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PAULA FORGIONI
FUNDAMENTOS DO ANTITRUSTE
CAP 1 – Disciplina do comportamento dos agentes econômicos nos mercados e concorrência: três momentos diversos
1.1. INTRODUÇÃO
Pergunta-se: a partir de que momento a concorrência e o livre mercado foram identificados como valores dignos da tutela de um ordenamento jurídico?
Primeira premissa: o início da disciplina da concorrência não é concomitante ao surgimento do mercado liberal. Regras de concorrência a serem respeitadas pelos agente econômicos são muito anteriores ao surgimento do conceito de livre mercado, ao sistema de produção capitalista.
Segunda premissa: não confundir fenômenos diversos:
Regras que disciplinam a conduta dos agentes econômicos
Regulação da concorrência correlata a um discurso técnico-econômico 
Mas em que momento a palavra “concorrência” (competition) passou a ser empregada em claro sentido econômico? Estudiosos afirmam que teria ocorrido no século XVIII, pois na Antiguidade a palavra concorrência era utilizada em seu sentido coloquial, e não técnico.
Traça-se, assim, a linha da evolução do fenômeno da concorrência em 3 principais passos, sendo que a fase de desenvolvimento posterior não supera a precedente, de forma que, hoje, os vetores que passamos a expor convivem no seio da disciplina:
i. A determinação de regras para o comportamento dos agente econômicos no mercado por razões absolutamente práticas, visando a resultados eficazes e imediatos, eliminando distorções tópicas;
ii. A regulamentação do comportamento dos agentes econômicos como corolário de uma sistema de produção entendido como ótimo. Essa disciplina é vista como correlata à estrutura do próprio sistema. A concorrência assume seu sentido técnico, que lhe é dado pela ciência econômica. De outra parte, sua disciplina visa a proteger o mercado contra seus efeitos autodestrutíveis (correção de efeitos tópicos danosos, visando à manutenção do sistema);
iii. A regulamentação da concorrência e, portanto, do comportamento dos agentes econômicos no mercado passa a ser vista não apenas como essencial para a manutenção do sistema, mas também como instrumento de implementação de políticas públicas (correção dos efeitos tópicos danosos, visando não apenas à manutenção, mas também à condução do sistema).
1.2. O PRIMEIRO PERÍODO. A DISCIPLINA DA CONCORRÊNCIA PARA ELIMINAR DISTORÇÕES TÓPICAS.
1.2.1. Antiguidade grega
Ao que tudo indica, os monopólios estatais na Grécia Antiga tinham pouca duração e eram instituídos, pelos governantes, em períodos de dificuldade econômicas.
Quanto ao monopólio privado, não havia proibição de per se. 
Exemplo 1 é o caso narrado por Aristóteles quanto à estratégia comercial adotada por Tales de Mileto. Este filósofo, prevendo abundante safra de azeitonas, alugou diversos lagares das cidades de Mileto e Chio. Chegada a época da colheita, detinha, com exclusividade, os instrumentos necessários a seu processamento, podendo cobrar por sua utilização o que hoje chamaríamos de “preços de monopólio”.
Exemplo 2 trata-se do primeiro caso antitruste relatado na história. A região da Ática, com alta densidade populacional, tinha solo bastante pobre, com baixa produtividade de grãos, de sorte que sua quase totalidade era importada. Para proteger a população de abusos de comerciantes e importadores, havia leis que impunham algumas obrigações. Por exemplo, os mercadores tinham seus estoques limitados e controlados pelo governo. O lucro máximo que poderia ser obtido com a comercialização vinha prefixado. 
A penalidade para o descumprimento era severa: a morte.
Devido às guerras que se travavam na região por onde deveriam passar as mercadorias, o comércio internacional ficou tumultuado. Consequentemente, o preços se elevaram consideravelmente, sendo que os comerciantes foram alertados por um funcionário encarregado do comércio de grãos a não concorrerem entre si e fixarem preços razoáveis.
Os mercadores formaram, então, uma associação, com o escopo de fazer cessar qualquer concorrência entre eles, e adquiriram grandes quantidades de produtos, cumulando estoques muito além do permitido. Geralmente, praticavam preços razoáveis, auferindo lucro acima do normal apenas quando havia rumores de perdas de navios ou de outros infortúnios.
O acordo entre os mercadores foi levado ao conhecimento do Senado. 
Apesar de não haver referência ao resultado do julgamento, o exemplo mostra que práticas concertadas entre agentes econômicos foram regulamentadas com base no interesse público, ou seja, para o bem da sociedade em geral, muito antes da época moderna.
1.2.2. Antiguidade romana
A prática de monopólio estatal também existia em Roma: o monopólio do sal que assegurava ao governo parte de suas rendas.
Já no final do Império, para aumentar a arrecadação, o número de monopólios concedidos aos particulares, mediante retribuição, multiplicou-se de tal forma a abranger toda a distribuição de alimentos.
As normas que regulavam o exercício do monopólio desempenhavam função bem específica, que hoje chamaríamos de repressão ao abuso do poder econômico, evitando que a população fosse prejudicada pelas concessões governamentais.
Posteriormente, à época do imperador Leão, estabeleceu-se a proibição per se dos monopólios, excetuando-se aquele do sal.
Percebe-se que os princípios norteadores da economia àquela época eram bem outros e buscavam resultados imediatos, coibindo comportamentos nocivos à população, como a fixação dos preços por acordo entre os agente econômicos ou açambarcamento de mercadorias.
1.2.3. Idade Média
O conceito de monopólio ligava-se à regalia, o privilégio concedido pelo soberano e exercido, em grande parte, pelo particular.
Primeiro tipo: monopólio concedido pelo soberano ao particular. A intervenção direta da autoridade na estocagem e distribuição de gêneros alimentares é determinada por razões sociais e políticas, e não por razões fiscais. Geralmente, ao particular era conferida a liberdade de negociar, assegurando-se à autoridade o direito de preferência ou de exclusividade na aquisição de mercadorias até que fossem restabelecidos os estoques destinados à manutenção dos militares e da população das cidades, nos momentos de escassez.
Segundo tipo: autêntico monopólio privado, em especial as Corporações de Ofício. Os autênticos monopólios privados assumem algumas características das grandes concentrações capitalistas contemporâneas.
Pode-se classificar em 2 tipos de monopólios característicos da Baixa Idade Média:
Corporações de ofício: criados por pequenos artesãos na qual se assentaram as normas das disciplinas da concorrência.
Grandes empresas: são grandes mercantes (empresários) que não tinham sobre si o manto protetor das corporações de ofício.
O estudo das corporações de ofício é o que nos interessa.
Origem: contexto do florescimento do comércio e do artesanato nas cidades, como associações daqueles que tinham interesses comuns e tencionavam protegê-los.
As corporações de ofício não nascem da imposição das autoridades, mas sim da espontânea união dos agentes econômicos, catalisada pelo peculiar momento histórico. Pode-se notar a semelhança entre as corporações de ofício e os cartéis: união de agentes econômicos tendo em vista a proteção dos interesses que são comuns.
Surgimento de regras da concorrência: nesse período histórico surgem muitas regras da concorrência, positivando princípios que, de certa forma, inspiram o legislador até os dias atuais.
Normas de conduta dos agentes econômicos. Mais do que princípios, são resposta a uma necessidade de união para melhor proteção dos interesses mercantis. Essa união implica, no caso das corporações de ofício, a neutralização de qualquer concorrência entre os agentes econômicos partícipes da coalização. Em linguagem atual, as corporações de ofício poderiam ser consideradas grandes cartéis.
Dois eram os tipos de normas:
Estatutos das próprias corporações: são ordenamentos jurídicos moldados pelos comerciantes ou artesãos para disciplinar a atividade.
Comuna medieval: que procuravaregular a atividade das corporações, fazendo-o, na maioria da vezes, pelo controle dos estatutos e imposição de normas de conduta obrigatórias para seus membros.
Consumidor. Algumas regras de controle das corporações vinham impostas no interesse do que hoje chamamos de “consumidor”. São exemplos:
- Regra de 1190 que assegurava, aos membros das Cruzadas, pão a preço não excessivo;
- Vedação do açambarcamento de mercadorias em Veneza;
- Em Veneza, um fiscal, ao final do dia, cortava a cauda de todos os peixes que haviam sido postos à venda, para que se visse, no dia seguinte, que o produto não era fresco;
- Mecanismos das feiras para evitar abusos de preços: exigia-se que os agricultores levassem suas mercadorias em local e horário predeterminados, viabilizando a concorrência; proibia-se a revenda.
Nos estatutos das corporações de ofício podemos identificar 3 grupos de normas que interessam ao estudo da concorrência:
i. normas que estabeleciam o monopólio da corporação;
ii. normas que fixavam regras de conduta para os membros da corporação e que acabavam por neutralizar qualquer concorrência que se pudesse estabelecer, seja entre os agentes econômicos, seja potencial;
iii. normas que impunham a jurisdição e o poder de fiscalização econômica da corporação sobre seus membros.
Essas normas que se vão colocando tangenciam problemas de acesso ao mercado e limitam a liberdade de concorrência de cada um. As corporações de ofício impunham barreiras, controlando o acesso ao mercado dos agentes econômicos que ofereciam uma concorrência potencial, detendo, portanto, o perfeito controle da oferta do produto no mercado.
As corporações também exerciam constante vigilância e coordenação da atividade de seus membros, conformando-a com regulamento preestabelecidos. Certas normas eram destinadas a impedir a concorrência entres os membros da corporação, coibindo as formas mais usuais de atração da clientela do outro.
Ainda sobre o controle da oferta, algumas corporações limitavam expressamente a capacidade de produção de seus membros, controlando o número de operários e instrumentos de trabalho ou ainda a quota de matéria-prima que poderia ser adquirida. Havia certo controle da jornada de trabalho, proibindo-se qualquer atividade produtiva em horário noturno ou em dias reservados ao descanso.
Detinham as corporações poder de jurisdição, sendo-lhes facultado impor penalidades aos membros que desrespeitassem suas normas, tais como suspensão ou exclusão. O sistema jurídico era completo e perfeitamente apto a atingir a finalidade à qual se destinava: controlar a atividade naquele setor da economia.
Em suma, o sistema das corporações de ofício, lançando mão de regras próprias, fazia desaparecer quaisquer diferenciações entre os produtos que pudessem levar à concorrência, pois propiciava a completa uniformização não só do seu preço, mas também da qualidade.
Tal como hoje, também àquela época houve reações contra os carteis e monopólios estabelecidos pelas corporações. Há relatos na obra Summa codicis, do pós-glosador Azone, condenado veementemente os acordos de preços e a prática de conservarem-se, na família, os segredos das artes e do ofício.
1.2.4. Mercantilismo
Inicia-se nesse período a condenação da prática de monopólio e acordos monopolísticos. Por exemplo, em 1540, o rei Carlos V promulgou lei que vedava os pactos “sabidos de monopólio”.
Mas nem todos os monopólios eram ilegais. Foi-se estabelecendo a distinção entre monopólios lícitos e ilícitos, que seriam outorgados pelos soberanos, tendo em vista o bem comum. A apreciação do que vai ao encontro desse bem comum compete, em primeiro momento, ao governante e somente a ele.
Os monopólios legais acabaram largamente utilizados no comércio colonial e do além-mar. Veneza, Espanha e Portugal transformam-se nos “Estados armadores” que detinham o monopólio do comércio marítimo, facilitando a participação de navios privados em seus empreendimentos.
Na primeira metade do século XVI, a política mercantilista das grandes metrópoles era embasada em sistema de exclusividade no relacionamento com as colônias. Impunha-se o monopólio da compra e venda dos produtos do Novo Mundo, bem como o monopólio do transporte, efetuado exclusivamente pelos navios da metrópole, salvo autorizadas e controladas exceções. Recorre-se, ainda, ao sistema das companhias privilegiadas, que detinham a concessão do comércio com as colônias.
Dessa forma, o preço praticado, tanto dos produtos provenientes das colônias como daqueles que eram importados das metrópoles, acabavam determinados unilateralmente pelos países europeus. Para a eficiência do sistema de “pacto colonial”, era necessário que a colônia não oferecesse qualquer tipo de concorrência à metrópole. Por esse motivo, impediu-se, durante longo tempo, que se instalasse no Brasil qualquer tipo de indústria ou processamento de matérias-primas.
O poder de conceder monopólios ou exclusividade de exploração de determinado setor da economia constitui poderoso instrumento de poder nas mãos do soberano. O rei tinha, em contrapartida, o pagamento de impostos e de taxas do monopólio que garantia a entrada de recursos em seus cofres.
Mas no final do século XVI, inicia-se a contestação da legalidade da concessão real desses exclusivos. O movimento de reação do poder do soberano é apontado por muitos como o início da história do antitruste, pela riqueza das decisões dos tribunais ingleses a respeito dessa matéria.
Costuma-se considerar o chamado “caso dos monopólios”, de 1603, como o primeiro pronunciamento judicial sobre os princípios gerais da common law acerca dos monopólios. Convém ressaltar que não havia consolidado, à época, a ideia de livre-iniciativa ou liberdade de comércio como forma de se atingirem os ideais de liberdade econômica ou eficiência. Mesmo assim, com o escopo de justificar a posição que tomavam, os julgadores apontam alguns dos efeitos danosos do monopólio para a economia e, consequentemente, para o bem comum.
Sustentou-se que o monopólio seria ilegal na common law. Concomitantemente, lançou-se mão de argumentos econômicos, propugnando que, com o monopólio, os preços das mercadorias tenderiam a aumentar, ao mesmo tempo em que a qualidade do produto diminuiria. Ademais, outras pessoas que desejassem fabricar aqueles bens estariam impedidas de fazê-lo, sendo levadas ao empobrecimento. Condenou-se a concessão do monopólio pela rainha da Inglaterra por 3 principais razões:
i. prática potencial de preços de monopólio;
ii. diminuição potencial da qualidade do produto;
iii. estabelecimento de barreiras à entrada de novos agentes econômicos.
Após o julgamento de outros casos semelhantes, a reação aos monopólios derivados de concessões pelos governantes generalizou-se, culminando, em 1624, com a aprovação do Parlamento inglês, do Statute of Monopolies, impedindo a concessão real de monopólios, de maneira a limitar o poder do soberano.
1.2.5. A discussão entre os teóricos
É necessário que se faça referência ao debate travado entre os historiadores da concorrência.
Alguns, como Franceschelli, baseado na sofisticação e amplitude das normas a que nos referimos no item anterior, afirmam a identidade dessa regulamentação com aquela que lhe foi posterior. Também a concorrência na Idade Média, à época das corporações de oficio, pode ser vista como o berço de muitas das normas contemporâneas que disciplinam a matéria.
Geraldo Vidigal destaca a doutrina que entende que o Sherman Act norte-americano, de 1890, teria tido sua inspiração no próprio Édito de Zenão.
Tomando em consideração essas normas, podemos efetivamente vislumbrar a tão falada identidade.
ATENÇÃO: tenha-se em mente, entretanto, que essas normas reguladoras da concorrência não a protegiam como um bem em si mesmo considerado, e muito menos como correlata a um tipo de estrutura de produção tida como ótima.
De outra parte, consideradas as normas postas pelos próprios comerciantes para a disciplina de sua atividade, vê-se a identidade com os acordos que, até osnossos dias, são celebrados pelas empresas. Por exemplo, os importadores e comerciantes de grãos decidiram se unir, praticando preço uniforme e eliminando a concorrência que poderiam estabelecer entre si. Da mesma forma, nas corporações de ofício, é patente a motivação de sua gênese: união dos agentes econômicos disciplinando, uniformemente, sua atividade, tendo em vista interesses comuns.
Conclusão: onde quer que haja comercio, os agentes econômicos tendem a adotar determinados comportamentos que objetivam sua proteção, independentemente do governo a que estão sujeitos. Esse fenômeno pode ser compreendido e justificado levando-se em consideração o fato de que os agentes econômicos, em qualquer período histórico, estão sujeitos a leis econômicas, leis cuja existência independe de qualquer autoridade.
1.3. O SEGUNDO PERÍODO. A CONCORRÊNCIA E O LIBERALISMO ECONÔMICO.
Contexto histórico: Revolução Industrial –profunda modificação do sistema de produção. O centro de produção deixa de ser a oficina do maestro e desloca-se para as fábricas. O empresário assume o risco do empreendimento, pois efetua o investimento, e seu retorno depende da produção das fábricas. Nada há, portanto, na atividade desse empresário que lembre a segurança proporcionada pelo sistema das corporações de ofício medievais.
Como contrapartida desse risco, há a exigência de maior liberdade. Não se poderia conceber a atividade do moderno empresário limitada pelas rígidas regras das corporações de ofício. Portanto, a conquista dos mercados passa a ser essencial: era necessário o restabelecimento da concorrência.
O sentimento geral era de que as normas das corporações de ofício deveriam ser abolidas. Extinguindo-se as corporações e suas rígidas regras, dava-se liberdade ao comerciante e ao industrial, e era restabelecida a licitude da competição entre os agentes econômicos: 
Liberdade de atuação para buscar novos mercados;
Praticar preços que entendessem convenientes;
Conquistar consumidores;
Aumentar as vendas
É por esses motivos que o mercado liberal traz a correlata ideia de livre-concorrência.
A noção de mercado deixa de ser relacionada apenas ao local ou à reunião de pessoas em torno de trocas, para fundir-se às ideias de concorrência e de liberdade econômica. Livre iniciativa e livre-concorrência tornam-se princípios do sistema.
Nesse período, diversas leis aboliram as regras das corporações de ofício, como a permissão ao livre exercício de profissão sem a necessidade de pertencerem a uma corporação de oficio. Ao final, proibiu-se as corporações de ofício, com o objetivo de haver liberdade de comércio, instrumento para a nova ordem que se instalava. Contudo, a liberdade econômica não é vista como um direito ilimitado dos comerciantes. Ao contrário, havia restrições impostas pelo Estado, objetivando o atendimento do interesse público.
A concorrência passa a ser encarada como solução para conciliar liberdade econômica individual e interesse público: preservando-se a competição entre os agentes econômicos, atende-se ao interesse público, ao mesmo tempo em que se assegura ao industrial ou comerciante ampla liberdade de atuação, com a concorrência evitando qualquer comportamento danoso à sociedade.
A concorrência é o antídoto natural contra o grande mal dos monopólios, apta a regular o mercado, conduzindo ao bem-estar social, sem a necessidade da intervenção estatal. Por esse motivo, nesse momento histórico, não havia maiores preocupações em se impor limites à liberdade de concorrência.
Preço ideal. Há o consenso de que o preço ideal é aquele determinado por um mercado competitivo, sem a interferência de qualquer outro fator que não a oferta e a procura do produto. Inclusive, os princípios do liberalismo econômico começam a permear as decisões dos tribunais sobre questões de concorrência. É o caso do julgamento das salinas de Droitwich, Inglaterra, de 1758, no qual os produtores de sal resolveram fixar o preço do sal. Caso alguém vendesse abaixo do valor, seria multador em 200 pounds. Por ocasião do julgamento, o Lord Mansfield manifestou-se no sentido de que “independentemente de o preço ser fixado ser alto ou baixo, uma vez que todos os acordos dessa natureza trazem consequências danosas e devem ser reprimidos”.
Função do Estado. A função primordial do Estado era a harmonização do conflito, com o direito de viabilizar a fluência das relações de mercado. O Estado é o árbitro do respeito às regras do jogo econômico. 
Livre mercado: significa poder conquistar novos consumidores, praticando o comércio e a indústria como bem aprouver ao agente econômico. E tudo isso não é possível sem que haja livre-concorrência.
Mas posteriormente foi comprovado que essa livre atuação dos agentes econômicos acabou por gerar elevada concentração de capitais e poder em mãos de alguns, trazendo fatores de instabilidade que comprometiam a preservação de mercado, e causavam distúrbios sociais. Por exemplo, os preços de monopólio que propiciavam altos lucros para o produtor e o comerciante, pagos pela população. De outra parte, os monopólios ou as grandes concentrações de poder econômico acabam por sujeitar a classe operária a condições desfavoráveis de trabalho. Inicia-se a pressão e o conflito capital/trabalho, mais um fator incontestável fator de instabilidade do sistema. Percebeu-se, ainda, que a competição selvagem entre os agentes econômicos é potencialmente prejudicial e deve, portanto, ser regulamentada.
Essas distorções geraram grande insatisfação popular e culminaram com a regulamentação da concorrência entre os agentes econômicos. A regulamentação visava somente à correção do sistema, propiciando a manutenção do que lhe era essencial: o livre mercado.
Se, em um primeiro momento do Estado Liberal não houve maiores preocupações de controlar a concorrência ou o comportamento dos agentes econômicos, impondo-lhe limites, a necessidade de fazê-lo, mediante a atuação do Estado, tornou-se evidente. Mas, de qualquer forma, mantinha-se o livre comércio, a livre concorrência e o livre mercado, ou seja, mantinha-se o liberalismo econômico. Restringia-se, somente, a excessiva acumulação de poder em mais de alguns agentes que poderia gerar a instabilidade do sistema e, consequentemente, seu comprometimento.
Importante ressaltar: nada há, na regulamentação da concorrência, de contrário ao espírito do liberalismo econômico. As leis antitruste preservam as estruturas de mercado, sem contudo extirpar a hegemonia dos monopólios e oligopólios. Ou seja, a eliminação das distorções conjunturais visa à preservação do mesmo mercado, no qual os agentes econômicos podem atuar, conquistar novos consumidores livremente.
1.3.1. Estados Unidos da América. O Sherman Act. Seu significado no contexto da evolução da disciplina da concorrência. A coroação do segundo período.
O Sherman Act de 1890 representa o ponto de partida do estudo dos problemas jurídicos relacionados à disciplina do poder econômico. Essa legislação é entendida como o mais significativo diploma legal que corporificou a reação contra a concentração de poder em mãos de alguns agentes econômicos, procurando discipliná-la.
O Sherman Act tratou, em um primeiro momento, de tutelar o mercado contra seus efeitos autodestrutíveis.
1.3.2. O contexto social, econômico e político do Sherman Act.
Contexto social.
Antes de 1850. A economia americana estava desaquecida, dominada pela agricultura e por pequenas empresas, ressentindo da escassez de capital e de mão de obra.
Aproximadamente em 1865. Tem início o processo de aumento da produção.
Entre 1865 e 1873. Houve a duplicação dos quilômetro das estradas de ferro. As pequenas empresas dão lugar a monopólios e oligopólios, mediante processo de integração vertical e horizontal. Inicia-se a produção em massa, com a economia em franca evolução e sedimentação da infraestrutura necessária ao desenvolvimento. Assiste-se, paralelamente, à urbanização da população, transformando-se em mão de obra disponível para o trabalho industrial. 
A partir de 1890.A imigração europeia resolveu parte do problema de escassez de trabalhadores.
Em 1920. A emergente classe de operários já havia substituído os artesãos. Formava-se o mercado consumidor tipicamente urbano.
Contexto econômico 
As empresas, buscando atrair capital para a atividade industrial, passam a se organizar sob a forma de corporations, instrumento apto a atender às necessidades da indústria que se fortalecia.
Nesse processo, as estradas de ferro desempenhavam função decisiva: viabilizavam o transporte de mercadorias e o escoamento da produção, integrado grande parte do país. A integração territorial alargou o mercado e mudou as feições da concorrência. Estabelecendo-a, inclusive, entre empresas antes isoladas geograficamente.
Na década de 1870, as estradas de ferro iniciaram um processo de competição predatória, na disputa pela clientela. Ofereciam descontos generosos, com sacrifício do lucro, cada vez menor. Toma-se, pois, a decisão bastante próprias dos agentes econômicos: a celebração de acordo, disciplinando sua forma de atuação no mercado e neutralizando a concorrência – os CARTÉIS.
Também outros setores da economia verificou-se o fenômeno da cartelização. Essa forma de organização dos agentes econômicos, porém, apresentou um grande inconveniente: a instabilidade. Os termos do acordo não eram juridicamente vinculantes para as partes, ou seja, não havia como, legalmente, fazer respeitar o acordo caso um dos partícipes decidisse descumpri-lo, e a tentação de desrespeitar um cartel é bastante grande, quase irresistível em determinadas circunstâncias. 
Do ponto de vista dos agentes econômicos, portanto, sua organização em cartéis não atingia os resultados desejados por não proporcionar a certeza ou estabilidade; daí lançar-se mão do TRUST, instituto tradicional do direito anglo-saxão, para resolver os problemas do empresariado. O industrial transferia a um trustee o poder derivado de suas ações, recebendo, em contrapartida, um trust cerificate. Os trustes proporcionavam a administração centralizada dos agentes econômicos que atuavam no mesmo mercado, impedindo, de maneira segura e estável, que a concorrência estabelecesse entre eles.
Tem-se, dessa forma, não apenas o incremento de um processo de integração horizontal, mas também a dissociação da propriedade do poder que delas deriva, concentrando-se este nas mãos do trustee.
O fenômeno geral verificado nos Estados Unidos foi típica concentração, com a diminuição do número de empresas e convergência do poder em mais de poucos agentes econômicos, liderados pelos trustes.
A partir de 1980 acentuam-se as discussões sobre os trustes e o poder econômico que concentravam. Os favoráveis às concentrações sustentavam que a concentração do poder econômico propiciava o incremento da produção e a expansão da indústria. Os contrários, como agricultores, consumidores, trabalhadores e pequenos empresários argumentavam que os trustes ameaçavam a liberdade, pois corrompiam servidores públicos e subornavam legisladores; controlavam o comportamento dos concorrentes mediante a baixa de preço, penalizavam consumidores com o aumento de preços, fraudavam investidores com a diluição de suas ações. Em suma, eles abusavam de todos. A solução que o público desejava era bastante óbvia: uma lei que destruísse o poder dos trustes.
Nas eleições de 1888, a tônica dos trustes orientou a campanha presidencial, em que todos os candidatos propagandeavam a necessidade de uma lei que controlasse o poder econômico.
Em 1890, finalmente, o Sherman Act foi promulgado. Apenas esse diploma, entretanto, mostrou-se insuficiente para propiciar aos agentes econômicos a segurança e previsibilidade que sempre almejam. 
Por isso em 1914, é promulgado o Clayton Act, que exemplifica a condena algumas práticas restritivas da concorrência, tais como a venda casada, aquisição de controle de outras empresas etc.
A sistemática adotada pelo Clayton Act é bastante interessante: ao lado da tipificação de algumas condutas potencialmente anticompetitivas, há uma qualifying clause, segundo o qual as práticas elencadas somente serão consideradas ilícitas se, e somente se, restringirem a concorrência de forma não razoável ou tenderem à criação de um monopólio.
Em 1914 também é criada a Federal Trade Commission com funções de vigilância e aplicação das leis antitruste.
1.3.3. A atualidade das discussões que antecederam a promulgação do Sherman Act.
Se observadas com cautela as discussões que antecederam a promulgação do Sherman Act, podermos perceber 2 grupos principais que se antagonizavam:
a) Contrários à regulamentação do poder econômico: qualquer lei restritiva da livre concorrência teria por consequência manter no mercado empresas ineficientes que, não fosse a tutela estatal, estariam condenadas ao desaparecimento.
b) Favoráveis à regulamentação do poder econômico: prega-se a necessidade da efetiva proteção dos consumidores, preservando seu direito de escolha e não os sujeitando aos monopólios, assim como a manutenção de pequenas e médias empresas no mercado, garantindo-lhes abrigo contra práticas abusivas de agentes de elevado grau de poder econômico.
1.4. O TERCEIRO PERÍODO. AS NORMAS ANTITRUSTE COMO INSTRUMENTO DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. A CONCORRÊNCIA-INSTRUMENTO.
Contexto histórico
Desde o início do séc. XIX: com o escopo de preservar o sistema liberal, autorizava-se a atuação do Estado visando à eliminação das distorções que se apresentavam, afastando-se fatores de instabilidade. Foram promulgadas leis que disciplinavam a concorrência entre os agentes econômicos.
Primeiro quartel do séc. XX: Primeira Guerra Mundial. A atuação conjuntural do Estado não foi suficiente para debelar as chamadas crises do capitalismo.
Em 1929: queda a Bolsa de NY. Houve quase total paralisia dos fatores de produção, com a população sofrendo de desemprego, falta de produtos de consumo etc.
Nesse contexto, o Estado é chamado a reimpulsionar a máquina econômica e o faz intervindo em diversos setores, oferecendo crédito para a produção industrial, incentivando a produção agrícola, intervindo no setor bancário e de seguros etc.
O grande teórico foi Lord Keynes que desenvolveu a teoria econômica da época. Essa atuação do Estado transmuda-se em disciplina jurídica da atividade privada, com a implementação de políticas públicas.
Os teóricos identificam o nascimento do direito econômico como um ramo do direito: o conjunto de técnicas jurídicas de quem lança mão o Estado contemporâneo na realização de sua política econômica.
O Estado utiliza instrumentos jurídicos que lhe permitem “estabilizar, estimular e dirigir o rumo de sua economia sem apelar para a ditadura e substituir um sistema baseado na propriedade por um sistema de poder ostensivo”. Esses instrumentos viabilização não apenas a preservação, mas a condução do mercado. Daí falarmos em técnicas de direção sobre o mercado, de que se utiliza o Estado em sua função de implementação de uma política pública.
Eros Grau divide a intervenção na economia em duas vertentes:[1: Inseri as informações de acordo com Eros Grau, baseado no livro dele. Achei confusa a forma como a Paula Forgioni escreveu essa passagem sobre essa classificação da intervenção do Estado na economia.]
Intervenção no domínio econômico: participação direta do Estado.
Intervenção sobre o domínio econômico: participação indireta do Estado.
A intervenção no domínio econômico é a intervenção direta da participação do Estado na economia. Pode se dar de duas formas:
Intervenção por absorção: em decorrência dos imperativos de segurança nacional ou relevante interesse coletivo, no qual o Estado atua, ele próprio, como Estado empresário, no campo econômico, por meio do monopólio.
Intervenção por participação: é a participação do Estado em regime de concorrência com os particulares, explorando atividade econômica de produção ou comercialização de bens e produtos.
A intervenção sobre o domínio econômico é a atuação do Estado na econômica de forma indireta. O Estado atuade duas formas:
Intervenção por direção: por meio de normas cogentes direcionadas aos agentes econômicos para que ajam ou deixem de agir, conforme a intenção do Estado.
Intervenção por indução: no qual o Estado utiliza instrumentos econômicos para estimular ou desestimular comportamentos.
Feita essa explicação de como o Estado atua na economia, para nós, importa notar que muitas vezes a atuação do Estado sobre a economia (“intervenção”) é efetuada mediante utilização de norma destinada a tutelar a livre-concorrência entre os agentes econômicos ou reprimir o abuso do poder econômico, ou seja, uma norma antitruste. Dentre as técnicas de organização dos mercados colocam-se as normas destinadas a regular a concorrência entre os agentes econômicos e o abuso do poder econômico.
A análise contemporânea das normas antitruste não pode prescindir de sua consideração como uma técnica, como um instrumento de que lança mão Estado para dar concreção à determinada política pública.
Fixa-se a noção de concorrência-instrumento, pela qual não é um valor em si mesmo, não é um valor absoluto, mas um meio normal, eventualmente privilegiado, de obter o equilíbrio econômico. Daí derivam consequências importantes: se a concorrência não é um valor em si mesmo, pode ser sacrificada em homenagem a outros valores.
A disciplina da concorrência insere-se no contexto de dupla instrumentalidade: de um lado, provoca o desfazimento de acordos e práticas tendentes ao fechamento do mercado comum dentro das fronteiras de cada Estado-membro; de outro lado, facilita a adaptação das empresas as normas dimensões do mercado e aumenta sua competitividade a nível mundial, favorecendo a cooperação e a concentração entre as empresas dos diversos Estados-membros.
Para ilustrar bem esse conceito de concorrência-instrumento temos a criação da Comunidade Econômica Europeia, em que a concorrência foi um meio para concretizar determinada política pública, de forma institucionalizada. Intensifica-se o caráter instrumental da concorrência, que passa a ser tomada como um princípio cardeal a orientar o processo de interpretação/aplicação das normas antitruste.
Entende-se, assim, o direito antitruste como técnica de que lança mão o Estado contemporâneo para implementação de políticas públicas, mediante a repressão ao abuso do poder econômico e a tutela da livre-concorrência.
CAP 2 – A concorrência no Brasil
Primeiramente, é necessário delinear a história da implementação de políticas públicas em nosso país para divisar a atuação do Estado sobre a econômica. 
No Brasil, os ventos do liberalismo fizeram-se sentir de forma particular e a disciplina da atividade dos agentes econômicos no mercado assume caráter bastante típico, diverso dos demais ordenamentos em que habitualmente os aplicadores do direito buscam inspiração.
2.1. A FASE FISCALISTA
Época: dos primeiros tempos do colonialismo até a chegada da Família Real em 1808.
Os primeiros tempos do colonialismo foram marcados pela atuação de política fiscalista, ou seja, a Coroa buscava a utilização de sua soberania para efeitos fiscais, impondo à colônia o pagamento de impostos que garantisse o abastecimento de seus cofres. Foi assim com os chamados ciclos coloniais: pau-brasil, cana de açúcar, ouro e pedras preciosas.
Não havia à época o interesse pelo progresso econômico e cultural da colônia, mas a viabilização de sua exploração. Os monopólios que eram estabelecidos não devem ser vistos como atuação do Estado na economia, pois eram facetas da política fiscalista que procurava auferir maiores lucros na exploração da colônia.
O sucesso da política fiscalista requeria que fossem sufocadas quaisquer tentativas de desenvolvimento industrial brasileiro. A proibição de manufaturas ia de tecidos a vinhos. 
Seria até ilógico falarmos, nos primeiros tempos do Brasil colonial, em “defesa da livre concorrência”, uma vez que não havia qualquer concorrência significativa entre os agentes econômicos. O mercado consumidor não assumia grandes proporções, mesmo porque era acentuada a dispersão geográfica.
Não obstante, havia nesse período histórico, certa preocupação com aquele que hoje chamaríamos de “consumidor”.
Nessa linha, a revogação do estanco concedido pelo Estado português à Companhia de Comércio do Brasil deu-se em virtude não apenas do desabastecimento, mas também pelos preços excessivos praticados à população, em desrespeito aos tabelamentos instituídos.
A vedação do comércio com outros países que não Portugal acabava por determinar a uniformização nos preços das matérias-primas exportadas, pois o monopólio do comércio internacional fazia com que houvesse, no Brasil, um monopólio bilateral, ou seja, um único comprador de produtos de exportação e um único vendedor dos bens provenientes da Europa.
Foram criadas nessa época as Companhias do Grão Pará e Maranhão (1755) e a Companhia de Pernambuco e Paraíba (1759) com vários incentivos e privilégios. Mas alguns setores da população se insurgiam contra as companhias, alegando práticas de abuso de posição dominante e prejuízos ao consumidor.
2.2. D. JOÃO VI E A TRANSFERÊNCIA DA CORTE PORTUGUESA PARA O BRASIL
Com a vinda de D. João VI para o Brasil, iniciou-se a implementação de política que acabou por fomentar o desenvolvimento econômico do país.
O fato é que foi parcialmente desativada a política fiscalista, dando-se lugar ao incentivo ao desenvolvimento econômico brasileiro. Em 1808, os portos foram abertos às nações amigas, funda-se o Banco do Brasil, e institui-se a liberdade de manufatura e indústria, revogando-se as leis anteriores que proibiam manufaturas no país.
Entretanto, a permissão de manufatura e indústria de 1808 não acabou por fomentar a indústria nacional de forma decisiva. Com efeito, se, ao mesmo tempo em que foi permitida a indústria, abriram-se os portos às nações amigas, sujeitou-se, na verdade, a incipiente indústria nacional à devastadora concorrência estrangeira.
Dessa forma, parece unânime entre os doutrinadores que o liberalismo, no Brasil, foi introduzido de forma bastante peculiar.
2.3. O BRASIL INDEPENDENTE
A revolta brasileira contra o domínio português se fez sentir de maneira mais premente quando da tentativa de reimposição do monopólio do comércio internacional. O restabelecimento do sistema de cabotagem em nossas costas, de forma que só pudesse ser feito por embarcações portuguesas significava, na realidade, a nossa recolonização.
A independência brasileira teve como finalidade o estímulo ao comércio livre e à produção agrícola, com o aproveitamento das fontes de riqueza das nações, sob o fundamento de um regime liberal.
Entretanto, as graves crises que assolaram o período do primeiro reinado não permitiram que se constituísse ambiente propício para o desenvolvimento da manufatura. Também havia outros fatores, como a exiguidade do nosso mercado consumidor e da priorização da atividade agrícola.
É interessante notar que, à época do Império, os artesãos de ocupações semelhantes se localizavam, quase em sua totalidade, em uma mesma rua. Mas, diferentemente do que ocorria nas corporações de ofício europeias, não havia uniformização de preços e de qualidade, tanto é que alguns agentes se destacava, sendo mais procurados que outros, e socialmente respeitados.
No período regencial e no segundo reinado, os liberais não lograram impor sua ideais ao imperador. Ao contrário, beneficiava também pelos elevados lucros da cultura do café, a classe agrária se afirmava no governo, assegurando uma série de privilégios. O governo do Império foi conservador.
Nesse período, o fenômeno da intervenção do Estado no domínio econômico dava-se, principalmente, por atuação sobre as tarifas alfandegárias. 
É fato que, em certos momentos, houve alguns surtos de industrialização, a exemplo de Visconde de Mauá, que clamava por liberdade de atuação, insurgindo-se contra a sufocante atuação do Estado sobre a economia.
Em termo de disciplina da concorrência havia pouco a ser estudado. O Brasil, na realidade, era abastecidapor mercadorias estrangeiras, não oferecendo à indústria interna qualquer concorrência. A própria atividade comercial era dominada pelos estrangeiros. Não eram atuadas, também, políticas protecionistas que possibilitassem o desenvolvimento da indústria nacional.
2.4. CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS DE 1934 E 1937. DECRETO-LEI 869, DE 1938
A Carta de 1934, em seu art. 115, eleva, pela primeira vez, a nível constitucional, a liberdade econômica.
O texto constitucional utiliza a expressão “limites”, ou seja, a liberdade dos agentes econômicos pode ser restringida para garantir a justiça e as necessidades da vida nacional. A liberdade econômica aparece em nosso ordenamento intrinsecamente ligada à ideia de que o Estado é facultado intervir na e sobre a economia.
Essa limitação explica-se pelo fenômeno de regulamentação da economia brasileira pelo governo federal, que se fez presente para minimizar os efeitos da grande crise de 1929, estendendo-se por toda a década de 1930. A crise de 1929 leva o Estado a intervir na economia de maneira constante. O processo maior se dá em relação à agricultura, atingindo o café, o açúcar e o cacau. Mas o decreto proibindo a importação e o maquinismo (1931) e as novas medidas protecionistas mostram que a indústria também está amparada.
No início da década de 30, o Estado brasileiro intensifica a sua atuação sobre e no domínio econômico, para não apenas corrigir as disfunções trazidas pela economia vigente, mas também conduzir esse sistema, regulamentando a atividade dos agentes econômicos.
Na década de 30, houve um aumento quantitativo dessa intervenção: tornou-se necessária não apenas contorná-la, mas também conduzir o próprio sistema, justamente para evitar o advento de novas crises.
Em 1934, a livre iniciativa não é vista em seu sentido tradicional e a concorrência não deveria ser encarada como direito ilimitado dos agentes econômicos. Entretanto, não houve, sob a égide da Constituição de 1934, a promulgação de qualquer lei que regulamentasse o processo competitivo.
O movimento pela diminuição da intervenção estatal, em alguns setores, se faz sentir. Os industriais da época desejavam que o Estado se dedicasse às funções sociais. Restringindo-se a atuação estatal a certas funções, os industriais teriam maior liberdade e lucros. Paralelamente, esses mesmos industriais não tinham capitais e técnicas suficientes para superar esses problemas.
Considerando esse contexto, em que o Estado buscava suprimir a atividade econômica privada, coloca-se a Constituição de 1937, em que a liberdade de iniciativa servia pra proteger a economia popular. O Decreto-lei 869/1938 que regulamentou o artigo da Constituição de 1937 que trata sobre a livre iniciativa, nitidamente é uma lei antitruste.
Percebe-se que o antitruste não nasce, no Brasil, como fator de ligação entre o liberalismo econômico e liberdade de concorrência. Nasce como repressão ao abuso do poder econômico e tendo como interesse constitucionalmente protegido o interesse da população, do consumidor.
Essa função constitucionalmente assegurada à nossa primeira lei antitruste constitui uma das principais diferenças que se fazem sentir entre o sistema norte-americano e o brasileiro. A legislação norte-americana vem calcada no princípio da proteção e manutenção da concorrência e não na proteção direta do consumidor.
A diferença de escopos entre as duas legislações, norte-americana e brasileira, impediu em muitos aspectos, que fosse adotada entre nós sistematização em tudo semelhante à norte-americana.
Se por um lado o Decreto-Lei 869/1938 foi instrumento apto a corrigir algumas disfunções no campo dos preços, artifícios e fraudes contra os consumidores, de outro não teve maior aplicação no campo antitruste.
2.5. A LUTA CONTRA OS TRUSTES E SEU CARÁTER NACIONALISTA. AGAMEMNON MAGALHÃES.
O antitruste no Brasil surge com uma aura de “nacionalismo”, de proteção do interesse nacional contra o poder estrangeiro.
Como já vimos, nos Estados Unidos, os “poderes econômicos”, combatidos inclusive pela opinião pública, eram apenas internos ou derivados de disfunções do processo nacional de acumulação de capital. Já no Brasil, ao contrário, a repressão ao abuso do poder econômico com o nacionalismo e protecionismo, era contra o capital estrangeiro, aptos a colocar em xeque a soberania e a estabilidade nacionais.
É sob esse prisma que devemos encarar a trajetória de Agamemmon Magalhães, ministro de Getulio Vargas, eleito à unanimidade pelos doutrinadores o pioneiro do antitruste no Brasil. Veremos que a atuação dele se voltava, quase que precipuamente, contra o poder econômico que derivava do capital estrangeiro.
Há de se vislumbrar o caráter protecionista que permeava as ideias da época. O Brasil Colônia e Império não souberam se defender do mercantilismo capitalista. Portanto, a posição do Brasil em face da Revolução Industrial deve ser outra: o país deve ser dono das matérias-primas e das riquezas minerais, e senhores de suas indústrias, formando no Brasil um grande mercado de trabalho e de consumo.
Essa postura protecionista vinha aliada a discurso que propugnava a necessidade da atuação do Estado para garantir a liberdade de concorrência entre os agentes econômicos.
2.6. Decreto-lei 7.666/1945
Projeto de Agamemmon Magalhães, em 1945, transforma-se no Decreto-lei 7.666, ou Lei Malaia. Esta lei disciplina a matéria de forma específica, sistemática, voltando-se de forma firme e direta contra o abuso de poder econômico.
O fato é que esse diploma representa, em termos de sistematização da matéria e técnica jurídica, grande avanço, em muitos aspectos semente da regulamentação atual.
A Lei Malaia tem caráter nitidamente administrativo e não penal: já não se refere a “crimes contra a economia popular”, mas sim a “atos contrários aos interesses da economia nacional”. O decreto-lei estabelecia a repressão administrativa aos trustes, cartéis e todas aquelas combinações que visam dominar o mercado nacional.
À Administração Pública era dado averiguar as práticas contrárias aos interesses da economia nacional, determinar a aplicação das sanções e autorizar atos restritivos, tendo sido criada, com tal escopo, a Comissão Administrativa de Defesa Econômica – CADE. Os atos que não fossem aprovados pelo CADE eram nulos e sem nenhum efeito.
A ilicitude das práticas eram determinadas em virtude de seus efeitos, o que afastava maiores investigações sobre a intenção do agente. Eram tomados como contrários aos interesses da economia nacional os entendimentos, ajustes ou acordos que tivessem por efeito a elevação dos preços de venda dos respectivos produtos, a supressão da liberdade econômica ou a influência do mercado de modo favorável ao estabelecimento de um monopólio.
São considerados não apenas os efeitos atuais e imediatos das práticas, bem como os efeitos potenciais que poderiam advir no futuro.
Podemos identificar no texto a expressão “monopólios regionais” que nos permite concluir ter-se pensado, à época, em delimitação do que hoje chamamos de “mercado relevante”.
