamanda, eles passaram a assumir a identidade de seu país quando chegaram a outro? Quais fatos narrados nas matérias você acha que fazem parte da cultura deles? O que será que eles querem preservar? De que maneira eles vão construir sua identidade? Trocar uma ideia com alguém que tenha nascido no Haiti e tenha vindo ao Brasil pode ajudar a compreender melhor essas questões. TROCANDO IDEIAS O italiano Paolo Pedercini, sob o nome “Molleindustria”, produz jogos que fazem várias críticas sociais. Aqui vamos trabalhar com o “McDonald’s Video Game”, o qual você acessa no link a seguir: http://www.mcvideogame.com Você deve acessá-lo em um computador, ele não funciona em tablets nem em celulares. Escolha o idioma e jogue uma partida ou mais, se achar divertido. Feito isso, entre no fórum e debata sobre os seguintes pontos: Na primeira tela, na qual é possível cultivar soja e/ou pôr vacas para pastar, também é possível transformar florestas tropicais em pastagens. Você sabe de alguma empresa com práticas similares? No matadouro, aparecem dois tipos de vacas que devem ser eliminadas para não contaminar a carne. Um deles tem a doença conhecida como “vaca louca”. Qual era uma forma típica de contágio desta doença? 17 O que o jogador, emulando as funções do gerente, pode fazer para estimular ou punir os funcionários? Como você relaciona isso com o que foi visto na rota? Como é representada a divisão de trabalho no restaurante? Etnicamente, como o autor do jogo representou os trabalhadores da loja? E o gerente? Quais as medidas que o jogador pode tomar no marketing ou na publicidade? Como o jogo terminou para você? Quais foram seus erros? Como você relaciona isso com o conteúdo da aula? NA PRÁTICA O jogo “McDonald’s Video Game” tem quatro áreas principais de simulação: o pasto (onde se planta soja e se criam vacas); o matadouro; o restaurante e o “quartel-general” (no qual se planejam estratégias de marketing, campanhas publicitárias etc.). Qual dessas quatro divisões se relaciona mais à sociedade pós-industrial e ao que foi visto na aula sobre mudanças no trabalho? Quais as mudanças e semelhanças no trabalho das outras divisões do jogo? Elabore um texto, um esquema explicativo ou uma lista sobre esse tema. SÍNTESE Chegamos ao final de nossa quinta aula! Nesse encontro, analisamos as mudanças no mundo do trabalho depois da Revolução Industrial, sendo a principal delas a formação da “sociedade pós- industrial”. Nela, o foco está nas atividades econômicas empenhadas em produzirconhecimento, seja científico, do mercado financeiro, entre outros. 18 Falamos sobre as consequências dessas mudanças na sociedade e nos trabalhadores, questionamos parte dessa economia “pós-industrial”, que é a ciência e seus métodos, e vimos os riscos de considerá-la neutra e de deixá-la dentro da sua “caixa-preta”. Ampliamos a discussão iniciada em aulas anteriores sobre identidade e grupos sociais, vendo como a questão do multiculturalismo pode ou não ser apoiada, e refletindo sobre hierarquias e relações de poder entre diferentes grupos sociais de pessoas com identidades distintas. REFERÊNCIAS GIDDENS, Anthony. Sociologia. Porto Alegre: Artmed, 2005. HALL, Stuart. Da diáspora – Identidades e Mediações Culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG; Brasília: Representação da Unesco no Brasil, 2003. KREIMER, Pablo. El científico también es un ser humano. Buenos Aires: Siglo XXI Editores Argentina, 2009. LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. Rio de Janeiro: José Olympio, 2009. WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: SILVA, Tomaz Tadeu (Org.). Identidade e diferença – a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000.
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