A inovação veio também na tentativa de se conceituar, da forma mais ampla, o significado do termo “empresa”, qualificando-a como “as pessoas físicas ou jurídicas de natureza comercial ou civil que disponham de organização destinada à exploração de qualquer atividade com fins lucrativos”.
O Decreto-lei 7.666 colocava nas mãos do Poder Executivo instrumento apto a controlar a atividade das grandes empresas em território brasileiro. A Lei Malaia daria ao governo possibilidade de atuar forte política protecionista.
A resistência ao Decreto-Lei 7.666 foi das mais ferrenhas e sistemáticas. Alguns setores da oposição chegaram a qualificar o CADE como órgão nazifascista, que ameaçava a economia brasileira.
Com a queda de Getulio Vargas, o Decreto em questão foi revogado, não tendo superado 3 meses de vigência.
2.7. CONSTITUIÇÃO DE 1946 E OS DIPLOMAS DE REPRESSÃO AO ABUSO DO PODER ECONOMICO EMANDOS SOB SUA ÉGIDE
A CF 1946 trouxe, pela primeira vez, de forma expressa o princípiode repressão ao abuso do poder econômico, em seu art. 148.
Tem início uma nova fase no chamado “sistema brasileiro do antitruste”, onde a tônica deixa de ser simplesmente a defesa da “economia popular”. O texto constitucional veda toda e qualquer forma de abuso do poder econômico que tenha por fim:
Dominar mercado nacional;
Eliminar a concorrência;
Aumentar arbitrariamente os lucros;
A CF 1946 condenou os atos abusivos pela sua finalidade, e não pelos seus efeitos.
OBS: até 1962 não havia uma sistematização das leis antitruste, de modo que havia diversas leis tratando de diversos assuntos relacionados ao antitruste. 
2.7.1. Lei 4.137, de 1962. Vinte e nove anos de vigência desprovida de eficácia material
2.7.1.1. Os debates que antecederam a promulgação da Lei Antitruste e a discussão sobre sua necessidade e função
Os debates legislativos que antecederam a promulgação da Lei 4.137/1962 fornecem informações sobre a evolução da disciplina da concorrência no Brasil.
O projeto apresentado em 1955 é o mesmo apresentado pelo Deputado Agamemmon Magalhães em 1948, ex-ministro de Getulio Vargas.
De início, o debate a respeito da promulgação de uma lei de repressão ao abuso do poder econômico tinha por escopo apenas eliminar os efeitos autodestrutíveis do próprio mercado, preservando-o. Também é uma constante a referência à proteção ao consumidor.
Havia aqueles que ressaltavam os malefícios da concentração do poder econômico. Outros diziam que o poder econômico é absolutamente natural na estrutura capitalista e nada poderia ser feito. Muitos falavam a respeito da desnecessidade de uma lei específica destinada a reprimir o abuso do poder econômico.
2.7.1.2. As sempre repetidas críticas lançadas contra o projeto de Agamemmon Magalhães e o texto que acabou por ser promulgado
1. Não havia definição precisa de “abuso do poder econômico”, o que levaria a facilidade de corrupção dos prepostos do Poder Executivo, excesso de poder ao CADE;
2. O projeto de lei tratava da ilicitude do efeito. Entretanto, a insegurança jurídica que daí adviria seria absolutamente insuportável. Nessa linha, optou-se por substituir a expressão “por efeito” por “por fim”, dando destaque à intenção do agente e não aos efeitos decorrentes de seus atos;
Em 1962 foi promulgada a Lei 4.137/1962. Criou-se também o CADE – Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência, incumbido da apuração e repressão dos abusos do poder econômico.
2.7.1.3. A constante busca por segurança e previsibilidade
No processo de interpretação e aplicação da Lei 4.137/1962, dúvidas foram suscitadas a respeito do caráter taxativo, ou não, das práticas elencadas no seu art. 2º. Pautaram-se no problema da segurança jurídica e previsibilidades jurídicas, que, até os dias de hoje, é um dos balizadores das discussões em direito da concorrência.
Caso da Barrilha: Barrilha é o nome comercial dos carbonatos de sódio e potássio. O Procurador-Geral do CADE deu amplitude ao art. 2º (considerou-o como não taxativo”, pois o caso era de prática de dumping praticado pelas empresas produtoras de vidros e importadoras de barrilha. Ocorre que o dumping não está previsto no rol do art. 2º.
Entretanto, o posicionamento do CADE não se assentou como princípio geral. Ao contrário, prevaleceu que o rol do art. 2º era taxativo, sendo exigido um rigoroso enquadramento às disposições legais.
A mesma problemática da tipificação legal ocorreu com os termos da Emenda Constitucional 1, de 1969, que alterou a CF 1967.
2.7.1.4. Lei 4.137, de 1962
2.7.1.4.1. A associação de empresas
Nos termos da Lei 4.137/62, a associação de empresas seria considerada ilícita se, e somente se, produzisse determinado resultado ou objetivo que estivesse tipificado em lei de forma bastante aberta, mediante a utilização de termos amplos.
A Lei Antitruste foi transformada em instrumento de legitimação de “certas práticas” que a economia nacional, por força da política econômica do go governo da Revolução de 64, começava a incentivar.
2.7.1.4.2. A possibilidade de autorização de práticas restritivas
Esse diploma previa não apenas a repressão ao abuso do poder econômico a posteriori, mas também colocava a necessidade de aprovação e registro no CADE dos atos, ajustes e acordos entre as empresas. Ou seja, estabelecia a possibilidade de controle, por parte da autoridade administrativa, dos atos praticados pelos agentes econômicos e que pudessem produzir qualquer dos efeitos tipificados no art. 74.
2.7.1.5. A falta de eficácia material da Lei 4.137, de 1962. Contradição entre seu texto e a política concentracionista atuada pelo governo federal
Um dos principais problemas enfrentados na concretização das disposições da Lei 4.137/62 pelo CADE derivou da atuação do Poder Judiciário, agindo para salvaguarda das garantias individuais dos cidadãos, constitucionalmente asseguradas. A grande maioria das decisões do CADE acabou por ter seus efeitos suspensos em decorrência de MS impetrados pelas empresas condenadas na esfera administrativa. 
Em virtude dessa aplicação bastante diluída e quase ineficaz, o CADE passa a ser visto pelo empresariado (e mesmo pela população) como órgão inoperante ou que, se fazia algo, não era de muito relevo. Alguns viram nessa imagem o reflexo do desarmamento da atuação do CADE, levado a efeito pela política econômica que era então adotada, incentivadora, sobretudo, das fusões e incorporações e da criação de grandes empresas e conglomerados nacionais.
Entretanto, a afirmação de que a ineficácia da legislação antitruste derivaria de contradição entre a política concentracionista do governo federal e os dispositivos da Lei Antitruste deve ser vista com certa reserva, pois, em princípio, nada há de contraditória na existência (e efetiva aplicação) de uma lei antitruste e eventual política concentracionista.
A análise de algumas decisões do CADE demonstra que a aparente contradição, se existia, foi superada no processo de interpretação e aplicação do texto normativo. Com efeitos, muitas foram as decisões do CADE que em nada obstaram o processo de concentração de empresas. Ao contrário, ainda que timidamente, as válvulas de escape chegaram a ser utilizadas pela autoridade antitruste como auxiliares na implementação da política econômica do governo federal.
Por exemplo, a simples compra de empresa concorrente não é, por si só, abuso do poder econômico. O delito econômico não se consuma pela simples existência de um dos fatos descritos nos incisos do art. 2º da lie, fazendo-se mister a tal desiderato que mencionados fatos acarretem, como consequência, o domínio do mercado e a eliminação da concorrência.
Ou seja, o entendimento de que a prática somente seria vedada na medida em que produzisse um dos seus efeitos elencados no texto normativo permitiu a autorização de inúmeros atos concentracionistas.
2.7.1.6. Lei 4.137/62: um punhado de “surtos de vigência”
Pode-se ter a impressão de que a Lei 4.137/62 foi utilizada como eficaz e atuante instrumento de política econômica auxiliar no processo de concentração de empresas e fortalecimento da indústria nacional. Tal conclusão, entretanto, não é correta. Sem embargo de alguns breves surtos de aplicabilidade, a Lei não encontrou maior efetividade na realidade brasileira, sendo impossível identificar qualquer atuação linear e constante de diretriz econômica que se tenha corporificado em uma política da concorrência.
2.8. Lei 8.158, de 1991
O panorama do direito antitruste brasileiro parecia alterar-se com a promulgação da Lei 8.158/1991. Alardeava-se a abertura do mercado brasileiro e a liberação da economia. A intenção declarada era deixar que o mercado se autorregulasse. Mas era ao mesmo tempo necessário que fossem evitadas as disfunções ou crises que poderiam advir do comportamento dos agentes econômicos livres no mercado. Nasce, novamente, a necessidade de uma lei antitruste, instrumento de que dispunha o governo para reprimir a ocorrência de abusos no mercado.
Procurou-se celebrizar o procedimento administrativo de apuração depráticas em violação à ordem econômica, com a criação da SNDE – Secretaria Nacional de Direito Econômico, do Ministério da Justiça.
Sem revogação da Lei 4.137/62, o CADE passou a funcionar junto à SNDE, que lhe dava suporte de pessoal e administrativo.
O incremento da qualidade técnica das decisões emanadas pelo CADE sob a égide da nova lei foi sensível, e várias práticas foram julgadas.
Em breve período, a legislação antitruste foi aplicada efetivamente como instrumento de política econômica. Com o novo governo instalado em 1992, a atuação do CADE acabou por seu sufocada pelo triste papel que a Lei Antitruste passa a desempenhar no contexto econômico brasileiro: instrumento de ameaça de retaliação por porte do governo federal contra determinados setores da economia.
2.9. LEI 8.884, DE 1994
A Lei 8.884/94 sistematizou a matéria, aperfeiçoando seu tratamento legislativo, além de transformar o CADE em autarquia federal, beneficiando-lhe com destinação orçamentária própria. Alguns progressos no texto normativo foram introduzidos. 
Também implementou o chamado “Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência – SBDC”, composto pelo CADE, SEAE e SDE.
Os principais destaques alcançados pela lei foram:
a) Consolidação do controle das concentrações empresariais: não obstante os textos normativos, inexistia regulamentação a respeito e nenhuma empresa sequer se preocupava com essa “formalidade”.
b) Consolidação do controle dos cartéis: antes do ano 2000, a grande maioria dos agentes econômicos não entendia que os ajustes com seus concorrentes poderiam ser ilícitos. O quadro atual é completamente diversos. Nos últimos anos foram muitos os cartéis investigados e condenados pelo CADE em processos que encontraram larga repercussão na imprensa.
c) Aumento do respeito institucional do Poder Judiciário pelo CADE: a análise das decisões do CADE demonstra que elevou-se a qualidade das análises empreendidas. O nível das investigações conduzidas também melhorou. Em resposta, o Poder Judiciário passou a dedicar mais respeito às decisões do CADE.
d) Aumento da atuação do Ministério Público na área antitruste: O MP passou a atuar de forma sistemática junto ao CADE e aos demais órgãos relacionados à política da concorrência, fiscalizando a efetiva proteção do interesse público nas decisões e atos administrativos praticados pelos entes públicos.
2.10. LEI 12.529, DE 2011
Foi promulgado novo diploma normativo antitruste, a Lei 12.529/2011. Do ponto de vista material, pouco se alterou. 
As principais inovações:
a) Reestruturação do SBDC: a SEAE teve diminuída suas funções relativas ao antitruste. A SDE foi incorporada pelo CADE, que passou a ser composto por 2 órgãos principais:
Tribunal Administrativo: compete julgar as acusações de infração à ordem econômica e as operações de concentração;
Superintendência-geral: investigar e instruir os atos a serem apreciados pelo Tribunal.
Há também o DEE – Departamento de Estudos Econômicos, cuja principal função é elaborar análises e pareceres para embasar a atividade do CADE.
b) Imposição do dever de apresentação prévia dos atos de concentração: as empresas estão obrigadas a apresentar os atos de concentração dos quais participam antes de sua concretização. Sem aprovação administrativa, as operações não podem ser consumadas.
c) Aumento do poder da Administração Pública: a imposição do ônus da apresentação prévia das concentrações deposita nas mãos do SBDC poder de obstar a concretização de negócios por mera inércia e, com isso, criar dificuldades à atividade empresarial. O controle de legalidade de excessivos atrasos deverá ser efetuado pelo Ministério Público e Poder Judiciário.
d) Modificação da forma de cálculo das multas por infração à ordem econômica: 
Lei 8.884/94: de 1% a 30% do faturamento bruto no último exercício anterior, excluídos os impostos.
Lei 12.529/2011: de 0,1% a 20% do valor do faturamento bruto no último exercício anterior à instauração do processo administrativo, no ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração.
e) Aumento dos recursos materiais do CADE: mediante a criação de 200 cargos de especialista em políticas públicas e gestão governamental para exercício prioritário do CADE.
2.11. OS DESAFIOS DO ANTITRUSTE NO BRASIL DE HOJE
É preciso dotar o CADE de recursos materiais suficientes para enfrentar a demanda gerada por um país em economia interna em franca expansão.
Espera-se que o CADE passe efetivamente a coibir abusos de posição dominante e outras práticas bastante lesivas aos consumidores e à fluência de relações econômicas, deixando de se preocupar quase que exclusivamente com atos de concentração – que muito raramente apresentam problemas concorrenciais relevantes.
Nos últimos anos, grande parte da energia e dos recursos públicos direcionou-se à análise de atos de concentração e não de processos administrativos que investigavam condutas abusivas, frustrando aqueles que esperavam atuação mais forte para conter as práticas predatórias de empresas em posição dominantes.
A Lei 12.529/2011, na medida em que protege interesses difusos, ligados ao bom funcionamento do mercado e à defesa dos consumidores, deve ter sua eficácia material garantida pelo MP e pelo Poder Judiciário.
CAP 3 – O sistema da lei antitruste brasileira
3.1 O sistema brasileiro de defesa de concorrência. Estrutura administrativa
3.1.1 Superintendência- Geral
3.1.2 Tribunal Administrativo de Defesa Econômica
3.1.3 Departamento de Estudos Econômicos
3.1.4 Procuradoria-Geral do CADE
Neste ponto do capítulo, a autora apenas transcreveu os trechos da Lei 12.529, de forma a demonstrar a estrutura do SBDC. 
3.2 Práticas restritivas e caracterização de ilícitos pelos feitos
As práticas antitrustes são tradicionalmente classificadas conforme suas três principais manifestações: acordos (horizontais ou verticais); abuso de posição dominante e concentração. A lei brasileira, em seu art. 36, caput, inclui toda e qualquer conduta que possa, de alguma forma, prejudicar a concorrência, sem distinção entre acordos, abusos ou concentrações. O intérprete brasileiro é poupado de esforços hermenêuticos para a caracterização de determinada prática como atentatória à ordem econômica, como exigido no TFUE (Tratado sobre funcionamento da União Europeia). 
Outro aspecto, tanto nos Estados Unidos, quanto na Europa, existe a preocupação de caracterizar a posição dominante do agente econômico em determinado mercado relevante, para que lhe possa imputar o abuso. 
No Brasil, o intérprete não precisa lançar mão desse raciocínio, já que a lei não exige que se caracterize o ato como abuso de posição dominante para que seja vedado. 
3.3 Disciplina das infrações à ordem econômica e das concentrações na Lei 12.529, de 2011. Conexão entre os arts. 36 (tipificação e exemplificação das infrações), 88 (dever de submissão e análise das concentrações) e 90 (definição das concentrações que devem ser submetidas à apreciação governamental).
No Brasil, não há “infração per se”, pois as condutas previstas no § 3º., para serem declaradas ilícitas, necessitam de comprovação de seus efeitos abusivos ou anticompetitivos, conforme exigido pelo caput do art. 36. 
Igualmente, prática não prevista expressamente no § 3º do art. 36, caso restritiva da concorrência, será considerada ilícita, bastando, para isso, a comprovação da incidência do caput do art. 36. 
Outrossim, a letra do caput do art. 36 levaria à condenação de todas as concentrações entre agente econômicos que infrinjam a concorrência , o que não seria benéfico para a economia. Por conta disso o art. 88, §6º, c/c art. 90, permite que concentrações sejam realizadas. Sendo necessário o pedido de autorização do CADE. 
3.4 Ainda sobre a caracterização da ilicitude pelos efeitos da prática. Os incisos do art. 36, caput, da Lei 12.529/2011
3.4.1 Art. 36, caput, I: tutela da livre-iniciativa e da livre-concorrência
Assim, no princípio da livre concorrência (e da livre iniciativa) obriga-se, também, a atuação estatal no sentido de (i)disciplinar comportamentos que resultariam em prejuízos à concorrência e (ii) disciplinar a atuação dos agentes econômicos, de forma a implemente uma política pública, dando concreção aos ditames do art. 3º e do art. 170 da CF. 
Em conclusão, quando a autoridade antitruste autoria ou coíbe determinado comportamento do agente econômico, deve atuar o princípio da libre iniciativa e da livre concorrência, tal qual modernamente concebidos e existentes no seio de nossas Constituição. 
3.4.2 Incs. II e IV do art. 36 d Lei Antitruste. Domínio de mercado e abuso de posição dominante. Ainda a tutela da tutela da livre-iniciativa e da livre-concorrência
A linha que separa o abuso da posição dominante e de seu exercício normal, por vezes, é muito tênue, e não há notícias na lei de seu traço, podendo ser vivificada somente se considerados os efeitos anticoncorrenciais da prática analisada, atuais e potenciais. 
De outra parte, nem toda restrição à concorrência implica em domínio ilícito de mercado, pois pode ser derivada de vantagem competitiva, prevista no § 1º do art. 36. O ato de empresa em posição dominante, restritivo da concorrência, poderá não configurar abuso por decorrer do exercício normal da posição dominante. 
3.4.3 Inc. III do art. 36 da Lei Antitruste. A tutela do consumidor, além da livre iniciativa e da livre concorrência
O inciso III do caput do art. 36 visa, precipuamente, à proteção do consumidor, ou daqueles explorados pelos agentes dominantes. Há severas críticas dos estudiosos mais afetos à tradição norte-americana em relação a tal inciso pela ideia de o direito antitruste está reprimindo fator que fomentaria a concorrência. 
De outra parte, o inciso III do art. 36, caput, encontra-se também, a tutela da livre-concorrência e da livre iniciativa, na medida em que o aumento arbitrário de lucros possa configurar atentado a esses bens juridicamente protegidos. 
3.4.4 As duas almas do art. 36 da Lei 12.529 de 2011.
Nesse diploma legal há a proteção à livre-iniciativa e à livre concorrência (como manda o art. 170, caput e seu inciso IV, da CF), como também o consumidor, impedindo que a eles sejam impostos preços excessivos, mediante aumento arbitrário de lucros. 
3.5 Efeitos Potenciais do atos restritivos da concorrência
A lei procura coibir atos que, no futuro, possam vir a gerar abusos ou prejuízos concorrenciais. 
Até os atos de efeitos meramente morais, desde que restritivos da concorrência, são vedados pela Lei Antitruste. 
Na mesma vertente, o ato nulo de pleno direito, inválido ou ineficaz, ou que não tenha chegado a existir no mundo jurídico, poderá subsumir-se à Lei antitruste brasileira, caso determina a incidência de qualquer dos incisos do art. 36, caput, da Lei 12.529. 
3.6 A forma do ato
Pouco importa a forma de que se reveste o ato analisado (independente de sua tipificação formal pelo ordenamento jurídico). Bastará a verificação dos efeitos atuais ou potenciais para comprovar a existência da prática vedada. 
3.7 Os sujeitos da Lei Antitruste. Sujeitos públicos e privados
A lei 12.529/2011 volta-se à disciplina de condutas de agente econômicos no mercado, não incidindo sobre a implementação de políticas pelos poderes públicos. Assim, a Administração ao desempenhar suas funções, não está sujeita ao mesmo tratamento que as normas antitrustes dispensam aos agentes econômicos que atuam no campo da atividade econômica em sentido estrito. 
3.8 A responsabilidade do grupo pelas infrações à ordem econômica
O art. 33 prever a responsabilidade solidária dos integrantes de grupo econômico, de fato ou de direito. Quanto ao grupo econômico de fato, não há consenso doutrinário ou jurisprudencial sobre sua definição. E a amplitude dos termos da lei dificulta a sua aplicação pelo CADE e pelo Poder Judiciário. 
3.9 Procedimentos Administrativos no âmbito do CADE
Os procedimentos administrativos são dois: infrações à ordem econômica e análise de concentrações visando à sua eventual aprovação. 
3.9.1 Procedimentos relacionados à apuração de infrações à ordem econômica
Se desde logo, houver indícios suficiente de infração, abre-se o processo administrativo; caso contrário, instaura-se o inquérito com o escopo de se verificar se a suspeita de incidência do art. 36, caput, possui fundamento. 
Pelo sistema da nossa lei, à Superintendência-Geral cabe apurar os fatos e proferir parecer, enquanto que o Tribunal Administrativo compete julgamento sobre a licitude ou ilicitude da conduta, pois o parecer da Superintendência-Geral não é vinculante.
3.9.2 Procedimentos relacionados à aprovação de concentrações econômicas
As partes submetem ao CADE o ato de concentração que pretendem realizar, efetuando o pagamento das taxas correspondentes (art. 88). Por força de lei, as partes não podem concretizar o ato antes da aprovação do CADE. O requerimento é recebido pela Superintendência-Geral que, após a instrução que considerar devida, aprova-lo-á ou decidirá impugná-lo perante o tribunal. 
Ocorrendo aprovação, terceiros interessados, ou agência competente em caso de setores regulados, poderão apresentar recurso contra essa concordância. Bem como, qualquer conselheiro do Tribunal poderá avocar a prática, submetendo-a a apreciação do plenário. 
Caso a Superintendência-Geral impugne a operação, as empresas poderão opor-se a essa decisão, por meio de petição escrita, dirigida ao Presidente do Tribunal. Em ambas hipóteses, o Tribunal fará o julgamento, podendo aprovar, rejeitar completamente ou aprovar parcialmente, impondo restrições fim de mitigar efeitos nocivos do ato de concentração sobre os mercados relevantes afetados. 
3.10 Acordos entre a Administração Pública e empresas: compromissos de cessação, acordo em controle de concentração e acordo de leniência. 
O CADE e o agente econômico ao qual foi imputada a prática de infração tipificada no art. 36, caput, da Lei 12.529/2011 podem celebrar no âmbito dos procedimentos preparatórios, inquérito ou processo administrativo o podem celebrar o compromisso de cessação, por força do qual a Administração abre mão do prosseguimento do processo administrativo, enquanto estiverem sendo cumpridos os termos do compromisso e o administrador compromete-se a fazer cessar imediatamente a prática, sem reconhecimento da eventual ilicitude. O controle do atendimento ao interesse público pelas cláusulas do compromisso de cessação deve ser feito pelo Ministério Público. 
A lei exige que o compromisso de cessação no caso de infrações dos incisos I e II do § 3º do art. 36, preveja a obrigação de recolher ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos um valor pecuniário que não poderá ser inferior à sanção mínima aplicável. 
Muito se critica o fato de os acordos celebrados e as quantias pagas são bem aquém dos benefícios auferidos pela prática da conduta ilícita ao longo dos anos. Outro aspecto diz respeito ao sigilo que pode ser atribuído às propostas, dificultando o seu conhecimento e a fiscalização por terceiros. 
3.10.2 Acordos em controle de concentração (referido nos art. 9º, V, 13, X e 46 §2º)
Acordo celebrado entre o CADE e empresas que almejam ter aprovadas operações de concentração da qual participam. A operação é admitida pelo órgão e as empresas assumem compromissos que visam a assegurar que os benefícios esperados da concentração tenham lugar. 
De acordo com art. 61, a possibilidade de celebração de acordo não elide a competência do CADE para impor restrições que entender necessárias como condição para a validade e eficácia da operação. 
3.12.3 Acordo de Leniência (art. 86)
A mecânica da leniência exige que a pessoa física ou jurídica interessada no acordo proponha ao CADE, competindo ao órgão, por intermédio da Superintendência-Geral aceitar ou não a oferta. A eventual recusa por parte da Administração, não importa em confissão quanto à matéria de fato, nem reconhecimento de ilicitude da conduta analisada. 
A lei impõe condições para que o acordo se viabilize: o denunciante deverá colaborar efetivamente com as investigações; dessa colaboraçãohá de resultar na identificação dos demais envolvidos na infração e na obtenção de informações e documentos que comprovem a infração noticiada ou sob investigação; o denunciante deverá ser o primeiro a se oferecer, às autoridades, para deletar o esquema; o denunciante deve cessar seu envolvimento com o conluio; o CADE deverá, efetivamente, necessitar das provas fornecidas pelo denunciante. Sendo defeso à administração celebrar acordo de leniência quando já houver provas; o denunciante deve comparecer, sob suas expensas sempre que solicitado, a todos os atos processuais. 
3.11 A cessação imediata de práticas danosas à concorrência: ordens de cassação, medidas preventivas, liminares e antecipação de tutela. 
Em qualquer fase do inquérito administrativo para apuração de infrações ou do processo administrativo para imposição de sanções por infrações à ordem econômica, poderá o Conselheiro-Relator ou o Superintendente-Geral, por iniciativa própria ou mediante provocação do Procurador-Chefe do CADE, adotar medida preventiva, quando houver indício ou fundado receio de que o representado, direta ou indiretamente, cause ou possa causar ao mercado lesão irreparável ou de difícil reparação, ou torne ineficaz o resultado final do processo. 
Na medida preventiva, determinar-se-á a imediata cessação da prática e será ordenada, quando materialmente possível, a reversão à situação anterior, fixando multa diária. Da decisão que adotar medida preventiva caberá recurso voluntário ao Plenário do Tribunal, em 5 (cinco) dias, sem efeito suspensivo. 
Eventualmente, a Procuradoria do CADE tomará as medidas judiciais necessárias. 
Associações, empresas, consumidores e, especialmente o Ministério Público podem se valer diretamente da esfera judicial para obstar conduta prejudicial ao mercado, independentemente da atuação d CADE, é o que dispõe o art. 47 da Lei. Tal previsão é essencial para garantir maior implementação da Lei Antitruste. 
3.12 Lei antitruste e atuação do Ministério Público
O Ministério Público pode atuar na esfera judicial (criminal ou cível), promovendo diretamente as ações originadas do art. 4º da Lei 8.137/90, coibindo práticas que infrinjam a ordem econômica ou prejudiquem a concorrência; pleitear a condenação de infratores junto ao Poder Judiciário, atuar como custos legis. Na esfera administrativa, mantem representante junto ao CADE. Também podem como fiscal da Lei Antitruste, propor ações em situações que se apure que os membros do CADE deixaram de cumprir seu poder-dever. 
3.12 A aplicação privada da Lei Antitruste
Nesse ponto, a autora ressalta que nos Estados Unidos, grande parte das ações antitrustes é promovida por agentes econômicos privados, e não pelas agencias encarregadas da aplicação do Sherman Act, no mesmo sentido, a União Europeia vem dedicando esforços para aumentar o grau de implementação privada das regras antitrustes. Já no Brasil, tal realidade não existe, o desconhecimento da lei antitruste pelos operadores do direito impede que empresas e consumidores defendam de maneira plena seus direitos perante o Judiciário. 
3.13 Lei antitruste e a atuação do Poder Judiciário
O poder judiciário compete apreciar diretamente infrações à ordem econômica, tanto a esfera cível, quanto na criminal; a revisão das decisões tomadas pelas autoridades antitrustes, sem qualquer limitação. 
Não é necessário o término dos processos administrativos para que se deem a apreciação e intervenção judicial, o que é corroborado pelo art. 47 da Lei Antitruste. Outrossim, a possibilidade de revisão judicial das decisões do CADE é a segurança do cidadão contra eventuais abusos ou enganos cometidos pelo Executivo. 
CAP 4 – Objetivos das leis antitruste: as políticas econômicas atuadas
É até possível traçar linhas gerais sobre as funções normalmente desempenhadas por leis antitruste, mas sem que sejam apontados determinados escopos como ótimos ou como necessariamente visados pelo sistema. Contudo, ainda que em teoria, isso somente poderá ser feito se considerada a realidade de cada lei antitruste.
Os debates ancorados apenas na teoria econômica acabam por desviar o ponto fulcral da Lei Antitruste: ela é instrumental a determinada política econômica, possuindo, por consequência, objetivos bem próprios, diversos daqueles das demais leis antitruste. Além disso, o amplo espectro proporcionado pelos termos fluidos normalmente empregados no texto normativo permitem que os tribunais e as autoridades antitruste alterem sua interpretação/aplicação, coadunando-as com as mais diversas visões econômicas.
A aparente certeza e segurança jurídicas que proporcionam as fórmulas matemáticas são afastadas pelo comprometimento do sistema, que pode decorrer de seu indevido enrijecimento. Sua aplicação deve ser temperada pelos princípios embasadores da Lei Antitruste, que não se resume a problemas relacionados com a “eficiência econômica”. A questão assume contornos ideológicos bastante marcados porque a definição da eficiência (e de sua proteção) como o “único” fim da legislação antitruste envolve a opção (política) que dá menor (ou nenhuma) importância a outras diretivas e, especialmente, defende o menor grau possível de atuação estatal.
4.1. As escolas de pensamento antitruste: a consolidação da Escola de Chicago no cenário norte-americano
Em linhas gerais, a Escola de Harvard parte do pressuposto de que empresas com poder econômico usá-lo-ão para implementar condutas anticompetitivas. O modelo de concorrência que se propugna implica a manutenção ou incremento do número de agentes econômicos no mercado. Um dos principais pilares da escola de Harvard repousa na crença de que a conduta do agente econômico - e, portanto, de toda economia - está diretamente ligada à estrutura do mercado. Em três palavras “estrutura-conduta-performance”.
A escola de Harvard (também referida como “estruturalista”) vê as restrições verticais com desconfiança e entende que o agente econômico é propenso a utilizar sua posição dominante em um mercado para alavancá-la em outro (leverage theory).
Por sua vez, a Escola de Chicago defende o menor grau possível de regulamentação da economia pelo Estado. Assim, o jogo da concorrência (apto a, por si só, disciplinar o fluxo das relações econômicas) deve desenvolver-se livremente, com o mínimo de interferência estatal.
A Escola de Chicago traz para o antitruste, de forma indelével, a análise econômica, instrumento de uma busca maior: a eficiência alocativa do mercado, que sempre beneficiaria os consumidores. Esse fato é verdadeiro, esteja o agente econômico em posição monopolista ou sujeito à competição. Os principais institutos antitruste passam a ser pensados em termos de “eficiência alocativa”.
A Escola de Chicago percebe o antitruste em ambiente asséptico, livre dos conflitos de princípios ou de interesses presentes na aplicação de cada caso concreto. O discurso utilizado baseia-se no tecnicismo. No entanto, dizem os críticos, toda técnica implementa uma opção política. O modelo chicaguiano de pensamento é, acima de tudo, positivista e procura distanciar do direito aquilo que poderia desestabilizá-lo. Posner entende que, sendo impossível determinar a solução “mais justa em cada caso concreto, é social e democraticamente preferível que a alocação de recursos entre os indivíduos seja realizada pelo mercado, e não pelo direito, ou seja, venha determinada pelo resultado da somatória das vontades individuais. Assim, a tomada de decisões na sociedade deve ser feita de acordo com o critério econômico da eficiência alocativa, que reverterá sempre em prol do bem-estar do consumidor.
A legitimidade desse postulado estaria no fato de resultar da consideração global das preferências individuais sendo, pois, democraticamente justificável. Sua adoção eliminaria o problema da incerteza do direito.
Ocorre que a busca por segurança e previsibilidade jurídica constitui perigoso incentivo para que o estudioso do antitruste caia na armadilha da análise econômica do direito, que mostra qual canto de sereia,fórmulas aptas a resolver os casos concretos que se apresentam. Contudo, a ciência econômica explicará muitos dos fenômenos que devem ser regulamentados, de sorte que – na medida em que explica a realidade e as consequências da tomada de decisão jurídica – mostra-se poderoso e indispensável instrumento na mão do jurista.
O movimento “revisionista” da Escola de Chicago tomou corpo a partir de meados da década de 1980. Mesmo aplaudindo a análise econômica introduzida por Chicago, esse movimento acusa-a de ser demasiadamente simplista. Assim, com métodos mais aprofundados, indicam prejuízos concorrenciais de determinadas condutas (especialmente os acordos verticais) sem, contudo, desprezar os benefícios que delas derivam.
Em 2008, com a crise mundial, a Escola de Chicago sofreu inegável abalo em suas crenças. Novas propostas, como aquela ligada à Economia Comportamental (Behaviour Economics), ao desafiar o antes incontestável postulado da racionalidade dos agentes econômicos, demonstrariam que, ao fim e ao cabo, a intervenção estatal na economia pode não ser tão perniciosa quanto antes apregoado. Cada vez mais doutrinadores acreditam que o antitruste não se resume à simples busca da eficiência alocativa. O direito é fenômeno complexo que não pode ficar enclausurado nos limites da economia. Mas essa reação de parte da doutrina norte-americana longe está de alterar o cenário de supremacia da escola de Chicago e as crenças de muitos de seus seguidores.
4.2. A visão europeia do antitruste: a concorrência instrumental
A disciplina da concorrência, na União Europeia, é instrumental, ou seja, ligada aos seus fins, conforme estabelecido especialmente no art. 3.° do Tratado. Desta feita, a concorrência não é um fim em si, mas instrumento, meio de atingir-se o fim maior perseguido pela própria União.
A disciplina antitruste na União Europeia tem por escopo principal garantir a integração entre os mercados dos Estados-membros, impedindo o levantamento de barreiras [públicas e privadas] à atuação dos agentes econômicos em todo território. Portanto, o asséptico ideário de Chicago não teve tanta influência na Europa. Ao contrário do que acontece nos Estados Unidos, o antitruste segue sendo fundamental para a vida econômica do Velho Continente.
Ainda quanto aos objetivos do antitruste na União Europeia esta enxerga a abertura, possibilidade de acesso, disputa e estrutura concorrencial do mercado como mecanismos aptos a produzir bem estar econômico, competitividade e integração dos mercados em seu território.
Tende-se à preservação de outros valores além de, simplesmente, a tutela da eficiência econômica. A proteção dos agentes contra o abuso é também forma de encontrar eficiência, mas eficiência que leva ao estabelecimento de condições para a proteção de ideais que não a mera competição sobre os preços.
Pode-se discordar dessa policy, mas é desonesto negar sua existência em face da conclusão óbvia que emerge da análise sistemática dos textos legislativos, da essência da maioria das decisões tomadas pela Comissão e pelas autoridades antitruste nacionais.
A partir de 2003, teve lugar o chamado movimento de modernização do direito antitruste europeu, com a modificação da mecânica de relacionamento e competências entre a Comissão Europeia e as autoridades antitruste dos Estados-membros e alteração dos principais regulamentos de isenção e de Guidelines de orientação para os agentes econômicos.
A aplicação do direito concorrencial pelas autoridades nacionais amadureceu a partir dos anos 80, até mesmo com o arrefecimento - mas não desaparecimento - de certo protecionismo presente no relacionamento com a Comissão Europeia. Os especialistas apontam algumas prováveis razões desse movimento de “modernização”, tais como o crescimento do volume de transações comerciais, a aglutinação de novos países à União (em 1962, a Comunidade Econômica Europeia era composta de apenas 6 países) e também as duras críticas que vinham sendo desferidas contra a política centralizadora da Comissão.
Há de se considerar, ainda, que a concentração de poderes em mãos da Comissão permitiu o espraiamento de uma “cultura comum” de concorrência ao longo de mais de 40 anos de vigência do regulamento 17/1962. Da mesma forma, após quatro décadas de decisões antitruste, os parâmetros de interpretação do [atual] art. 101 do TFEU foram razoavelmente divulgados, tornando menos traumática a “descentralização” desses poderes, que passam a ser divididos com as autoridades nacionais.
Não obstante, o órgão europeu supranacional mantém sua importância na concreção das normas antitruste.
4.2.1. Nota sobre o protecionismo dos Estados-Membros e o conflito com as regras europeias de tutela da livre-concorrência
Um dos maiores problemas enfrentados pela União Europeia em sua política concorrencial diz respeito ao protecionismo dos Estados-membros, que ainda se faz presente, embora de forma mais dissimulada e diluída do que no passado.
O protecionismo dos Estados-membros deu origem à série de julgados pela Corte de Justiça. Em um primeiro momento, não houve dificuldade em se reconhecer a ilicitude de algumas medidas, tomadas pelos Estados-membros, de efeitos equivalentes a uma discriminação. Não obstante, a autoridade europeia logo teve que lidar com medidas protecionistas mais sofisticadas. As próprias legislações antitruste dos países membros chegaram a ser utilizadas como autênticos instrumentos protecionistas.
É interessante notar que, em um primeiro momento, acreditou-se que as concentrações e os acordos entre empresas dar-se-iam entre agentes econômicos situados em diversos países da comunidade, criando, assim, os “campeões europeus”. A realidade, entretanto, mostrou-se bem outra, já que, inclusive por motivos fiscais, as concentrações acabaram por realizar-se ao nível dos mercados internos dos Estados-membros.
Nos últimos anos, o protecionismo interno europeu (assim como a utilização das normas antitruste com tal finalidade) vem diminuindo, embora ainda se faça sentir.
4.3. O caso brasileiro: as bases constitucionais e a concorrência-instrumento
O texto da Constituição de 1988 não deixa dúvidas quanto ao fato de a concorrência ser, entre nós, meio, instrumento para o alcance de outro bem maior, qual seja, “assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”. José Alexandre Tavares Guerreiro, mesmo antes do advento da Constituição de 1988, já via a proteção da concorrência como serviçal de um bem maior, o interesse coletivo, de ordem pública.
A disciplina da concorrência, no Brasil, surge, como anotamos no segundo capítulo, em contexto de proteção da economia popular (cf. Decreto-lei 869, de 1938, e Decreto-lei 7.666, de 1945), o que, sem sombra de dúvidas, já lhe atribui caráter instrumental, ainda que vinculado à economia popular e ao consumidor.
O caráter instrumental da proteção da concorrência permanece na atual Constituição, que manda reprimir o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados e à eliminação da concorrência (art. 173, § 4.°), em atenção ao princípio da livre-concorrência (art. 170, IV). Ordena, também, que seja reprimido o aumento arbitrário de lucros (art. 173, § 4.°), conforme o princípio da defesa do consumidor (art. 170, V). Essa proteção, entretanto, vai inserta no fim geral e maior, em obediência ao caput do art. 170 e ao art. 3.°.
No resumo de Gilberto Bercovici, “apesar de todos os problemas, a Constituição de 1988 é um instrumento capaz de promover, por meio da atuação do Estado, a transformação social” e essa instrumentalidade se faz sentir também da disciplina da concorrência.
Isso tudo significa que, no Brasil, não se pode sustentar que a disciplina antitruste visa apenas a implementar a eficiência, seja ela alocativa, produtiva ou dinâmica. A grande questão é criar e preservar, nos ditames constitucionais, ambiente no qual as empresas tenham efetivos incentivos para competir, inovar e satisfazer as demandas dos consumidores; proteger o processo competitivo e evitar que os mercadossejam fossilizados pelos agentes com elevado grau de poder econômico.
4.4. As normas antitruste como instrumentos de implementação de políticas públicas
Tendo-se em mente os objetivos da Lei Antitruste, aparece clara, conjuntamente com o aspecto instrumental desse tipo de norma, sua aptidão para servir à implementação cie políticas públicas, especialmente de políticas econômicas entendidas como “meios de que dispõe o Estado para influir de maneira sistemática sobre a economia”.
Também no que se refere ao antitruste, ao vê-lo como instrumento de implementação de políticas públicas, não estamos restringindo sua atuação ao campo da superestrutura. Ao contrário, trata-se de “um nível funcional de todo o social”.
A constatação do caráter instrumental das normas antitruste não decorre de exercícios teóricos, mas da análise de reiteradas decisões das autoridades de países com certa tradição antitruste.
Em princípio, a política antitruste poderá ser atuada tanto:
(i) por aplicação da Lei Antitruste, ainda que por via de concessão de autorização ou isenção, ou;
(ii) pela não aplicação da Lei Antitruste a práticas restritivas.
Dessa forma, a não implementação de uma política de concorrência vigorosa pode expressar precisamente a implementação de uma determinada política.
Diante dessa realidade, da qual apenas destacamos parte, seria de se esperar que o estudo da matéria por especialistas fosse pautado nessa perspectiva, desnudando a atuação estatal que se concretiza mediante a interpretação/ aplicação das normas antitruste. Mas não é esse o enfoque majoritariamente dado. Nega-se ou transcura-se o caráter instrumental das normas antitruste, considerando-as apenas maneiras de “eliminação dos efeitos autodestrutíveis do mercado” ou promotor da “eficiência alocativa”, em visão seguramente ultrapassada ou viciada, pois que despreza uma das mais poderosas ferramentas de que pode lançar mão o Estado contemporâneo para implementação de suas políticas econômicas.
Como ponderou mais recentemente Steven Salop, em conclusão que pode ser estendida ao contexto europeu e mesmo brasileiro: “ideologia e política causam profundo impacto na lei antitruste e na sua aplicação. O antitruste não se transformou em mero exercício tecnocrata, em que todos os participantes concordam sobre os objetivos e padrões a serem implementados”.
CAP 5 – As válculas de escape das legislações antitruste
As legislações antitruste contêm instrumentos destinados a evitar que a tutela da concorrência venha a desempenhar função oposta àquela desejada, criando, por exemplo, obstáculos ao crescimento da indústria nacional, ao aumento da competitividade etc.
Com efeito, a aplicação literal do texto normativo, sem qualquer flexibilização, pode gerar efeitos opostos àqueles desejados. Assim, é necessário que a Lei Antitruste contenha meios técnicos que permitam à realidade permear o processo de interpretação/aplicação das normas nela contidas. Estes meios são chamados de “Válvulas de escape”.
5.1 Primeira válvula de escape. Regra da razão, isenções e autorizações
Tanto a regra da razão quanto as isenções e autorizações são técnicas destinadas a viabilizar determinada prática, ainda que restritiva da concorrência, afastando-se barreiras legais a sua concretização. São as válvulas de escape mais utilizadas no processo de interpretação/atuação das normas antitruste.
O afastamento das barreiras legais a uma determinada prática restritiva da concorrência dá-se, geralmente:
I) Na tradição norte-americana, pela chamada rule of reaseon. Nos EUA também se utiliza a técnica da isenção para admitir a prática de determinados atos restritivos da concorrência.
II) Na tradição da União Europeia, mediante a concessão de isenções.
III) No sistema antitruste brasileiro, pela concessão de autorizações, sem prejuízo das insenções à Lei Antitruste.
5.1.1 O sistema norte-americano: rule of reaseon
A análise da regra da razão deve partir da Lei Antitruste norte-americana e da construção jurisprudencial sobre ela edificada.
“Pela regra da razão, somente são consideradas ilegais as práticas que restringem a concorrência de forma não razoável.” A contrario sensu, são permitidas as práticas que não impliquem obstáculo desarrazoado ao livre comércio.
O Sherman Act não prevê, de forma expressa, qualquer válvula de escape. Nos termos dessa lei não há possibilidade de serem consideradas lícitas as práticas que, embora restritivas da concorrência, acabem por trazer benefícios para o sistema.
Nos primeiros anos de vigência do Sherman Act, as Cortes Americanas o aplicavam de forma literal. Para o juiz norte-americano Peckham, não existia qualquer base jurídica para a aplicação da regra da razão, uma vez que o Sherman Act era claro e proibia qualquer restrição da concorrência, fosse ou não razoável. Um dos argumentos colocados por este juiz, para justificar seu posicionamento foi a insegurança jurídica que seria causada se somente as práticas restritivas “não razoáveis” fossem sancionadas.
Contudo, essa interpretação restritiva e literal do Sherman Act foi perdendo força. O próprio juiz Peckhan, posteriormente, o caso United States vs. Joint Traffic Association, colocou o que se convencionou chamar de “primeira regra da razão”. De acordo com a primeira regra da razão, o Sherman Act vedaria apenas as restrições suportadas direta e efetivamente pelo comércio. Se os efeitos da prática fossem indiretos e incidentais, esta não estaria incluída na proibição legal.
Há que se atentar que a “regra da razão” não se identifica com a “abordagem caso a caso” das práticas analisadas, como muitas vezes se tem dado a entender. O case by case approach é outra das válvulas de escape de que pode lançar mão o intérprete na aplicação de uma norma antitruste, e significa, em linhas gerais, que cada caso dever ser analisado individualmente, considerando-se suas particularidades, o contexto econômico no qual se insere e os efeitos anticompetitivos que produz no mercado relevante atingido. A regra da razão, por sua vez, é o método de interpretação que impõe a ilicitude, apenas, das práticas que restringem a concorrência de forma “não razoável”. Percebe-se, portanto, que a aplicação da regra da razão pode dar ensejo a uma análise caso a caso, mas com ela não se confunde.
5.1.1.1 O Sistema norte-americano e as isenções em bloco
Nos EUA, vários setores da economia não estão sujeitos às regras antitruste por força de isenções legais.
Para a compreensão do mecanismo jurídico inerente às isenções, é necessário retomar lição basilar do antitruste: a concorrência tende a diminuir os preços praticados no mercado, impelindo o agente eficiente à redução dos custos para evitar demasiado sacrifício do seu lucro. Ocorre que, em alguns segmentos, a excessiva pressão pela diminuição dos custos mostra-se inadequada. Ademais, a obtenção de lucro maior (que seria impossível em um mercado concorrencial) pode implicar a sobrevivência de um setor ou mesmo a manutenção de empregos. A isenção é assim utilizada para afastar ou arrefecer o moto concorrencial.
Exemplos de setores abrangidos por isenções são as cooperativas agrícolas, transporte marítimo de cargas e setor de seguros.
Portanto, as isenções à Lei Antitruste (i.e., as restrições à concorrência) são permitidas em prol do interesse público e recebem interpretação restritiva.
Em síntese, para os norte-americanos, a Lei Antitruste assume que a concorrência preside o andamento dos mercados. No entanto, há hipóteses em que essa premissa não deve ser seguida (porque a competição não vai sempre ao encontro do interesse público), não cabendo aos julgadores estabelecer quando será ou não aplicada. Essa opção já foi (e somente pode ser) efetuada pela lei, mediante a concessão de isenção; a prerrogativa de reconhecer falhas de marcado e de moldar a respectiva correção pertence ao Congresso, não às Cortes e muito menos às autoridades administrativas.
5.1.2 O sistema europeu. As isenções
Muitas vezes as leis antitruste determinam a ilicitude de práticasrestritivas da concorrência e, ao mesmo tempo, preveem a possibilidade de sua legitimação mediante a concessão de isenções. O sistema antitruste europeu adota a metodologia das isenções como principal técnica jurídica para flexibilizar a aplicação de suas normas.
Nos termos do art. 101, do TFEU, são incompatíveis com o mercado comum e nulas todas as práticas que possam prejudicar o comércio entre os Estados-membros ou prejudicar a concorrência. Entretanto, essas mesmas práticas podem ser isentadas (ou seja, a restrição pode não ser aplicada), caso acarretem a melhoria da produção ou de bens ou traga progresso econômico.
Quando se trata da utilização do método das isenções, duas normas devem ser levadas em consideração: uma primeira que veda, de forma geral, as práticas restritivas da concorrência; e outra norma, a específica, que autoriza a prática quando concedida a isenção.
Na Europa, a proteção da concorrência é instrumental (concorrência instrumento), e os artigos específicos sobre antitruste do TFUE devem ser interpretados de forma harmoniosa com as demais políticas. A política concorrencial deve ser moldada pelos escopos gerais postos no Tratado de União Europeia (TUE) como o crescimento econômico equilibrado, a estabilidade dos preços, numa economia social de mercado altamente competitiva que tenha como meta o pleno emprego e o progresso social e um elevado nível de proteção e de melhoramento da qualidade do ambiente, fomento ao progresso científico e tecnológico, a justiça e a proteção sociais etc. A política concorrencial deve também ser instrumento da promoção da coesão econômica, social e territorial e da solidariedade entre os Estados-membros.
No sistema europeu foram editados vários regulamentos que “isentam em bloco” algumas categorias de acordos, cujas características demonstram que o prejuízo à concorrência eventualmente causado é suplantado pelos benefícios trazidos ao mercado. Caso a prática não se subsumisse a uma isenção em bloco, havia ainda a possibilidade de se pleitear a concessão de uma isenção individual.
Com a entrada em vigor do Regulamento 01/2003, não é mais necessária a concessão de isenção individual para as práticas não subsumíveis às isenções em bloco. Tem-se, assim, a passagem de um sistema de autorização centralizado de notificação prévia, para um sistema de exceção legal baseado na aplicação a posteriori. Esse regulamento não altera a essência do sistema em bloco, mas apenas o procedimento para obtê-las. As empresas são incentivadas a efetuar sua própria apreciação sobre a compatibilidade da prática com as regras de concorrência dos tratados europeus.
Além das isenções em bloco para determinados tipos de avenças, na Europa há setores da economia que são excluídos das normas antitruste previstas no TFUE, são os chamados “setores especiais”, tais como carvão e aço, energia nuclear e o setor militar.
Deste modo, na União Europeia temos:
a) as isenções em bloco – que afastam contestações antitruste daqueles negócios efetivados dentro dos limites permitidos;
b) as declarações de ofício de licitude da prática, que podem ser concedidas sempre que o interesse público assim o exija; e
c) os setores especiais, sujeitos a um sistema concorrência próprio.
5.1.3 O sistema brasileiro. Risco jurídico e consultas
Respeitada a orientação constitucional (em especial o art. 170 e segs, da CF), a licitude ou ilicitude da prática dos agentes econômicas é estatuída pelo art. 36, caput, da Lei 12.529/11, sendo considerada ilegal a que implicar: (I) prejuízo à livre concorrência ou à livre iniciativa; (II) domínio de mercado relevante; (III) aumento arbitrário de lucros; ou (IV) abuso de posição dominante.[2: Art. 36.  Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; II - dominar mercado relevante de bens ou serviços; III - aumentar arbitrariamente os lucros; e IV - exercer de forma abusiva posição dominante. ]
O art. 88, da Lei 12.529/11, por seu turno, exige que sejam apresentadas para autorização apenas as concentrações que atinjam o gabarito ali previsto. Entre essas concentrações, incluem-se negócios de “contratos associativos”, “consórcios” ou “joint-ventures”. A exemplo no sistema europeu atual, os acordos que não implicarem concentração econômica não necessitam de autorização prévia do CADE para sua eficácia.[3: Art. 88.  Serão submetidos ao Cade pelas partes envolvidas na operação os atos de concentração econômica em que, cumulativamente: I - pelo menos um dos grupos envolvidos na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais); e II - pelo menos um outro grupo envolvido na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais). ]
Do ponto de vista o agente econômico, se por um lado dispensa-se o gasto de tempo e dinheiro normalmente envolvido na obtenção da autorização, por outro lado pode aumentar a insegurança jurídica em caso de dúvida quanto à licitude do contrato, ou seja, sobre a incidência ou não do art. 36, caput, da Lei Antitruste.
Visando diminuir os efeitos adversos dessa imprevisibilidade, é facultado às empresas formularem consultas ao CADE, conforme o art. 9º, §4º, da Lei 12.529/11 que dispõe que “o Tribunal poderá responder consultas em andamento, mediante pagamento de taxa e acompanhadas dos respectivos documentos”.
Na mesma linha, o CADE poderá, com base no art. 9º, XIV, da Lei 12.529/11, instruir as empresa sobre as formas de infração à ordem econômica, emitindo textos de orientação sobre os limites da licitude das práticas, para evitar contestações por parte da autoridade antitruste.
5.2 As isenções antitruste em bloco no sistema brasileiro e seu fundamento jurídico. Lei geral de defesa da concorrência e leis específicas (microssistemas jurídicos).
Atualmente, também por conta do espraiamento dos pressupostos da Escola de Chicago (vide capítulo ref. aos objetivos da lei antitruste), a concorrência deve ser preservada acima de tudo. Contudo, há situações em que o legislador determina que, em certos setores, a competição há se der arrefecida. Embora a concorrência seja a regra geral, nessas hipóteses a lei especial deve prevalecer.
A lei 12.529/11 é lei de caráter geral, que visa disciplinar o comportamento dos agentes que atuam no domínio econômico, tanto de maneira repressiva (punindo os abusos de poder econômico e as práticas restritivas da concorrência) quanto preventiva (mediante o controle previsto no art. 88), sempre de acordo com o art. 170, CF. 
A Constituição Federal pressupõe que a livre concorrência deve imperar nos mercados. Mas também reconhece possível, para atingir os fins maiores positivados no art. 170, CF, o sacrifício total ou parcial da competição em certos setores, submetendo-os a regramento diverso, que arrefece a pressão concorrencial. Assim, em virtude de texto legal, é posta uma isenção em bloco, que permite prática restritiva da concorrência. Eis nossas isenções: leis específicas autorizadoras de restrições concorrenciais, que prevalecem sobre a regra geral.
Portanto, o sistema brasileiro admite a existência de isenções à Lei Antitruste. Não é necessária disposição expressa nesse sentido, pois a legalidade e constitucionalidade das leis específicas autorizadoras de práticas anticompetitivas decorrem diretamente da CF. Enfim, as isenções em bloco, no Brasil, brotam da interpretação sistemática do nosso direito.
No entanto, as isenções devem ser interpretadas restritivamente. Isso porque a autorização ou a lei específica que afasta a aplicaçãoda Lei Antitruste são exceções, isso é, restrições à livre concorrência e/ou à livre iniciativa, cuja possibilidade, limites e fundamentos devem estar especificados na lei e embasados na CF.
5.3 Segunda válvula de escape. O conceito de mercado relevante
 Mercado relevante é aquele em que se travam as relações de concorrência ou atua o agente econômico cujo comportamento está sendo analisado. Sem sua identificação, é impossível determinar a incidência de qualquer das hipóteses contidas no art. 36, da Lei 12.529/11.
Não existe fórmula matemática para a determinação do mercado relevante, mas apenas métodos que acabam por fornecer indicativos que, utilizados de forma conjugada, auxiliam-nos nessa tarefa.
A busca do mercado relevante passa pela identificação das relações (concretas, ainda que potenciais) de concorrência de que participa o agente econômico.
No caso de empresas detentoras de monopólio (i.e., que não enfrentam a concorrência), o mercado relevante coincidirá com seu mercado de atuação exclusiva.
Para a delimitação do mercado relevante, devemos analisar dois aspectos complementares e indissociáveis: o mercado relevante geográfico e o mercado relevante material, ou mercado do produto.
5.3.1 O mercado relevante geográfico
O mercado relevante geográfico é a área onde se trava a concorrência relacionada à prática que está sendo considerada restritiva. O mercado relevante geográfico não pode ser determinado abstratamente, pois depende da localização do agente econômico e também da natureza do produto e da conduta que está sendo analisada.
Identifica-se o mercado relevante geográfico com o espaço físico onde se desenvolvem as relações de concorrência que são consideradas. Pode ser compreendido como a área na qual o agente econômico é capaz de aumentar os preços que pratica sem (I) perder um grande número de clientes, que passariam a utilizar-se de um fornecedor alternativo situado fora da mesma área ou (II) provocar imediatamente a inundação da região por bens de outros de outros fornecedores que, situados fora dela, produzem bens similares. Ex: uma padaria do bairro Pinheiros, cidade de São Paulo, desenvolveu pães com reduzida quantidade de farinha, tornando o produto mais leve, mantendo seu valor nutritivo. Em decorrência dessa vantagem competitiva, os consumidores da mesma região deixaram de comprar pão em outras padarias do bairro. Com isso, as outras padarias daquele entorno diminuíram suas vendas e a maioria até fecharam as portas. Assim, o mercado relevante da padaria que consideramos é o mercado do bairro Pinheiros (e, talvez, de alguns bairros vizinhos), pois que ali são travadas as relações de concorrência de que participa a mencionada padaria.
Podemos identificar alguns aspectos relevantes a serem considerados quando da delimitação do mercado relevante geográfico:
I) Hábitos dos consumidores: deve ser verificado se o consumidor está disposto a se afastar do local onde se encontra para adquirir outro produto ou serviço similar ou idêntico. Muitas vezes os hábitos dos adquirentes trazem a definição do mercado relevante, porque raramente o consumidor estará disposto a se afastar da sua zona de residência para obter produtos de seu uso pessoal e constante.
II) Incidência dos custos de transporte. Os custos de transporte constituem um dos mais influentes fatores na determinação do mercado relevante geográfico, fazendo com que, muitas vezes, os produtores locais encontrem-se em posição de dependência e indiferença em relação a agentes econômicos localizados em áreas diversas. A desigualdade entre os preços dos produtos locais pode ser tão alta a ponto de impedir a relação de concorrência entre fornecedores, isolando-os em mercados relevantes geográficos apartados.
III) Características do produto, tais como durabilidade, resistência ao transporte etc.
IV) Incentivos de autoridades locais à produção ou comercialização. Atos das autoridades administrativas podem levar à falta de homogeneidade na concorrência, pois, muitas vezes o incentivo governamental impede que os agentes econômicos estabeleçam, entre si, uma relação de concorrência.
V) Existência de barreiras à entrada de novos agentes econômicos no mercado. Se uma área é refratária à entrada de novos agentes, provavelmente constituirá mercado relevante geográfico distinto; as empresas que nele atuam não estarão sujeitas à concorrência externa, ainda que potencial. Ex: no caso dos altos impostos de importação, os obstáculos que se colocam à entrada de agentes econômicos no mercado protegido impedem a relação de concorrência entre as empresas nacionais e estrangeiras. Inexistindo tais barreiras, o mercado relevante geográfico poderá até mesmo ser aquele mundial.
VI) Taxa de Câmbio praticada pelo país, que inviabiliza a importação de produtos estrangeiros a preços competitivos ou entraves burocráticos podem isolar o mercado relevante geográfico.
5.3.2 O mercado relevante material
O mercado relevante material (ou mercado do produto) é aquele em que o agente econômico enfrenta a concorrência, considerado o bem ou serviço que oferece. Sua delimitação, a exemplo do mercado relevante geográfico, parte da identificação das relações de concorrência.
Primeiramente, deve-se atentar para a necessidade do consumidor ser satisfeita pelo produto para verificar se ele está disposto a substituí-lo por outro. Se a resposta for afirmativa, ambos ou todos farão parte do mesmo mercado relevante material. A fungibilidade do produto (ou intercambiabilidade) dos produtos para o consumidor faz com que integrem mercado relevante material idêntico.
No entanto, a intercambiabilidade nem sempre é fácil de ser constatada. Podemos ter indício de que dois ou mais produtos são intercambiáveis ou fungíveis quando o aumento no preço de um deles conduz ao aumento da procura do (s) outro (s) (fenômeno da elasticidade cruzada ou cross elasticity). Ocorrendo tal hipótese, há indicativo de que os consumidores estão dispostos a substituir um bem pelo outro, o que situaria ambos em relação de concorrência e autorizaria sua integração no mesmo mercado relevante. Pesquisas junto aos consumidores podem mostrar-se úteis.
Em 2007 o CADE analisou o caso da aquisição da empresa Mate Leão pela Coca-cola. As requentes alegavam que o mercado relevante a ser considerado seria o “mercado relevante de bebidas não alcoólicas”. As mesmas partes, contudo, admitiram a hipótese de outra análise, considerando os seguimentos de mate e ice tea. No Brasil, Mate leão é marca tradicional de chá-mate, enquanto que a Coca-Cola, indiretamente, está ligada ao Nestea (em virtude de joint-venture mundial com a Nestlé).
Na hipótese de chá-mate e ice tea serem considerados concorrentes, haveria concentração de mercado, pois o consumidor que antes da compra da empresa Mate Leão podia optar entre duas fabricantes, passaria a ter uma só escolha. Ao mesmo tempo, tomadas essas bebidas de forma apartada, a concentração seria praticamente inexistente. Mate Leão e a Coca-Cola não concorriam antes da operação, nem depois.
O CADE afirmou que os consumidores percebiam ambas as marcas como substitutas, decidindo, primeiramente, que o mercado proposto, de bebidas não alcoólicas, era de abrangência desarrazoada. O mercado relevante seria o de chás prontos para beber e os guaranás não gaseificados.
Ainda, no tocante ao mercado relevante material, em regra, a identificação do bem ou serviço com uma marca não é por si só suficiente para caracterizar a existência de mercado relevante distinto. Entretanto, quando os consumidores não têm por hábito substituir o produto identificado pela marca por outro similar, pode haver a caracterização de vários mercados, derivada da infungibilidade dos produtos.
Em situações nas quais a dependência dos consumidores é tal que os impede de se valer de outros produtos em princípio intercambiáveis, considera-se a existência de vários mercados relevantes distintos.
Por fim, a identificação das relações de concorrência (e do mercado relevante) pode levar em consideraçãoa oferta, se o comportamento do agente econômico considerado for condicionado pela concorrência que é oferecida por outros produtores. Fala-se em elasticidade cruzada da oferta para referir a possibilidade de substituição do fornecedor. Com esse raciocínio, no caso Torras/Sarrio, a Comissão Europeia entendeu que papéis couchê de alta qualidade, com maior brilho e papéis mais simples deveriam ser incluídos no mesmo mercado relevante, pois os fabricantes podem, com facilidade, modificar a qualidade dos papéis que oferecem ao público.
Saliente-se que a possibilidade de alteração da produção dever ser fácil, rápida e provável.
Para se ter uma visão global da questão do mercado relevante, já foi decidido que:
a) o mercado de bananas não se identifica com o de frutas frescas;
b) não há mercado relevante material específico para o papel celofane, mas sim o mercado de papéis flexíveis de embalagem;
c) pneus novos colocados nos caminhões e aqueles (também novos) utilizados para substituí-los constituem mercados relevantes materiais distintos, pois os primeiros são vendidos aos construtores de automóveis e os segundos a distribuidores profissionais.
Em processo de concentração, pode interessar a extensão do mercado relevante a ser considerado, impedindo que seja acolhida a argumentação de que a operação foi do tipo “conglomerada”, não tendo causado maiores impactos sobre a concorrência. A excessiva segmentação dos mercados envolvidos pode levar à falsa conclusão de que duas empresas não são concorrentes quando, na realidade, competem entre si.
5.3.3 A elasticidade do mercado relevante
Dependendo da solução mais adequada à concretização da política econômica, logra-se delimitar o mercado relevante de forma instrumental.
Note-se que: a) A definição de mercado é uma ferramenta para identificar e definir as fronteiras de concorrência entre empresas e b) o conceito de mercado relevante está diretamente relacionado aos objetivos perseguidos pela política de concorrência.
A segmentação do mercado relevante é capaz de levar à configuração de posição dominante (v.g. caso da Banana Chiquita ou o caso Kodak). Assim, a operação de determinação do mercado relevante, normalmente o primeiro passo na análise de uma prática antitruste, possibilita a flexibilização do texto normativo, colocando-o a serviço da política a ser implementada.
A caracterização do mercado relevante é crucial para a autorização ou impedimento das operações entre agentes econômicos, pois os efeitos decorrentes serão sopesados dentro dessa moldura. Restringindo-se o mercado relevante, as consequências da prática poderão ser sentidos de forma mais aguda. De outra parte, o aumento da dimensão do mercado é capaz de diluir o impacto anticoncorrencial e, algumas vezes, permitir sua autorização.
No Brasil, temos vários exemplos de aplicação do “elástico conceito de mercado relevante”. O CADE, ao apreciar a prática concentracionista da aquisição da Cia. Siderúrgica Pains pelo Grupo Gerdau, concluiu que esta última empresa, se autorizada fosse a operação, seria titular de indesejável posição dominante no mercado brasileiro de aços longos. Se fosse acolhido o argumento da empresa adquirente, no sentido de que o setor em que atua está sujeito a elevada concorrência internacional (e, portanto, o mercado relevante geográfico a ser considerado seria mundial), não se poderia dizer que do negócio acarretaria a posição dominante da Gerdau. 
Em outra decisão do CADE, empresa fabricante de cola líquida e outra que fabricava cola em bastão concentraram-se. Se os mercados relevantes de cola em bastão e cola líquida fossem considerados apartados, a conclusão seria que não houve impacto sobre a concorrência. Já se o mercado fosse único, após a operação teríamos uma elevação no grau de concentração.
5.3.4 Contraponto: notas críticas ao método tradicional para a delimitação do mercado relevante
 A identificação do mercado relevante é instrumental para que se possa aplicar a lei. Se o conceito de mercado relevante tem a ver com a identificação de concorrência e sua delimitação, mostra-se imprescindível, para valorar corretamente o comportamento do agente e suas consequências sobre o mercado (ou seja, prejuízo à livre concorrência e à livre iniciativa, mencionadas no art. 170, CF).
Parte-se da necessidade do consumidor (adquirente) que é atendida pelo produto; se houver outros bens que supram esse mesmo querer, é porque há disputa entre eles.
Com o escopo de proporcionar segurança e previsibilidade, as autoridades antitruste indicam aos agentes econômicos quais os métodos empregados para a construção do mercado relevante na sua jurisdição. Valendo-nos dessa sinalização, há 03 sistemas utilizados:
5.3.5 A delimitação do mercado relevante nos Estados Unidos. O teste do monopolista hipotético e o risco de “falsos negativos”
Pelo sistema do monopolista hipotético, investiga-se as consequências de reduzido, mas significativo, incremento no nível dos preços praticados.
Um cuidado que se deve ter com esse método é evitar o erro que muitos autores apontam ter ocorrido no caso Du Pont, julgado pela Suprema Corte norte-americana. Em síntese, a Du Pont foi acusada de dominar o mercado de fabricação de papel celofane. Em sua defesa, alegou que o seguimento em que atuava seria o de embalagens flexíveis em geral (i.e. enfrentava a concorrência de outros agentes econômicos), de forma que não poderia ser considerada detentora de posição dominante. O raciocínio partia da necessidade do consumidor satisfeita pelo celofane, i.e., da utilidade do celofane (embalar pães, biscoitos etc). Argumentava a Du Pont que, para cada uma dessa uma dessas aplicações, haveria produtos concorrentes de que o comprador poderia lançar mão para obter o mesmo resultado (papel manteiga, filme plástico etc). Demonstrou-se que, quando a Du Pont levantava seus preços, a demanda dos substitutos crescia. Haveria, pois “elasticidade cruzada preço/demanda”, na medida em que o incremento do preço do celofane conduzia ao aumento da procura das outras embalagens flexíveis. A Corte entendeu que, se a elevação do preço impelia o consumidor à compra de outro produto, era claro o vínculo concorrencial existente entre eles. Integrariam o mesmo mercado relevante, portanto.
 Para melhor entender a “falácia do celofane”, a autora dá o seguinte exemplo: as donas de casa brasileiras preferem limpar vidros com determinado produto especificamente destinado a limpeza de vidros e só há um único fabricante desse produto no Brasil. Diante do aumento excessivo do preço de tal produto, as donas de casa passaram a substituir esse produto específico pelo álcool, que embora não seja o produto ideal para a limpeza de vidros, diante do abuso por parte da produtora do primeiro produto, conduziu os consumidores à aquisição do álcool. Conclui-se que, em tal conjuntura, o álcool e o limpa vidros não são concorrentes, mas diante do abuso da posição de mercado desta última, os consumidores tiveram que comprar álcool. Temos uma certa “elasticidade cruzada da demanda”, mas que, em vez de indicar concorrência, indica abuso. No caso da Du Pont, muitos afirmam que ocorreu esta situação, de abuso da posição dominante. 
Provavelmente, se o julgamento fosse realizado nos dias atuais, o mercado relevante teria sido delimitado de forma diversa, levando em conta a existência do segmento de celofane em apartado. Aqueles que não concordam com a decisão tomada no caso supra aduzem que tal julgamento deu lugar à chamada “falácia do celofane”, pois na verdade, a elasticidade cruzada que tanto impressionou a Corte nada mais revelaria senão um abuso de posição dominante.
A consequência desse equívoco seria uma definição desmesuradamente ampla do mercado, conduzindo à conclusão de que o agente não teria poder econômico quando, na realidade, está abusando de sua posição dominante. A correção, normalmente indicada, preconiza a utilização de preços competitivos como ponto de partida da investigação. No entanto, não é tarefa fácil a explicaçãodo que seriam preços competitivos em um mercado não competitivo.
Outra dificuldade é que o método norte-americano acaba recortando o mercado relevante em torno do poder do agente.
5.3.6 A delimitação do mercado relevante na Europa
A União Europeia enfrenta a definição de mercado relevante de forma mais atenta às relações concorrenciais do que ao poder de mercado do agente econômico.
A definição de mercado relevante é um instrumento para identificar e definir os limites da concorrência entre as empresas. O objetivo de definir um mercado tanto em função do seu produto como em função da geografia é o de identificar os concorrentes efetivos das empresas em causa suscetíveis de restringir o seu comportamento e de impedi-las de atuar independentemente de uma pressão concorrencial efetiva.
A delimitação do mercado relevante na União Europeia é uma ferramenta de implementação de políticas públicas e promover a integração do mercado europeu. Fórmulas matemáticas são utilizadas pela Comissão, mas sempre enquadradas nos objetivos da política da concorrência.
5.3.7 A delimitação do mercado relevante no Brasil e a influência do sistema norte-americano
“No Brasil, o Anexo V da Resolução 15 do CADE, de 1998, determina que: “Um mercado relevante do produto compreende todos os produtos/serviços considerados substituíveis entre si pelo consumidor devido às suas características, preços e utilização. Um mercado relevante do produto pode eventualmente ser composto por um certo número de produtos/serviços que apresentam características físicas, técnicas ou de comercialização que recomendem o agrupamento”.
No entanto, o guia para Análise Econômica de Atos de Concentração Horizontal, anexo à Portaria Conjunta SDE/SEAE 50, de 2001, adota declaradamente o teste do monopolista hipotético como critério para demonstrar o mercado relevante: “A definição de um mercado relevante é o processo de identificação do conjunto de agentes econômicos, consumidores e produtores, que efetivamente limitam as decisões referentes a preços e quantidades da empresa resultante da operação. Dentro dos limites de um mercado, a reação dos consumidores e produtores a mudanças nos preços relativos – o grau de substituição entre os produtos ou fontes de produtores – é maior do que fora destes limites. O teste do “monopolista hipotético, descrito adiante, é o instrumental analítico utilizado para se aferir o grau de substitutibilidade entre bens ou serviços e, como tal, para a definição do mercado relevante.”
O mercado relevante é construído em cada caso concreto, pois cuida-se de uma operação lógica em que deve ser adotado um procedimento peculiar que nos permite identificar as relações de concorrência de que participa o agente econômico.
5.4 Terceira Válvula de Escape. O jogo do interesse protegido
À “válvula de escape” das normas antitruste, consubstanciada na possibilidade de decisão conforme o interesse digno de tutela jurídica no caso concreto que se está analisando, dá-se o nome de “Jogo do Interesse Protegido”.
A questão se torna mais complexa quando considerado o leque de interesses que se pode abrigar sob as normas antitruste: interesse do mercado, interesse do consumidor, interesse nacional, interesse público etc. A aplicação da Lei Antitruste pode tutelar cada um desses interesses, resultando, muitas vezes, em possibilidades de decisões em vários sentidos, alguns opostos. Para ilustrar, valemo-nos do julgamento do caso norte-americano Mogul Steamship Co. vs. MacGregor: “Praticar preços baixos para eliminar a concorrentes é legal porque os preços baixos beneficiam o consumidor.” Com esse exemplo percebe-se como o jogo do interesse protegido pode ser utilizado para justificar ad decisões antitruste que devem servir a uma política econômica governamental, pois se os julgadores houvessem tido por bem proteger a concorrência, a decisão teria sido outra.
5.4.1 Lei de tutela da concorrência ou lei de repressão ao abuso do poder econômico
É necessário questionar se é indiferente referir-se à Lei 12.529/11 como “lei de repressão ao abuso do poder econômico” ou “lei de tutela da livre concorrência”. A resposta negativa se impõe.
Quando se faz referência à lei de tutela da livre concorrência, está-se colocando a livre concorrência ou a livre iniciativa como bem maior protegido pela Lei Antitruste. Não que a repressão ao abuso do poder econômico seja completamente desprezada: ao contrário, mas é ela amparada apenas na medida em que se mostra instrumental à tutela da livre concorrência. Assim, o Sherman Act é uma lei de tutela da livre concorrência. 
Já ao falarmos em repressão ao abuso do poder econômico, privilegiamos a repressão. Nesse caso, algumas práticas, ainda que não prejudiciais à livre concorrência, serão vedadas pela lei. Ex: a coibição dos lucros arbitrários, que poderiam ser fator de fomento para a concorrência, vem capitulado como infração à ordem econômica por nossa Lei Antitruste.
No Brasil, considerando-se o art. 173, §4º, da CF, não há dúvidas de que a Lei 12.529/11 é uma lei de repressão ao abuso do poder econômico: “Lei reprimirá o abuso do Poder Econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”. Ainda, quando posta no quadro geral do art. 170, c.c. art. 3º, ambos da CF, busca também a promoção da dignidade da pessoa humana.
A questão do jogo do interesse protegido, na Lei 12.529/11, relaciona-se principalmente com o art 36, caput, e com os critérios para aprovação das concentrações, do art. 90, §6º. É preciso interpretar estes dispositivos em consonância com o texto constitucional e com o art. 1º, da Lei Antritruste. Este último artigo menciona expressamente uma miríade de interesses dignos de tutela jurídica.
Em nenhum momento nosso sistema jurídico corrobora a afirmação, reverberada por muitos, de que a Lei Antitruste brasileira visa apenas à tutela da eficiência alocativa. Ao contrário, encontramos na Lei uma complexa constelação de princípios, valores e interesses que não podem ser ignorados.
5.4.2 Lei Antitruste, Lei da Propriedade Industrial e Código de Defesa do Consumidor
Há uma tendência no Brasil de misturar as áreas de incidência da Lei Antitruste, da Lei da Propriedade Industrial e do Código de Defesa do Consumidor, porque os bens jurídicos protegidos mediatamente por uma lei são protegidos de forma direta por outra. Contudo, é preciso separar tais diplomas para não comprometer a eficácia de sua aplicação.
5.4.2.1 Concorrência Desleal e Lei Antitruste
 Na proteção da concorrência leal, efetuada principalmente pela lei 9.279/96, o bem imediatamente tutelado é a proteção do concorrente, do interesse do agente econômico individualmente considerado, e não a tutela do interesse coletivo da concorrência, como ocorre nas normas antitruste.
Inexistindo infração à ordem econômica capitulada no art. 36, caput, a Lei 12.529/11, não há violação antitruste.
Não constituem abuso do poder econômico, mas, antes, condutas indenizáveis pela via civil ou até reprimíveis por ação penal privada, os atos de concorrência desleal que não caracterizam manobras de domínio de mercado pela eliminação da concorrência e pelo aumento arbitrário dos lucros.
Nas normas de repressão à concorrência desleal, o bem imediatamente protegido é o concorrente. Já o direito antitruste protege a concorrência, o mercado.
Entretanto, os limites de separação da disciplina da concorrência desleal e do direito antitruste não são nítidos, até porque a mesma prática pode prejudicar o concorrente e ao mesmo tempo a concorrência. 
Dessa forma, é comum existir em nossa lei de repressão à concorrência desleal, dispositivo que a liga com a lei antitruste, de forma que uma prática de restrição à livre concorrência ou de abuso do poder econômico pode ser vista, em alguns casos, como ato de concorrência desleal.
Por exemplo, a venda de bens abaixo do custo, tendo por efeito a eliminação do concorrente, pode configurar, ao mesmo tempo, abuso do poder econômico e concorrênciadesleal (pois é utilizada, no mercado relevante, uma prática definida por nosso ordenamento como ilícita e, portanto, fraudulenta). Nesse caso, serão aviltados tanto a livre concorrência e a livre iniciativa (cf. art. 36, caput, da Lei Antitruste) quanto o direito do concorrente individualmente considerado. Ao reverso, ato de concorrência desleal pode ser encarado como violação à Lei Antitruste desde que implique a incidência de qualquer dos incisos do art. 36,caput, da lei Antitruste, pois o dano a apenas um concorrente pode implicar lesão ao bem imediatamente protegido por esta lei.
Em conclusão, a diferenciação dos interesses imediatamente protegidos pelas Lei Antitruste e Lei de Concorrência Desleal faz com que regulamentem fenômenos diversos: a proteção do concorrente muitas vezes pode não implicar a proteção da concorrência. De outra parte, considerando-se que também as normas de concorrência desleal (de forma mediata) fomentam a concorrência e o progresso tecnológico, colocam-se pontes entre as duas legislações que nos permite, em alguns casos, a interpenetração das matérias.
5.4.2.2 Código de Defesa do Consumidor
Pode ocorrer que o mesmo fato desencadeie a incidência de normas de defesa do consumidor e de normas antitruste. Mas há que se considerar que tais diplomas protegem diretamente interesses diversos: a livre iniciativa e a livre concorrência, de uma parte, e o consumidor, de outra.
A partir do momento em que a livre concorrência é defendida, tutela-se o consumidor (“a tutela da concorrência é a proteção do consumidor no atacado”).
Ademais, nas decisões antitruste, em que se tem a preocupação imediata da tutela da livre concorrência, a proteção mediata ao interesse do consumidor não raro é utilizada como elemento argumentativo.
Outrossim, aqueles que defendem ser a eficiência alocativa o único norte do antitruste, colocam o foco da discussão no oferecimento de preços inferiores aos consumidores. Contudo, preço excessivamente baixo pode ser benéfico para os consumidores no primeiro momento, mas na verdade, prejudica a livre iniciativa e a livre concorrência.
5.5 As válvulas de escape e a insegurança jurídica. O direito concorrencial e a previsibilidade necessária à atuação dos agentes econômicos 
A necessidade de flexibilização das normas antitruste, para que possam melhor servir à sociedade (o que é feito por meio da utilização das válvulas de escape) acabam por gerar insegurança jurídica.
Assim, ao mesmo tempo em que as válvulas de escape constituem instrumento indispensável ao sistema, acabam por gerar instabilidade e o desejo de maior vinculação do intérprete ao texto normativo.
Essa constatação posiciona o antitruste dentro de uma linha de evolução do direito atinente ao grau de vinculação do intérprete ao texto normativo: a insegurança leva à necessidade do respeito à letra da lei ou, ao menos, à possibilidade de se determinar o que é jurídico, o que pode ou não ser feito. De outra parte, essa vinculação é capaz de acarretar a inadequação do direito, tornando-o excessivamente rígido.
Mas, ao mesmo tempo, a estreita vinculação do intérprete à letra da lei pode levar a uma incapacidade do sistema para disciplinar os casos concretos que se lhe apresentam.
Percebido que a estreita vinculação do intérprete ao texto normativo, no caso antitruste, é impossível, continua a busca de soluções.
Hoje, vivifica-se o entendimento do ordenamento jurídico como sistema de regras e princípios e, na relação entre ambos, vislumbra-se método interpretativo que possa levar a (I) garantir certa previsibilidade do resultado da conduta do agente e (II) maior adequação do direito à realidade que disciplina.
Explica a autora, citando Ronald Dworkin e Canotilho, que “os princípios jurídicos embasam as regras e lhes são hierarquicamente superiores. Podem desempenhar uma função argumentativa, permitindo, por exemplo, denotar a ratio legis de uma disposição ou revelar normas que não são expressas por qualquer enunciado legislativo, possibilitando aos juristas, sobretudo aos juízes, o desenvolvimento, integração e complementação do direito.
Exemplo bastante elucidativo da aplicação das regras e dos princípios no sistema antitruste nos é dado por Dworkin, ao sustentar que, ao construir a regra da razão, os tribunais norte-americanos acabaram por permitir que o art. 1º do Sherman Act funcionasse, ao mesmo tempo, como uma regra e um princípio. O mencionado artigo determina que qualquer contrato, combinação sob a forma de truste ou conspiração em restrição do tráfico ou comércio entre os Estados ou com nações estrangeiras, é ilícito. Ao construir a regra da razão, as cortes americanas, na verdade, determinaram quando esse dispositivo deveria ser tratado como uma regre ou como um princípio. Trata-se da regra quando se determina ilícito qualquer contrato que restrinja a concorrência, aplicando-se literalmente, o texto normativo. Ao invés, é facultado seu tratamento como princípio, pois, ao introduzir na hipótese normativa a palavra “desarrazoado”, a corte permitiu sua flexibilização.
Assim, por força do princípio que foi introduzido, conclui Dworkin que a corte deverá levar em consideração uma série de outros princípios e políticas com o escopo de elucidar as ocasiões em que determinada prática restritiva não é “razoável”.
Contudo, o método interpretativo baseado nos princípios nada tem de mágico e não trará segurança e/ou previsibilidade no grau que talvez fosse querido pelos agentes econômicos e operadores do direito. Nãos se pode garantir, em grau máximo, a adequação súbita das normas à realidade e a um só tempo ter também, em grau máximo, a generalidade e previsibilidade: a operação de concentração que foi interessante aprovar hoje poderá admitir outra solução amanhã. Isso porque o sistema jurídico admite, inúmeras vezes, como certa ou possível mais de uma solução. Isso justifica a razão pela qual presenciamos a superação (overruling) de vários precedentes jurisprudenciais norte-americanos, para que fosse adotada nova visão (geralmente mais liberal) de determinadas práticas.
No que diz respeito ao atual contexto brasileiro, a correta aplicação dos princípios evitará qua a análise, interpretação e aplicação das normas antitruste continuem a deslizar sobre duas ilusões que há muito Ascarelli condenava: “a) A primeira é a que julga estar qualquer problema social ou econômico resolvido juridicamente com a só edição de uma lei ou um decreto. Esquecendo-se que a eficiência das normas jurídicas é condicionada pela situação econômica e social e assenta, sempre, em parte, sobre fatores extrajurídicos e sobre a “virtude”, lembrada por Montesquieu. b) A segunda é a que confia apenas em fatores extrajurídicos, descuidando do aperfeiçoamento do tecnicismo jurídico.”
Em conclusão, as normas antitruste são um sistema de princípios e se os abandonarmos como pautas interpretativas estaremos no mais puro campo da arbitrariedade, do pragmatismo caótico. Contudo, para que se possa lançar mão dos princípios, especialmente quanto tratamos da livre concorrência, é necessário que eles sejam identificados. O superamento do subjetivismo, como lembra Esser, exige o conhecimento do processo de política do direito, em medida suficiente para deixar entender a motivação da decisão e suas consequências, ou seja, para que seja proporcionado certo grau de segurança e previsibilidade, exige-se a definição da política da concorrência por parte das autoridades competentes.
CAP 6 – Posição dominante e seu abuso
6.1 Considerações iniciais sobre posição dominante
6.1.1 Poder econômico, posição dominante e potestas
Não é necessária a completa ausência de concorrência no mercado para que se verifique a posição dominante: basta que a concorrência não seja de tal grau a ponto de influenciar significativamente o comportamento do monopolista. 
A maioria dos economistas afirma que há posição dominante quando o agente detém a capacidade de impor preços muito acima de seu custo marginal.
O CADE já se manifestou “o domíniode mercado deve ser entendido como poder de agir. No aspecto ativo esse poder confere à empresa dominante a capacidade de influir sobre as outras empresas do mercado; no aspecto passivo, a empresa dominante não se deixa influenciar pelo comportamento independente dos concorrentes, tornando-se apta para controlar o preço, a produção ou a distribuição de bens e serviços de uma parte significativa do mercado, excluindo, assim, a concorrência.”
A Lei Antitruste presume posição dominante sempre que a empresa ou grupo de empresas for capaz de alterar unilateralmente ou coordenadamente as condições do mercado ou quando controlar 20% ou mais do mercado relevante. 
A posição dominante é decorrência e, ao mesmo tempo, se identifica com o poder detido pelo agente, no mercado, que lhe assegura a possibilidade de atuar com um comportamento independente e indiferente em relação a outros agentes, impermeável às leis de mercado. 
6.1.2 Vantagem competitiva e posição dominante. Uso e abuso do poder econômico
No Brasil, não se pune a posição dominante em si (art. 36, §1º da Lei Antitruste). Consagrou-se a vantagem competitiva (competitive advantage) do agente econômico: só há maior eficiência, nada se deve punir. 
Ocorre que não há na prática critério determinado par separação entre a concorrência lícita, cujos prejuízos causados a terceiros baseiam-se em vantagem competitiva, e a concorrência predatória. 
Para tal distinção, alguns economistas apontam como cardeal o critério de diferenciação com base na “eficiência econômica”; outra forma de explicar a licitude (ou ilicitude) dos efeitos decorrentes do uso (ou abuso) da posição dominante derivaria da aplicação do princípio geral que condena, em nosso ordenamento jurídico, o abuso do direito, no entanto tal teoria vem impregnada de ranço privatístico. E no direito antitruste, os interesses da coletividade devem fatalmente preponderar sobre as prerrogativas do indivíduo. 
Delimitar o que seria “uso” do “abuso” do poder econômico é questão difícil – senão impossível – de solução por fórmula geral. 
6.2 O agente econômico detentor da posição econômica
Decorre do próprio art. 36, § 2º da Lei Antitruste que a posição dominante não será necessariamente detida por um único player, pois a situação de independência e indiferença em relação aos demais agentes econômicos poderá desfrutar ou decorrer da existência de um grupo de empresa. 
A concepção de grupo de empresa é ampla, não apenas aqueles constituídos por sociedades controladora e controladas, mas também , aglutinações não formalizadas, decorrentes de comunhão de interesse. 
O que é relevante, para efeitos da caracterização da posição dominante, é que a empresa pode deter poder econômico muito maior do que lhe seria próprio, em virtude de sua inserção em grupo empresarial. 
6.3 Determinação da existência da posição dominante
A posição dominante é um fato, nem sempre fácil de se constatar. Tanto do ponto de visto econômico quanto jurídica, o primeiro passo normalmente adotado para determinação da posição dominante é a delimitação de mercado relevante, para posteriormente analisar sua estrutura.
6.3.1.1 Market share X Market power
Presume-se que, quando a empresa detém parcela substancial do mercado (Market share), possui poder econômico tal que lhe permite atuação independente e indiferente (Market power). 
No caso brasileiro, a Lei 12.529/2011 considera que, em princípio, o poder econômico do agente pode ser medido pela parcela do mercado relevante que controla. Nesse sentido, o art. 36, §2º presume a posição dominante ligado ao percentual de 20%. 
Ocorre que nem sempre o elevado percentual de mercado detido pela empresa significa posição dominante. Assim, comprovado que o agente econômico detém e abusa de poder que lhe garante a posição dominante, ainda que não detenha 20% do mercado, seu comportamento poderá vir a ser sancionado, pois esse percentual estabelece presunção relativa (iuris tatum) e não absoluta. Existe a necessidade da convergência de várias evidencias. 
6.3.1.2 Concorrência potencial e barreiras à entrada de novos agentes econômicos. Mercados contestáveis
A ausência de concorrência potencial em mercados concentrados é vista como um dos principais indicadores da posição dominante: se a empresa encontra-se livre de pressões concorrenciais, atuais e potenciais, sua independência concretiza-se em grau máximo, viabilizando a atuação potestativa. Há situações que, embora detentor de parcela substancial do mercado relevante, o agente econômico está impossibilitado de adotar comportamento típico do monopolista, impedindo assim o aumento demasiado de seus lucros, em virtude de concorrência potencial existente ou da capacidade ociosa dos demais agentes econômicos que atuam no mercado relevante. 
Quanto mais o mercado for impermeável, menor será o grau de concorrência potencial a que estará sujeito. A medida dessa impermeabilização deriva dos obstáculos à entrada (e à saída) de novos agentes, pois a existência de barreiras permite que a empresa já instalada, livre de pressões competitivas, valha-se de sua posição (dominante) para aumentar seus lucros de forma excessiva (ou anormal), sem com isso atrais outros operadores para seu ramo de negócios. 
6.3.1.3 Comportamento/dependência dos consumidores e/ou fornecedores
A posição dominante também pode decorrer de situações em que há dependência que os consumidores mantêm do produto ou serviço oferecido, são situações de baixa elasticidade cruzada do produto, sendo reduzida a sua cambiabilidade com similares. Como também, quando os fornecedores detêm grau de dependência tal do agente econômico consumidor. 
6.3.1.4 Potência Econômica da empresa
A posição dominante pode derivar também da potência econômica (deep pocket) ou força econômica do grupo que o agente econômico pertence, como o caso dos grandes conglomerados. 
6.3.1.5 Estrutura avançada da empresa, com alto grau de integração vertical
O controle de várias ou todas as fases do processo de produção e/ou distribuição de um produto é capaz de proporcionar ao agente poder econômico tal que lhe assegure a posição dominante. 
6.3.1.6 Domínio de tecnologia
O domínio da tecnologia a que as outras empresas não têm acesso também é capaz de colocar o agente econômico em posição dominante. 
Alguns argumentam que a possibilidade de veloz superação da técnica faria com que esses agentes, embora com elevada Market share, não desfrutem dessa posição de independência e indiferença, na medida em que estariam sujeitos à constante pressão concorrencial. 
6.3.1.7 Grau de crescimento do mercado
Nos setores em expansão, a empresa dominante deve ter a capacidade de continuar seu crescimento, sob pena de ceder a seus competidores parcela de mercado. A expansão do mercado é elemento que enfraquece o poder econômico do agente. 
6.3.1.8 Aspecto temporal 
Quando a superioridade é absolutamente esporádica, não é assegurada qualquer independência de comportamento. 
6.3.1.9 Vantagem da primeira jogada; existência de consumidores cativos
Situações em que o agente econômico, por adotar certo comportamento antes dos demais, adquire elevado grau de poder econômico, especialmente, quando essa situação traz consigo o aumento significativo das barreiras à entrada e ao desenvolvimento das empresas, aumentando seus custos. 
6.3.1.10 Domínio dos canais de produção
Os especialistas insistem que a análise dos efeitos de práticas (como exclusividade) é incompleta se não observados com cautela a estrutura de distribuição e os acordos existentes entre os vários elos da cadeia produtiva. Já que o domínio dos canais de distribuição pode significar o controle do mercado.
6.3.2 A necessária conjugação dos indicativos
A analise para determinação do grau de poder do agente repousa na concorrência que enfrenta e no impacto, sobre seu comportamento, do grau de competição a que se sujeita. Posição dominante não é absoluta, trata-se de questão de grau. 
6.3.3 Da estrutura do mercado ao comportamento da empresa
o poder demercado é condição necessário para que a conduta de uma empresa possa resultar em benefício ou prejuízo à concorrência. Empresas de pequeno porte, que atuam na parcela residual deste mercado, têm uma participação tão diminutiva que não são capazes de afetar o mercado com seu comportamento. 
6.4 Posição dominante derivada de vantagem competitiva. A atenção das autoridades antitruste. A “responsabilidade especial” das empresas em posição dominante. 
As autoridades antitrustes mantêm vigilância maior sobre o comportamento das empresas que detêm posição dominante, sua atuação coloca em risco, de forma mais acentuada, a segurança do mercado. Ela possui uma responsabilidade especial, um dever de não permitir que sua conduta distorça a competição no mercado comum. 
O agente dominante tem o direito de atuar livremente no mercado, desde que o prejuízo infligido a seus concorrentes decorra do mérito dos bens ou serviços que fornecem. 
6.5 Abuso de posição dominante. Algumas práticas típicas
Ressalta-se que as práticas previstas no art. 36, §3º da Lei Antitruste somente constituirão infrações à ordem econômica caso seu objeto ou efeito trouxer consigo a incidência de qualquer dos incisos do caput do mesmo dispositivo. 
6.5.1 Imposição de preços abaixo do custo
Uma das infrações prevista na lei é “vender mercadoria ou prestar serviço injustificadamente abaixo do preço de custo”. E essa venda precisa ter por objeto ou possa produzir um dos efeitos tipificados no caput do art. 36 da Lei Antitruste. Além disso, a conduta precisa ser injustificada. Nem sempre a venda de bem abaixo de seu preço de custo é ilícita. 
6.5.1.1 Venda justificada
Se o preço abaixo do custo for praticado em caráter esporádico, e não tiver por objeto ou por efeito a eliminação do concorrente do mercado, ou a sinalização para evitar a entrada de concorrentes potenciais, poderá ser tomado como lícito. De outra parte, parece evidente a ilicitude do preço predatório que tem por objeto ou por efeito a eliminação ou diminuição da participação de concorrente no mercado. Nesses casos, em que a venda abaixo do preço do custo implica o objeto ou efeito (ainda 	que potencial) da eliminação de concorrente e consequente diminuição do grau de competição em determinado mercado relevante, diz-se que o agente econômico pratica preço predatório (predatory pricing). 
6.5.1.2 Racionalidade da conduta de preços predatórios
Os economistas apontam alguns “requisitos de racionalidade” para prática de preço predatória, que está relacionada ao prejuízo à concorrência que pode ser causado e, consequentemente, ao poder de mercado detido pelo mesmo agente. 
John S. McGee sustenta que dificilmente, a venda do produto abaixo do custo teria por resultado o domínio do mercado, implicando, portanto, decisão absolutamente irracional: os prejuízos decorrentes da fixação do preço do produto abaixo do seu custo seriam certos e sentidos imediatamente, enquanto não se poderia os eventuais lucros futuros. O preço predatório seria praticado, apenas, por empresas incompetentes. 
Nesse sentido, a Suprema Corte Americana afastou a condenação de uma empresa porque a recuperação dos prejuízos havidos com a prática seria improvável, embora a venda abaixo do custo, bem como, a intenção de praticar preços predatórios tenham sido comprovadas. Por sua vez, na Europa, a visão é diversa, não sendo indispensável para a condenação que se comprove a possibilidade de recuperação das perdas experimentadas. 
6.5.1.3 Os parâmetros para determinação do custo referido pelo art. 36, §3º,XV, da Lei 12.529/2011
Não há uma definição, na teoria econômica, de custo. Permanecendo a questão do significado da expressão “abaixo custo”. Uma vez que, no caso da prática de preço predatório, o texto normativo não coloca parâmetros a serem seguidos, a definição do preço predatório, e, consequentemente, da determinação da incidência do inciso XV, competirá, em um primeiro momento ao CADE e, em última instância, ao Poder Judiciário. 
6.5.2 Imposição de preços de aquisição de matérias-primas dos concorrentes
A prática de aumentar o preço de matéria-prima ou insumos à atividades do concorrente é conhecida como price squeeze (preços opressivos). Também se revelando ilícita, caso, mesmo aumentando seus custos, esse incremento prejudique mais seus concorrentes do que a empresa dominante. 
6.5.3 Vendas casadas
6.5.3.1 Definição de vendas casadas e critérios para aferir a ilicitude
Podemos colocar os seguintes requisitos para configuração da venda casada anticoncorrencial: a) deve existir um produto principal e um produto imposto (ou seja, é necessário que haja dois produtos e não um, ou um bem e um serviço distinto, ou ainda dois serviços); b) deve haver coerção para o adquirente do produto; c) o fornecedor deve ser titular de certo grau de poder de mercado. 
6.5.3.2 A venda casada e o aumento de participação no mercado vinculado
A venda casada pode significar o ganho de participação no mercado do produto vinculado. 
A chamada leverage theory (teoria da alavancagem), adotada em 1917 no caso Motion Picture, sustenta que a posição dominante no mercado do produto principal auxilia a conquista da mesma posição no mercado do produto imposto. 
Essa pressuposição de que o agente pode lançar mão da posição em um mercado para ganhar Market share em outro é alvo de críticas, principalmente na Escola de Chicago, nesse prisma de bordagem, Bowman sustenta que o sujeito será capaz de impor preços típicos de monopólio somente em um dos mercados e não de ambos, alerta que os consumidores tentaria obter os produtos por meio de outras fontes. Também destaca que a teoria da alavancagem seria falha ao não explicar porque uma empresa dominante em um mercado interessar-se-ia em entrar no outro, se é capaz de alcançar os lucros monopolistas atuando apenas em um deles. 
Para outra parte da doutrina, a teoria de Bowman foi baseada em modelos ideias de mercado e não na realidade. De forma que o agente econômico pode sim, valendo-se da venda casada, aumentar sua participação no mercado vinculado, ou produzir outros efeitos perniciosos como incremento de barreiras. 
6.5.3.3 Fechamento (foreclosure) do mercado do produto vinculado
É possível que a venda casada implique o fechamento (foreclosure) ou o aumento de barreias no mercado do produto vinculado, dificultando a entrada dos novos agentes. 
6.5.3.4 Discriminação entre os adquirentes
A discriminação entre os compradores é outro dos efeitos que pode ser gerado pela venda casada. Deve-se notar que, na discriminação, o propósito do agente não costuma ser o domínio ou ganho de participação do mercado do produto vinculado, mas a exploração do adquirente que mais precisa do bem. 
6.5.3.5 Segurança da qualidade do produto
A alegação de necessidade de manutenção da qualidade é uma das defesas mais utilizada nos casos de venda casada. 
6.5.3.6 Outros efeitos das vendas casadas
São efeitos da venda casada: contorno da fiscalização de preços, dificulta-se a apuração exata do custo de cada um dos elementos; viabilizar o escoamento de um produto de pouca aceitação; encobrir a prática de preços predatórios, até mesmo, com a utilização de subsídio cruzado; diminuição dos custos de logísticas, embalagem e comercialização.
Grimes ressalta que as vendas casadas podem prejudicar o consumidor porque dificultam o processo de escolha do adquirente, demandando-lhe maiores informações para efetuar a compra. 
6.5.3.7 A visão norte-americana das vendas casadas. O caso Kodak
Com a análise e julgamento do caso, a doutrina americana entendia que, não obstante as atenuações ocorridas ao longo do tempo, as vendas casadas ainda estavam sujeitas à proibição per se. No entanto, ao mesmo tempo somente poderiam ser consideradas ilícitas se preenchessem os seguintes requisitos: existência de dois produtos; coerção para o adquirente e posição dominante do fornecedor. Do ponto de vista técnico-jurídico, a própria subsunção do ato à ilicitude per se, já demandava profunda pesquisa sobre o caso concreto.Isso afastava o método de análise daquele tradicionalmente ligado às infrações per se, permitindo investigação bem mais ampla. 
6.5.3.8 A visão europeia das vendas casadas
Na visão europeia, consoante aplicado no caso Microsoft, para verificar a existência ou não de produtos distintos, é preciso considerar: os hábitos dos adquirentes, ou seja, se tiverem escolha, os clientes adquirem os produtos subordinante e subordinado separadamente junto a fornecedores distintos; a presença no mercado de empresas especializadas no fabrico ou venda do produto subordinado sem o produto subordinante, ou ainda, a prática de mercado, ou seja, se empresas com um reduzido poder de mercado normalmente não subordinam nem agrupam tais produtos. As vendas casadas serão toleradas se a quota de mercado do fornecedor (tanto do mercado principal como no subordinado) e a quota do adquirente não excederam a 30%. 
Outrossim, entende-se que, enfrentando o fornecedor efetiva concorrência no mercado principal, efeitos perniciosos são improváveis, porque os adquirentes dispõem de alternativas suficiente para comprar os produtos de forma desvinculada. 
Para os europeus, um dos mais importantes efeitos concorrenciais da venda casada é o fechamento do mercado do bem subordinado. 
6.5.3.8 Vendas casadas: as lições dos casos Microsoft nos EUA e na União Europeia
Nesse ponto, a autora mostra as diferenças entre as decisões tomadas pelos Estados Unidos e União Europeia. Enquanto no primeiro, a Microsoft acabou por chegar a acordo, bastante criticado por ser demasiadamente complacente com as práticas da empresa. E alguns economistas liberais viam no caso um perigosíssimo precedente de intervenção estatal, que sufocaria a indústria e inventividade norte-americanas. Na Europa, Microsoft foi condenada e imposta elevada multa, com a determinação da comercialização obrigatória de versão do Windows sem o Media Player, além da divulgação e licenciamento de informações que viabilizariam a compatibilidade entre o seu e outros sistemas. 
6.6 A interface entre direito da concorrência e propriedade intelectual: o grande desafio dos próximos anos. Práticas ligadas ao abuso de “exclusivos” (ou direitos de propriedade intelectual)
Um dos mais tormentosos aspectos do antitruste atual reside na sua interface com a propriedade intelectual. 
A compreensão desse fenômeno exige a analise da visão clássica da propriedade intelectual e as justificativas que a sustentam e o advento da Terceira Revolução industrial e a solidificação da sociedade da informação. Tradicionalmente, a propriedade intelectual é associada a um monopólio de exploração, restringe-se a livre concorrência e a livre iniciativa como forma de recompensar o criador por seu esforço de inovação. Ocorre que o titular do privilegio muitas vezes impõe aos consumidores preços mais altos, há uma verdadeira distorção e alteração do funcionamento do mercado, atingindo mercados sensíveis como os de medicamentos, indispensáveis à vida. 
Com a economia da informação, a força competitiva das empresas depende cada vez mais de sua capacidade de gerar, processar e aplicar conhecimento. Assim, os detentores dos direitos de propriedade intelectual determinam quem utilizará e controlará os mais importantes ativos da sociedade. Assim, é essencial que o direito da propriedade intelectual (e as exclusividades por ele garantidas) dever ser interpretado em consonância com o direito concorrencial. 
A vantagem concorrencial de um (que detém uma patente, por exemplo) deve significar um instrumento de estímulo para que outros se esforcem em superar aquele agente agraciado, gerando nesse processo a desejada concorrência de superação inovadora. 
Os direitos de propriedade intelectual brotam e vivem nos quadrantes da Constituição; não são fins em si mesmos, mas instrumentos que se prestam aos escopos maiores insculpidos no caput do art. 170 e nos art.s 1º, IV e 3º. Assim, essencial que a matéria supere o enfoque privatista e incorpore o aspecto indispensável ao atendimento dos anseios contemporâneos. 
6.6.1 A importância da inovação
A destruição criativa, conceito desenvolvido por Joseph Schumpeter, indica que a concorrência impele o agente econômico a ser cada vez melhor, o que implica em seu aprimoramento. O problema é quando a inovação implica ou admite práticas verdadeiramente abusivas, restritivas de concorrência e prejudiciais à sociedade. 
6.6.2 Recusa de contratar e facilidades essenciais
6.6.2.1 A posição norte-americana
6.6.2.2 A posição europeia
Um aspecto distinto entre norte-americanos e europeus liga-se à possibilidade de se impor a agentes econômicos em posição dominante o dever de compartilhar o uso de seus ativos, tangíveis ou intangíveis, com concorrentes atuais ou potenciais. 
Para a maioria dos norte-americanos, a imposição de acesso seria contrária ao verdadeiro espírito do antitruste e desestimularia a busca das empresas pelo diferencial competitivo e pela eficiência. 
Já os europeus veem a atribuição desse acesso forçado como a única e melhor forma de se garantir o estabelecimento ou a manutenção de concorrência efetiva no mercado. 
Cada vez mais o debate desse ponto tem se deslocado para a necessidade de propiciar acesso dos competidores a conhecimento e tecnologia, muitas vezes protegidos por direito de propriedade intelectual. 
6.6.3 A Lei Antitruste brasileira e a Propriedade Intelectual
Os abusos dos direitos de propriedade intelectual são vedados por nosso ordenamento jurídico, aplicando-lhes as disposições referentes à Lei Antitruste. Os direitos que gozam os titulares dos exclusivos somente podem ser exercidos nos limites de sua função econômica e social, ou seja, como instrumentos concorrenciais, sob pena de configurar infração à ordem econômica. 
6.7 Dependência econômica e abuso de posição dominante
A posição dominante tem gerado acirradas discussões a respeito do poder que um agente econômico detém em relação a outros, mesmo que enfrente certo grau de concorrência no mercado em que atua. A hipótese geralmente trazida como referência é o poder dos grandes varejistas sobre seus fornecedores. 
Até pouco tempo, por influencia da Escola de Chicago, prevalecia a percepção de que a concorrência existente entre as grandes redes de supermercado (conglomerados – a autora usou o exemplo de supermercados para ilustrar os varejistas) impediria que praticassem preços excessivos para os consumidores. No prisma tradicional, se a empresa não tem o poder de controlar preços; não é titular de posição dominante, não haveria de causar preocupação. Assim, a partir do momento em que os supermercados possuem interesse em atrair público, proporcionando-lhe preços mais baixos do que a concorrência, utilizariam seu poder negocial sobre os fornecedores para oferecer melhores condições de venda ao consumidor final. 
A opção por fomentar grandes conglomerados gera o chamado buyer´s power, ou seja, o poder econômico dos grandes varejistas sobre seus fornecedores, que, por sua vez, acabam em situação de dependência econômica. Consequentemente, ao contrário do que se pensava, efeitos anticoncorrenciais podem ser produzidos. Um exemplo é o desenvolvimento de marcas próprias que podem dificultar o surgimento de novas marcas e de inovações tecnológicas, porque dificulta cada vez mais o acesso dos concorrentes aos canais de distribuição. 
Nessa perspectiva, passaram a causar preocupação competitiva: o estrangulamento e abuso dos fornecedores, tendo em vista que a situação de dependência econômica dos fornecedores, da qual, muitas vezes, os varejistas se prevalecem; alta margem de lucro dos grandes varejistas; aniquilamento de sistemas de distribuição tradicionais, integrados por empresas de pequeno e médio porte, a invasão das áreas urbanas pelas grandes e “eficiente” redes varejistas pode significar o fim do comercio tradicional de menor porte. 
Diante de tal quadro, inicialmente a Alemanha e, mais tarde, a França inseriram em suas leis antitrustes dispositivos que permitem, de forma mais clara,a repressão aos abusos cometidos por agentes econômicos com relativo poder de mercado, embora não detentores de posição dominante. 
No caso brasileiro, o abuso da dependência econômica pode configurar infração à ordem econômica quando implicar: prejuízo à concorrência, domínio de mercado relevante, aumento arbitrário de lucros, abuso de posição dominante, caracterizada conforme o mercado relevante identificado no caso concreto. 
CAP 7 – Acordos entre agentes econômicos
A união entre agentes econômicos é capaz de ensejar um poder econômico tal que permita aos partícipes desfrutar de uma posição de indiferença ou independência em relação a outros agentes econômicos (art. 36 da Lei n. 12.529/2011).
A Lei Antitruste considera ilícitos apenas os acordos que tenham por objeto (i) limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre-concorrência ou a livre iniciativa; (ii) dominar mercado relevante de bens ou serviços; (iii) aumentar arbitrariamente os lucros; ou (iv) exercer de forma abusiva posição dominante.
Acordos entre pequenos agentes também são abarcados pela Lei Antitruste, mas sobre eles pode-se presumir (e não concluir) que sua atitude não determinará a incidência do art. 36, caput, da Lei n. 12.529/2011.
7.1 Acordos verticais e acordos horizontais. Definição
Acordos restritivos da concorrência são divididos em:
	Acordos horizontais
	Acordos verticais
	Celebrados entre agentes econômicos que atuam no mesmo mercado relevante (geográfico e material) e estão, portanto, em relação direta de concorrência.
	Disciplinam relações entre agentes econômicos que desenvolvem suas atividades em mercados relevantes diversos e muitas vezes complementares (desde a matéria-prima até o comprador final do produto).
Enquanto os acordos horizontais neutralizam a competição entre os envolvidos no mesmo mercado relevante, os acordos verticais podem produzir efeitos anticoncorrenciais em três mercados relevantes: mercados de fornecimento, produção e distribuição.
Para analisar os efeitos do acordo, é preciso identificar os mercados atingidos e a posição dos agentes em cada um desses segmentos, conforme quadro abaixo:
7.2 Acordos horizontais: os cartéis
No nosso sistema, os acordos horizontais (cartéis) nocivos à concorrência são considerados ilícitos há tempos. Numa ordem cronológica, tivemos primeiro o Esboço de Teixeira de Freitas, Decreto-lei 869 (1938), Decreto 7.666 (1945), Lei 4.137 (1962), Lei 8.884 (1994) e, por fim, a Lei 12.529/2011, por meio do art. 36, §3º:
§ 3o  As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no caput deste artigo e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica: 
I - acordar, combinar, manipular ou ajustar com concorrente, sob qualquer forma: 
a) os preços de bens ou serviços ofertados individualmente; 
b) a produção ou a comercialização de uma quantidade restrita ou limitada de bens ou a prestação de um número, volume ou frequência restrita ou limitada de serviços; 
c) a divisão de partes ou segmentos de um mercado atual ou potencial de bens ou serviços, mediante, dentre outros, a distribuição de clientes, fornecedores, regiões ou períodos; 
d) preços, condições, vantagens ou abstenção em licitação pública; 
II - promover, obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes; 
III - limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado; 
IV - criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa concorrente ou de fornecedor, adquirente ou financiador de bens ou serviços; 
V - impedir o acesso de concorrente às fontes de insumo, matérias-primas, equipamentos ou tecnologia, bem como aos canais de distribuição; 
VI - exigir ou conceder exclusividade para divulgação de publicidade nos meios de comunicação de massa; 
VII - utilizar meios enganosos para provocar a oscilação de preços de terceiros; 
VIII - regular mercados de bens ou serviços, estabelecendo acordos para limitar ou controlar a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico, a produção de bens ou prestação de serviços, ou para dificultar investimentos destinados à produção de bens ou serviços ou à sua distribuição; 
IX - impor, no comércio de bens ou serviços, a distribuidores, varejistas e representantes preços de revenda, descontos, condições de pagamento, quantidades mínimas ou máximas, margem de lucro ou quaisquer outras condições de comercialização relativos a negócios destes com terceiros; 
X - discriminar adquirentes ou fornecedores de bens ou serviços por meio da fixação diferenciada de preços, ou de condições operacionais de venda ou prestação de serviços; 
XI - recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, dentro das condições de pagamento normais aos usos e costumes comerciais; 
XII - dificultar ou romper a continuidade ou desenvolvimento de relações comerciais de prazo indeterminado em razão de recusa da outra parte em submeter-se a cláusulas e condições comerciais injustificáveis ou anticoncorrenciais; 
XIII - destruir, inutilizar ou açambarcar matérias-primas, produtos intermediários ou acabados, assim como destruir, inutilizar ou dificultar a operação de equipamentos destinados a produzi-los, distribuí-los ou transportá-los; 
XIV - açambarcar ou impedir a exploração de direitos de propriedade industrial ou intelectual ou de tecnologia; 
XV - vender mercadoria ou prestar serviços injustificadamente abaixo do preço de custo; 
XVI - reter bens de produção ou de consumo, exceto para garantir a cobertura dos custos de produção; 
XVII - cessar parcial ou totalmente as atividades da empresa sem justa causa comprovada;  
XVIII - subordinar a venda de um bem à aquisição de outro ou à utilização de um serviço, ou subordinar a prestação de um serviço à utilização de outro ou à aquisição de um bem; e 
XIX - exercer ou explorar abusivamente direitos de propriedade industrial, intelectual, tecnologia ou marca. 
Os acordos horizontais têm como pressuposto o fato de que a concorrência, ainda que lícita, prejudica os concorrentes, obrigando os produtores a procurarem a constante melhoria de seus produtos e a diminuição de seu preço de custo.
É “natural”, portanto, que os agentes econômicos busquem neutralizar a concorrência, mediante (i) conquista de posição monopolística e/ou (ii) a realização de acordos entre esses agentes.
Esses acordos entre concorrentes para arrefecer a concorrência são os cartéis, com objeto ou efeito tipificado nos incisos do art. 36, caput, da Lei 12.529/2011, de modo que as empresas podem, em certos casos, passar a coletivamente ter posição dominante.
7.2.1 Os cartéis e suas justificativas
Entre os argumentos favoráveis diz-se que o cartel: 
Visa eliminar a concorrência ruinosa (cutthroat competition); 
Em períodos de recessão, facilita o retorno de empresas ao mercado pela ausência de custos adicionais;
Gera estabilidade de preços; 
Aumenta o grau de segurança e previsibilidade do mercado;
Aumenta a chance de os agentes econômicos planificarem os investimentos e produtividade, revertendo-se a cartelização em favor da coletividade; 
Aumenta o poder de barganha dos agentes com seus fornecedores, o que pode limitar o poder econômico de outros agentes.
7.2.2 Os cartéis de preço
São um dos tipos principais de cartel, estando previstos expressamente no art. 36, §3º, I, “a” da Lei Antitruste.
Há muito os tribunais condenam os acordos de fixação de preços, seja acima ou abaixo do preço de mercado ou de custos, por entenderem que os preços deveriam decorrer da livre atuação das forças do mercado. 
A concorrência atua como “regulador espontâneo do egoísmo” (Jhering) porque regula o egoísmo do vendedor que exagera o preço, mas também o egoísmo do comprador que oferece muito pouco pelo bem. 
Em mercados competitivos, os abusos serão, em tese, naturalmente coibidos, pois punidos pelas próprias forças do mercado. Por isso, nos EUA há proibição per se dos acordos de fixação de preço (embora as Cortes americanas tenhamrelativizado essa ideia em muitos casos). 
Há dois tipos de acordos de uniformização de preços: 
celebrado entre agentes com poder econômico semelhante, seja para elevar preços em percentuais fixos previamente combinados, para fixar preço (mínimo ou fixo) de venda, ou, ainda, para promover a estabilização de preços por meio da recompra dos produtos pelos próprios fabricantes;
price leadership, na qual há um agente econômico com poder suficiente para impor sua política de preços aos demais. Aqui não se pode falar propriamente em “acordo”, pois a empresa de menor poder apenas se sujeitou à outra.
7.2.3 Acordos entre agentes econômicos. Circunstâncias fáticas que estimulam os cartéis
Muitas vezes, não há um agente no mercado que consiga impor sua política de preço. Nesses casos, inexistindo mecanismos de coerção, os acordos são naturalmente instáveis porque instigam os competidores a quebrarem o cartel com uma guerra de preços. Por isso, diz-se que quanto maior o número de empresas num mercado, mais difícil a cartelização.
Além disso, se o preço for alto, outros agentes serão encorajados a entrar no mercado, evitando monopólios.
A análise econômica indica elementos que caracterizam predisposição do mercado à cartelização efetiva: 
Número de gentes econômicos (maior a quantidade de sujeitos, maiores serão os custos da coordenação e as chances de insucesso do cartel); 
Homogeneidade do produto (quanto mais homogêneos os produtos, menor a possibilidade de quebrar cartel por diferenciações); 
Baixa elasticidade da procura em relação ao preço; 
Barreiras de entrada para novas empresas/investidores; 
Mercado em retração (crise); 
Estrutura do mercado dos adquirentes do produto (se houver poucos compradores o cartel tem mais chance de sucesso).
Há controvérsia se tabelas de honorários de entidades de classe caracterizam acordo ilícito. Argumenta-se que se trata de meras sugestões aos associados, de modo que não se configuraria restrição à livre concorrência. No caso National Society of Professional Engineers v. United States, cláusula com tal conteúdo no estatuto da associação foi considerada ilícita, por suprimir a competição de preços.
Quanto à OAB a discussão é ainda mais intensa, uma vez que o respeito à tabela de preços é decorre de lei. No direito comparado, a Comissão Europeia (caso COAPI – 1996) já condenou organização profissional dos agentes de propriedade industrial da Espanha que estabeleceu tabela de honorários mínimos.
7.2.4 Price leadership
Como visto, nesses acordos os agentes econômicos seguem o preço praticado pela empresa dominante no mercado. É objeto de grande preocupação dos teóricos, porque nem sempre configura ato colusivo e implica a responsabilização de todos os agentes envolvidos. 
Pode-se, assim, estar diante de típico abuso de posição dominante. Há casos de price leadership em que o agente econômico detentor da posição dominante pode estabelecer mecanismos coercitivos que obriguem (por força ou intimidação) empresas pequenas a seguir os preços impostos, mas a sujeição também pode decorrer da própria estrutura do mercado relevante.
7.2.5 Cartéis, paralelismo consciente e a prova da infração à ordem econômica
Identificar uma prática com caráter anticoncorrencial é difícil. Nem sempre a ocorrência de price leadership ou outros comportamentos uniformes implica em conluio ou abuso de posição dominante. Pode, na verdade, ocorrer apenas uma semelhança de estratégias como decorrência de processo normal de competição. A isso a doutrina denomina paralelismo consciente. 
Determinados mercados são mais propensos ao paralelismo consciente, devido à existência de elevadas barreiras à entrada de novos players ou ao reduzido número de agentes econômicos. 
A constatação do paralelismo consciente traz um dos principais problemas das autoridades antitruste nos dias de hoje, qual seja, não é possível condenação de agentes econômicos por terem agido de forma racional, respondendo a estímulos dos mercados sem que tenham praticado qualquer ato ilícito. Para a condenação desses agentes por práticas colusivas, portanto, não basta o paralelismo de suas condutas: é preciso que se comprove um plus, um elemento adicional apto a comprovar que esse comportamento não foi espontâneo.
 A questão é que a prova da combinação entre os agentes econômicos é difícil de ser obtida. Salvo alguns casos patológicos (ainda comuns no Brasil), as empresas, sabedoras da ilicitude de sua conduta, não costumam produzir documentos que a comprovem. 
Para facilitar a prova de existência de cartel, a Lei Antitruste prevê a possibilidade de celebração do chamado “acordo de leniência”, visando obter a cooperação, nas investigações, de partícipes do conluio, nos termos do art. 87 da Lei 12.529/2011:
Art. 87.  Nos crimes contra a ordem econômica, tipificados na Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos demais crimes diretamente relacionados à prática de cartel, tais como os tipificados na Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, e os tipificados no art. 288 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940  - Código Penal, a celebração de acordo de leniência, nos termos desta Lei, determina a suspensão do curso do prazo prescricional e impede o oferecimento da denúncia com relação ao agente beneficiário da leniência. 
Esses acordos, embora estejam sendo empregados pelas autoridades brasileiras, há dúvidas quanto à constitucionalidade dos acordos de leniência e a extensão dos seus efeitos no âmbito penal. Além disso, a confissão premiada não tem o condão de afastar pleitos de indenização ajuizadas por terceiros, de maneira que os agentes econômicos temem que a admissão da participação no conluio possa ser utilizada contra seus interesses, especialmente na esfera judicial, ou em jurisdições estrangeiras.
7.2.6 Uma constante exceção: os cartéis de exportação
É comum que os exportadores se unam para enfrentar a concorrência internacional – são os “cartéis de exportação”. Com escopo de propiciar o fortalecimento de suas exportações, os países não aplicam a Lei Antitruste para coibir esse tipo de ajuste.
Esse incentivo aos cartéis de exportação pode ser realizado tanto pela não aplicação da Lei Antitruste nessas operações quanto pela concessão de isenções ou autorizações. Em ambos os casos, justifica-se a complacência governamental pelo fato de que os efeitos do cartel de exportação não são sentidos no mercado interno.
No Brasil, isso ocorre no art. 88 da Lei 12.529/2011:
Art. 88.  Serão submetidos ao Cade pelas partes envolvidas na operação os atos de concentração econômica em que, cumulativamente: 
I - pelo menos um dos grupos envolvidos na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais); e 
II - pelo menos um outro grupo envolvido na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais). 
No entanto, essa autorização expressa pode se mostrar inconveniente para as empresas participantes, a quem não interessa admitir que agem de forma concertada perante governos estrangeiros.
7.3 Acordos verticais: a proteção da concorrência entre não concorrentes
Os acordos verticais colocam-se como alternativa ao processo de concentração de empresas. Cada agente mantém isolado o seu centro de poder. 
Mas são capazes de causar praticamente os mesmos efeitos que derivariam de prática concentracionista, pois não é necessário relação direta de concorrência entre os agentes econômicos para que o acordo recaia no âmbito da aplicação da Lei Antitruste. Portanto, a Lei Antitruste também regula a concorrência entre não concorrentes.
7.4 Contratos entre fornecedores e distribuidores. Restrições verticais e seus tipos
Os acordos verticais assumem variados tipos, que podem ser agrupados conforme a semelhançada sua função econômica em: contratos de distribuição (visam ao escoamento da produção) e contratos de fornecimento.
Exemplos de contratos de distribuição: concessão comercial (ou contrato de distribuição stricto sensu), franquia, representação comercial, comissão mercantil etc.
As restrições verticais são estipulações contratuais geralmente inseridas nos acordos verticais que restringem a liberdade de atuação do distribuidor ou do fornecedor. As mais comuns são:
Exclusividade;
Divisão territorial;
Restrições sobre preço de revenda – resale price maintenance (RPM);
Vendas casadas;
Concessão de descontos de fidelidade, metas, bonificações etc.
7.4.1 Efeitos pró-concorrenciais dos acordos verticais
Os acordos verticais poderão impactar em, pelo menos, três níveis: (i) o do produtor do bem ou serviço; (ii) o dos distribuidores; (iii) dos fornecedores de bens ao produtor.
Os acordos verticais também distinguem-se entre competição entre marcas (interbrand competition), quando o acordo vertical é estabelecido entre os fabricantes/fornecedores dos produtos, e intramarca (intrabrand competition), quando entre vários distribuidores de uma mesma marca. 
Discute-se em que medida esses acordos verticais beneficiam a economia. O assunto é polêmico: de um lado, há os que veem prejuízos tão perniciosos quanto os dos acordos horizontais; de outro, há os que negam a equivalência de efeitos restritivos entre cartéis e acordos verticais, pois estes fomentam a concorrência entre os produtores (intrabrand competition).
Os acordos verticais podem restringir a concorrência entre os agentes econômicos distribuidores de um mesmo bem ou serviço (intrabrand competition) e, ao mesmo tempo, fomentar a concorrência no mercado relevante em que atua o produtor (interbrand competition).
Os acordos verticais trariam benefícios à concorrência, pois (i) implicariam redução de custos na distribuição, gerando economia de escala; (ii) facilitariam a entrada de novos agentes no mercado de distribuição; (iii) impediriam a atuação de free riders; (iv) evitariam a concentração dos distribuidores; (v) permitiriam a preservação da imagem do produto; e (vi) eliminariam a “dupla marginalização” (elevação de preços quando fornecedor e distribuidor impõem preços de monopólio aos adquirentes).
Os autores da Escola de Chicago defendem as vantagens dos acordos verticais e frisam, dentre as vantagens acima listadas, a economia dos custos de transação, a nocividade dos free riders e a necessidade de preservar a imagem do produto.
7.4.2 Acordos verticais e economia dos custos de transação
Os custos de transação dizem respeito aos gastos em que a empresa incorre mesmo antes de realizar o negócio (ex ante costs) para encontrar o parceiro, negociar, conceber, minutar e blindar o acordos, bem assim os custos posteriores (ex post costs) relacionados a problemas e ajustes que vem à tona durante o contrato em razão de inevitáveis lacunas, erros, omissões e fatos que não foram antecipadamente previstos pelas partes. 
É tendência do agente econômicos procedimento de transação que reduza ao máximo seus custos. A busca de economia de custos de transação é uma das variáveis consideradas pelos agentes para determinar a estratégia empresarial que adotarão e a formatação dos negócios a serem celebrados.
Os principais custos identificados pela doutrina são: 
Custos de coordenação: relacionados ao estabelecimento do negócio, suas condições e busca de parceiros;
Custos de motivação: podem ser classificados em dois tipos:
Ligados à assimetria e à falta de completude da informação sobre a outra ou sobre o negócio; e
Inerentes ao fato de que a parte, ao assumir algumas obrigações, pode ser prejudicada pela outra. 
Um dos meios de economizar custos é a celebração, em ambientes propícios, de acordos de longa duração. São ambientes propícios para tal mister:
O tipo de investimento necessário à consecução da transação: um dos sujeitos interessa-se pela vinculação a outro para amortizar gastos incorridos na viabilização do negócio; e
A frequência e duração da transação: a introdução de rotinas torna menos custosa a operação, e sujeitos em relacionamento comercial longo inclinam-se a conceder favores um ao outro.
Os agentes econômicos sopesam, assim, se o custo será reduzido melhor por uma solução interna ou pela celebração de contratos, de acordo com a eficiência relativa das opções e do balanço entre vantagens e desvantagens (Williamson).
Sobre a licitude dessas práticas para redução de custo, as circunstâncias que combinem restrições verticais devem ser tratadas com cautela ainda que haja mera economia dos custos da transação. Isso porque o propósito da redução de custos de transação é um dos principais motivos que conduz o agente econômico a estabelecer o tipo de relação jurídica típica dos acordos verticais.
7.4.3 Acordos verticais e coibição da atuação de free riders
O sistema jurídico procura impedir que um agente econômico aposse-se indevidamente da vantagem competitiva desenvolvido por outro, para que as empresas tenham incentivos para aprimorar seus produtos ou o seu processo de produção comercialização. 
O free rider é aquele agente econômico que se aproveita da vantagem competitiva de outro e vende mais barato, pois não suporta o custo fixo elevado do primeiro distribuidor que aprimora o produto.
A teoria do free rider, complementada pela alegada necessidade de manutenção da qualidade do produto, é utilizada na justificação econômica dos contratos de franquia, bastante tolerados pelas autoridades antitruste.
7.4.4 Efeitos anticoncorrenciais das restrições verticais
7.4.4.1 Fechamento do mercado
Quem detém o monopólio de fornecimento através de um contrato impede o escoamento da produção de quem não tem. Restrições verticais como a exclusividade, assim, têm o potencial de fechar o mercado aos concorrentes.
A contratação da exclusividade não visa a disciplinar a concorrência entre as partes, mas a impedir que uma ou todas contratem com terceiros (Ascarelli). Por isso, diz-se que o prejuízo à concorrência será diretamente proporcional à parcela de mercado cooptada pelo fabricante.
Alguns autores apontaram situações em que o bloqueio do escoamento, ainda que não efetuado por empresa dominante, pode ser prejudicial à concorrência, pois um agente econômico, temendo o ingresso de novos players, buscará firmar contratos de exclusividade longos, aumentando os custos dessa possível entrada.
Outros alegam que os contratos que encerram restrições verticais não seriam tão prejudiciais à concorrência porque possuem prazo limitado.
Forgioni acaba desconstruindo os pontos positivos desses contratos que ainda são apontados pela doutrina. Quanto ao fato de esses contratos não gerarem grandes problemas por serem sempre de prazo limitado, ela aponta que, ao contrário, esses vínculos tendem a se protrair por muitos anos. E quanto ao fato de alegarem que o fornecedor não consegue governar todos os aspectos da vida econômica do distribuidor, também não é assim, pois muitas vezes há uma verdadeira posição de dependência entre eles, ainda que ambos ainda não percam os centros decisórios. 
Quanto a esse último aspecto, um exemplo emblemático disso foi o caso da Directv, julgado pelo CADE em junho de 2001. A Globo permitia que apenas uma TV fechada (SKY), com quem mantinha contrato de exclusividade, transmitisse seu sinal. A Directv, então, processou a Globo por abuso de posição dominante e recusa de contratar. No entanto, a SKY alegou, no entanto, que um assinante Directv poderia ter acesso à programação da Globo pela TV aberta, bastando mudar a posição de uma chave no televisor. O CADE acolheu esse argumento e entendeu que a oferta da programação da Globo aos assinantes da SKY seria justamente um atrativo para os consumidores, de modo que a exclusividade foi encarada como um elemento a incentivar a concorrência entre as operadoras de TV a cabo.
7.4.4.2 O aumento dos custos dos concorrentes
Esse efeito se dá em razão de práticas tendentesa aumentar os custos suportados pelos concorrentes e não simplesmente eliminá-los do mercado. Isso para evitar entrada novos agentes no mercado (teoria do aumento dos custos dos rivais – raising rivals’ costs). A motivação dos agentes econômicos para adoção das práticas verticais mostra-se mais plausível quando estas são encaradas como praticas tendentes a aumentar os custos suportados pelos concorrentes, e não simplesmente eliminá-los do mercado.
7.4.4.3 Restrições verticais e a facilitação dos cartéis
As restrições verticais podem servir à solidez dos conluios na medida em que diminuem o poder dos compradores de forçar os fabricantes a concorrerem entre si. A exclusividade, em suma, pode auxiliar os competidores a superar obstáculos que normalmente enfrentariam para manter o cartel e os preços acima dos níveis competitivos.
7.4.4.4 A diminuição das opções do consumidor. Diminuição do grau de concorrência no ponto de venda
Outro efeito negativo das restrições verticais é a diminuição das opções do consumidor. Nos locais de venda vinculados por esses acordos, o consumidor só encontra produtos de um mesmo fabricante, por exemplo.
Discute-se se, efetivamente, em razão dessas restrições, um viés anticoncorrencial macularia as cláusulas de exclusividade, pois tal aspecto estaria mais ligado ao direito do consumidor do que ao direito da concorrência. 
Mas devemos lembrar que a limitação ao consumidor somente será um ilícito antitruste na medida em que prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa. Essa linha foi adotada pelo CADE no julgamento do caso “Tô contigo”, no qual a AmBev, detentora de cerca de 80% do mercado de cerveja nacional, procurava, por um sistema de bonificação de vendas (“Tô contigo”), impor exclusividade a bares, restaurantes e padarias. O caso resultou em punição à AmBev: para o CADE, o programa funciona como um incentivo para que os pontos de venda concentrem sua demanda em produtos da AmBev, o que resulta em aumento de custos dos rivais, que necessitam incrementar seus gastos em marketing e conceder mais descontos do que a firma dominante, vendo sua capacidade de contestação do mercado reduzida.
7.4.4.5 Arrefecimento da concorrência intramarca. Facilitação de conluio 
Costuma-se dizer que a imposição de preços de revenda torna mais provável a cartelização tanto no mercado em que atua o fabricante (entremarcas) quando no dos distribuidores da mesma rede (intramarca). 
Em certos mercados, a competição entre os distribuidores pode servir de anteparo aos efeitos da cartelização entre marcas. A imposição de preços de revenda eliminaria esse obstáculo à implementação da estratégia espúria dos fabricantes. 
7.4.4.6 Exploração de falhas de informação dos consumidores 
O consumidor mal informado sobre o produto tende a ser prejudicado no momento da compra se as restrições verticais fizerem com que o ponto de venda privilegie determinada marca. A imposição de preços de revenda torna mais provável a cartelização tanto no mercado em que atua o fabricante (entre marcas) quanto no dos distribuidores da mesma rede (intramarca).
No mercado do fabricante, essa prática garantiria o respeito ao cartel, reduzindo os efeitos desestabilizadores da concorrência intramarca e, sobretudo, desencorajando a concessão de descontos secretos.
Mas muitos contestam que a imposição de preços de revenda teria esse efeito colusivo. A diminuição do preço de revenda seria proveitosa para o fornecedor, pois lhe interessa a disputa interna dentro da rede. Com isso, a neutralização da competição entre os distribuidores só seria benéfica para o fabricante se implicasse o aumento no grau de eficiência no sistema de distribuição.
Por outro lado, se houver competição no mercado de distribuição, a quantidade de produtos vendida por cada marca pode continuar influenciada pela concorrência. Em certos mercados, a competição entre os distribuidores pode servir de anteparo aos efeitos da cartelização entre marcas; a imposição de preços de revenda, assim, eliminaria esse obstáculo à implementação da estratégia espúria dos fabricantes.
No mercado intramarca, também pode ser sedutora a diminuição da concorrência entre os distribuidores, podendo a restrição sobre o preço de revenda funcionar como instrumento anticompetitivo.
Com isso, a redução de preço de um fabricante para ganhar mercado não surtirá os efeitos esperados. 
Aumento dos preços para os consumidores 
Críticos da Escola de Chicago apontam que a imposição de condições de revenda pode aumentar os preços para os consumidores. Os agentes econômicos, ademais, se esforçarão em estimular o consumo do produto cuja venda lhe traga maiores lucros.
7.4.4.8 Levantamento de barreiras à entrada de discounters
Discounters são estabelecimentos que vendem a preços inferiores, normalmente em grandes quantidades e/ou pouca variedade.
Os adeptos da legalidade per se dos acordos verticais tratam esse tipo de empresa como parasitas e sugerem a imposição de preços de revenda, de modo a criar barreiras à entrada desses agentes (discount stores).
7.4.4.9 Prejuízo aos consumidores inframarginais (inframarginal consumers) e indução de publicidade excessiva
Outro estudo pós-Chicago que critica a legalidade per se das restrições verticais aponta que a imposição dessa restrições pode induzir os distribuidores a realizarem publicidade excessiva dos produtos. Ex.: vários atendentes fazendo excessiva propaganda de um bem e nenhuma de outro porque ganham vantagem econômica para isso. 
Nesses casos, o varejo oferece, na verdade, dois produtos em aos consumidores: o produto em si e as “informações” sobre o produto. 
Logo, uma classe de consumidores que poderia preferir o bem principal sem essas informações para pagar preços inferiores seria prejudicada pela restrição vertical.
7.4.5 Imposição/sugestão dos preços de revenda. Exemplos do direito comparado
Trata-se mecanismo pelo qual o fornecedor impõe ao revendedor o preço deste para os clientes.
Nos EUA, a imposição de preços de revenda é conhecida como Resale Price Maintenance (RPM), sendo prática condenada, originariamente, não exatamente pelo prejuízo concorrencial, mas pela indevida restrição da liberdade do distribuidor de fixar o preço de seu produto (caso Dr. Miles Medical Company). Assim, a vedação ao RPM, naquele contexto, relacionava-se com o direito de propriedade e as faculdades que lhe são inerentes.
Em seguida, no caso Colgate, a proibição per se da RPM se confirmou, mas foi permitido que o fabricante sugerisse os preços de revenda aos distribuidores, cortando-lhes o fornecimento se não cumprissem a determinação.
Além do caso Colgate, outras atenuações da proibição da RPM foram sendo admitidas pela Suprema Corte americana. No caso GE, entendeu-se que, em se tratando de representação comercial, o preço poderia ser livremente fixado pelo fabricante. 
Finalmente, no caso Leegin, a Suprema Corte superou o precedente do caso Dr. Miles e admitiu que a imposição do preço de revenda não deve ser tida como uma proibição per se, mas analisada de acordo com a regra da razão. Afinal, o escopo do Sherman Act seria a proteção da competição, não dos competidores.
Dentre essas eficiências, destaca a Suprema Corte:
Incentivo para que os distribuidores invistam em serviços (tangíveis e intangíveis) e em esforços promocionais que auxiliam o fornecedor a conquistar mercado entremarcas;
Coibição dos free riders, pois os estabelecimentos com preços mais baixos podem aproveitar-se do trabalho daqueles que mais se empenham e investem;
Estímulo à entrada de novas empresas e marcas;
Estímulo à prestação de amenidades e assistência aos consumidores, que não haveria em um ambiente infestado de free riders.
Quanto à imposição de preços máximos de revenda na jurisprudência norte-americana, o primeiro precedente é o caso Albrecht v. Herald Co. (1968), no qual a Suprema Corte concluiu que a vedação da fixação de preços mínimos deveria levar à regra semelhante quanto aos preços máximos. No mesmo sentido, o casoArizona v. Maricopa County Medical Society (1982).
Em 1997, o tribunal modificou seu entendimento no caso State Oil Co. v. Khan, esclarecendo, em overruling, que as proibições per se devem ser aplicadas apenas às práticas que geram efeitos concorrenciais previsíveis e perniciosos; no caso da imposição de preços máximos, seria impossível constatar a nocividade do ato ex ante.
Na Europa, a imposição de preços de revenda tem tratamento mais cauteloso e restritivo. A Comissão entende que os adquirentes devem poder buscar os produtos no país que queiram.
Três princípios disciplinam os acordos verticais na Europa: 
Fomento da competição entre os distribuidores de um mesmo produtos (intrabrand competition); 
Integração dos países da União Europeia, evitando-se o isolamento de “parte substancial” do mercado; e 
Proteção dos pequenos importadores paralelos contra o poder econômico dos grandes fornecedores.
Na Europa, a isenção em bloco não é aplicável aos casos em que o contrato implique a imposição de preços mínimos de revenda, tais como:
Acordos de fixação de margem de distribuição;
Acordos de fixação do nível máximo de descontos que o distribuidor pode conceder a partir de determinado nível de preços estabelecido;
Subordinação da concessão de reduções ou do reembolso dos custos promocionais por parte do fornecedor a determinado nível de preços;
Estabelecimento de alguma relação entre o preço de revenda estabelecido com os preços de revenda de concorrentes; e
Ameaças, intimidações, avisos, sanções, atrasos ou suspensão das entregas por descumprimento do nível de preços determinado.
Os efeitos anticoncorrenciais das práticas são maiores quando combinados com sistemas de vigilância, podendo o efeito neutralizador vir também da cláusula do cliente mais favorecido (quando uma parte assegura à outra o mesmo tratamento que dá a seu melhor cliente). Essa uniformidade preestabelecida nivela os preços praticados pelo agente econômico e é vista com suspeição pela Comissão, não sendo isentada.
A Europa, assim, centra a análise das restrições verticais em seus efeitos sobre o mercado, com maior controle sobre os casos que diminuam a concorrência intramarca. Quanto à imposição do preço máximo de revenda, a prática não é automaticamente isentada quando envolver mais de 30% do mercado relevante, o que incentiva os distribuidores a aderir ao preço máximo estabelecido e facilita a colusão horizontal entre marcas.
7.4.6 A fixação de preços mínimos de revenda no Brasil
No Brasil, a visão das autoridades antitruste sempre esteve mais próxima da visão americana do que da europeia quanto à imposição de preços de revenda, mas em 2013 houve sinalização de que essa imposição caracterizaria infração à ordem econômica (caso da SFK do Brasil).
No CADE, a visão europeia, que versa sobre uma ilicitude pelo objeto, acabou prevalecendo, colocando em xeque a imposição, pelo fornecedor, dos preços finais ao consumidor.
7.4.7 Acordos verticais e exclusividade
Outra comum restrição concorrencial é a exclusividade. Para os norte-americanos, a exclusividade vem geralmente associada à exclusive dealing – obrigação de comprar ou comercializar somente produtos de uma das partes.
O que nós chamamos de exclusividade territorial é a territorial limitation do direito norte-americano, na qual o fabricante evita que seus distribuidores concorram entre si.
Baseados na doutrina americana, dizemos que há exclusividade quando o distribuidor está obrigado a vender apenas os produtos de um determinado fornecedor, normalmente implicando que (i) não poderá comercializar qualquer outro produto concorrente (exclusividade de comercialização) e/ou (ii) deverá obter os bens a serem distribuídos junto a determinado fabricante ou quem por ele indicado (exclusividade de aquisição ou exclusiva de compra).
Rubens Requião destaca dois fenômenos que decorrem da cláusula de exclusividade nos acordos verticais: de um lado, potencializa a influência do fornecedor sobre o distribuidor; de outro, incrementa o patrimônio do revendedor, em razão de sua vinculação a um único professor. 
A exclusividade, assim, permite definir estratégia comercial global de manter presença permanente em diversos pontos de venda, com tratamento homogêneo entre os clientes.
No entanto, é associada a certa “prisão econômica”, na qual os efeitos poderiam afrontar o liberalismo econômico e o individualismo jurídico.
Com o aumento do poder dos grandes varejistas, a cláusula de exclusividade tem preocupado. Além do impacto anticompetitivo que pode gerar, surge o problema da dependência econômica do fornecedor em razão da obrigatoriedade de utilizar um único canal de escoamento de sua produção.
7.5. Os acordos verticais e as vendas pela internet
O comércio pela internet passou a fazer parte do nosso dia-a-dia. Mercados antes apartados aproximam-se de outros, abrindo o leque de opções para o consumidor.
Por conta dessas mudanças, no campo concorrencial, o novo regulamento europeu de restrições verticais passou a tratar dessa forma de comércio.
Para compreendê-lo, vale considerar a distinção entre vendas “ativas” e vendas “passivas”.
VENDAS ATIVAS: abordagem ativa dos clientes, com o encaminhamento de publicidade não solicitada (spams), links patrocinados, publicidade ou promoções dirigidas especificamente a grupo certo de clientes etc;
VENDAS PASSIVAS: envolvem a venda (ou prestação de serviços) a consumidores que procuram o distribuidor espontaneamente. A publicidade tem caráter geral e seria realizada de todo modo pelo fornecedor, mesmo que não atingisse clientes nos territórios de outros distribuidores.
O Regulamento n. 330/2010, da União Europeia, determina que não poderão ser isentados os acordos verticais que, direta ou indiretamente, tenham por objeto a restrição das vendas ativas ou passivas aos adquirentes finais. 
As seguintes restrições não são admitidas no âmbito da isenção, pois desencorajam as vendas pela internet:
a) cláusulas que tenham por efeito impedir que os clientes de certo território visualizem o site de outros (dealers); 
b) obrigar distribuidor (exclusivo) a encerrar transações quando informações do cartão de crédito revelam que o endereço do consumidor não integra seu território; 
c) obrigar o distribuidor a limitar a percentagem de vendas globais pela internet; e 
d) obrigar o distribuidor a pagar preço mais elevado pelos produtos que se destinam à venda pela internet.
Esse posicionamento da União Europeia em prol da liberdade de atuação dos distribuidores pela internet implica o reconhecimento dos benefícios decorrentes (i) do aumento do grau de concorrência intramarca e (ii) da atuação dos free riders, especialmente no interesse dos consumidores, pois estimulam a concorrência intramarca.
7.6. Análise caso a caso dos acordos verticais e o atual momento da economia brasileira
Os acordos verticais devem ser analisados mediante a utilização de case by case approach, a fim de permitir a individualização dos efeitos anticompetitivos. 
O que não pode ser admitido, no Brasil, é o indiscriminado transplante de teorias econômicas que versam sobre a eficiência dos acordos verticais, desconsiderando-se a política que se pretende adotar, pois o mercado norte-americano, por exemplo, encontra-se em patamar diverso de desenvolvimento e maturidade do brasileiro, de modo que a tolerância a acordos verticais lá adotada não pode ser o norte para a aplicação da nossa legislação antitruste.
Os acordos verticais podem trazer um dos efeitos mais nocivos das práticas empresariais: o fechamento do mercado mediante a criação artificial de barreiras à entrada de novos competidores.
Portanto, cabe refletir sobre a postura de certas agências antitruste que concentram a utilização de seus recursos quase unicamente para a coibição de cartéis, porque, embora estes, em geral, sejam maléficos à concorrência, a aplicação de restrições verticais, a médio prazo, pode trazer efeitos deletérios de uma política concorrencial equivocada. 
CAP 8 – Concentraçãoentre os agentes econômicos
Neste capitulo, a autora se atém aos elementos mais relevantes das concentrações econômicas, pois entende que é impossível esgotar o tema. Trabalha apenas com o caráter instrumentalista da concentração econômica. Inicia com a exemplificação de um contexto em que pede para os leitores imaginar um país que todas as empresas iniciasse suas atividades com os mesmos recursos (capital, pessoal, etc), e conclui que em pouco tempo essas empresas teriam desenvolvimentos diferentes, tais como, lucro, aquisições, vendas, umas poderiam comprar outras, por diversos motivos elas se diferenciariam.
Em um olhar atento sobre a concentração econômica, é possível perceber algumas situações dessa prática que prejudica a concorrência, porque além de concentrar o poder econômico, e as empresas se sentirem confortáveis em aumentar seus preços, não investem na qualidade dos produtos, não incrementa, não inova. Por isso, parte da doutrina entende como “efeito autodestrutível do mercado” e outros que entende ser “falha de mercado”, de todo modo a concentração econômica prejudica o bom fluxo do mercado que é encabeçado pela concorrência.
Todavia, Forgione entende que a concentração também pode trazer Inovação e desenvolvimento. Caso as empresas sejam saudáveis, com recursos para investir na conquista da clientela e superação da concorrência, neste caso a competição entre menor números de agentes pode ser vigorosa.
Nesse paradoxo de pós e contras, Forgione faz os seguintes questionamentos: como lidar com a aglutinação do Poder Econômico? Como viabilizar as melhores condições possíveis de fomento da inovação e da competição eficaz? Qual grau de competição exigir do mercado? (Essas são questões ligadas a disciplina de concentração)
 Formas de concentrações assumidas pela Lei 12.529/2011
A utilidade de muitas classificações nas doutrinas estrangeiras se torna inócuas frente a Lei brasileira antitruste, pois não são compreendidas pelo texto normativo. Porém, é necessário considerar que nessas classificações estrangeiras possui um juízo de conveniência e oportunidade, para conceder autorização em práticas de concentração, assim, ainda que breve, é necessário se valer da literatura especializada para tomar como premissa alguns conceitos, tais como:
O que é concentração econômica? Numa leitura de José Júlio Borges da Fonseca e Modesto Carvalhosa, a ideia central é simples e expressa o aumento de riqueza em poucas mãos, relacionando com aumento do poder econômicos de um ou mais agentes de mercado.
Os acordos entre empresas podem ser avaliados como práticas concentracionistas, pois se dois agentes se juntam, sendo concorrentes ou não, ainda que conservem entre si suas autonomias, passam a ter vantagens sobre as demais. Sobre isso, tornou-se uma prática comum acordos e cooperações entre empresas que causam aglutinação do poder econômico. No art. 90, IV, da Lei 12.529/11, trata dos “contratos associativos”, “consórcios” e “joint venture”, como atos de concentração.
O tipo mais comum de concentração é o que um dos participantes perdem a sua autonomia, como na operação de fusão, incorporação, etc. Existe também outra forma de concentração em que se constitui uma nova sociedade ou grupo econômico.
As concentrações são classificadas em 03 tipos: Horizontais, verticais e conglomerados. As horizontais são as concentrações que atuam no mesmo mercado relevante. (Explicar o que é mercado relevante), estão e direta relação de concorrência.
Mercados verticais: são aquelas em que as concentrações são desenvolvidas nos mercados relevantes são a jusante ou relevante, concatenados no processo produtivo ou de distribuição do Produto.
Mercados conglomerados tem a ver com empresas que atuam com mercados apartados, sendo subdividida conforme seu finalidade ou efeito: expansão de mercado (implica na aquisição de uma empresa que atua produzindo o mesmo tipo de produto, mas no mercado relevante geográfico distinto), expansão de produto (união de empresas que atuam na produção de bens complementares por natureza, ex. empresa de alvejante adquire empresa de detergente) e diversificação ou pura (empresas que se unem, mas que não guardam qualquer relação de concorrência ou complementaridade). De toda forma, o conceito de Mercados conglomerados é um conceito residual, o que não for horizontal ou vertical será conglomerado.
Das definições de concentração a conglomerada é a que mais causa preocupação aos estudiosos do direito concorrencial, pois asseguram ser a mais temerária, pois enxergam o perigo da formação do poder paralelo, apto a condicionar a atuação dos agentes públicos, utilizando sua força para fins políticos.
Paula Forgiono esclarece que que o objeto do seu estudo reside no esclarecimento de pontos que ajudam na compreensão dos efeitos da concentração econômica, razão de ser tolerada ou ser conveniente algumas autorizações de concentração. E que, a priori, o prejuízo ou benefício não são identificáveis nem para a sociedade que se concentrou ou para a economia.
No tipo de concentração em que se busca somente a neutralização ou esfriamento da empresa adquirida ou sucatear, tirando-a do mercado ou eliminando sua marca que era consolidada aos olhos dos consumidores. Essa concentração tem um alto poder anticompetitivo. A concentração em que a empresa adquirente visa os direitos de propriedade, o pessoal especializado, a patente, etc., No ramos de indústria farmacêutica isso é bem comum. Esse tipo de concentração pode atingir principalmente pessoas mais pobres.
Facilidades que a concentração pode trazer é a viabilidade do novo agente econômico no mercado, porque não terá o dispêndio inicial de publicidade, treinamento de pessoal, pesquisa, etc. Pois já podem ter sido amortizada pela empresa adquirida.
Algo que parece contraditório é que não é raro as vezes em que a venda da empresa é o único meio de continuação de suas atividades. Por exemplo, o empresário que está encerrando suas atividades profissionais, pode estar preferindo deixar para seus herdeiros outras atividades que não seja unidades produtivas. Ou ocasião em que os sócios estejam em conflitos, a venda é uma alternativa para a continuidade da empresa. Nesse sentido, a Lei de falência 11.101/05 que procura viabilizar a venda da empresa a fim de que a mesma continue a gerar riquezas e empregos sobre nova direção.
|Concentração econômica: ponderação entre benefícios e prejuízos concorrenciais
O processo de concentração econômica é capaz de levar ao maior grau de eficiência propiciando inovação, desenvolvimento. A concentração de capitais pode levar a produção em escalas (o fenômeno da economia em escala consiste na constante redução dos custos unitário de um bem, à medida que o volume produzido aumenta).
Fernando Conessa divide as vantagens decorrentes das concentrações em três grandes grupos: No que tange a organização interna; no que diz a posição da empresa no mercado e intensifica-se o poder da empresa em relação ao estado.
Somente em 1989 a antiga Comunidade Europeia, atualmente, União Europeia, criou a disciplina específica sobre concentração de empresas. Essa regulamentação tardia em relação aos Estados Unidos não foi acidental, eis que a concentração de empresas era estimada instrumento que permitia adaptar a dimensão da empresa a ampliação econômica. Em 2004, após longo debate a União Europeia criou dois regulamentos que visou a simplificação no procedimento de apresentação de operações de concentração pelos agentes econômicos.
No Brasil, a partir da década de 60, o declarado incentivo a concentração seguiu na mesma linha, a união de grandes empresas tende muitas vezes enfrentar o forte mercado internacional. O que se torna necessário lembrar, é que: depois que conseguem o monopólio essas empresas agem com indiferença e desprezo com relação aos outros agentes econômicos, abusando do seu poder econômico. Relembra que o movimento que deu origem aos Sherman Acts fundamentava-se na reação contra os trustes, a fim de que se limitasse o poderpara preservar estruturas democráticas.
Em síntese, o paradoxo permanece, mercado ulverizado ou concentrado: ao passo que a concentração é vista como útil e indispensável ao progresso à eficiência do sistema produtivo, é também um fato de instabilidade desse próprio sistema. O fato é que em todo o mundo houve um movimento favorável as concentrações! Atualmente os casos obstados são poucos.
 Avaliações das concentrações pelas autoridades antitruste
No Brasil e na Europa, o estudo de concentração deve acontecer em conjunto com a Política Econômica, o que assume um viés instrumental.
Desde o Regulamento Europeu 4.064  / 1989, um dos poucos casos em que empresa europeia foi obstada em adquirir outra foi o caso da havilland, caso que ensejou críticas por parte da doutrina especializada, em que a comissão vetou que a empresa Canadense De Havilland (setor de fabricação de aeronaves de transporte regional de passageiros) que atuava no setor de aeronaves de transporte regional fosse adquirida pela empresa Droupement ddnterent economique ATR (Aviões de transporte regional), controlada pela sociedade francesa e italiana, sob justificativa que seria incompatível com o mercado comum. A questão mais controvertida da decisão foi o que também dividiu a Comissão, foram os elementos utilizados para julgar a concentração. Entendeu-se que, para avaliação deveria levar em consideração não somente a concorrência, mas os objetivos da política industrial europeia. (empresa canadense que atuava no transporte aéreo regional foi impedida de adquirir empresa que atuava no transporte regional europeu).
Nos EUA, a concentração econômica se apresentou de maneira particular, após a promulgação do Sherman Act intensificou-se a concentração empresariais especialmente nos anos de 1897 e 1901. No ano de 1914, antes da Clayton Act (condenava a aquisição de ações de empresas atuante no mesmo mercado quando fosse prejudicial a concorrência). 
Outro momento de elevada concentracionistas foi pós segunda guerra mundial, nas décadas de 70-80, e o movimento que contraditoriamente foi um fracasso, mas afirmou nos EUA algumas de suas maiores firmas e ditou os fundamentos da estrutura oligopolista que ainda permanece na indústria norte americana.
Em síntese, a concentração do poder econômico nas mãos de agentes privados é questão delicada nos EUA, desde a Sherman Act, passando pelo pós-guerra, momento em que se temia o poder das grandes empresas. Forgione lembra que os carteis haviam ajudado a ascensão e manutenção de Hitler no poder. Assim, ainda por receio, o poder econômico não necessariamente em razão do abuso, mas simplesmente por sua existência! Forgione fundamenta com Ascarelli, entendem que somente num ambiente de livre iniciativa é possível a democracia.
 Na década de 70, momento em que a Suprema Corte marcou o início da Escola de Chicago, retorno do neoclassicismo econômico, pensamento entendia que o funcionamento adequado do mercado acontece sem a intervenção do Governamental. Essa escola entendia que as concentrações de empresas eram sinônimas de economias em escala e não concentração de mercado.
Em 1980, no governo de Ronald Reagan, e a nomeação de William Baxter para Assistant General, responsável pela divisão antitruste do governo norte americano, consolida-se o poder da Escola de Chicago. São elaborados novos Merger Guildelines (a primeira foi em 68, segunda em 82, revista em 84, 92, 97 e 2010), poucas operações de concentração encontraram obstáculos para sua aprovação nos EUA, que se mantem até 2010.
IMPACTO DAS CONCENTRAÇÕES SOBRE O MERCADO 
A Estimativa de uma intervenção no mercado de concentração envolve a apreciação de seu impulso sobre o mercado para determinar em que medida se deu a concentração. Vejamos como pode-se verificar as consequências da concentração. 
Inicialmente, delimita-se, identifica-se qual foi o mercado relevante (Market share e Market power), posteriormente verifica-se quais as quotas de mercado captadas pelas empresas antes e depois da operação. Existe a teoria econômica que fornece alguns métodos de cálculos que são usados pelas autoridades antitruste para se aferir se um mercado é pouco ou muito relevante, o mais utilizado é o índice de HHI (herfindhal-hirschman Index). 
O índice acima é utilizado do seguinte modo, após a realização dos cálculos, verifica-se o número obtido, caso seja inferior a 1.000, o mercado é considerado pouco concentrado, então não produziu efeitos anticoncorrenciais. Caso o número resultante após a operação oscile entre 1.000 e 1.800, o mercado é considerado moderadamente concentrado, e por último, na hipótese de superior a 1.800, a operação é tida como altamente concentrada. 
Todavia, essa presunção pode ser desconsiderada na ocasião de ser comprovado que o negócio não cria ou reforça o poder de mercado detido pela empresa gerada pela operação de concentração e o grau de concentração no momento da operação, considerando se existe a criação de barreiras à entrada de novos concorrentes, verifica-se também, a dinâmica da concorrência naquele mercado relevante e, por último concorrência potencial, para concluir eventual impacto causado pela concentração. 
Mecanismos da Lei antitruste Brasileira para viabilizar as concentrações econômicas. Análise e autorização pelo CADE
Em determinadas situações, mesmo que se contabilizem prejuízos à concorrência, operações que atuem como reforço de posição dominante ou domínio de mercado, práticas concentracionistas podem ser realizadas desde que os benefícios sejam superiores aos prejuízos concorrenciais. Todavia, é necessário que o CADE autorize a transação, como dispõe o art. 88 da Lei Antitruste.
Algumas operações as que estão descritas no artigo 90 não precisam ser submetidas ao CADE, portanto são exceções ao art. 88, ambas da lei antitruste. Portanto, nem todos os atos de concentrações serão de apresentação obrigatória, apenas as operações previstas no art. 90 (fusões, incorporações, compra de controle de ativos, etc.). Até as operações do caput do artigo mencionado estão dispensadas se não alcançarem o que preconiza o caput do art. 88, alterados pela portaria interministerial 994, de 30 de maio de 2012, os requisitos são:
Um dos grupos participantes da operação tenha registrado no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 750.000.000,00 (setecentos e cinquenta milhões de reais); e 
O outro grupo tenha o mesmo faturamento equivalente ou superior a R$ 75.000.000,00 (setenta e cinco milhões de reais)
Com efeito, determina-se a necessidade de submissão da operação ao CADE na ocasião das definições do art. 90 sejam positivas, após, passa-se a verificar se o faturamento das partes alcança os patamares postos pelo caput do 88. Verifica-se, também, se houve a junção de empresas para participar de licitações públicas, pois nesse caso, o CADE não tem competência para se colocar junto da administração pública, intervindo nas suas políticas. 
Poderia neste caso intervindo em suas políticas econômicas formatadas pelo governo federal e interferindo na organização e estrutura do poder executivo insculpidas na Constituição Federal.
De acordo com o § 2o do art. 88, o controle dos atos de concentração será prévio, sob pena de não se atribuir a eficácia plena, conforme art. 125, do Código Cível, que lhe impõe cláusula suspensiva tácita. No § 4o esclarece que até decisão final sobre a operação deverá ser preservada as condições de concorrência entre as empresas envolvidas, sob pena de multa e outras penalidades.
A autorização concedida pelo CADE é vinculante para a autoridade antitruste, e somente será revista em caso de informações inverídicas ou enganosas prestadas pelos interessados. Esse efeito vinculante se ajusta a segurança jurídica ao agente econômico, já que a concessão de autorização geralmente é derivada da política econômica atuada pelo Órgão. Não seria surpresa caso se modificasse a linha de atuação do governo e fizesseconveniente a revogação de uma autorização.
A Lei antitruste 12.529, faculta a administração celebrar com as partes acordo para viabilizar a operação de contratação, que tem objetivo de fixar condições para aprovação do ato, com cláusulas que visam eliminar os efeitos nocivos à ordem econômica. A aprovação do acordo será pelo Plenário do Tribunal (art. 9 o V), a Superintendência poderá indicar condições e fiscalizar o cumprimento (art. 13 o X).
O desafio no controle desses acordos reside no controle do atendimento do interesse público pelos termos negociados entre a Administração e empresas privadas. Ainda não foi verificado pela doutrina eventual controle judicial das cláusulas desses compromissos. Assim como as autoridades antitruste não tem tido sucesso na fiscalização nos compromissos assumidos diante do CADE.
A tendência mundial é de fragilidade no controle de atos de concentração, seja na Europa, nos EUA e aqui no Brasil. Essa tendência traz a resolução do dilema, persiste forte a proibição de carteis, inclusive com sanção criminal, em contrapartida, as concentrações entre concorrentes são aprovadas sem grandes dificuldades.
No Brasil, nos últimos tempos, atos de concentração de alto nível no mercado foram autorizados. Atitudes que não dão credibilidade por parte da sociedade com relação ao CADE. Em muitos recursos analisados, muitos deles não gerariam problemas concorrenciais e quando geram essas hipóteses são celebrados acordos com a Administração para viabilizar a aprovação sem grandes modificações nos planos originais das empresas. 
Essa tendência brasileira em não obstar as operações de concentração econômica está inserida na tendência mundial que entende que mesmo na hipótese de prejuízo concorrencial oriundos de concentração econômica argumentos como “entrada”, “expansão” e “eficiências”, bem como “campeões nacionais”, são suficientes para suplantar os efeitos deletérios das aglutinações empresariais.
CAP 9 – Extraterritorialidade das leis antitruste
 Devido ao caráter instrumental e à implementação de políticas públicas das leis antitruste, a extraterritorialidade das normas está intimamente ligada com aquelas. O professor de Yale, Myres McDougal, entende o seguinte sobre a extraterritorialidade das normas antitruste:
“Quando a Suíça ou o Canadá ou qualquer outro país emprega seu aparato governamental para proteger seus empresários, em atividades que prejudiquem o funcionamento sadio do processo comunitário dentro dos Estados Unidos, eles estão interferindo com os negócios internos e domésticos dos Estados Unidos, tanto quanto os Estados Unidos podem estar interferindo com os negócios de outros países ao aplicar suas leis antitruste às atividades causadoras de danos. Acordos feitos por empresários privados na Suíça e no Canadá, ostensivamente protegidos pelos países, podem afetar ou determinar os preços que eu devo pagar, dentro dos Estados Unidos, pelo alumínio ou relógios. Num mundo interdependente, a interferência reciproca do Estados Unidos no processo comunitário, inclusive nas questões econômicas, é inevitável”.
A jurisdição assume particular relevância para que o Estado assegure a aplicação da lei interna, em regra são utilizado três critérios para a aplicação, a saber: territorialidade, nacionalidade dos agentes e local de verificação dos efeitos. 
O critério da territorialidade está em consonância com o princípio do Direito Internacional, entende que cada Estado exerce autoridade dentro do seu território. Nesse sentido, o art. 2º da Lei 12.529/11, “aplica-se esta Lei (…) às práticas cometidas no todo território nacional (...)”, em síntese, é competente a jurisdição brasileira para apreciar as práticas antitrustes que são praticadas no seu território.”
Outro elemento que fixa a conexão é o princípio dos efeitos, effects doctrine, emprega a lei antitruste no Estado em que se verificar suas consequências. Se verificará nesse caso, o mercado relevante em que serão produzidos os efeitos! Este elemento é o mais utilizado, tanto que é aplicado na União Europeia, nos EUA e no Brasil. O art. 2º da Lei antitruste brasileira é expressa ao definir os efeitos como critério para sua aplicação na jurisdição brasileira, ainda que os efeitos sejam considerados potenciais.
Forgione ventila uma ocasião em que a Europa desenvolveu “a teoria da unidade econômica”, em que a matriz de uma empresa estava sediada fora do mercado interno, foi responsabilizada pelos atos praticados por sua controladora. Por meio dos escritos de Valéria Gumarães Lima, elucida que o nexo causal que induz à competência territorial é o comportamento praticado no interior do mercado comunitário. Quando a análise apontar para a existência de unidade comportamental entre estas e a empresa do mesmo grupo encontrada no interior da comunidade. 
Já no critério da nacionalidade, será aplicada a lei antitruste do país onde estiverem sediadas as empresas partícipes ou, no caso de pessoas físicas, a lei do Estado de sua nacionalidade, esse elemento de conexão é adotado pelos EUA (adota os três elementos territorialidade, nacionalidade e efeitos) e Reino Unido.
Com efeito, os protestos que se levantam contra a agressiva extraterritorialidade das leis antitruste norte-americanas desencadeiam conflitos e fricções nas suas relações comerciais internacionais.
Conflitos de jurisdições 
As leis antitrustes no geral não adotam terminologias uniformes ou exatas, deixam de diferenciar, de forma clara os institutos aplicáveis assim como jurisdição competente. Por exemplo, a Lei 12.529/11, no art. 2º refere-se de modo claro a lei aplicável, mas se omite quanto a jurisdição. Nos EUA, Foreign Trade Antitrust Improvements Act, de 1982, que trata sobre a aplicação da Sherman Act, trata da competência internacional, mas não necessariamente de competência, mais precisamente um problema de limite de jurisdição nacional em face da jurisdição de outros Estados igualmente soberanos (apud, José Ignácio Botelho de Mesquita).
 Vejamos nos casos de carteis de exportação, pois é comum serem isentados ou ignorados nos países em que se realizou o acordo (critério da territorialidade), mas por vezes são condenados nos países importador (local em que se verificou os efeitos).
 Em casos de jurisdição concorrentes, é comum os dois países julgarem a mesma prática, com ponderações diferentes que se refletirá em efeitos diferenciados. Pode ser que o país que isentou determinada conduta restritiva da concorrência da aplicação da lei antitruste não permita a execução em seu território de sentença ou decisão de autoridade estrangeira condenando aquele mesmo ato.
Na hipótese de possuir ativos, distribuidores ou representantes no país em que foi penalizado, esta será direcionada para esses ativos, distribuidores ou representantes, caso não possua esses, a penalidade se torna ineficaz, eis que não terá meios para promover a execução de sua penalidade.
Em 1982 o congresso norte-americano criou a Forgein Trade Antitrust Improvement Act (FTAIA), a respeito da explicação sobre a extraterritorial do Sherman Act, sintetiza em que ocasião a lei americana incidirá, e será nas condutas que tenham efeitos diretos e substancial em seu comercio e naquelas em que os efeitos deem origem a reclamações baseadas nos dispositivos legais da Sherman Act. Com fundamentos na FTAIA, a Suprema Corte recusou pretensão de reclamantes estrangeiros que alegavam prejuízos decorrentes da fixação de preços pelos fabricantes e distribuidores de vitaminas.
Limites à extraterritorialidade (leis de bloqueios)
As leis de bloqueios (blocking law) tem o objetivo de impedir em território nacional, a produção de efeitos extraterritoriais emanadas de autoridades estrangeiras. As vezes as leis de bloqueios são em formas de jurisprudência ou órgãos administrativos de molde a impedir a produção de efeitos de atos de autoridade estrangeira.
Por meio da Resolução 9, art. 6º do STJ, a quem competente o reconhecimento de sentenças estrangeiras, por cumprimento do art. 105, I, i,da CF/88, nos termos do artigo da Resolução assegura que não será homologada sentença estrangeira ou concedido exequatur a carta rogatória que ofendam a soberania ou a Ordem pública. Por fim, o STJ está autorizado a proferir decisão idêntica àquela oriundas de outras cortes, furtando-se ao cumprimento de ordens judiciais estrangeira sobre a questão antitruste.
Em regra, há três tipos de leis de bloqueio, as que impedem a homologação/execução de sentenças estrangeiras, as que dificultam ou impedem a colaboração de autoridades, pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou sediadas no país, em processo conduzidos por autoridades estrangeiras e o terceiro tipo elimina os efeitos já produzidos por sentença estrangeira, como é o caso da Lei Britânica de 1980.
As leis de bloqueios têm a finalidade de impedir a constituição de provas destinadas a instruir processos em outros países, assim negam a colaboração com autoridade judiciária de outros Estados ou ainda, não permitem que os residentes deem o cumprimento de ordens ou autoridades estrangeiras, ou sejam, impedem a constituição de provas. 
Existem de três tipos: a) as que proíbem terminantemente qualquer informação sobre o capital nacional ou estrangeiro depositado em seus Estado com punições severas, exemplo, os Paraísos Fiscais que existia na Suíça, leis que protegiam o sigilo bancário, proibiam a publicação de dados sobre capital estrangeiro situados nesses “paraísos”; b) outro grupo de norma de bloqueio é a que veda a divulgação das informações, autorizado somente em caso de ordem prévia da autoridade competente e c) outorga-se poder a certa autoridade nacional para intervir para impedir a divulgação.
Há constatação por instrumentos empíricos que as ondas das leis de bloqueios coincidem com períodos dos grandes processos antitruste dos Estados Unidos. A primeira onda é da década de 50, a segunda foi no período de 1976-1984 , caso Westinghouse, essa empresa celebrou contrato no final da década de 60, com várias outras empresas em que se obrigava a fornecer urânio por um valor fixo por um certo período. Acontece que o preço do Urânio teve aumento exponencial nos últimos meses do ano de 1975 em razão da formação de um cartel internacional, formado inclusive por governos de vários países, fundamentos que alegou em demanda judicial, buscou constituir provas para a instrução processual, mas que restou infrutíferas em razão das leis de bloqueios. Foram expedidas várias cartas rogatórias dos EUA para a Grã-Bretanha que negou a execução de ordens estrangeiras, o Canadá e Austrália criou lei de bloqueios.
Na década de 80, o Reino Unido promulgou uma das mais importantes leis nesse período, o Parlamento Britânico com o objetivo de proteger contra tentativas de outros países de executar suas políticas econômicas e comerciais unilateralmente. Determinam que: os cidadãos do Reino Unido ficam proibidos de sujeitar-se a ordens provenientes de autoridades estrangeiras, as que tenham efeitos extraterritoriais e afetem interesses comerciais britânicos e as cortes não podem prosseguir a execução a julgados estrangeiros que envolvam indenizações por perdas e danos no tocante a apreciação de práticas restritivas de concorrência. Assim como, asseguram cidadãos britânicos, em face de quem foi imposto o pagamento de indenizações por corte estrangeira, direito de propor ação perante as cortes nacionais, visando recuperar a quantia paga em excesso.
Diante dessa questão os EUA criaram uma jurisprudência em que afirmou ser necessário a adoção de “Case by appoach”, com a consideração minuciosa do caso analisado. Em que se acertou uma paradigma de interpretação, deste modo, ao caso concreto se verificará a boa-fé do agente, se verificará se não induziu voluntariamente a subsunção do caso à restrição legal imposta por seu país e os interesses que o país estrangeiro procurou proteger quando da promulgação da blocking law. Todavia, esses paradigmas interpretativos são mais utilizado como retorica na fundamentação da decisão que acabam por proteger seu mercado relevante interno.
Os obstáculos enfrentados pelas empresas. As concentrações internacionais e sua apreciação por várias jurisdições. 
Proposta para diminuição dos conflitos de leis e de jurisdição
 A doutrina norte-americana sugere três ordens de medidas para solucionar conflitos de normas e jurisdição antitruste. a) a criação de uma autoridade antitruste internacional ou, ainda, seu tratamento no âmbito da Organização Mundial do Comércio; b) harmonização das legislações, para que se evitem grandes disparidades entre os sistemas e c) celebração de tratados visando à colaboração das autoridades antitruste e à diminuição dos problemas políticos decorrentes da extraterritorialidade.
Ter acesso a novos mercados é um dos fatores que mais impulsionam o debate de mais exatidão das leis antitruste e seus critérios “absolutamente técnicos”, de maneira que minimize a influência política interna de cada país. Pois é grande o volume de transações revistas por várias agencias antitruste, o risco de conflitos substantivos é enorme e um mercado vigoroso e competitivo produz milhares de acordos todos os dias. Por isso uma legislação técnica sobre o antitruste é o que se espera das autoridades responsáveis.
Forgione, entende no mesmo sentido “o escopo das agências antitruste é identificar e sanear transações anticompetitivas, não solicitar às empresas requerentes que justifiquem seus negócios de alguma forma ampla e vaga.”.
A colaboração entre autoridades antitruste é frutífera caso possuam os mesmos interesses comerciais. Para os norte-americanos os acordos de colaboração se mostram oportunos, já que desde o ano de 1996, mais de 90% dos carteis investigados pela divisão Antitruste atuavam internacionalmente.
Nos casos dos cartéis de vitaminas conduzidos pelos EU e UA, que resultou na condenação de empresas sediadas naqueles países, mesmo alguns importadores e consumidores em países em desenvolvimento também tenham sido afetados por esse cartel, as autoridades antitruste da UE e da UE nunca compartilharam suas informações com colegas do Sul.
Em busca da necessidade da criação de órgão supranacional competente para julgar questões internacionais antitruste e criar pautas de interpretação a serem vinculadas aos tribunais nacionais.
Se por um lado, a criação de uma autoridade supranacional pode ser a solução viável e útil para países que possuem política antitruste em comum, como nos EUA e UA, para os países desenvolvidos, essa autoridade não se mostra aconselhável, pois implicaria em intromissão em política interna.
Com efeito, a facilidade de acesso aos precedentes norte-americanos fez com que muitas decisões do CADE sejam fundamentadas em decisões estrangeiras que nos são estranhas, ou seja, não se amolda a nossa realidade. O desafio no combate a condutas antitrustes brasileiras é, não ignorar a experiência estrangeira, que se constitui ótimo referencial para nossas autoridades, mas não podemos não observar nosso ordenamento jurídico, formado por princípios basilares e não podemos ignorá-lo. Assim, precisamos construir a nossa própria tradição antitruste, com a participação de advogados, agentes públicos, juízes e membros do Ministério Público.
CONTRATOS EMPRESARIAIS
INTRODUÇÃO
- Contrato = processo, sucessão de fases visando satisfação interesses comuns;
- Conceito atual (1960s), contrapondo-se ao clássico contrato-instituto-estático; 
- Filme, e não fotografia.
CAP 1 – Definição dos contratos empresariais
Modernos complexos produtivos não são estoques de bens, mas feixes de relações contratuais; empresas são agentes econômicos;
Centralidade do contrato e do mercado são fenômenos recentes;
Teia contratual: empresa, contratos e mercado são conceitos indissociáveis;
“Negócio”, na linguagem comercial, são operações mercantis que se corporificam em contratos (negócio jurídico bi/plurilateral que sujeita partes à observância de conduta idônea à satisfação dos interesses que regularam -> “acordoentre ofertantes e demandantes no qual os termos da troca são definidos”);
Empresa celebra contratos com diversos agentes econômicos: outra empresa, Estado, consumidor, trabalhador; 
Foco da obra = contratos entre empresas (empresariais) - partes almejam lucro;
Ou seja, excluem-se relações consumeristas (CDC; destinatário final sem lucro);
(obs. todos sabemos que o STJ acata exceções; finalismo mitigado)
Defende-se que contratos empresariais são categoria jurídica autônoma: princípios e institutos próprios;
Tripartição dos contratos:
Civis;
Com consumidores;
Comerciais (elemento diferenciador: escopo de lucro em todas partes envolvidas).
Gênese dos contratos comerciais: raízes em Roma, marco no mercantilismo, surgimento da clássica dicotomia do direito privado (civil e comercial);
Expansão com Revolução Industrial e liberalismo;
Readequação antes disfunções, falhas e externalidades negativas (ex. direitos sociais);
Surge o segundo grande cisma do direito privado: Direito do Trabalho;
E então mais um: Direito do Consumidor;
Assim, nas palavras da Autora:
CAP 2 – Classificação dos contratos empresariais
2.1 Porque classificar? Classificação tradicional dos contratos e necessidade de novas categorias.
	Classifica-se para ordenar e, dessa forma, compreender. O ambiente dos nossos tempos impõe outros critérios classificatórios, além dos tradicionais.
Cabe diferenciar a identificação de tipos contratuais da criação de categorias de contratos. 
Os tipos contratuais constroem-se sobre os elementos essenciais de determinado grupo de negócios jurídicos. Ex.: contrato de compra e venda é como tal reconhecido quando se têm a coisa, o preço e o consenso.
Já as categorias classificatórias ligam-se ao agrupamento conforme a função econômica do negócio ou conforme suas características marcantes e singulares. Ex.: os contratos de alienação remetem ao grupo de negócios relativos à transferência de propriedade de bens.
Tradicionalmente, os contratos podem ser: bilaterais, unilaterais e plurilaterais; onerosas e gratuitos; comutativos e aleatórios; por adesão e negociados; empresarias e existenciais (mais importante dicotomia do século XXI); etc. 
No direito empresarial, pode-se dividir os contratos com base nos seguintes critérios:
2.2 Quanto ao grau de vinculação futura das partes: contratos instantâneos [“spot”], híbridos e societários
Classificação relacionada ao grau de estreitamento da liberdade futura das partes em decorrência da contratação.
Contratos imediatos ou instantâneos ou “spot”: são os contratos de intercâmbio, execução instantânea. Ex.: compra e venda isolada.
Contratos híbridos: são os contratos de colaboração (abordado no capítulo 6). 
Societário: exemplo do fabricante que absorve internamente fases do processo produtivo de uma empresa. Essa estratégia trará maior espaço para controlar as características da produção do insumo, ao mesmo tempo que restringirá as opções de fornecedores, pois terá que empregar o couro produzido pela nova sociedade.
Quanto ao grau de positivação: contratos típicos, atípicos e socialmente típicos
Contratos típicos: expressamente previstos e disciplinados por textos normativos. Ex.: contrato de compra e venda, locação, mandato, etc.
Contratos atípicos: talhados à medida para determinada operação econômica, cuja prática não é disseminada no mercado.
Contratos socialmente típicos: embora não ditos na lei, são consolidados pela reiterada prática dos comerciantes e reconhecidos pelos operadores econômicos, pela doutrina e pela jurisprudência como “tipo contratual”. Para assim ser considerado, deve preencher três requisitos: [i] reconhecimento de sua função econômico-social; [ii] difusão de relevo da prática na sociedade; [iii] recepção do negócio pela ordem jurídica. 
*Observação: o artigo 425 do CC/02, ao dispor que é “lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais” do CC, está se referindo tanto aos contratos socialmente típicos quanto aos completamente atípicos.	
A criação dos contratos socialmente típicos pela prática de mercado: os negócios surgem da atuação livre dos comerciantes condicionada pelas características do ambiente em que desempenham seus negócios, pelos textos normativos e pelas decisões dos tribunais, logo não são fruto de uma “geração espontânea”. Ao longo do processo de evolução, prevalecem os padrões de conduta mais adaptados ao funcionamento do mercado e ao ordenamento jurídico estatal, depurados pela jurisprudência.
Ciclo de criação dos contratos socialmente típicos:
Cláusula socialmente típicas: são dispositivos usados repetidamente em vários tipos de negócios jurídicos empresariais. Ex.: cláusulas “drag along” e “tag along”, em contratos societários.
Quanto à abrangência do objeto: contratos-quadro e contratos-satélite
Contratos-quadro: também chamado acordo guarda-chuva (“umbrella agreement”, na tradição anglo-saxã, “framework agreement”, na civil law) – acordos privados que fornecem um quadro de cláusulas gerais para regular contratos futuros. 
Os contratos-quadro possuem duas principais categorias:
[i] aqueles que visam organizar a operação econômica como um todo, com contratos satélite celebrados concomitantemente; 
[ii] aqueles que ditam as regras e os princípios que deverão imperar em contratos que serão futuramente celebrados.
Em nosso sistema, a efetivação das cláusulas do contrato-quadro deve passar pelos percalços característicos da execução dos acordos preliminares. Conforme o entendimento do STF sobre efeitos vinculantes dos pré-contratos e que o juiz não pode negociar pela parte, o contrato-quadro só terá execução específica quando encerrar o acordo sobre todos os elementos essenciais do negócio. Logo, há dificuldade na prática de sua execução, pois é intrínseco a ele certa margem de indeterminação dos elementos essenciais.
Contratos- satélite: são os contratos futuros, mais específicos, realizados a partir do contrato-quadro.
Quanto ao grau de ligação: contratos coligados e contratos independentes
Contratos coligados: assumem sentido se vistos dentro de um contexto composto por diversos pactos, encontrando-se em relação de dependência unilateral ou recíproca. 
O vínculo entre os contratos coligados pode derivar: [i] de disposição legal (ex lege); [ii] da natureza acessória de um contrato (coligação natural); [iii] de cláusulas contratuais que liguem as avenças (coligação voluntária expressa); ou ser deduzido das circunstâncias e do contexto em que está inserido (coligação voluntária explícita). 
Tal tipo de contratação irá influenciar na interpretação contratual. Tem-se sustentado que, na ausência de cláusula arbitral e de eleição de foro, a coligação do contrato com outro expressamente remetido à arbitragem poderia embasar a sujeição do primeiro à jurisdição não estatal (extensão da cláusula arbitral, reconhecida por nossos tribunais em casos bem específicos). 
Contratos independentes: existem por si, independente de outras avenças.
2.6 Quanto ao grau de complexidade: contratos simples e complexos
Contratos simples: destinados a se exaurir no momento da prestação principal, nascem e morrem quase de imediato.
Contratos complexos: tende-se à produção de obrigações posteriores à ligação inicial, até mesmo porque o negócio, para continuar a existir, exige adaptações e complementações. 
2.7 Quanto ao grau de completude do regramento: contratos completos e incompletos. Existem contratos completos?
	Contratos são, por sua vez, incompletos e quanto maior sua complexidade, mais as lacunas far-se-ão sentir. Não se consegue e não se quer prever tudo nos instrumentos contratuais, em razão de três aspectos dos custos de produção: a) existência de contingências imprevistas; b) custo da redação dos contratos e c) custo de execução do contrato.
	Juridicamente, os contratos são incompletos diante da existência de lacunas na avença entre empresas, característica própria dos contratos complexos; de regras ou princípios gerais aplicáveis ao caso; tratamentodado pelo Direito às lacunas de forma a não violar os princípios da liberdade contratual e pacta sunt servanda.
2.8 Quanto ao interesse principal da parte no contrato: contratos de prestação e contratos de relação (ou contratos relacionais)
		Muitas vezes, os contratos voltam-se ao estabelecimento de relação entre os agentes econômicos e não apenas ao oferecimento de prestações, importando mais as relações entre as partes que as trocas entre si.
		São características dos contratos relacionais em contraposição aos de execução imediata: (a) tendem a se estender no tempo; (b) em virtude de sua longa duração, prioriza a disciplina de questões futuras entre as partes; (c) há certa interdependência entre as partes, pois o sucesso de uma reverterá no benefício da outra.
		Os contratos relacionais se contrapõem aos descontínuos, em que os vínculos costumam ser breves. 
		Mesmo nos EUA, a teoria dos contratos relacionais ainda não foi incorporada pelos Tribunais e encontra resistência. Essa linha pode vir a comprometer vetores de fundamento do próprio mercado. Obrigar o agente econômico ao que não contratou, em nome do seguimento da relação contratual, pode implicar em exagerada ingerência nos negócios privados, em benefício exclusivo da outra parte – e não da fluência da relação de mercado e do desenvolvimento econômico. 
		Ao mesmo tempo, a teorização dos contratos relacionais aborda aspectos importantes como a motores específicos dos contratos de longa duração, a confiança como base da relação contratual, motivação do negócio, boa-fé objetiva e a visão do contrato empresarial como um processo. 
		Assim, mostra-se útil a análise desta teoria por abarcar dois elementos fundamentais dos contratos empresariais: a relação entre as partes e a força da boa-fé, da confiança. Quanto ao primeiro ponto, pensar a ligação entre as partes, nos moldes doutrinários dos contratos relacionais, é essencial para dimensionar o ajuste e trazer à baila a importância da boa-fé objetiva, da confiança, da não frustação da legítima expectativa para garantir a estabilidade jurídica e o melhor desenvolvimento do contrato enquanto um processo. 
2.9 Quanto ao tipo de negociação que lhes dá origem: contratos de adesão e contratos negociados
		Essa classificação assume relevância nos negócios interempresariais por força dos artigos 423 e 424 do CC. 
		Os contratos de adesão são negócios bilaterais moldados na adesão de uma das partes ao plano contratual estabelecido pela outra. Já os contratos negociados se originam do processo de barganha entre as partes.
		Os contratos de adesão interempresariais são cada vez mais comuns no dia a dia, empregados para viabilizar a formação de redes contratuais. Até pode ocorrer que um integrante da rede obtenha a estipulação de cláusula específicas na relação com o fornecedor, mas o comum é que haja uma padronização, com a adesão/aceitação do integrante da rede ao programa negocial da empresa líder. A padronização contratual permite se atingir uma rede de distribuição uniforme e gera a diminuição dos custos de transação.
2.10 Quanto ao grau de poder econômico das partes: contratos paritários e contratos em que há situação de dependência econômica
		Contratos paritários: relações equilibradas, em que certa igualdade das empresas é fator determinante na organização e desenvolvimento das fases do negócio. Em que pese ser rara a absoluta simetria entre as partes, nestes contratos a sua negociação e execução ocorre sem a marcada preponderância dos interesses de um dos polos.
		Contratos de dependência: quando há dependência econômica de uma parte em relação à outra. São ajustes marcados pela grande diferença de poder entre as empresas. 
		Há contratos que a dependência econômica é inerente como os de franquia.
		Em outros, o grau de dependência aumenta ao longo de sua execução como no contrato de colaboração, pois se exige de uma ou ambas as partes investimentos específicos (custos de investimentos idiossincráticos). Muitas vezes, são recursos que não terão recuperação (sunk costs). Com isso, em regra, quanto maior o investimento específico, maior a perda decorrente do aborto da operação, o que gera uma dependência unilateral ou recíproca. Nesse sentido o art. 473, parágrafo único, do CC busca prevenir o abuso da dependência econômica ao estabelecer: “Se [...] dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos.”
2.11 Quanto à ligação a contratos celebrados entre terceiros: contratos isolados e contratos em rede
		Na rede, todos devem atuar coordenadamente, e mesmo se tratando de vários contratos autônomos e individuais, existe algo que os une e que requer que funcionem em harmonia.
		As redes possuem as seguintes características:
- são um conjunto de vários contratos bilaterais, em regra, mantido entre um líder e várias empresas que não mantêm relação contratual (formal) entre si;
- há intensa colaboração entre as partes;
- há interdependência econômica entre os membros da rede;
- Aprendizado global: verifica-se que a experiência de uns aproveita aos outros, mesmo que não estejam conectados por contratos bilaterais;
- há relação estável e de longo prazo entre as partes dos contratos bilaterais;
- a eficiência econômica e o sucesso produtivo exigem intensa cooperação e alta confiança, superior às transações normais de mercado;
- todos devem comungar pelo sucesso da atividade global a fim de, a longo prazo, o valor de cada negócio ser maximizado pelo sucesso da operação como um todo;
- cada membro da rede possui personalidade jurídica autônoma;
- os lucros são auferidos de forma individual, pois não existe um ente global que os coleta e distribui.
CAP 3 – Formação dos contratos empresariais
3.1 Introdução. Peculiaridades da formação dos contratos empresariais
	Contratos empresariais são aqueles celebrados entre empresas, em que todos os polos almejam o lucro, o que lhes confere dinâmica peculiar neste aspecto, mas também no seu processo de formação por conta do profissionalismo de ambas as partes.
3.2 A seleção do parceiro 
	 Apesar do ordenamento jurídico coibir comportamentos voltados à procrastinação no cumprimento de deveres, como o ajuizamento de ações infundadas, muitas vezes, não consegue impedi-los. Em contratos complexos, os limites dos comportamentos lícitos e ilícitos acabam difíceis de serem delineados; há zonas cinzentas, bem exploradas nas teses de habilidosos advogados que tornam difícil a condenação dos agentes econômicos por abuso de demandas. Embora raro de ocorrer, nos últimos anos, o CADE vem condenando por infração à ordem econômica vários entes que se valem de ações judiciais infundadas para levantar entraves desleais à atuação de competidores. São as chamadas condenações por “sham litigation”. 
	Assim, o primeiro passo para o sucesso do contrato é a escolha do parceiro. A confiança, ligada à tutela da boa-fé e da proteção das legítimas expectativas, atua como fator de redução dos custos nas transações econômicas.
3.3 Seleção dos advogados. Riscos empresarias e hindsight effect
	A escolha do advogado decorre da ponderação entre custo e benefício. Do ponto de vista jurídico, a responsabilidade do advogado é de obrigação de meios e não de resultados. 
No momento da contração, as partes anseiam pelo contrato e evitam lançar obstáculos durante a negociação, a fim de não abortar a operação, deixando lacuna veladamente proposital ou empregando palavras ambíguas. As lacunas ou a redação confusa dos contratos são riscos assumidos pelas partes. A assunção de riscos, inclusive jurídicos, faz parte da atividade empresarial. Exceção à essa regra é a onerosidade excessiva do artigo 478 do CC, que pressupõe a ocorrência de fatos extraordinários e imprevisíveis no momento da contratação pelo agente ativo e probo.
3.4 O processo de negociação 
	Chamado de pré-negocial,é o período de aproximação das partes e de barganha, em que as partes podem ou não estar assistidas por seus advogados. Regra geral, caracteriza-se pelo elevado grau de otimismo das partes, pois se ambas querem o contrato, pressupõe-se que o veem como algo vantajoso.
3.5 Os documentos produzidos na fase de negociação
	Os documentos assinados na fase negocial são chamados de pré-contratos, acordos preliminares, memorando de entendimentos, etc. 
	Duas ordens de problemas se colocam quanto aos pré-contratos: [i] a possibilidade de sua execução específica e [ii] o eventual dever de indenizar caso o contrato principal não seja celebrado.
	Quanto a possibilidade de sua execução específica, no sistema brasileiro, é bastante reduzida. Isso não implica em desrespeito ao princípio da boa-fé, também presente na fase negocial, pois uma coisa é obrigar a parte àquilo que prometeu fazer e outra diversa é obrigá-la a fazer algo a que não se vinculou.
	Tal constatação pode ser extraída do antigo julgado do STF que tratou de acordo que acertava a futura compra do controle da S/A conhecida como “Disco” pelo grupo Pão de Açúcar, em que o instrumento exprimia consenso sobre a coisa e o preço.
	A discussão girou em torno de definir se o negócio de compra e venda de controle acionário assumia natureza civil ou comercial. Se fosse civil, estariam presentes os elementos essenciais a esse tipo de contrato (coisa, preço e consenso), o que obrigaria à celebração do contrato definitivo. Se fosse comercial, o artigo 191 do Código Comercial exigia que as partes também tivessem acordado “as demais condições do negócio”, o que não havia ocorrido. A tese defendia por Fábio Konder Comparato era da natureza civil do contrato e para Moreira Alves, tese vencedora, não se poderia dar execução específica ao acordo porque implicaria transferir para o juiz aspectos negociais.
	Assim, as empresas não devem ser obrigadas a aceitar termos contratuais impostos por terceiros, pois vai contra o interesse geral do comércio, tornando bastante difícil a execução específica de acordos pré-contratuais.
3.6 Responsabilidade pela ruptura das negociações
	Desistir das negociações é faculdade da empresa. Negociações preliminares não vinculam as partes e só ensejam indenização pelo rompimento no caso de violação do dever de lealdade e de correção. Em sentido contrário, deve-se ter cautela com certa jurisprudência do STJ que privilegia agentes econômicos que apenas não conseguiram realizar o negócio.
	É possível estipular penalidade pela ruptura da aproximação, contudo quando isso não é feito a empresa assume o risco da não contratação definitiva. Não parece correta a correção posterior, diante da ausência dessa previsão, pelo julgador. O dolus bonus é aceito e admitido no direito contratual como lembra o TJSP. Assim, cabe ao agente econômico contra ele se acautelar, se entender conveniente.
3.7 A redação dos instrumentos do contrato
	Quando as partes entenderem que o negócio está amadurecido, os advogados são chamados a redigir os instrumentos contratuais. Não raro, os instrumentos são redigidos por profissionais não familiarizados com aquele mercado ou com a dimensão técnica do negócio. Contudo, o objetivo desse instrumento é claramente de criar um clima de confiança entre os futuros parceiros.
3.8 O momento da vinculação
Os contratos reputam-se celebrados se e quando houver acordo quanto aos seus elementos essenciais, sendo que o juiz não pode negociar pela parte. Essa regra é fácil de ser aplicada quando se trata de uma compra e venda, contudo em negócios complexos a questão não é tão simples. Por isso, há séculos difundiu-se a prática de se reduzir o negócio a escrito.
3.9 Operação econômica, negócio jurídico e contratos empresariais. A arquitetura jurídica do negócio
	Não há regra sobre aquilo que deve ou não ser reduzido a escrito: o teor do documento derivará de livre escolha das partes. Inexistindo regras sobre a redação dos contratos, a arquitetura jurídica das operações empresariais assume grande importância, planejando-se a forma pela qual os negócios encetados pelas empresas entrarão no mundo jurídico. 
	Os advogados deverão decidir quais os instrumentos serão redigidos. Não há soluções certas ou erradas, mas sim a busca por estruturas jurídicas que melhor acomode os interesses das partes. Há balizamentos postos pela Lei e pelos tipos contratuais, e não cercas a serem respeitadas. As partes traçam a maneira pela qual os negócios entrarão no mundo jurídico, como serão enformados para produzir os efeitos almejados.
3.10 O nome dos contratos
	Não é obrigatório, mas em regra é dado aos contratos reduzidos a escrito um título. Tecnicamente, o “nomen iures” é irrelevante, importando a substância do negócio contratado. Contudo, o título do contrato poderá constituir elemento de interpretação para se alcançar a intenção comum das partes.
3.11 Cláusulas contratuais
	Cláusula é a estipulação que as partes fazem em seus negócios. Na linguagem corrente, cláusula é também empregada como “item” que identifica uma unidade do texto contratual, admitindo-se a divisão em subcláusulas, subitens ou parágrafos. As cláusulas podem ser agrupadas em capítulos, cuja denominação é livremente aposta pelos advogados, da mesma forma que os títulos dos contratos.
	Com base na liberdade de contratar, podem as partes moldarem as estipulações contratuais como bem entenderem desde que respeitem os limites da legalidade. O resultado nem sempre é harmônico, daí a regra de interpretação do Código Comercial de 1850: “as cláusulas duvidosas serão entendidas pelas que o não forem, e que as partes tiverem admitido; e as antecedentes e subsequentes, que estiverem em harmonia, explicarão as ambíguas”. 
3.12 Disposições finais, cláusulas de estilo ou “boilerplate clauses”
	As boilerplate clauses, ou apenas boilerplante, são dispositivos standard ou padrão. Em português, são chamadas de disposições finais ou disposições gerais. Seriam midnight clauses, porque trazidas ao final das negociações, quando todos estão exaustos. Seu processo de criação resulta de um “recorta-e-cola”, repetidas em todos os contratos do mesmo redator. Exemplo: “a nulidade de uma cláusula não implica na nulidade do contrato”; “todas as notificações devem ser encaminhadas aos endereços constantes do preâmbulo”.
	Muitos autores entendem que as cláusulas arbitrais são “boilerplate”, embora a escolha da câmara arbitral costume ser debatida entre as partes.
3.13 Omissões e dubiedades propositais
	Os advogados não costumam se contaminar pelo excessivo otimismo dos agentes econômicos e tendem a trazer para o presente discussões futuras, a fim de resolver de antemão os problemas que conseguem antecipar. Esse excessivo otimismo leva a evitar o debate e disciplina de pontos controvertidos, a fim de evitar enfrentar aspectos que ameacem a realização do negócio, configurando comportamento estratégico das partes. Em regra, para a maioria das empresas, a utilidade do instrumento escrito é secundária quando comparada aos aspectos econômicos da transação. 
3.14 O momento da assinatura. O início da vida do contrato
	É o chamado “fechamento” ou “closing”. Para os advogados, o momento da assinatura pode representar um “fechamento”, mas para as empresas e para o Direito, é o início da vida do contrato. 
	Em contratos complexos, em especial dos de colaboração, a produção de obrigações não cessa coma assinatura do instrumento. Ao contrário, a assinatura não é o fim da barganha, mas apenas uma fase do negócio, ainda que importante, e não o processo inteiro ou seu final. 
CAP 4 - A vida dos contratos empresariais
4.1 As normas que regem a vida do contrato. As chamadas "fontes do Direito"
Embora a dimensão econômica dos negócios empresariais seja cada vez mais importante e entrelaçada com a jurídica, cabe ao direito o principal papel na formatação dos mercados e dos contratos. Apenas o direito é normativo e impõe padrões de conduta aos agentes econômicos. O direito comanda.Como reconhecer as regras? Como saber o que pode ou o que não pode ser feito, o que é ou não permitido pelo ordenamento jurídico? Para responder a essas questões, devemos identificar a origem das regras e formular critérios que permitam seu reconhecimento como padrões de conduta vinculantes para as partes. 
Quatro são os tipos de normas jurídicas que vinculam as partes nos contratos empresariais: 
(1) regramento estatal;
 (2) usos e costumes; 
(3) texto contratual; 
(4) regras não escritas, que podem ser: complementares ao instrumento ou com ele colidentes.
A primeira fonte de regras é a Lei, sendo que os limites da autonomia privada são estabelecidos pela Lei. Os usos e costumes perfilam regras que, se não afastadas pelos agentes, complementam o regramento contratual. Hoje deduzido da cláusula geral da boa-fé objetiva, esse norte vinha positivado no art. 133 do Código Comercial:
CCom. Art. 133 - "Omitindo-se na redação do contrato cláusulas necessárias à sua execução, deverá presumir-se que as partes se sujeitaram ao que é de uso e prática em tais casos entre os comerciantes, no lugar da execução do contrato".
Depois da Lei, os usos e costumes são importante fonte de regras para o contrato entre empresas, tenha-se deles consciência ou não. Além das normas postas pelo ordenamento estatal e pelos costumes, "o contrato faz lei entre as partes", na máxima positivada pelo Código de Napoleão. As diretrizes contratuais haverão de ser respeitadas. [pacta sunt servanda], sendo terceira fonte de regras contratuais: o que foi expressamente acordado entre as empresas. Como posto no capítulo anterior, a vida do contrato inicia-se quando o instrumento é firmado. O ato da assinatura muitas vezes não é o fim do processo negociaI. Tampouco o que está escrito será a única fonte de obrigações, direitos e pretensões durante a execução.
Por conta desse contexto, dois tipos de regras podem, com o passar do tempo, surgir: (1) regras que complementam o ajustado; e
 (2) regras que vão contra os termos expressamente ajustados nos instrumentos. 
A aplicação desse regramento complementar enfrenta problemas derivados da dificuldade de comprovação de sua própria existência. Não é simples demonstrar: (a) a ocorrência de novos padrões de comportamentos e (b) que são considerados pelas partes como de observância obrigatória. 
A conduta dos agentes será crucial para a identificação da nova regra vinculante. Pela importância que assumem no mundo dos negócios, analisemos, com mais vagar, os problemas envolvidos na criação de novas regras contratuais que colidem com o regramento formal anterior.
4.2 Quem, efetivamente, dá execução ao contrato, construindo sua vida? 
Em contratos complexos, há muitas pessoas envolvidas na execução da avença. A imagem do negócio dirigido e fiscalizado detalhadamente pelo "dono" da empresa é utópica e cada vez menos encontrada na realidade. Nessas situações, os indivíduos que firmam o instrumento não são os mesmos que executarão o contrato. Considere-se a existência dos seguintes grupos de atores: (1) o corpo jurídico, que atua intensamente até o momento da assinatura; (2) os dirigentes ou executivos que lideram o processo de negociação, que não estão envolvidos em seu dia a dia; (3) o pessoal técnico ou operacional que lida com a execução do contrato, dando-lhe concreção. 
Para a letra da lei, as pessoas jurídicas contraem obrigações se representadas na forma da Lei e do estatuto ou contrato social [art. 47 do Código Civil]. Apenas alguns executivos detêm o poder de "presentar" a sociedade. São eles que possuem a "a caneta na mão" e são autorizados a firmar os instrumentos contratuais em nome e por conta da sociedade. Não obstante, várias pessoas - e não apenas as que assinaram os instrumentos -estarão envolvidas na execução do contrato e seu comportamento pode gerar obrigações para a empresa.
4.3 As modificações do negócio jurídico ao longo do tempo. A nova regra em conflito com a anterior 
Na dinâmica dos negócios, não é incomum que as empresas, premidas por novos contextos e necessidades econômicas que surgem ao longo da vida contratual, encetem modificações que impactam a avença. Nessa fase, quando assinaram os instrumentos contratuais e lançaram-se no empreendimento, as alterações germinam naturalmente, longe dos escritórios dos advogados. “[...] Neste sentido, e, sobretudo quando preveem um desenvolvimento fácil e pacífico de suas relações, as partes não se preocupam com a técnica jurídica". As partes "escrevem urna coisa e fazem outra" ou ainda "escrevem uma coisa e, após algum tempo, passam a fazer outra". 
Uma das formas mediante as quais o ordenamento jurídico trata essa questão diz respeito à observação do comportamento das partes, posterior ao fato do contrato. A letra do instrumento é o início do caminho, é de suma relevância, mas não a única estrada e tampouco seu necessário ponto de chegada. Indispensável, pois, a referência ao disposto no art. 131, 3, do Código Comercial, que traduz importante princípio: 
CCom. Art. 131, 3 - "o fato dos contraentes posterior ao contrato, que tiver relação com o objeto principal, será a melhor explicação da vontade que as partes tiverem no ato da celebração do mesmo contrato”.
Nas lições de ANTÔNIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO: “As 'circunstâncias negociais' são, pois, um modelo cultural de atitude, o qual, em dado momento, em determinada sociedade, faz com que certos atos sejam vistos como dirigidos à produção de efeitos jurídicos".
É indisputável que obrigações são assumidas por meio do encontro das declarações de vontade que manifestam oferta e aceitação; para a constituição do vínculo, salvo expressa disposição legal, não é necessário documento escrito e assinado pelas partes. Nesse sentido, a regra geral dos contratos comerciais, hoje corporificada no art. 107 do Código Civil: 
CC/02. Art. 107 - "A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir”. 
De um lado, como apontado no capítulo terceiro sobre a formação dos contratos empresariais, a redução a escrito do negócio, por facilitar sua prova posterior, incrementa o grau de segurança jurídica das partes, diminuindo os custos de transação. De outro, essa busca de segurança e de previsibilidade pode levar à falta de identificação do negócio [real deaI] com os termos escritos [paper deal], cindindo o que, de acordo com a teoria clássica, deveria ser uno, retomando-se a questão: até que ponto as partes podem ser obrigadas a seguir comportamento que não contrataram expressa e solenemente? É possível permitir a vinculação por meios que não seja a manifestação de vontade?
O positivismo jurídico tradicional, a pretexto de aumentar a segurança no tráfico comercial, prega o apego ao texto contratual, respondendo negativamente à questão. Dessa forma, abandoná-lo significa admitir que o comportamento das partes é a manifestação de sua vontade. 
O fato de as empresas, sem qualquer contestação, implementarem condutas diversas das previstas no instrumento, dependendo das circunstâncias, autoriza a conclusão de que houve alteração do negócio. O contrato é inovado sem que as partes se preocupem em modificar a letra do instrumento – que segue placidamente arquivado. Instrumento e contrato não mais coincidirão.
Como exemplo, tomemos acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal no ano de 1943, em que duas sociedades contenderam sobre a licitude de despejo justificado pelo pagamento do aluguel após a data aprazada, sendo que muitas vezes a locadora aceitara o pagamento do aluguel fora do prazo acordado. Poderia, com base em atraso único, exigir o fim do contrato? As faltas reiteradamente toleradas teriam "tornado sem vigor" a cláusula contratual que fixara o prazo? Em que pese entendimentos em sentido contrário, adotou-se entendimento de que ocorrera a modificação dos termos contratuais. "[...] Trata-se, ao revés, de atos constantes e iterativos e cuja prática habitual tornou inaplicável o dies interpelat. De resto, devem as relaçõescontratuais ser interpretadas de boa-fé e seria iníquo admitir a eficácia do procedimento do locador, o que valeria por aceitar situações armadas abusiva e maliciosamente por uma parte contra a outra [...] O que é essencial à modificação das convenções é, como diz JOSSERRAND, o elemento consensual [ ... ], Consentimento que se traduziu na dispensa consentida pelo credor da observância da cláusula em questão". "É certo que o contrato faz lei entre as partes. Mas é igualmente certo que os tribunais não estão impedidos de interpretá-los fazendo prevalecer contra a letra a vontade ou intenção das partes. Entre a letra do pacto e a interpretação conforme o comportamento das partes e a boa-fé, opta-se pela segunda: "Porque a noção do contrato vai cedendo dia a dia às imposições da boa-fé, que domina a interpretação das convenções".
4.4 Modificações informais de contratos formais. A tendência de não se alterar o instrumento firmado durante a vida do contrato
Na prática, raramente novas obrigações assumidas pelas partes durante execução do contrato são formalizadas, gerando ou anexos ao contrato. Isso porque são os técnicos que decidem se devem solicitar atuação do corpo jurídico e quase sempre acreditam estarem diante de questões comuns na implementação do contrato.
Assim, conjugam-se vários fatores, como a economia de recursos, que levam ao distanciamento entre o real deal e o paper deal, gerando riscos para as empresas. 
4.5 Ainda sobre as modificações informais dos contratos formais. O exagero na aplicação indiscriminada de institutos derivados da boa-fé objetiva [supressio, surrectio, venire contra factum proprium e tu quoque]
A modificação tácita dos contratos pode acarretar situações de risco para as empresas. Se a parte se afastar dos termos do instrumento pode ser alegada modificação do contrato, com base nos institutos decorrentes da boa-fé objetiva. Tem-se o exagero, na ilusão de proteção de uma das partes da avença.
No direito comercial, aqueles institutos somente fazem sentido se, no caso concreto sua introdução contribuir para o bom fluxo de relações econômicas – e não para alcançar a tutela do contraente que se afasta do instrumento assinado.
Não se deve também desestimular a flexibilização temporária dos termos ajustados, obstruindo adaptação conjuntural a eventuais circunstâncias adversas. Esse destempero pode ser evitado ao se reconhecer que o texto contratual é o mais forte dos indícios da intenção comum das partes do momento da celebração. Para seus termos, é preciso comprovar que o comportamento gerou indubitável alteração nos termos negociados. Pequenas complacências não são suficientes para superar a avença anteriormente negociada e aceita por ambas partes. 
4.6 A superação do exacerbado positivismo que dominou a análise jurídica dos contratos no século XX e a importância do contexto contratual
Porque a empresa implica grupamento de pessoas, sua atuação apresenta tendências que não podem ser ignoradas pelos juristas. Aquele que redige, analisa ou julga a execução de um contrato deve conhecer a realidade na qual o negócio se insere. Caso contrário, permanecerá vítima do exacerbado positivismo que muitas vezes formatou a doutrina do século XX. Um dos desdobramentos do positivismo é o afastamento do Direito de tudo aquilo que não é jurídico. No que diz respeito à disciplina dos negócios, esse postulado traduziu-se na extrema valorização do instrumento contratual, que traz a reboque o desprestígio da interpretação/integração dos contratos. 
O contrato não é apenas o instrumento, mas também a realidade que o circunda. A compreensão de seu entorno impõe-se para a disciplina das demandas e conflitos que surgem ao longo da sua vida.
Sem a compreensão interdisciplinar do contexto do contrato, das circunstâncias, não se pode interpretá-lo, imprimir-lhe execução. É preciso enxergar os fatores jurídicos e extrajurídicos que impulsionam e aplacam os conflitos. O instrumental para tanto não é dado pela dogmática formalista do século passado, e sim emerge da acurada observação da realidade dos negócios empresariais contemporâneos. 
4.7 O impacto de tendências comportamentais das partes sobre a vida dos contratos que celebram
A doutrina comercialista moldada a partir dos anos 40 do século XX identifica a empresa com o empresário. A ele pertenceria a genialidade, a capacidade de inovar, de ter ideias. O empresário seria o empreendedor que molda a empresa à sua imagem e semelhança. 
Isso pode até ser verdadeiro em algumas situações, especialmente no início da vida empresarial, quando a pessoa física organiza sua atividade para determinado fim. Inclusive grandes empresários, ao menos no momento inicial, formatam seus negócios à sua imagem e semelhança - e fazem dessa identidade importante elemento de marketing (Ex: Apple, Microsoft).
Porém, com o passar do tempo e crescimento da empreitada, essa influência tende a se diluir porque as organizações existem independentemente dos empresários e desenvolvem cultura própria. É a chamada "cultura empresarial". As empresas são grupamentos de pessoas e, nessa medida, os colaboradores acabam condicionando a atividade da empresa.
Disso extraímos dois aspectos relevantes para a compreensão dos contratos empresariais:
[i] os contratos empresariais são concebidos e executados por pessoas;
[ii] essas pessoas aglutinam-se/organizam-se em torno de empresas, e sua atuação reflete determinada cultura.
Para enfrentar as questões trazidas pela dinâmica contemporânea dos contratos empresariais, a dogmática jurídica deve se perguntar "quem é a empresa, o que e como ela exerce suas atividades" ao invés de se restringir à análise sobre "o que é a empresa".
4.8 Breves notas de economia comportamental
Partindo da constatação de que o negócio somente pode ser compreendido e interpretado a partir das condutas das partes, analisemos suas tendências, hoje objeto de estudo da economia comportamental. 
Um dos mais relevantes desenvolvimentos das ciências sociais dos últimos anos foi impulsionado por profissionais voltados à análise de comportamentos na vida real e não por juristas ou economistas. O foco passou a incluir a compreensão dos mecanismos de julgamento e decisão tal como funcionam concretamente. 
Ao trazer essas sistematizações para o estudo jurídico, pretende-se pontuar como o direito lida ou deve lidar com a dinâmica do nascimento, vida e morte dos negócios jurídicos.
4.8.1 Excessivo otimismo
Seres humanos são excessivamente otimistas e acreditam que o pior não vai acontecer. Trata-se de tendência presente na formação dos contratos empresariais. A empresa tende a agir como se tudo fosse dar certo e deixa de tomar medidas que melhor assegurariam seus direitos.
4.8.2 Excessiva autoconfiança/self-serving bias
Diante de algo desagradável, o ser humano convence-se rapidamente de que agiu adequadamente e de que a responsabilidade pelo desastre é do outro, e não sua. Tendemos a atribuir nosso sucesso a nós mesmos e as falhas e problemas à culpa dos outros ["self-serving bias"].
4.8.3 Hindsight bias
Uma vez acontecido o fato, tende-se a crer que o evento seria mais previsível do que se mostrava no passado.
4.8.4 Falso consenso
Tendemos a acreditar que os outros assemelham-se e pensam como nós, ignorando suas reais características e pressupondo comportamentos equivocadamente.
4.8.5 Persistência na decisão
Decisões implicam comprometimento e/ou investimento de tempo e recursos. Uma vez que decidimos tomar certa estrada, é-nos difícil voltar atrás. Daí existir um "status quo bias", que impele a pessoa a se manter na situação em que se encontra, salvo se o incentivo da mudança for compensador.
4.8.6 Reciprocidade
Tendemos a responder a uma ação positiva com outra ação positiva. Se agimos de boa-fé, esperamos que os outros façam o mesmo. Em negociações e renegociações de contratos, esperamos que haja "concessões recíprocas" e não que apenas uma parte ceda. Durante a vida do contrato, se julgam que estão se comportando corretamente, as empresasnutrem expectativa de que a outra parte também o faça. 
4.8.7 Aversão à iniquidade
Preferimos aquilo que achamos justo; sentimo-nos bem se acreditamos ser correto o que está sendo feito. Isso nos leva à predisposição de sancionar aqueles que agem em desconformidade com o previsto/adequado, mesmo que o processo de imposição da sanção traga-nos algum custo. 
4.8.8 Tendência de pertencer a grupos
Somos seres sociais. Sentimos necessidade de ser parte de algo maior, assim como temos o instinto egoísta de autopreservação. Pertencer a grupos nos faz sentir melhores e maiores. As pessoas envolvem-se com projetos e pontos de vista das instituições/entes/grupos aos quais pertencem.
De forma mais velada e elegante, essa tendência aparece na dinâmica dos contratos empresariais. As equipes das empresas não raro agem como times e aglutinam-se em torno de visões comuns, tendentes a proteger os interesses do grupo ao qual pertencem.
4.8.9 Endowment effect
Tendemos a estimar mais o que é nosso, atribuindo-lhe maior valor. Além disso, aceita-se com maior facilidade deixar de ganhar do que perder.
4.8.10 Senso de justiça
Os seres humanos pretendem ser tratados com lealdade e tendem a proceder com reciprocidade em relação àqueles que agem honestamente. É o que economistas comportamentais chamam de egoísmo limitado ou "bounded self-interest".
4.8.11 Ancoragem/excessivo foco
Tendemos a nos fiar na informação que possuímos e dominamos, deixando de buscar ou desprezando outras que se apresentam. O fenômeno da ancoragem tem a ver com a tendência de permanecer atado à impressão inicial. Incorpora-se a primeira informação recebida e as decisões posteriores tendem a nela basear-se.
CAP 5 – Vetores de funcionamento dos contratos empresariais
5.1 A necessária busca dos traços comuns dos contratos mercantis
Os contratos empresarias devem ser estudados de forma global, e não isoladamente, a partir de suas semelhanças, para compreensão: (i) das peculiaridades e do funcionamento dessa categoria autônoma de negócios jurídicos; (b) do impacto que causam na dinâmica do mercado, influenciando-a e sendo por ela influenciada.
5.2 Escopo de lucro
“O escopo de lucro é a principal característica dos contratos empresariais”, o qual é buscado por todos os polos. A onerosidade é o atributo dos contratos mercantis mais evidente. A empresa visa obter lucro e o contrato mercantil é o instrumento para atingir este fim. Isto não é sinônimo de adoção de prática predatória, pois a atitude empresarial colaborativa pode ser melhor para “o êxito de sua atividade econômica, globalmente considerada. ”
5.3 Pacta sunt servanda
“A força obrigatória dos contratos viabiliza a existência do mercado, coibindo o oportunismo indesejável das empresas. ” Impede que o contratante que deixe de auferir a vantagem que esperava abandone o pacto. 
Embora este pressuposto tenha sito relativizado em outros ramos do Direito, “a tendência do direito comercial vai no sentido de impor o respeito aos acordos nos quais houve livre vinculação. ”
O dogma da força obrigatória dos contratos - do respeito à palavra empenhada - é a base da vida em comunidade e, por isso, perpassa todas as civilizações, podendo se referir ao direito dos contratos como um "direito universal".
Assim, é possível discutir se a propriedade é inerente ou não à vida em sociedade, mas esta discussão não existe quanto à força obrigatória da palavra, pois, sem seu respeito, o progresso da raça humana seria impossível. 
5.4 Limitações à autonomia privada
“As contratações dão-se dentro dos limites postos pelo ordenamento estatal; o mercado é informado pelas regras exógenas e não por suas próprias determinações”.
As trocas de bens são essenciais para a existência da sociedade, as quais são instrumentalizadas pelos contratos. “A autonomia privada é viga mestra do sistema contratual”, sem se descuidar que as transações precisam pautar-se no ordenamento jurídico.
O limite da liberdade de contratar é encontrado na ilicitude que as normas exógenas impõem a certos comportamentos. À praxe de mercado serão contrapostas "imprescindíveis exigências de salvaguarda dos valores fundamentais, que não podem ser afastados pela autonomia privada
Para esclarecer o espaço aberto pelas regras exógenas à liberdade de contratar, PONTES DE MIRANDA vale-se da imagem de uma rede. Entre as linhas "traçadas pelas regras jurídicas cogentes", os agentes econômicos podem livremente mover-se. A autonomia privada ou autorregramento é o espaço que ficou às pessoas.
Com o passar do tempo, o nicho da liberdade de contratar diminuiu em razão nos novos ramos do direito, como o consumerista, o concorrencial, o ambiental e preocupações sociais e políticas públicas. Não obstante, a liberdade de contratar segue garantida pela CF/88, servindo à satisfação das necessidades de cada um e do sistema de mercado.
A análise preconceituosa da evolução da teoria geral dos contratos acabou ofuscando a compreensão do princípio da liberdade de contratar e do pacta sunt servanda no âmbito do direito comercial. Para a doutrina clássica, o negócio seria justo, porque, "se foi querido pelas partes, resultou da livre apreciação dos respectivos interesses pelos próprios contratantes”. Sendo justo o contrato, segue-se que aos contratantes deve ser reconhecida ampla liberdade de contratar, só limitada por considerações de ordem pública e bons costumes.
Entretanto, pela intervenção do Estado na economia, após a II Guerra, surgiu o fenômeno da publicização do direito privado, com contratos e negócios de adesão que oferecem menor extensão à liberdade de contratar. 
Na última metade do século XX, chegou-se ao exagero de proclamar “a morte do contrato”, pois se dava mais atenção à exceção do que à regra. Hoje, o fenômeno da intervenção do Estado na economia foi assimilado, embora restem intensos debates sobre sua conveniência e oportunidade. Assim, consolidou-se o direito do trabalho, bem como os contratos de adesão e a compreensão da contratação obrigatória de serviços públicos pela população. A existência de contratos coativos não mais assombra.
A doutrina acompanhou essas transformações gerais, indicando uma de nova visão para os negócios jurídicos. Ultrapassa-se o excessivo individualismo, protegem-se os trabalhadores e os consumidores e, assim, propaga-se a ideia do "bem comum" e as "razões de utilidade social".
Paralelos a todo esse movimento [e por ele às vezes impactados], seguem os contratos entre empresas, ou seja, entre agentes econômicos que hão de ser presumidos diligentes e probos. Os autores que trataram daquela nova visão do contrato tinham em mente questões hoje relacionadas ao direito econômico (intervenção do Estado na economia), consumerista e do trabalho – e não os negócios interempresariais.
No direito mercantil, mostram-se evidentes os princípios do pacta sunt servanda e da liberdade de contratar na orientação dos vínculos jurídicos, pois é pelos contratos que se tem a circulação de bens, instrumento por excelência da vida econômica. Há uma "função ideológica" nos contratos, que os fazem servir ao mercado e "proteger melhor determinados interesses."
Não significa que a liberdade de contratar é irrestrita, apenas que o direito empresarial é a arena na qual a liberdade econômica assume quadrantes mais largos.
5.5 O norte do contrato: sua função econômica
Ao contratar, as empresas têm em vista determinado escopo, determinada vantagem, todo negócio possui uma função econômica, que é sua razão de ser. 
A consideração da função econômica do contrato leva-o à proximidade com o mercado. 
O ato que leva à contratação exige justificação objetiva, cujo reconhecimento reclama a adoção de perspectiva dinâmica [e não estática] da autonomia privada. Para a compreensão do acordo, é necessário deixar de considerar apenas a letra fria do instrumento [sua estática] e passar a admitir que as partes, valendo-se da autonomia privada, lançam mão dos contratos para consecução de certos fins. 
A visão objetiva envolve a consideração dadimensão "social" [do mercado], distanciando-se do "individualismo dos juristas". O conteúdo do negócio não é uma vontade qualquer, incolor expressão do vazio individual, mas preceito da autonomia privada, vinculado aos interesses que movem as partes nas relações que estabelecem entre si e com terceiros. Trata-se de ato ligado à circulação mercantil e por ela objetivada.
Concluindo: a função econômica do negócio " liga-se à "circulação dos bens e dos serviços" [perspectiva objetiva] e não ao subjetivismo das partes. Se os contratos empresariais visam sempre ao lucro, é impossível concebê-los distanciados da necessidade econômica que buscam objetivamente satisfazer, ou seja, à sua função econômica.
5.6 Segurança e previsibilidade
Os contratos empresariais somente podem produzir riqueza em um ambiente que privilegie a segurança e a previsibilidade jurídicas.
A regularidade, a reiteração de certos comportamentos, permite um cálculo sobre o futuro. Os comportamentos, ao se repetirem conforme uma regra, assumem caráter de tipicidade e de uniformidade. A forma de uma ordem é dada por conteúdos típicos, razoavelmente previsíveis e calculáveis pelas partes.
Mas a regularidade – a mesma regularidade que constitui a ordem – implica certa superação da individualidade. Estabelecido o acordo, as vontades devem orientar-se segundo um princípio geral, mais forte e mais constante do que os mutáveis interesses individuais. 
Nesse esquema, a liberdade [autonomia privada] é sacrificada em prol da segurança, da previsibilidade [ou da "proteção externa"].
Não é desejável que seja dada ao contrato interpretação diversa daquela que pressupõe o comportamento normalmente adotado [usos e costumes]. Isso levaria ao sacrifício da segurança e da previsibilidade jurídicas.
Um mercado que não dê guarida à boa-fé e à proteção da legítima expectativa da outra parte tenderia ao colapso, porque dificultaria o "giro comercial” ou a fluidez das relações econômicas. O direito atua para disciplinar, para obrigar a adoção de um comportamento que, embora possa não interessar ao empresário oportunista, permite a preservação e o funcionamento do sistema como um todo. 
5.7 Agentes econômicos "ativos e probos"
Os agentes econômicos, em suas contratações, podem legitimamente presumir que a contraparte adotará comportamento semelhante àquele normalmente implementado pelos atores do mercado, pelos chamados agentes econômicos "ativos e probos".
Ao contrário do direito do consumidor, em que se presume a vulnerabilidade das partes, no direito comercial, presume-se que os comerciantes são hábeis e perspicazes em seus negócios. 
Em razão da adoção do padrão de comportamento do homem ativo e probo, ou dos "comerciantes cordatos", presume-se que o agente econômico, de forma prudente e sensata, avaliou os riscos da operação e, lançando mão de sua liberdade econômica, vinculou-se. 
O agente econômico é caracterizado por uma "esperteza própria" que lhe faz capaz de atuar no mercado. Essa astúcia, contudo, não se confunde com permissão de comportamento predatório. 
Surge, neste ponto, um dos principais problemas do estudo dos contratos mercantis: como diferenciar o comportamento sagaz, próprio das empresas, daquele destrutivo, que há de ser repelido?
Neste sentido, o TJSP entendeu que o comerciante que vendeu sua loja e prometeu não se reinstalar na Rua da Consolação o poderia fazer numa rua próxima, pois não houve acordo sobre limitação territorial. As partes poderiam tê-lo feito, mas não o fizeram e não poderiam mais fazer. A questão diz respeito ao padrão de comportamento esperado do mercador: no caso, o vendedor deve ser considerado "esperto" e o comprador desidioso ou, ao contrário, tratar-se-ia de atitude desleal, avessa às regras que devem presidir o tráfico? Qual solução é preferível tendo em vista a proteção do "interesse geral do comércio'"?
A adoção do critério do homem ativo e probo pelo sistema facilita as contratações, pois autoriza a parte a supor que a outra cercar-se dos cuidados necessários e normalmente esperados antes, durante e após a celebração do negócio. Essa pressuposição diminui os custos a serem incorridos pelos agentes econômicos em suas transações. 
5.8 Boa-fé nos contratos empresariais
A boa-fé nas contratações, instituto tradicional do direito mercantil, diminui os custos de transação, facilitando os negócios e estimulando o fluxo de relações econômicas.
Para o direito comercial, agir de acordo com a boa-fé significa adotar o comportamento jurídico e normalmente esperado dos "comerciantes cordatos", dos agentes econômicos ativos e probos em determinado mercado.
Trata-se da boa-fé objetiva direcionada à concreção da função econômica do negócio, dando lugar ao comportamento colaborativo em torno do fim comum. A boa-fé obriga as partes a comportarem-se no âmbito da relação contratual de modo a não prejudicar, ou melhor, a salvaguardar o razoável interesse da contraparte, quando isto não importe nenhum sacrifício considerável e injusto. 
A boa fé indica a retidão de comportamento no mercado, conforme os modelos ali esperados.
Não existe mercado sem direito, sem regras que atribuam alguma sanção [positiva ou negativa] ao comportamento do agente. A partir do momento em que a boa-fé é uma dessas variáveis, é tomada pelo agente como um dos fatores que pautará o seu comportamento dentro de uma racionalidade condicionada pelas "regras do jogo". 
Ao atuar em um mercado [juridicamente organizado], sabe-se de antemão quais os efeitos do descumprimento da norma e aprende-se com a experiência dos outros. A "memória de experiência", que é importante para a existência da confiança, não é atributo do indivíduo, relacionando-se ao processo de positivação da norma jurídica. 
Contudo, nem sempre a boa-fé é observada. Por isto, é preciso que ela seja tutelada pelo direito. 
Negócios possíveis em um ambiente institucional, com fortes garantias de cumprimento das obrigações, podem não ser viáveis em ambientes institucionais fracos. Uma das funções do direito comercial é buscar a criação de um ambiente que torne as negociações compensatórias.
Ressalte-se, contudo, que no direito comercial, o respeito ao princípio da boa-fé não pode levar a uma excessiva proteção de uma das partes, sob pena de desestabilização do sistema. O "erro de cálculo" do agente é um instrumento que premia a eficiência de outro. A boa-fé não pode ser confundida com equidade ou consumeirismo. A boa-fé que rege as relações mercantis parte de uma realidade diversa e desempenha uma função um tanto diferente daquelas que cercam a maioria dos negócios celebrados entre não comerciantes.
Prestando-se a aumentar a garantia dos contratos, o dever de respeito à boa-fé tende à diminuição dos custos de transação e ao incremento das relações econômicas; permite mais impessoalidade, centrando o foco na operação econômica, indo ao encontro do interesse geral do comércio. 
É possível ver que a boa-fé objetiva, como comportamento probo, já era vista como necessária a partir do século XIV. 
O Código Comercial de 1850 reservava à boa-fé papel central, dispondo que "a inteligência simples e adequada, que for mais conforme à boa-fé, e ao espírito e natureza do contrato, deverá sempre prevalecer à rigorosa e restrita significação das palavras". Embora não prevista expressamente no CC/16, ninguém jamais ousou negar que continuava a ser princípio do ordenamento jurídico. Sua previsão expressa no Código Civil de 2002 serviu para lhe dar maior destaque, passando a ser infindável o número de referências à "importância sistêmica da boa-fé objetiva".
Após séculos de evolução, o reconhecimento do papel desempenhado pela boa-fé no direito comercial como catalisador do bom fluxo de relações econômicas é pacífico. Ela surge objetivada pelo mercado, formatada pela prática comercial de determinado ambiente institucional.
No sistema de direito comercial, a boa-fé desempenha três principais funções: [i] é pauta de comportamento para os agentes econômicos, apoiando a execução das cláusulascontratuais e impondo limites ao exercício dos direitos (art. 187, CC). [ii] É pauta de interpretação (art. 113, CC); [ii] é pauta de integração dos negócios mercantis, pois se presta como instrumento à resolução do problema da incompletude contratual.
É possível identificar os seguintes desdobramentos concretos do princípio da boa-fé: [i] dever de oferecer à outra parte oportunidade para sanear vício da prestação recebida, quando isso for possível e razoável; [ii] dever de cooperação, para possibilitar o adimplemento da obrigação pela contraparte; [iii] dever de conceder à contraparte oportunidade para correção de erros ou de equívocos que poderiam trazer incerteza à relação; [iv] dever de modificar a prestação para realizar o interesse da contraparte, quando isso for possível com mínimo de sacrifício;[v] dever de agir com coerência, mantendo a lógica dos próprios atos de forma a não frustrar a expectativa que germinam na contraparte; [vi] proibição de exercitar direitos contratualmente assegurados de maneira formalmente lícita, mas, em sua essência, desleal ou danosa para a contra parte; e, por fim, [vii] proibição de tratamento discriminatório da contraparte'"
Contudo, é preciso evitar que a boa-fé se torne mera desculpa para o inadimplemento da obrigação. Essa "farra dos princípios" é prejudicial ao bom fluxo de relações econômicas Exageros sempre podem ser perigosos. 
5.9 Confiança nos contratos empresariais
A disciplina dos contratos empresariais deve privilegiar a confiança, tutelar a legítima expectativa. Quanto maior o grau de confiança existente no mercado, menores os custos de transação, que tendem a reduzir-se em mercados nos quais os agentes econômicos confiam no comportamento dos outros.
A boa-fé objetiva diz respeito à confiança no contrato. Podemos definir confiança como "um determinado nível de probabilidade subjetiva com a qual um agente avalia que um outro agente ou grupos de agentes praticarão uma determinada ação".
A previsibilidade do comportamento dos agentes aumenta o grau de segurança e reduz a preocupação durante a celebração ou mesmo a execução do negócio. 
Na primeira contratação, é necessário mais prudência. Se A é uma empresa fornecedora de tecidos finos e vai contratar com uma empresa B recém-aberta com jovens sócias estilistas, irá se cercar de maiores cuidados antes de conceder o crédito para um pagamento parcelado. A situação seria diferente, contudo, se ambas as empresas já fossem parceiras há tempos nos negócios. Vê-se que, nos mercados em que impera a fidúcia, os custos para concretização do negócio são menores. 
A confiança pode ser incentivada pelo ambiente institucional. Exemplifica-se com mercado de diamantes de Nova Iorque, onde, quando as partes acordam a venda de uma pedra, apertam as mãos e pronunciam a frase “boa sorte e bênçãos”. Se o agente não respeitar tal compromisso, será penalizado, inclusive, mediante a perda de sua reputação. Assim, quando o sistema garante o cumprimento do pacto, os custos de transação diminuem, pois os agentes não precisam cercar-se de tantas cautelas.
Como em um círculo virtuoso, a proteção da legítima expectativa aumentará o grau de segurança e de previsibilidade do mercado; o resultado será a diminuição dos custos de transação e a catalisação do tráfico. 
5.10 Usos e costumes
Os usos e costumes são fonte de direito em constante atividade. O ordenamento estatal admite em seu seio, como vinculantes, as normas produzidas pelos agentes econômicos. Essas normas integram os contratos.
Embora os usos e costumes tenham sido renegados pela jurisprudência por muitos anos, hoje sua força encontra-se vivificada a ponto de alguns autores referirem-se ao fenômeno da “redescoberta” dos usos comerciais.
Usos e costumes são a prática dos comerciantes que, na busca de soluções para os problemas cotidianos, encontram e consolidam determinada forma de resolvê-los. Esses esquemas espraiam-se ao serem imitados por outros agentes. Daí a força uniformizadora dos usos e costumes, que tendem a planificar o comportamento das empresas.
A jurisprudência atua como forte fator de “seleção” dos usos e costumes. O julgador não se prende somente ao texto da lei, debruçando-se também sobre os fatos do caso concreto trazidos ao seu conhecimento. Um costume não aceito pelos tribunais, por ser considerado violador da norma jurídica, acaba desautorizado ou não se consolida.
Os usos e costumes refletem complexa interação entre texto normativo, atos dos comerciantes e jurisprudência. Estes geram legítimas expectativas de atuação, probabilidades de comportamento; presume-se que as partes comportar-se-ão de acordo com o modelo atual, de maneira que cada agente é capaz de planejar sua jogada com maior margem de segurança. Em verdade, o conúbio entre previsibilidade, criação de legítima expectativa e usos comerciais é hoje expresso na legislação comercial norte-americana.
Estipulações comuns em operações de compra e venda de ações ou de quotas, tais como cláusulas de put/call, drag along e tag along nada mais são do que a redução a escrito de uma prática consolidada.
A prática brasileira dos últimos anos traz exemplo interessante sobre a interação entre a prática comercia, usos e costumes, atividade jurisprudencial e texto normativo: os contratos built to suit. Tal contrato foi, inicialmente, reconhecido pela jurisprudência como distinto do contrato de locação, e apenas posteriormente positivado.
5.10.1 Globalização e usos e costumes.
O cosmopolitismo é característica tradicional dos contratos mercantis, razão pela qual as práticas contratuais tendem a uniformizar-se, em processo acelerado nos últimos anos pela globalização. Há a disseminação cada vez maior de práticas e modelos de negócios desenvolvidos no exterior. As diferenças não são pura e simplesmente canceladas, mas chamadas a interagir com tais standards, produzindo aspectos jurídicos novos e inesperados.
É imperioso adotar cautela ao importar os usos e costumes. Não se pode ignorar o que Tulio Ascarelli chamava de “premissas implícitas” de cada ordenamento. A aplicação do direito brasileiro não pode abraçar princípios diversos daqueles cristalizados em nosso ordenamento jurídico, sob pena de dar lugar a açodado transplante, incompatível com a nossa realidade.
5.11 Custos de transação
Classificam-se os custos de transação em ex ante e ex post, conforme ocorram antes ou após a celebração do negócio. Há custos de transação referentes à coordenação (coordination costs) e aqueles relacionados à motivação (motivation costs). Os primeiros são gatos próprios às negociações, incluindo a definição de suas condições (preço, prazo, época de entrega etc) e mesmo a busca de parceiros comerciais. Os custos de motivação podem ser apartados em dois principais tipos: (i) aqueles ligados à assimetria e à falta de completude da informação, quando as partes não conhecem todos os dados relevantes e necessários sobre a outra e sobre o negócio, e (ii) aqueles inerentes ao possível prejuízo decorrente do comportamento oportunista da outra.
5.12 Contratos e necessidades dos agentes econômicos
Longe de ser apenas um instituto histórico da matéria, a força jurígena dos usos e costumes está fortemente presente na prática do direito comercial, impulsionando diuturnamente a vida mercantil. 
Eros Grau observa: "O negócio é feito no mundo dos fatos, por certo à luz dos códigos, das leis e regulamentos, mas a exegese contratual somente será praticada se a paz temporária obtida por via do contrato resultar, em sua aplicação, no surgimento de problemas, Instaurada a cizânia, tem início uma frenética atividade de composição de suportes fáticos e de exercícios de 'subsunção dos fatos à norma', Nesses momentos podemos perceber com nitidez que o direito não é apenas um sistema de regras, mas uma prática social no bojo da qual o dever-ser e o ser se interpenetram. Embora seja assim, a esmagadora maioria dos contratos, para sorte dos agentes econômicos, nasce, se desenvolve e perece sem a presença de juristas"
5.13 Contratocomo instrumento e alocação de riscos
As contratações empresariais envolvem riscos, ou seja, a possibilidade de que, por razões previsíveis ou imprevisíveis, restem frustradas as expectativas que orientaram a conclusão do negócio. O risco é inevitável pois “contratar é prever”, de forma que “o contrato é um empreendimento sobre o futuro”.
Ainda que não seja possível evadir as possibilidades de perda, é possível, ao menos, alocá-las entre os agentes econômicos por força de lei, ou do contrato. Um exemplo dessa afirmação positivo é o artigo 492, caput do CC, que dispõe que até o momento da tradição, os riscos da coisa correm pelo vendedor, e os do preço por conta do comprador.
Em outros casos, as partes valem-se do contrato para disciplinar a forma de divisão dos riscos. Nessa medida, o contrato costuma ser uma distribuição recíproca de riscos.
Algumas estipulações normalmente apostas nos contratos internacionais de compra e venda de mercadorias (incoterms) não passam de fórmulas de distribuição das possibilidades de prejuízo. Por exemplo, na cláusula FOB, a responsabilidade do vendedor estende-se até o momento da colocação da mercadoria no navio; no caso de venda FAS, até que seja depositada ao lado do costado da embarcação.
Nos contratos internacionais, para responder às necessidades de readaptação do negócio em casos de superveniência imprevistas, desenvolveu-se a prática das hardships clauses. Trata-se, como salienta a doutrina especializada de estipulações que permitem a revisão do contrato nos casos da ocorrência de imprevistos que alterem substancialmente o equilíbrio original das obrigações das partes, mediante sua renegociação. São “cláusulas de adaptação”, visando impedir que o “endurecimento das condições” torne mais onerosa sua exceção, rompendo equilíbrio das prestações ajustadas.
5.14 Contrato e erro (jogada equivocada do agente econômico)
É a diferença entre as estratégias adotadas pelos agentes econômicos e entre os resultados obtidos (uns melhores e outros piores, de acordo com erros e acertos), que dá vida a um ambiente de competição.
A questão teórica que vem à mente é a explicação do erro, partindo da pressuposição de que os agentes atuariam, sempre, de forma racional, visando à obtenção de melhor resultado, como pregam alguns economistas.
É possível entender a relação entre escolha e erro dentro do sistema microeconômico a partir da lição de WILLlAMSON: a maioria das atividades econômicas é desenvolvida por empresas. Estas não são meras "curvas de custo e de demanda", indo além da "lógica do preço ótimo e da combinação de insumos". A empresa é um centro de tomada de decisões; há alocações de recursos que derivam da escolha do empresário, e não do comportamento dos preços. Não é em decorrência de uma alteração nos preços relativos que um trabalhador muda do departamento y para o departamento x, mas simplesmente porque alguém ordenou que ele agisse desse modo!
Podemos dizer que o erro é possível dentro do sistema porque não é o "infalível" mercado que determina as jogadas e sim a lógica do empresário. Dado o "estímulo" pelo meio, cada qual reagirá de uma maneira, embora possamos conceber todos como economicamente racionais. 
Essa verificação tem efeitos práticos relevantes para o direito. Se não considerarmos que uma empresa pode ter adotado uma estratégia equivocada, jamais entenderemos um prejuízo suportado por uma das partes na execução do negócio decorrente de sua "álea normal" [= não derivado de alterações contextuais imprevisíveis]. Nenhuma interpretação de um contrato empresarial será coerente e adequada se retirar o fator erro do sistema, neutralizando os prejuízos [ou lucros] que devem ser suportados pelos agentes econômicos, decorrentes de sua atuação no mercado. Regra geral, o sistema jurídico não pode obrigar alguém a não ter lucro [ou prejuízo]; apenas a agir conforme os parâmetros da boa-fé objetiva, levando em conta as regras, os princípios e as legítimas expectativas da outra parte [agir conforme o direito]. 
Não fosse dessa forma e o sistema jurídico [i] estaria cometendo equívoco metodológico bastante semelhante ao da análise da microeconomia clássica, porque anularia ou desconsideraria o necessário diferencial entre os agentes econômicos ou [ii] desestimularia as contratações.
No entanto: [i] a mesma lógica do direito comercial não pode e não deve ser aplicada, tal e qual, a relações jurídicas das quais participam terceiros que não empresários, e ainda que considerando relações entre empresários, é preciso coibir os abusos propiciados pela dependência econômica de um em relação ao outro, sob pena de consagrarmos igualdade meramente.
5.15 Oportunismo e vinculação
Mediante a celebração do contrato, a parte tende a buscar a vinculação do parceiro, entretanto, se lhe fosse permitido, preferiria permanecer livre para desvencilhar-se do negócio. Nesse contexto, o pact sunt servanda relevante para o funcionamento do sistema, por coibir o comportamento oportunista de quem abortaria o contrato.
5.16 Racionalidade limitada
No mundo real, as partes simplesmente não conseguem prever todas as contingências futuras no momento que se vinculam ao contrato. Por conta disso, afirmam os economistas que os agentes econômicos agem impelidos pela racionalidade limitada e não por uma racionalidade plena e onisciente – que existiria se tudo fosse perfeito.
Apesar das limitações a que estão sujeitos, os agentes econômicos buscam agir racionalmente. “Elas reconhecem que não são capazes de prever todas as coisas que podem vir a ser importantes (...) e elas sabem que não podem encontrar matematicamente a melhor solução para problemas difíceis. Elas podem agir de forma intencionalmente racional procurando fazer o melhor possível dadas as limitações sob as quais trabalham. E ela aprendem”.
5.17 Incompletude contratual
Discutiu-se no capítulo segundo a incompletude contratual. A doutrina especializada costuma apontar as seguintes causas dessa incompletude: a. Impossibilidade de previsão do futuro, b. improbabilidade do acontecimento de certos fatos, c. imprecisão da expressão do acordo.
Nesse contexto, algumas empresas costumam prever, no momento inicial da contratação, mecanismos que visam a pacificar futuras controvérsias.
5.18 Desvio de pontos controvertidos
A inexistência de previsão contratual sobre determinadas questões pode derivar do comportamento estratégico das partes que, visando à realização da transação, evitam enfrentar pontos controvertidos que poderiam ameaça-la. Deixam para a solução de alguns problemas para o futuro, até mesmo confiando no aumento do grau de dependência econômica que poderá ocorrer durante a relação.
5.19 Ambiente institucional
Os contratos devem ser considerados no ambiente que os circunda, condicionando-os. Não é possível desgarrar o negócio da realidade em que está inserto, tornando-o peça estéril de atribuições de obrigações desconexas da realidade.
O negócio jurídico é “o negócio e todas as suas circunstâncias”. As circunstâncias negociais consistem no “conjunto de circunstâncias que formam uma espécie de esquema ou padrão cultural, que entra a fazer parte do negócio e faz com que a declaração seja vista socialmente como dirigida à criação de efeitos jurídicos. As “circunstâncias negociais” são, pois, uma modelo cultura de atitude, o qual, em dado momento, em determinada sociedade, faz com que certos atos sejam vistos como dirigidos à produção de efeitos jurídicos”.
5.20 Tutela do crédito
O ordenamento jurídico ligado ao sistema de mercado há de prestar-se à defesa do crédito; a mecânica dos contratos empresariais deve incorpora-se a esse pressuposto. Um sistema jurídico que não tutela o crédito acaba por desestimular o fluxo de relações econômicas e comprometer o seu próprio funcionamento.
5.21 Egoísmo do agente econômico
No mundo empresarial ninguém cogita ou pode legitimamente imaginar que as empresas sejam altruístas. Atos de liberalidade são estranhos ao tráfico mercantil. Sem prejuízo da possibilidade ou probabilidadede cooperação, nos contratos empresariais é de se assumir que, se houver chance e for economicamente vantajoso, cada qual situará o seu escopo adiante daquele parceiro.
O egoísmo é válido no mundo empresarial pois aumenta o fluxo das relações econômicas (ex. Um player tentando superar outro beneficia a concorrência). De toda sorte o oportunismo pode ser desdobramento direto do egoísmo. A admissão de comportamentos oportunistas que não servem ao tráfico mercantil teria por efeito o aumento dos custos das transações, afinal, em um ambiente hostil, cada negócio requer que uma pare procure se proteger contra o comportamento inadequado da outra.
A análise da admissão ou vedação de um ou de outro deve ser no interesse geral do comércio.
5.22 Forma nos contratos empresariais
O tráfico mercantil não pode ser obstado por formalismos inúteis. Na área empresarial as formalidades prestam-se a lubrificar o fluxo de relações econômicas, aumentando a segurança e a previsibilidade dos agentes e não a fins insensatos, desconectados do mercado. As formalidades devem reduzis os custos de transação.
5.23 Contrato e informações
Não se espera que, no momento da vinculação, as empresas efetivamente disponham de todas as informações sobre o negócio ou sobre o contexto fático que o circunda. Ao contrário, o tráfico exige apenas que: I. a empresa tenha se esforçado razoavelmente para obter as informações sobre o negócio; I. as empresas não omitam informações relevantes à contraparte.
O ordenamento exige que o empresário empregue a diligência normal dos homens sensatos e prudentes para granjear as informações referentes à contratação. Não lhe é reclamado mais, pois isso aumentaria sobremaneira os custos da transação.
A prestação de informações à outra parte segue a mesma lógica: dentro dos padrões de boa-fé objetiva deve-se tomar a quantidade e qualidade de dados normalmente oferecidos em negociações semelhantes.
5.24 Informação e oportunismo 
Em determinados contratos mercantis, o interesse das partes não é coincidente porque uma delas necessita da colaboração da outra para desenvolver suas atividades de forma mais adequada e lucrativa. A empresa cuja colaboração se requer tende a situar seus escopos em primeiro lugar, o que pode prejudicar sua parceria comercial.
Essa situação, identificada no direito como um tipo de conflito de interesses, é bastante estudada pelos economistas, que a denominam “relação principal/agente”. 
Geralmente, apontam-se duas alternativas para solução desse problema: I. Concessão de incentivos para que o agente se comporte de acordo com os fins do principal; II. Obrigatoriedade de prestação, pelo agente, de informações sobre sua atividade e/ou o mercado.
5.25 Modificação do comportamento pós-contratual (moral hazard)
Por vezes, o estabelecimento do vínculo contratual instiga uma parte a modificar seu comportamento, prejudicando sua parceria comercial. Trata-se de “oportunismo pós-contratual”, denominado “risco moral” ou moral hazard. Ex. A empresa segurada que, depois da contratação do seguro, tende a não agir com a diligência de antes.
Nesse contexto, há imposição legal do dever de colaboração tencionando coibir o moral hazard.
5.26 Aumento da dependência econômica pelo contrato
Não é incomum que a conclusão do negócio demande investimentos específicos – denominados, pelos economistas, “investimentos idiossincráticos”. Por exemplo, a adaptação da linha de produção do fornecedor para satisfazer a necessidade específica de seu (futuro) parceiro comercial.
Os investimentos idiossincráticos e irrecuperáveis aumentam o grau de dependência de uma parte em relação à outra, impactam a dinâmica das relações contratuais e não podem ser desprezados pelos juristas.
Alguns contratos têm situação de dependência econômica como apanágio típico, sendo impossível à parte ignorá-la no momento da vinculação. Supõe-se que as empresas aderem voluntariamente a esses esquemas contratuais, ponderando previamente as consequências da diminuição de sua liberdade. Ex: contrato de franquia.
Disciplinado situações análogas, o novo Código Civil determinou que a denúncia dos contratos de longa duração não produzirá efeitos antes de recuperados os investimentos realizados.
5.27 “Mais vale um mau acordo do que uma boa demanda”
Os agentes econômicos têm ciência de que o caminho até a obtenção da decisão judicial ou arbitral costuma ser longo e custoso. Acabam preferindo meios “extralegais” para a solução do impasse. Essa situação pode até mesmo fomentar o comportamento oportunista do inadimplente, que usa em seu benefício os percalços típicos dos procedimentos exógenos de pacificação de controvérsias. Aquele que descumpriu o acordo tem ciência de que, diante dos custos da solução judicial ou arbitral, a parte inocente tende a adotar posição mais complacente durante as negociações.
5.28 Contraponto: institutos tradicionais do direito mercantil e criação de obrigações não expressamente desejadas pelas partes. Aviltamento da segurança jurídica? 
O novo impulso dado à utilização de institutos tradicionais do direito comercial reacende a discussão sobre a insegurança jurídica, na medida em que podem dar origem a deveres não expressamente contratados pelas partes. Por força de institutos como a boa-fé, o padrão do homem ativo e probo, a proteção da legítima expectativa etc, o agente econômico torna-se vinculado a comportamentos que não foram por ele explicitamente negociados.
No passado, os tribunais evitavam embasar as decisões declaradamente em conceitos fluidos como a boa-fé, por, dentre outras razões, pouca familiaridade com as disposições de conteúdo indeterminado e temor de se atribuir discricionariedade excessiva aos juízes. No campo da teoria geral do direito civil, para muitos autores, a inserção no negócio de cláusulas não expressamente desejadas e negociadas pode levar ao sacrifício da autonomia da vontade.
Nesse contexto, a contenda entre BETTI e STOLFI é ilustrativa: para BETTI, um dos resultados práticos de sua teoria é o reconhecimento de que a prática social é fonte de obrigação (e não exclusivamente a vontade individual); STOLFI, por outro lado, defende ser sempre necessário o consenso do homem para sua vinculação.
O debate, portanto, envolve também uma questão política: supremacia do individualismo, de um lado, e objetivação da vontade do sujeito, de outro, levando em conta o fator social, que vincula o agente por seu comportamento. Nessa perspectiva, “sobem ao primeiro plano os princípios da autorresponsabilidade do sujeito e da confiança dos outros sujeitos” [ORLANDO GOMES].
Ao comercialista interessa, mais do que a discussão entre objetivistas e voluntaristas sobre o negócio jurídico, o viés dessa contenda ligado à objetivação do comportamento pelo padrão de mercado e ao eventual aviltamento da segurança jurídica derivada de estipulações insertas nos negócios. A atribuição de força normativa às “dimensões implícitas” das negociações corrompe o bom fluxo de relações econômicas, aumentando os custos de transação?
As partes, ao contratar, trazem para seu negócio todas as regras cogentes existentes na legislação incidente sobre o contrato. Dispunha o revogado art. 133 do Código Comercial:
Art. 133 - Omitindo-se na redação do contrato cláusulas necessárias à sua execução, deverá presumir-se que as partes se sujeitaram ao que é de uso e prática em tais casos entre os comerciantes, no lugar da execução do contrato.
A incorporação dessas "dimensões" além do que foi expressamente deliberado é reconhecida pelo ordenamento. O mesmo raciocínio pode ser aplicado às chamadas "cláusulas gerais" como a boa-fé e o padrão do homem ativo e probo.
Embora sua compreensão seja fácil na teoria, há insegurança no momento de sua aplicação ao caso concreto, pois nem todos os mercados são como aqueles que inspiraram os doutrinadores, nos quais agentes econômicos que neles interagem têm certa ciência das regras costumeiras que devem ser respeitadas. 
No mundo contemporâneo, os costumes são vagos e muitas vezesvariam de lugar para lugar. Paradoxalmente, de um lado, institutos tradicionais levam ao aumento do grau de segurança jurídica por aceitar certas presunções; de outro, as regras que permitem essas mesmas assunções trariam o aumento do grau de insegurança porque, na realidade dos fatos, não se conseguiria determinar com razoável grau de precisão o comportamento esperado do agente. 
Contudo, no cômputo geral, os institutos tradicionais próprios do comércio historicamente prestam-se ao seu bom funcionamento, diminuindo os custos de transação e aumentando o grau de confiança do agente econômico. 
Ademais, considerando que a maioria dos contratos interempresariais é naturalmente incompleta, é cada vez mais difícil admitir seu desenvolvimento sem o recurso às cláusulas gerais. Elas permitem que as normas endógenas integrem o direito exógeno. Privilegiar o formalismo, portanto, seria condenar a ordem jurídica do mercado à perene desadaptação, comprometendo irremediavelmente o fluxo de relações econômicas.
Muito se lutou para a objetivação das expectativas de comportamento, substituindo a "dimensão individualista" da parte e de sua intenção pela "dimensão social" [BETTI]. O que não pode ser admitido, porque prejudicial ao sistema, é o subjetivismo do intérprete que confunde suas decisões com suas aspirações e com aquilo que entende ser "justiça social".
CAP 6 – Contratos de colaboração entre empresas
6.1 Os contratos empresariais: além dos contratos de intercâmbio e de sociedade 
Os contratos admitem classificação em duas categorias, delineadas por JHERING: [i] contratos de intercâmbio [spot] e [ii] contratos em que há "solidariedade de interesses", como as sociedades comerciais, em que as partes "têm o mesmo fim".
Neste capítulo serão estudados os negócios mercantis que se encontram entre essas duas categorias, que, por isso, vêm sendo denominados "híbridos" pela doutrina econômica. Não se trata de um novo tipo contratual, mas de uma categoria recente que busca seu lugar na teoria geral do direito. 
Os problemas dos contratos "de entremeio" derivam, principalmente, da ausência de respostas jurídicas a vários impasses que surgem durante sua execução. 
Muitas das questões aqui abordadas estão em aberto, e as conclusões que exsurgem visam mais a pôr em ordem e explicar o que ainda se tem por complicado. 
O primeiro polo: os contratos de intercâmbio 
Nos contratos de intercâmbio, o incremento da vantagem econômica de uma parte leva à diminuição do proveito da outra. Ex.: na compra e venda, quanto mais alto o preço obtido por Tício na venda de suas ovelhas a Caio, maior a vantagem de Tício em detrimento da de Caio. Os interesses das partes são contrapostos.
Outrora, as relações entre os agentes econômicos concretizavam-se em sua grande parte por meio de contratos de intercâmbio. A centralidade da operação de intercâmbio é confirmada a partir do segundo pós-guerra, em virtude da forte corrente doutrinária que enxergava no direito comercial um “direito chamado a reger operações em massa” (Garrigues), levando ao que NATALINO IRTl referiu, nos anos 90, como "notas de anônima repetitividade". 
A teoria que se produz, nesse contexto, preocupa-se quase que exclusivamente com contratos de intercâmbio e com a contraposição de interesses respectiva. É comum que obras jurídicas tratem somente dos negócios de troca, estabelecendo como traço característico do contrato a coparticipação de sujeitos com interesses econômicos contrapostos, sendo o contrato uma mera composição [ORLANDO GOMES].
6.3 O segundo polo: as sociedades mercantis
Não apenas de contratos de intercâmbio é feita a atividade empresarial. Os agentes econômicos sempre se socorreram das sociedades comerciais para efetivar associações ou cooperações com terceiros. 
O Código Comercial não definia a sociedade, levando os comercialistas a se socorrerem do art. 1.363 do Código Civil de 1916, que dispunha:
Art. 1.363. Celebram contrato de sociedade as pessoas, que mutualmente se obrigam a combinar seus esforços ou recursos, para lograr fins comuns.
A doutrina indica que caracterizariam as sociedades em geral: [i] fim comum; [ii] contribuições dos sócios e [iii] affectio societatis.
A reunião de esforços, portanto, sempre marcou as sociedades, bem assim a ideia de que os riscos, as áleas do empreendimento cabiam e seriam suportados por todos os sócios. O que realmente caracteriza a sociedade - porque apenas nela se encontra – é a repercussão direta sobre o patrimônio dos sócios pelas obrigações assumidas em nome da sociedade pelo representante desta [JOÃO EUNÁPIO BORGES].
6.3.1. A modelagem das sociedades conforme os interesses dos agentes econômicos
Quando da promulgação do Código Comercial, vários eram os tipos de sociedades: anónimas, em comandita por ações, em comandita simples, em conta de participação etc.
Cada tipo societário satisfazia as necessidades específicas dos agentes econômicos em suas associações, propiciando a composição de interesses em relação [i] à responsabilidade dos sócios pelas obrigações da sociedade e [ii] ao poder de cada um na condução dos negócios, de modo que seus tipos são considerados pelos agentes com base, principalmente, nessas duas variáveis. 
Com o passar do tempo, solidificaram-se os vetores que viabilizariam a acomodação dos interesses dos partícipes: [i] responsabilidade limitada, [ii] proporcionalidade entre o capital investido e o poder interna corporis dele decorrente e [iii] a consolidação do princípio majoritário. 
A opção dos agentes econômicos quanto à forma da associação será influenciada por esses atributos das sociedades comerciais – nos negócios híbridos, muitas vezes abre-se mão das soluções "tradicionais" oferecidas pelas sociedades mercantis, trocando, de certa forma, a segurança oferecida pelos tipos societários pela preservação de maior mobilidade de atuação no mercado.
6.3.2 Sociedades mercantis e a construção da responsabilidade limitada
Um dos principais incentivos proporcionados pelas sociedades toca à separação patrimonial e à responsabilidade limitada dos sócios, diretamente relacionada à circunscrição do risco a ser incorrido pelo empreendedor. 
MAX WEBER aponta que a responsabilidade limitada estava presente em tipos societários medievais. Na commenda ou societas maris, voltada às expedições comerciais marítimas, havia divisão do risco entre o sócio comanditário, o viajante ilimitadamente responsável, e o sócio capitalista, com responsabilidade limitada ao capital aportado. A sociedade comandita, por sua vez, seguia os mesmos princípios da commenda, mas não se referia apenas a expedições marítimas e não costumava ficar restrita à única operação. 
Note-se, contudo, que em todos esses tipos apenas parte dos sócios tem sua responsabilidade limitada; somente a eles é dada a concessão da limitação do risco.
 No início do século XVII, a construção das sociedades anônimas responde à necessidade da mobilização de grandes capitais e da responsabilidade limitada de todos aqueles que aportam recursos ao empreendimento, para que se viabilizasse a exploração do Novo Mundo. Assim, uma das principais características das sociedades anônimas, encontrada nas Companhias das Índias, vai ao encontro das necessidades econômicas daquela época: a responsabilidade é plenamente limitada entre os acionistas, que respondem apenas pelo valor das ações subscritas.
No século XIX, com o nascimento e a afirmação das companhias ferroviárias, as sociedades anônimas tornam-se mais comuns, prestando-se à mobilização de capitais para o desenvolvimento industrial.
No quadro brasileiro, o Código de 1850 previa apenas um tipo de sociedade em que todos os sócios eximiam-se da responsabilidade pelas obrigações sociais: a sociedade anônima, que exigia autorização governamental para funcionamento.
As sociedades limitadas, criadas no início do século XX, vieram a permitir que empreendimentos de menor porte gozassem do privilégio da total limitação dos riscos pelos partícipes. 
6.3.3 Sociedades mercantise a construção do princípio majoritário
Uma das principais questões referentes às associações toca à sua forma de gestão. Havendo divergência quanto aos rumos do empreendimento comum, qual solução será adotada? A quem pertence o direito de decisão?
Nas sociedades comerciais, a evolução jurídica encontrou solução razoável para esse problema, consolidando o princípio majoritário. 
O Código Comercial de 1850 apartava as sociedades em dois grandes grupos: as "companhias de comércio ou sociedades anônimas" e as "sociedades comerciais". Uma das diferenças centrais era que as primeiras não eram passíveis de dissolução pela vontade de apenas um de seus participantes. Nas demais, um único sócio, mesmo minoritário, poderia finalizá-lo, nos termos do art. 335, 5:
Art. 335 - As sociedades reputam-se dissolvidas: [...]
5 - Por vontade de um dos sócios, sendo a sociedade celebrada por tempo indeterminado.
Diz-se que esse dispositivo, inspirado na Codificação Napoleônica, tem sua origem no direito romano, segundo o qual a quebra do liame entre os sócios determinava a dissolução da sociedade, libertando o sócio de seus compromissos sociais, considerando a responsabilidade ilimitada a que estava sujeito.
Atribuía-se, assim, grande poder à vontade individual do participante, que poderia pôr fim ao empreendimento ao discordar de sua condução. 
Esse espírito individualista e contratualista influenciou a interpretação do Decreto 3.708, de 1919, que introduziu as sociedades limitadas entre nós.
Para evitar a extinção da sociedade com base no art. 335, V, do Código Comercial, a jurisprudência criou a dissolução parcial, autorizando a retirada do sócio com o prosseguimento da sociedade.
O fundamento foi o da autonomia da vontade: o princípio geral corporificado no art. 335, V, do Código Comercial estaria sujeito ao critério superior da relatividade, podendo ceder à vontade contrária dos contratantes. Assim, a dissolução seria total, a menos que as partes houvessem disposto de forma diversa no contrato social.
Outro movimento importante refere-se à alteração do contrato social por sócios representando a maioria do capital, dispensando o consenso. 
Antes, doutrina e jurisprudência entendiam que a alteração seria impossível sem a autorização unânime de todos os participantes. Os altos interesses econômicos e sociais, no entanto, provocaram uma reação contra o excessivo individualismo herdado do direito romano, surgindo o princípio preservativo.
Passou-se, paulatinamente, a adotar a diretriz de que, para o arquivamento da alteração do contrato social, por deliberação da maioria dos sócios, não é necessária a assinatura do sócio dissidente (STJ, REsp 26.950-0/DF, j. 08.11.1993).
Firmam-se as seguintes linhas condutoras da disciplina das sociedades limitadas:
[i] é possível governá-las conforme os desígnios da maioria do capital, sem que paire sobre a empresa a ameaça de dissolução total; e 
[ii] é possível modificar o contrato social mesmo na falta de unanimidade entre os sócios.
As sociedades anônimas brasileiras, em seus primórdios, não consagravam o princípio da proporcionalidade entre o direito de voto e o capital investido, ou seja, não se acolhia a máxima "uma ação, um voto". Assim, somente os grandes participantes do capital da companhia decidiam seus destinos. 
A partir do Decreto-lei 2.627, passou-se a basear a tomada de decisões no princípio majoritário. Hoje, a distribuição do poder nas sociedades anônimas – inclusive com a atribuição de direitos aos acionistas minoritários – é regulada pela Lei 6.404, de 1976, propiciando elevado grau de segurança jurídica. 
Atualmente, a questão da governança das sociedades comerciais não gera maiores questionamentos. Tanto nas sociedades anônimas, quanto nas limitadas, a disciplina do poder decisório encontra-se consolidada tanto no Código Civil [sociedades limitadas] quanto na Lei 6.404/1976 [sociedades anônimas]. 
6.4 Os contratos de colaboração não societários. A produção de novos contratos pela praxe
 Na segunda metade do século XX, a forma de fazer negócios alterou-se; contemporaneamente, o desenrolar da atividade de cada empresa liga-se cada vez mais à sua colaboração com outras. 
As empresas passaram a se valer intensamente de "formas híbridas", despregadas das fórmulas tradicionais. Os empresários, em sua prática diária, trazem à luz contratos que pressupõem esforços conjugados, mas em que as partes, patrimonialmente autônomas, mantêm áleas distintas, embora interdependentes. Nem sociedade, nem intercâmbio, mas uma categoria que se situa entre esses dois polos. 
Por exemplo, tomemos um fabricante estrangeiro de artefatos de couro que almeja vender seus produtos no Brasil. A constituição de filial ou de sociedade controlada se mostra pouco eficiente, de modo que esse agente econômico opta pela celebração de contrato de distribuição com empresa brasileira. 
Uma das primeiras preocupações é a imagem de sua marca, com o controle da atividade da parceira, conforme padrão mundialmente adotado. Dessa necessidade, nascerá um feixe específico de obrigações contratuais. A empresa brasileira, sempre seguida de perto pela estrangeira, providenciará a estratégia de mercado, a abertura de lojas, treinamento de pessoal e assim por diante. 
No contrato de distribuição, acorda-se que o fornecedor venderá por mês ao distribuidor a bolsa modelo D pelo valor de R$ 2.000,00; o preço ao consumidor final será sugerido pelo fabricante. Claramente, as atividades e as áleas da fornecedora e da distribuidora são interdependentes: quanto maiores as vendas ao consumidor final, maiores os proveitos para ambas. No entanto, manter-se-ão apartados seus custos, fontes de receitas, patrimônios e obrigações, de modo que as áleas, os lucros e os prejuízos de ambas são interdependentes, mas não comuns. Reconhece-se a força do elemento de intercâmbio.
Seguindo o exemplo, supomos que, por força da concorrência nesse nicho de mercado, as bolsas não possam ser oferecidas aos consumidores finais por valor superior a R$ 4.000,00. A fornecedora procurará vender a bolsa à distribuidora pelo maior valor possível; à brasileira interessará o preço baixo. Nessa situação, não bastaria às partes um contrato de intercâmbio, nem lhes seria conveniente a constituição de sociedade, que comprometeria sua autonomia patrimonial e de negócios com terceiros.
Assim, os contratos de colaboração surgem da necessidade de evitar os inconvenientes que adviriam da celebração de uma extensa série de contratos de intercâmbio desconectados [custos de transação] e da fuga da rigidez típica dos esquemas societários [ou hierárquicos]. 
Quanto mais próximo o contrato híbrido estiver daquele de intercâmbio, maior o grau de independência das partes e menor a colaboração entre elas. Ao nos deslocamos paulatinamente na direção das sociedades, maior será o grau de estabilidade do vínculo e da colaboração. 
6.5 Principais características dos contratos de colaboração
Há pouca doutrina a respeito dos contratos de colaboração, com referências esparsas normalmente ligadas aos contratos de longa duração ou aos contratos-quadro, referidos pela doutrina francesa. 
Atualmente, reconhecida sua importância, procura-se identificar as razões da celebração e os traços caracterizadores dos contratos associativos não societários: contratos de associação, de colaboração ou colaborativos. 
Os contratos colaborativos, devido a seu aspecto associativo, tendem a se estender no tempo, não se destinando ao esgotamento imediato, como ocorre nos contratos de intercâmbio. Costumam, assim, ser celebrados por prazo indeterminado.
Neles, busca-se mais a disciplina de questões futuras. O negócio não visa a estabelecer apenas regras sobre trocas, mas balizar a relação entre as partes. No instrumento do contrato empregam-se termos amplos, sem significado claramente definido no momento da celebração. As áleas das partes são interdependentes, mas não comuns. 
6.6 A lógica própria aos contratos de colaboração: por que cooperar? 
Os economistasobservaram que, em determinadas situações, as partes tendem a adotar comportamento colaborativo, mostrando-se dispostas a solucionar divergências e a evitar o rompimento contratual. 
O estudo dos contratos colaborativos deve necessariamente considerar os motivos que levam à não adoção do comportamento oportunista. O primeiro desses fatores liga-se à dependência recíproca derivada de investimentos específicos [idiossincráticos] e relevantes feitos por ambas as partes para a realização do contrato – e que não poderão ser alocados para outro negócio [sunk costs], de modo que a atitude colaborativa torna-se mais benéfica para as partes.
O comprometimento [commitment] pode ser útil para o sucesso do negócio na medida em que influencia favoravelmente a expectativa de uma parte sobre o comportamento de sua parceira. 
Outra situação em que o oportunismo costuma ser abrandado relaciona-se à "sombra do futuro". Nos contratos de longa duração, o comportamento oportunista pode quebrar a confiança entre elas e, assim, gerar perdas futuras. Assim, há uma "expectativa de reciprocidade" ou de "iteração contínua", na qual a cooperação é mantida porque cada empresa compara o ganho imediato do comportamento oportunista com as possíveis perdas causadas pela deslealdade, encorajando estratégias de reciprocidade.
Decorre daí a afirmação de que a quantidade e a qualidade das informações disponíveis sobre as partes podem incentivar a colaboração. Normalmente observamos comportamento cooperativo quando os indivíduos interagem repetidamente, possuem boa quantidade de informações sobre a outra parte, e há um reduzido número de envolvidos.
Por fim, em mercados nos quais a reputação assume relevância, a estratégia colaborativa pode significar ganhos futuros. Tal como ocorre no caso de "sombra do futuro", o agente econômico calculará as perdas econômicas que o dano à sua imagem poderá trazer para outros negócios que realizará. 
6.7 A visão dos economistas sobre os contratos de colaboração: as formas híbridas
Os estudos dos economistas nos últimos anos revelam-se de singular utilidade para os juristas, pois auxiliam a compreensão e a sistematização da realidade relativa aos contratos de colaboração.
Vimos que, para as empresas, a satisfação de necessidades econômicas pode se dar [i] pela compra do bem de que necessita ou [ii] pela organização dos fatores de produção para, como resultado, obter o mesmo bem. 
A primeira "forma de governança" é denominada "de mercado"; a segunda, "hierárquica", pois nela a organização dos fatores de produção goza dos benefícios decorrentes da existência de hierarquia, de comando.
Do ponto de vista jurídico, essa classificação [mercado/hierarquia] equivale à linha hipotética que tem em um de seus extremos os contratos de intercâmbio e, no outro, os de sociedade. A solução "de mercado" corresponde à celebração de contrato de intercâmbio; por sua vez, a solução "hierárquica" significa a constituição de sociedade. 
A adaptação dos negócios ao longo do tempo é um dos principais problemas das organizações. A linguagem econômica trata a adaptação como a capacidade de lidar com distúrbios que continuamente surgem entre os agentes que a integram ao longo do tempo.
Valendo-se de terminologia jurídica, a examinadora diria que, diante de novas circunstâncias fáticas, é possível a desestabilização da disciplina do negócio jurídico, ou mesmo sua inadequação ou insuficiência, de modo que essa adaptação ao longo do tempo requer tratamento jurídico. 
Ao adotar a solução "de mercado" [i.e., adquirir de terceiro o bem de que necessita], a empresa tem grande liberdade para contratar, assim como para modificar sua estratégia com relativa rapidez.
Nas formas hierárquicas ["societárias"], essa liberdade de atuação fica arrefecida, dificultando sua implementação. Mas, de outra parte, a solução hierárquica apresenta vantagens decorrentes da possibilidade de comando da organização da atividade produtiva. A integração vertical, por exemplo, possibilitaria a uma rede de restaurantes o controle direto da qualidade da carne, além da garantia do fornecimento nas entressafras. 
Assim, as formas híbridas, oferecem maior possibilidade de controle da organização do que a solução de mercado e são mais maleáveis do que a solução hierárquica. O grau de autonomia das partes nas formas híbridas é mais acentuado do que nos modelos hierárquicos, mas inferior ao da solução de mercado.
6.8 A tomada de decisão nos contratos de colaboração
A tomada de decisões nas sociedades tende a ser menos árdua e custosa do que nos contratos. Em geral, é mais simples resolver problemas entre sócios do que entre contratantes, pois a disciplina legal da sociedade regula de forma mais segura a solução de eventuais impasses. Já o princípio do pacta sunt servanda indica que, entre contratantes, a parte não pode ser obrigada a aceitar outros termos para o negócio, o que torna o consenso obrigatório. 
Nos contratos de intercâmbio inexistem problemas quanto à distribuição dos poderes de decisão, pois as partes mantêm absoluta autonomia.
Já em relação às sociedades comerciais as soluções estão legalmente previstas, como apontado. 
Mas, no caso dos híbridos, como solucionar questões referentes à adaptação a novos contextos, como a distribuição? Como distribuir o poder de decisão?
Em suma, cada forma de governança possui lógica própria, que há de ser considerada na formatação de sua disciplina jurídica. Os contratos de colaboração não podem ser disciplinados como se fossem meros intercâmbios e nem receber o tratamento reservado às sociedades. 
Uma alternativa para o impasse seria a disciplina contratual das contingências, estabelecendo-se de antemão a decisão que ambas as partes estariam obrigadas a aceitar. Mas a eficácia desse mecanismo é limitada, pois, em sua maioria, os contratos de colaboração são, como veremos, naturalmente incompletos.
6.9 A incompletude inerente aos contratos de colaboração
Os contratos de colaboração tendem a não prever a disciplina de todos os problemas que podem ser enfrentados pelas partes durante o negócio. Por isso, muitos contratos, especialmente os complexos, são natural e inexoravelmente incompletos. 
As empresas assumem a incompletude natural dos contratos de associação como risco contra o qual se protegem na medida do possível e do que economicamente razoável. 
Por essas razões, o contrato de colaboração normalmente buscará: 
[i] a possibilidade de adaptação eficiente às novas necessidades e às circunstâncias futuras; 
[ii] restringir as chances de inadimplemento; as partes sabem que o processo de execução contratual costuma ser lento e penoso, além de normalmente não garantir compensação adequada aos prejuízos causados pelo descumprimento da avença; 
[iii] gerir da melhor forma possível o risco do oportunismo contratual, especialmente na presença de investimentos idiossincráticos; 
[iv] acordar mecanismos de gestão de eventos extraordinários que afetem a economia contratual.
6.10 Questões dogmáticas em aberto: inadimplemento nos contratos de colaboração e culpa recíproca
Somente agora a doutrina começa a cogitar da solução para um dos problemas mais comuns da prática dos contratos associativos: as situações de inadimplemento recíproco.
A doutrina tradicional oferece solução apenas para o inadimplemento singular: a parte que não cumpriu sua obrigação não pode pleitear o adimplemento da do outro [cf. art. 476 do Código Civil]. 
Atualmente, a resposta ao problema do inadimplemento recíproco deve ser buscada nos vértices gerais do sistema de direito comercial, tais como: 
[a] vedação do enriquecimento sem causa;
[b] respeito à boa-fé objetiva;
[c] proteção da legítima expectativa da outra parte;
[d] usos e costumes; 
[e] vedação de aproveitamento ela própria torpeza, de modo que nenhuma das partes pode tirar benefícios de sua culpa. 
6.11. Segue: adimplemento suficiente
Nos negócios de colaboração, muitas vezes a parte cumpre sua obrigação, mas não o faz exatamente da forma contratada.Nessas hipóteses, a solução tradicional aponta para a possibilidade de denúncia pela parte "inocente", nos termos do art. 475 do Código Civil.
Entretanto, a autorização à denúncia pode não se mostrar a solução mais adequada, ainda mais quando o interesse do credor mostrar-se em grande parte satisfeito, apesar da falta na prestação. A resposta deve ser buscada nos princípios gerais de funcionamento do tráfico mercantil, especialmente na boa-fé objetiva. 
Na lição de Ruy ROSADO DE AGUIAR: 
"A extinção do contrato por inadimplemento do devedor somente se justifica quando a mora causa ao credor dano de tal envergadura que não lhe interessa mais o recebimento da prestação devida, pois a economia do contrato está afetada. [...] Usar do inadimplemento parcial e de importância reduzida na economia do contrato para resolver o negócio significa ofensa ao princípio do adimplemento substancial, admitido do Direito e consagrado pela Convenção de Viena de 1980, que regula o comércio internacional. No Brasil, impõe-se como uma exigência da boa-fé objetiva"
Cumpre dar especial relevo a essa última observação do autor: a denúncia contratual por questões marginais anda contra a boa-fé, de forma que há de ser afastada a solução tradicional no caso do chamado "adimplemento suficiente”.
É preciso reconhecer que contratos complexos são naturalmente incompletos; seu tratamento jurídico há de ser feito de maneira a azeitar o fluxo de relações econômicas no mercado. O contrato de colaboração, acima de tudo, é uma estrutura econômica e jurídica capaz de gerar riquezas.
CAP 7 – Interpretação dos negócios empresariais
MERCADO, CAUSA E FUNÇÃO ECONÔMICA DOS NEGÓCIOS. RACIONALIDADE ECONÔMICA X RACIONALIDADE JURÍDICA
7.1 A herança da escola exegética e o desprezo pela interpretação.
Não é dada muita importância à interpretação dos negócios empresariais, como se a letra do instrumento bastasse por si só.
Umas das possíveis explicações seja o movimento tradicional que relegau a interpretação ao segundo plano sob pretexto de obtenção de maior grau de segurança e de previsibilidade jurídicas 
A interpretação só seria necessária para expor o verdadeiro sentido de uma lei obscura em sua redação ou duvidosa em relação aos fatos ou silenciosa.
Gerações influenciadas por Paula Baptista seguem ainda as seguintes premissas: 
a) a interpretação deve limitar-se aos casos acidentais de obscuridade nas leis.
b) o primeiro dos meios de interpretação e o exame da construção do texto segundo as regras da ortografia, da sintaxe e “do que mais que respeita à pureza da linguagem”.
c) em nenhum caso é permitido negar a execução ou alterar sentido de uma lei clara por ser a sua letra rigorosa, dura e desarrazoada, e não se lhe pode atribuir um motivo justo e razoável, porquanto a ignorância dos verdadeiros motivos da lei não fá-la decair de sua força e autoridade e, por muito que o intérprete presuma de si, deverá convencer-se de que, neste caso, a falta é antes sua do que do legislador.
d) fica subentendido que, quando a disposição da lei é clara é ilimitada se não devem fazer distinções arbitrárias, que enervem o seu sentido, e destruam a sua generalidade.
Ainda nesse cenário de ostracismo da interpretação, só recentemente percebemos que o regramento jurídico talhado para contratos de intercâmbio (com prestação e contraprestação destinadas a exaurir-se no momento do adimplemento) não basta à disciplina dos contratos de longa duração.
As discussões jurídicas sobre negócios mercantis e sua interpretação gravitam quase sempre em torno dos problemas derivados dos contratos em que o lucro de uma parte significa o prejuízo da outra.
Não há muitos trabalhos sobre interpretação dos contratos empresariais.
No mundo do direito não há uma única interpretação correta e, dessa forma, carrega consigo insegurança, escancarando fragilidade que, muitas vezes, não se quer ver reconhecida.
Mas isso não deveria deixar a interpretação no ostracismo, pois a dogmática deve buscar a coerência sistêmica da interpretação, não permitindo que o momento da interpretação do contrato seja um “vale tudo” que abra espaço a um pragmatismo caótico ou ao arbítrio do julgador. Aquele que julga não está autorizado a transformas o contrato em algo diferente do que as empresas acordaram.
7.2 As regras que formatam a atuação das empresas nos contratos. Regras endógenas e exógenas. Prática de mercado e interpretação dos contatos empresariais.
O substrato do sistema de direito comercial é composto por dois tipos de normas:
i- aquelas originadas dos próprios comerciantes em sua prática e que viabilizam a fluência de relações no mercado; e
ii - aquelas nascidas de autoridade exógenas aos comerciantes.
A dicotomia entre essas normas é historicamente comprovada.
O fato primordial é que sempre, desde o nascimento, a disciplina comercial assumiu esse duplo aspecto: de uma lado temos as normas esculpidas pelos comerciantes e de outro as normas que procuram proteger interesses além daqueles dos mercadores, dos comerciantes, das empresas, subjugando o determinismo econômico.
Muitas das normas advindas da prática comercial acabam positivadas em textos normativos emanados do poder político.
Deve ser notar que as contratações comerciais obedecem à lógica da função econômica que estão destinadas a desempenhar.
O texto do contrato empresarial é fruto de uma práxis. E essa qualidade de ser impregnada da pratica de mercado trouxe consequências teóricas relevantes:
a) a causa do negócio no direito comercial assume importância, porque permite a objetivação do comportamento do comerciante no mercado e, com isso a possibilidade de seu cálculo pelo outro. A atenção à causa do negócio acaba ligando à proteção da legítima expectativa da outra parte, boa-fé objetiva.
b) a racionalidade econômica do empresário sempre foi considerada pelo direito comercial e pela jurisprudência. A previsão do standard do homem “ativo e probo” nada mais é senão a assunção de uma racionalidade própria aos empresários como um padrão interpretativo.
c) a proteção da eficiência das decisões empresariais é outra fonte em que há muito se fartam os interpretes autênticos e o ordenamento jurídico.
Chega-se a conclusão: a racionalidade do agente econômico e a busca da eficiência do sistema são fatores de que o direto comercial necessita para assegurar o funcionamento adequado do mercado e sua preservação. Sua consideração enquanto elemento jurídico passa pela interpretação das avença, dos direitos e das obrigações comerciais, reanimando conceitos clássicos como boa-fé, proteção da legítima expectativa da outra parte e dando novo fôlego à teoria da causa do negócio jurídico.
7.3 Ainda sobre as peculiaridades da interpretação dos contratos empresariais. Princípios jurídicos próprios ao direito comercial e formatação do mercado
Um ramo autônomo do direito é regido por princípios peculiares; o elemento de distinção é a peculiaridade de seus princípios jurídicos.
A moderna teoria da interpretação ensina que os princípios embasam as regras e lhes são hierarquicamente superiores.
O direito comercial tem fundamentos próprios, mesmo diante de um código obrigacional único com o código civil. Para Fabio Konde Comparato a unificação não implica, apenas, eliminar “duplicidade de normas legais, referente a algumas obrigações privadas” Trata-se de admitir que ambos os sistemas estariam submetidos a idênticos princípios. Todavia, o direito comercial não foi sepultado, porque continua existindo, vigoroso, com seus princípios peculiares e, assim, os contratos comerciais obedecem à lógica diversa daqueles civis ou consumerista, o que influencia sua interpretação.
7.4 Causa e motivo: a necessidade de uma ótica de mercado. A importância da função econômica.
No estudo jurídico dos tipos contratuais, costuma-se desprezar a motivação que levou o agente a celebrar o acordo, porque tradicionalmente o direito segue o principio da irrelevância dos motivos.
A doutrina distingue os motivos da causa da avença. Nas palavras deSerpa Lopes, o motivo liga-se ao passado enquanto que a causa age como elemento integrante do acordo de vontades, ligado ao futuro.
Para Junqueira os motivos, mesmo aqueles determinantes, são, em tese, irrelevantes para o direito. Podendo-se falar em um “principio geral da irrelevância dos motivos”.
No entanto, hoje muitos autores refutam a separação absoluta entre causa e motivo.
Deixando as disputas doutrinárias à parte, é importante observar que os motivos, enquanto permanecem no íntimo do agente e não são objetivados, realmente não assumem maior relevância jurídica, ao menos no campo do direito comercial, uma vez que isso nos levaria a nível insuportável de insegurança e de imprevisibilidade.
Contudo, muitos “motivos” são “objetivos” porque, no mercado todos os agentes econômicos ativos e probos costumam levar em conta certos motivos para realizarem determinados negócios. O motivo acaba relacionando-se intrinsecamente à causa (função econômica ou para alguns autores, fundamento econômico do contrato). Por isso, muitos italianos modernos têm-se voltado contra o dogma da separação entre causa e motivo.
Orlando Gomes nos conduz pelo resumo da disputa entre teóricos que, tratando da teoria da causa, identifica duas escolas principais: 
1- Causalistas – Dividem-se em adeptos da teoria subjetiva da causa (seria a razão determinante da vontade de contratar)e da teoria objetiva (lidam com a significação social do negócio e sua função, com a causa liberada do seu viés psicológico)
2- Não causalistas. – não atribuem à causa o papel de requisito essencial do negócio jurídico.
Para fins da intepretação dos contratos, a função que nos interessa é a de compreender como a causa do negócio pode pautar a sua interpretação, de acordo com a lógica dos sistemas de direito comercial.
O desprezo do estudo da causa do negócio não se justifica no direito comercial, na medida em que a função econômica do ato mercantil acaba delineando sua análise jurídica, quer no aspecto interno do contrato (relação à relação jurídica entre os contratantes), quer em seu aspecto externo (efeitos da avença sobre a concorrência).
A causa pode servir como elemento da integração contratual, principalmente quando tratamos de contratos atípicos. Nesses contratos, é razoável que o intérprete valha-se da motivação (intento objetivo) dos agentes ao celebrar a avença para, diante de eventual lacuna, definir as normas integrativas ou a correta interpretação contratual.
7.5 Causa como vetor da interpretação contratual. Novamente a função econômica do negócio
Já estamos aptos a perceber que, hoje, quando referimos à motivação (intento) do agente (relacionada à racionalidade de sua conduta e à objetivação do mercado) e à causa do negócio, abandonamos o caráter subjetivo de sua intenção. Estamos tratando, no mínimo, da “intenção comum” das partes, a que se refere Pothier ou, valendo-se das lições de Scognamiglio, da “justificação objetiva do ato de autonomia privada em contraprosição às razões subjetivas que o motivaram”.
Não se trata de dar relevo a considerações personalíssimas ou contingentes, que o direito deixa exaurir no campo da subjetividade do agente, mas de levar em conta o comportamento esperado de um empresário ativo, probo e, principalmente, racional, interagindo com outro no mercado. A intenção do agente econômico, na moderna teoria jurídica do direito comercial, deixa de ser um elemento endógeno para tornar-se exógeno.
Na década de 40, Betti difunde a visão de que a causa tem a ver com a função que o negócio assume socialmente e não com as motivações internas do agente (visão bastante aceita nos nossos tribunais). A causa deve ser entendida como objetiva, porque reflexa de um padrão de constância e normalidade. Um dos aspectos mais interessantes dessa noção de Betti é o papel fundamental desempenhado pela causa contratual: a causa assume relevância porque socialmente típica, constante e normal.
A moderna doutrina italiana empreendeu uma útil sistematização da noção de causa. A causa assumiria hoje diversos papeis:
a) atribuir fundamento e relevância jurídica ao contrato;
b) ser critério de interpretação do contrato;
c) ser elemento de qualificação; e 
d) ser critério de adaptação – para os casos de necessidade de adequação da avença em virtude de um novo contexto que abale o programa econômico das partes.
A causa do negócio é indispensável à sua correta compreensão, sistematização e interpretação e não tem ligação com os motivos subjetivos ou egoísticos que levaram o agente à sua prática. Ao contrário, a causa coliga o negócio ao mercado, à praça onde nasce, desenvolve-se e se exaure, permitindo o cálculo do comportamento da outra parte.
De acordo com a sistematização de Bulgarelli, a teoria objetiva conceitua a causa por três formas diversas:
1- como função econômica-social do contrato;
2- como resultado jurídico objetivo que os contratantes pretendem ao concluir o contrato;
3- como a razão determinante que impulsiona as partes à celebração do contrato.
7.6 A racionalidade jurídica do direito comercial e a interpretação dos contratos. Segurança e previsibilidade.
Há inegavelmente uma racionalidade própria ao direito empresarial. Para que diminua a insegurança e a imprevisibilidade é preciso que o direito dê guarida ao comportamento legitimamente esperado de um comerciante ativo e probo.
Para Natalino Irti podemos utilizar a função econômica do negócio como pauta para sua interpretação porque revestia a interpretação contratual de juízo de coerência e previsibilidade.
Para Irti o mercado é uma ordem, no sentido de regularidade e previsibilidade de agir. Quem entra no mercado tem consciência de que o seu agir é governado por regras e, nessa medida, os comportamentos são previsíveis. A regularidade, a reiteração de certos comportamentos, permite um cálculo sobre o futuro.
A regularidade implica a superação da individualidade. As partes sabem que, estabelecido o vínculo de acordo, as vontades devem orientar-se segundo um princípio geral, mais forte e constante do que os mutáveis interesses individuais.
Ao contratar, uma parte tem a legítima expectativa de que a outra comportar-se-á de determinada forma.
De acordo com Max Weber, um dos significados e pressupostos do capitalismo moderno é a “calculable Law”. A forma capitalista de organização industrial – porque racional- deve depender de processo decisório, decisão e administração calculáveis, previsíveis. Deve-se saber de antemão “quais os comportamentos a adotar e quais os efeitos que tais comportamentos podem provocar”.
Mas deve se notar que o direito não retira do agente econômico a opção fática de transgredi-lo.
A racionalidade jurídica está relacionada à econômica na medida em que o direito parte do comportamento a ser disciplinado. Podemos dizer que um sistema jurídico é eficiente quando consegue conforma número tal de comportamentos que garanta a fluência das relações de mercado.
Embora não possa alterar a “lógica” econômica, fazendo com que o empresário transforme-se naquilo que não é, toca ao direito traçar os limites da licitude da sua atuação, determinando os atos desejados e acolhidos pelo sistema jurídico e aqueles que são considerados ilícitos e repelidos.
O apnágio da racionalidade jurídica significa a possibilidade de cálculo do resultado, considerando-se aqui em cálculo ou previsibilidade e não em certeza.
7.7 Racionalidade econômica e racionalidade jurídica
W. Sombart pondera que o capitalismo tem como princípios econômicos dominantes o ganho e a racionalidade. O ganho porque o escopo imediato da atividade econômica é o aumento de uma quantia inicial de dinheiro e a racionalidade é o esforço de orientar o quanto possível todas as atividades segundo um princípio de finalidade.
A teoria econômica predominante nos dias atuais parte do chamado “individualismo metodológico,”, ou seja, de que o comportamento econômico global é agregação da tomada de decisões individuais.
Muitos autores procuram mostrar que a racionalidade dos agentesnão se baseia apenas nos ganhos para o próprio individuo, que existem outros objetivos levados em consideração. A racionalidade não está relacionada apenas ao objetivo de lucro, mas à eficiência, conforme os escopos pessoais a que cada um se propõe.
Numa visão neoinstitucionalista da economia, esposada por autores da linha de Williamson e Douglas North, há proposta de que o individualismo metodológico deve ser temperado pelas instituições, ou seja, pelas regras do jogo.
Pode-se dizer que, atualmente, para os economistas, a racionalidade do agente econômico está ligada a um comportamento que visa à “maximização do seu proveito ou do seu lucro”.
A racionalidade jurídica – que deve necessariamente informar a atividade de interpretação contratual – é diversa da econômica, embora ambas tenham pontos em comum e seja útil sua consideração recíproca. Para o sistema jurídico, a única racionalidade do agente econômico que pode ser levada em conta é aquela que é condicionada pelo direito.
Qualquer agente econômico “ativo e probo” considera o direito na planificação de suas jogadas, para plasmar a estratégia com que atuará no mercado.
Pelas lições de Weber, o processo racional de produção das normas ou dos textos normativos é o governado por regras gerias. Uma lei é racional quando, tanto do ângulo material quanto do processual, considera apenas os aspectos não ambíguos dos fatos. 
Essa racionalidade poder ser formal ou substancial. Será formal pode ser percebida pelos sentidos, por exemplo aposição de uma assinatura, pressupondo que o signatário conhecia o seu teor e com ele estava de acordo. 
Já a racionalidade em sua dimensão lógica substantiva ou material se expressa pelo uso de conceitos abstratos, os aspectos fáticos relevantes para o direito são selecionados mediante um processo de análise lógica, conforme a previsão de regras gerais. A generalização e sistematização integram a racionalidade jurídica.
A racionalidade (lógica e formal) típica de alguns sistemas jurídicos é resultado dos seguintes fatores:
i) cada decisão tomada em determinado caso concreto é a aplicação de uma regra abstrata a uma situação fática;
ii) cada situação fática concreta terá uma solução conforme a lógica das regras abstratas do direito positivo;
iii) o direito positivo é um sistema sem falhas, apto a dar solução para todos os casos concretos.
No sistema weberiano, tem grande relevância a crença do agente na produção de certo resultado.
A separação entre racionalidade econômica e racionalidade jurídica vai se delineando de forma mais evidente: a economia lida com as possíveis escolhas do agente econômico, dentro de uma ótica de maximização de seu proveito. Para o direito, essa escolha da melhor conduta já foi feito pela lei, que elegeu determinados modelos comportamentais como adequados para a proteção de certos interesses.
Cita o exemplo do direito do meio ambiente. Conquanto possa ser mais “racional” e “ eficiente” dentro da lógica econômica derrubar uma floresta inteira, a lógica do direito é outra e esse ato, embora “economicamente racional e eficiente” não será lícito.
A racionalidade jurídica, ainda que tome o objetivo de lucro ou proveito como legítimo e desejável no mercado, i) não traduz visão predatória e oportunística a curto prazo e sim a obtenção de vantagens pelo estabelecimento de um esquema de colaboração e ii) leva em conta o respeito aos princípios jurídicos orientadores do sistema. Não se pode supor um mote contrário ao art. 422 do Código Civil, que manda que os contratantes comportem-se conforme os ditames da boa-fé.
Ressalta que uma das diferenças entre as racionalidades jurídica e econômica é o fato de que a jurídica é fruto de um longo período de evolução e a econômica despontar naturalmente do mercado.
7.8 A utilidade da racionalidade econômica para a racionalidade jurídica.
É preciso investigar como a racionalidade econômica pode ser empregada para a melhor construção da racionalidade jurídica. Devemos lembrar da afirmação de Eros Graus de que “ a economia condiciona o direito, mas o direito condiciona a economia.” 
Podemos trabalhar as premissas implícitas do direito, a partir da racionalidade econômica para chegar àquela jurídica e determinar a incidência ou a não incidência de normas.
Para interpretar (e legislar) é por vezes necessário entender os comportamentos gerados pela motivação egoística. O mesmo se pode dizer em relação aos efeitos econômicos da regulamentação. Sendo inestimável o auxilio que nos traz a consideração da racionalidade econômica. 
Para Fabio Nusdeo “Direito e economia devem ser vistos, pois, não tanto como duas disciplinas apenas relacionadas, mas como um todo indiviso, umas espécie de verso e reverso da mesma moeda, sendo difícil dizer-se até que ponto o direito determina a Economia, ou pelo contrário, esta influi sobre aquele. Existe uma dinâmica de interação recíproca entre ambos, donde tornar-s indispensável par o júris o conhecimento , pelo menos, de noções básicas de Economia e vice-versa para os economistas. (Nota de roda pé).
Concluindo: o comportamento é racional, em termos jurídicos, quando viabiliza a fluência das relações de mercado, conforma as regras e os princípios jurídicos. O comportamento é dito racional, do ponto de vista econômico, quando traz a maximização dos proveitos ou lucro para o agente. Para a interpretação dos negócios, toma-se em consideração uma racionalidade jurídica, que parte da necessidade de conferir ao sistema segurança e previsibilidade. A racionalidade econômica auxilia a compreensão da função econômica da avença (causa) e dos motivos (intento) dos sujeitos econômicos, primordiais para a interpretação contratual.
CAP 8 – Regras de interpretaçãoo dos negócios empresariais
1. Interpretação da lei e interpretação dos contratos empresariais. A racionalidade das regras tradicionais de interpretação
O intérprete deve partir do pressuposto de que as regras do ordenamento jurídico mantêm uma relação de compatibilidade, que repele antinomias. As diversas técnicas de hermenêutica que serão estudadas visam justamente superar essas antinomias.
Essa lógica de coerência e completude do ordenamento jurídico aplica-se aos contratos empresariais, os quais também se presumem um todo ordenado.
2. O ponto de partida da interpretação dos contratos empresariais: seu instrumento. Instrumento e contrato.
A autora primeiramente esclarece a diferença entre contrato e instrumento, explicando que o instrumento é a base física, o acordo reduzido a escrito em um suporte material.
A autora também destaca que o instrumento ou texto escrito deve ser o ponto de partida do processo hermenêutico e deve ser sempre considerado. Sendo assim, a regra do art. 112, do CCB, segundo a qual "nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem" deve ser vista com ressalvas na interpretação dos contratos empresariais, tudo para prestigiar a segurança jurídica e celeridade nas relações. Ela cita acórdão do STJ, que ao comentar o art. 112, deixou vincado que "o intérprete deve partir das declarações externadas para alcançar, na medida do possível, a manifestação desejada, sem conferir relevância, dessa forma, à vontade omitida na declaração" (REsp 1.013.976-SP).
Por fim, ela destaca o valor probatório do instrumento. Para ela, a regra geral é que o instrumento firmado constitui prova forte da intenção comum das partes; para derrubá-la, não bastam meras especulações sobre o que as partes teriam almejado.
3. As regras clássicas de interpretação dos contratos empresariais inspiradas em Pothier
a) Intenção comum das partes: a autora explica que não se trata de descobrir a vontade anímica das partes, mas sim a causa objetiva, relacionada aos usos e costumes. Assim, o intérprete deve lançar mão de alguns questionamentos para descobrir a vontade comum das partes, tais como: Qual a função econômica (ou causa) que as partes pretenderam obter com a avença? O que, no mercado, normalmente se buscacom tal prática? Qual a racionalidade jurídica que deve ser observada?
b) A revelação da intenção comum das partes e a importância do preâmbulo: a autora aponta que o preâmbulo dá ao juiz ou ao árbitro relativa segurança sobre qual escopo impeliu as partes a contratarem.
c) A interpretação pela preservação do contrato e não por sua nulidade: as partes não contratam por mero deleite. Dessa forma, a interpretação deve levar à consecução da função econômica ou causa da avença.
d) Natureza do contrato como condicionante da interpretação: a interpretação deve se basear sobre os efeitos normalmente esperados da avença.
e) Usos e costumes e interpretação do contrato empresarial: autoriza-se a interpretação conforme o que costuma acontecer naquele setor da economia.
f) Usos e costumes e integração do contrato empresarial: os usos e costumes também costumam suprir as lacunas de redação do contrato empresarial.
g) Coerência e harmonia das cláusulas contratuais: a causa ou fim objetivo do contrato realiza uma só função econômica. Essa unicidade há de presidir a interpretação contratual.
h) Interpretação contra o estipulante e a favor do devedor: se o agente econômico é racional, a ele devem ser imputadas as consequências de não ter se expressado melhor.
i) As partes somente se vinculam aquilo que contrataram: uma vez descoberta a função econômica ou fim, não se pode admitir interpretação extensiva que o desvie desse fim.
j) Referência à universalidade de coisas inclui todos os seus componentes: assim, por exemplo, se acordam que uma transfere a outra determinado estabelecimento, nele está a integralidade de seus componentes.
l) Exemplos não excluem outros casos não referidos. O plural inclui o singular. O que está no fim da frase refere-se a toda ela (são 03 regras distintas)
4. Diretivas gerais dos contratos empresariais inspiradas no art. 131, do Código Comercial.
A autora colaciona os pontos centrais do art. 131, que norteiam a interpretação dos negócios empresariais, muitos dos quais já estudados acima: a) boa-fé objetiva; b) vontade objetiva e desprezo pela vontade individual de cada um dos contratantes; c) força normativa dos costumes; d) comportamento posterior das partes; e) interpretação a favor do devedor; f) respeito à autonomia privada.
Esses pontos também trazem alguns desdobramentos, dentre os quais a adoção de uma interpretação que seja compatível com a racionalidade própria aos empresários.
Sobre o ponto do "comportamento posterior das partes", a autora diz que, se após o fechamento, as partes agiram pacificamente de determinada forma, se não houve protestos, é de se presumir que estão agindo conforme aquilo que acertaram.
5. Regras de interpretação dos contratos comerciais explicitados por Cairu. Padrão do comerciante ativo e probo, relevância do estilo mercantil e dos usos e costumes.
As regras lecionadas por Visconde de Cairu são bem similares àquelas já vistas acima. Assim, o citado autor cita, por exemplo: a boa-fé, a observância dos usos e costumes, a observância da função econômica, dentre outras.
Merece destaque a regra segundo a qual o parâmetro a ser considerado como de normalidade é aquele dos "comerciantes costumados a praticar essa espécie de negócio" e não o do cidadão comum, distanciado daquele business. Assim, por exemplo, um contrato de bolsa deve ser valorado conforme fazem os homens que lá atuam, e não conforme os padrões do comerciante que compra e vende alfaias.
Por fim, o citado autor, elenca mais duas regras: a) "Quem percebe o cômodo, não deve recusar o incômodo"; b) "Não pode pretender o lucro quem não concorreu para algum negócio com fundo, industrial, ordem ou risco".
6. As regras de interpretação dos negócios empresariais no Código Civil
A autora elenca os seguintes artigos do CCB, os quais influenciam a interpretação dos negócios empresariais:
a) Art. 112: preponderância da intenção consubstanciada nas declarações sobre o sentido literal da linguagem;
b) Art. 113: para os negócios jurídicos em geral, deve imperar a interpretação conforme a boa-fé e os usos e costumes;
c) Art. 114: interpretação estrita para os negócios jurídicos benéficos e para a renúncia;
d) Art. 157: dispões sobre o instituto da lesão;
e) Art. 421: a liberdade de contratar deve ser exercida em razão e nos limites da função social do contrato;
f) Art. 422: imposição da boa-fé para os contratantes;
g) Art. 423: interpretação a favor do aderente;
h) Art. 424: proibição de renúncia a direito decorrente da natureza do negócio por parte do aderente;
Sobre a boa-fé, a autora salienta que o artigo do CCB se refere à boa-fé objetiva, que consistem em padrões socialmente aceitos de lisura, honestidade e lealdade.
Sobre o art. 423, a autora diz que houve retirada à expressa menção à interpretação mais favorável ao "devedor", que constava no art. 135, do Código Comercial. Agora é interpretação mais favorável ao "aderente". A exceção se encontra no art. 133, do CCB, o qual contém regra específica que impõe a presunção do prazo em proveito do "devedor".
Não obstante a redação do art. 423, a autora entende que a interpretação mais favorável ao devedor ainda constitui um critério hermenêutico válido.
Sobre a função social do contrato, diz a autora que se trata de princípio positivado na Constituição, pois não há função social da propriedade sem função social dos contratos.
Sobre a regra do art. 114, a autora esclarece que negócios benéficos não se confundem com gratuitos. Benéfico é algo que beneficia alguém. Em se tratando de empresas, presume-se que seus negócios são onerosos, ou seja, que o benefício eventualmente outorgado a alguém implica compensação de alguma espécie. Mas, na presença do benefício, a interpretação da concessão faz-se de maneira restritiva.
Por fim, com relação à lesão, a autora, assim como o doutrinador Caio Mário da Silva Pereira, demonstram preocupação com sua aplicação aos negócios empresariais. Isso porque os contratos empresariais estão fortemente regidos pela autonomia privada, até mesmo porque se pressupõe que os empresários são experts no seu ramo de atividade. A autora ilustra com um exemplo: uma empresa em difícil situação econômica que, para captar determinado parceiro comercial, resolve conceder-lhe grandes vantagens. O contrato poderá ser descartado, alegando-se lesão? Qual agente econômico racional contratará com outro que passa por percalços financeiros?
7. As presunções na interpretação dos negócios entre empresas
A autora, sem pretensão de exaurir o tema, cita os seguintes exemplos de presunções: a) a contraparte agirá dentro dos padrões de mercado; b) a contraparte não adotará comportamentos desleais; c) por ser agente econômico ativo e probo, a contraparte valorou os riscos envolvidos no negócio, bem com as vantagens que dele possivelmente auferiria; d) a contraparte conhece o negócio que está celebrando; e) as partes vincularam-se livremente; f) a contraparte leu e concordou com os termos do instrumento.
CAP 9 – Interpretação dos negócios empresariais e a CF: interpretaçãoo a favor da livre-iniciativa e da livre concorrência
9.1 Princípios constitucionais, ordem jurídica do mercado e contratos empresariais
	 O direito mercantil não busca a proteção dos agentes econômicos singularmente considerados, mas da torrente de suas relações, do funcionamento do mercado como um todo. Até mesmo as normas que tutelam empresas em situação de inferioridade, na realidade visam a incrementar as garantias para a atuação no mercado, impedindo que tenham lugar explorações desestimuladoras do tráfico.
	O direito comercial moderno não tem mais aquele “ranço privatístico”. Hoje, a sua função ata-se à implementação de políticas públicas, desdobrando-se também na determinação do papel que o mercado desempenhará na alocação dos recursos em sociedade.
	O mercado não existe sem o Direito; seu desenvolvimento dar-se-á nos espaços deixados pelas regras jurídicas. Nesse prisma, os princípios constitucionais são a forma que primeiramente moldaráo mercado. Por consequência, a Constituição Federal deve ser vista como elemento fundamental na interpretação dos contratos empresarias. 
	Não obstante a necessidade de proteção de certos pilares do bem-estar social, sem natureza imediatamente mercantil, a Constituição determina que as exigências do bem comum sejam coadunadas com os princípios econômicos. As vigas-mestras da ordem econômica também são importantes para o desenvolvimento social.
9.2 Livre iniciativa
	É um dos fundamentos da República e da ordem econômica (art. 1º, IV, e art. 170, caput, IV, da Constituição Federal). O seu papel central na economia capitalista é garantir que os agentes econômicos tenham acesso ao mercado e possam nele permanecer, assegurando o acesso à contratação. 
	A livre iniciativa comporta um duplo sentido: de um lado, garante a livre criação de empresas (liberdade de acesso ao mercado) e de outro lado, protege a livre atuação das empresas já criadas (liberdade de atuação e permanência no mercado). Abarca a liberdade de lançar-se a atividade, desenvolvê-la e abandoná-la sponte própria. 
	O princípio da livre iniciativa deve ser lido em conjunto com aquele da legalidade. A empresa é livre para empreender, contudo tem sua liberdade limitada pela lei, de forma que o texto normativo é, ao mesmo tempo, limite e garantia da sua liberdade. 
	Desde sua origem, a livre iniciativa está ligada à liberdade de atuação e ao repúdio de privilégios, da proteção de alguns em detrimento de outros.
	A liberdade de iniciativa nunca foi e não é ilimitada. Duas limitações que sempre existiram são a ordem econômica e os bons costumes. Nem a mais liberal das economias prescinde de certa regulação da atuação empresarial. O sistema de mercado não existe sem fronteiras às atividades de seus agentes. 
9.3 Livre concorrência
	Por força do princípio da livre concorrência, aos agentes econômicos é assegurada a garantia da disputa, ou seja: [i] que poderão disputar trocas com outros agentes econômicos; [ii] que não terão suas oportunidades de trocas indevidamente subtraídas por terceiros. 
	Se ao adquirente for garantida a opção de escolha entre os bens oferecidos por vários agentes econômicos, eles serão forçados a disputar a oportunidade de troca e aquele que fornecer melhores condições ganhará o contrato.
	A empresa não aprecia a concorrência; suporta-a porque esta é a forma admissível de conquistar o mercado e de aumentar os lucros. 
	A Constituição Federal enxerga a concorrência como um fator de produção de externalidades positivas, capaz de contribuir no funcionamento do sistema econômico, diminuindo os preços e aumentando a qualidade do produto ou do serviço fornecido aos consumidores. 
9.4 Liberdade de contratar	
	Está ligada ao princípio da autonomia da vontade e deriva do princípio da livre iniciativa. Uma das faces do princípio da livre iniciativa é garantir ao agente econômico que sua vontade importará (autonomia da vontade), preservando-se sua liberdade de contratar e de não contratar. 
	A liberdade de contratar manifesta-se sob tríplice aspectos: a) liberdade de contratar propriamente dita; b) liberdade de estipular o contrato; c) liberdade de determinar o conteúdo do contrato.
	A compreensão do modus operandi do sistema exige que reconheçamos as seguintes correspondências entre os princípios constitucionais e os fatores catalisadores do fluxo das relações econômicas: [i] a livre iniciativa garante ao agente econômico o acesso ao campo das contratações, à arena das trocas; [ii] a livre concorrência garante a disputa pela oportunidade de troca; [iii] a liberdade de contratar garante que o agente econômico poderá realizar essas trocas, organizar-se e celebrar contratos.
	Todas essas liberdades devem ser exercidas nos limites da legalidade.
	O problema é que, somente neste século, a cultura da concorrência e mesmo da livre iniciativa espalhou-se no mundo empresarial e jurídico brasileiro. Piorando o quadro, a imagem transmitida pelo CC é a de uma economia intervencionista, própria da Itália dos anos 30 e 40.
	Ignora-se que os princípios constitucionais econômicos incidente diretamente sobre os negócios privados, deixando-se à deriva uma das mais importantes pautas de interpretação dos contratos: aquela que, em caso de dúvida, manda-os proferir a interpretação a favor da liberdade e da concorrência. 
9.5 Princípios constitucionais moldando os contratos empresariais
	Os princípios constitucionais incidem plena e diretamente sobre as relações privadas. A regra geral constitucional é a livre iniciativa. A livre concorrência é corolário da livre iniciativa e o norte é sempre a favor da competição (art. 170, IV, CF).
9.6 Os contratos empresariais e a limitação voluntária das liberdades econômicas
	A empresa pode ter sua liberdade e comportamentos limitados pela lei (princípio da legalidade) ou pela sua própria vontade, desde que o faça nos quadrantes do direito, voluntariamente limitando seu comportamento futuro ao se vincular a uma prestação.
	Às empresas é facultado limitar sua liberdade, prendendo-se pelo contrato, a compromissos futuros. Na medida em que o contrato é indispensável não apenas à coesão social, mas à existência de uma economia de mercado, esta vinculação voluntária é relevante para o sistema e fortemente protegida pelo ordenamento jurídico (pacta sunt servanda).
	Nas últimas décadas, o Brasil tem assistido ao que se chamou de “farra dos princípios”, na feliz expressão cunhada por Ronaldo Porto Macedo Jr. Olvida-se que a legalidade é uma conquista da humanidade e que nos afastar dela é perigoso.
9.7 Princípios constitucionais e seu reflexo sobre os contratos empresariais 
	Os princípios constitucionais, ao se colocarem diante dos negócios privados, produzem duas ordens de consequências, agindo como [i] pautas de interpretação; [ii] comando gerais a serem seguidos pelos operadores do direito.
9.8 Princípios constitucionais como regras de interpretação
	Quando a vontade das partes não estiver expressa de forma clara, faz-se necessário a existência de uma regra de interpretação contratual a favor das liberdades econômicas e, especialmente, da livre iniciativa e da livre concorrência: quando houver mais de um entendimento possível do texto/contexto contratual, aquele contra as amarras haverá de prevalecer.
9.9 Princípios constitucionais como regras gerais dos contratos empresariais 
	Se os princípios constitucionais protegem as liberdades econômicos, qualquer restrição será vista como exceção. No prisma dogmático, a diretriz geral é pró-concorrencial/pró-liberdade; e as restrições constituem não apenas exceção, mas verdadeira renúncia do agente a uma liberdade constitucionalmente garantida, que clama por interpretação restritiva.
9.10 Ainda a questão dogmática: a força das regras gerais
	A colocação das liberdades econômicas constitucionais como comandos gerais deixou de ser mera teoria para produzir consequências econômicas relevantes nos contratos empresariais.
Para o direito comercial, o agente econômico é ativo e probo, habituado ao mercado em que atua. Há de se presumir que assumiu os riscos da falta de contratação expressa de uma exceção à regra geral, até mesmo porque optou por não despender recursos na barganha do ponto específico. Não age de boa-fé quem pretende algo em desacordo com a regra geral, seja posta pelo direito, seja reconhecida como usualmente ligadas àquela restrição.
9.11 Aplicação da regra de interpretação em favor das liberdades econômicas. Alguns exemplos concretos.
9.11.1 A exclusividade
	Geralmente, a exclusividade estabelece a proibição da parte realizar negócios com terceiros por certo período. Quando aposta em contratos celebrados entre fornecedores e distribuidores é chamada pelo direito concorrencial de acordos verticais.
	Quem aceita ser exclusivo está “fora do mercado”. É uma renúncia à liberdade da parte que se vincula a somente comercializar com outro e impacta diretamente o campo de atuação de terceiras empresas. É uma restriçãoconcorrencial e de ação no mercado, que possui duas consequências relevantes: 1) a exclusividade não pode ser presumida, necessita expresso dispositivo legal ou acordo voluntário; 2) a exclusividade deve ser interpretada restritivamente, pois é exceção à regra e uma renúncia a um direito (art. 114, CC).
9.11.2 Vedação à concorrência na alienação de estabelecimento concorrencial (art. 1.147 do Código Civil) e cláusula de não concorrência (“non compete”) contratada na alienação de controle de sociedade empresarial
9.11.2.1 Função econômica e tipologia das cláusulas de não concorrência 
	A cláusula que estabelece a obrigação de não reestabelecimento ou de não concorrência é chamada de “non compete”. Por meio dela, aquele que aliena fica proibido de oferecer concorrência ao comprador, por determinado período de tempo e/ou em certo mercado, a fim de evitar a concorrência entre eles e reduzir o risco de retorno não satisfatório do investimento.
	Por força do artigo 1.147 do CC, é preciso apartar dois tipos contratuais distintos: o trespasse de estabelecimento comercial e a alienação de controle de sociedades limitadas ou anônimas. 
9.11.2.2 Trespasse de estabelecimento e alienação de controle
	Nas sociedades personificadas (S/A e limitadas), o patrimônio dos sócios não se confunde com o patrimônio da sociedade. 
	Para melhor entender, tem-se o seguinte exemplo: Beatriz tem 70% das ações com direito a voto da empresa Schulptz S.A., os outros 30% pertencem a sua filha que mora em Lisboa. Beatriz é ativa na empresa e todos pensam que ela é a dona da empresa, que o maquinário e o prédio são seus. Contudo, Beatriz é, na verdade, controladora da empresa. Beatriz não é dona do maquinário, do prédio, do know-how, etc., pois estes pertencem à empresa Schulptz. A venda do estabelecimento (trespasse) só é possível se a empresa o fizer e não Beatriz. O que Beatriz pode fazer é vender as ações das quais é titular, vender seu controle acionário.	
	Se houver a venda do controle acionário, o estabelecimento seguirá pertencendo à empresa. Ex.: em 2012, o controle do grupo Pão de Açúcar passou ao francês Casino, deixando as mãos da família Diniz. Quem de nós, notou alguma diferença ao entrar no supermercado? 
	Caso Beatriz após vender o controle acionário queira abrir nova fábrica no mesmo ramo de atividade, isso é possível? A resposta irá depender do tipo de negócio e das cláusulas do instrumento firmado.
9.11.2.3 Trespasse de estabelecimento de alienação de controle: diferentes disciplinas de non compete. Limitação no âmbito de aplicação do artigo 1.147 do Código Civil.
	Se nada for disposto no contrato de trespasse de estabelecimento empresarial, aplica-se a regra geral do artigo 1147 do CC que estabelece que o alienante não poderá concorrer com o comprador por cinco anos após a transferência. Essa regra é específica para o contrato de trespasse de estabelecimento. A interpretação extensiva do art. 1.147 do CC é inconstitucional, considerando que se trata de regra altamente limitativa da livre iniciativa e livre concorrência, merecendo interpretação restritiva.
	Assim, nos demais casos de alienação, a cláusula non compete deve ser expressa. Contrata-se a não concorrência e paga-se por ela. 
	Nas alienações empresarias, deve-se respeitar a regra geral que privilegia a liberdade de iniciativa e liberdade de concorrência. Exceções existem se expressamente contratadas, nos limites da legalidade. 
9.11.3 A necessidade interpretação restritiva das cláusulas de non compete
- A cláusula de non compete implica forte restrição às liberdades econômicas constitucionais; 
- Cumpre ao adquirente da participação acionária acautelar-se, barganhar e obter a restrição da atividade do vendedor, pois a regra é pela liberdade de iniciativa e liberdade de concorrência.
- Nas alienações de participações societárias, o vendedor somente pode ser obrigado a não competir se cláusula expressa for estabelecida nesse sentido.
- A cláusula de non compete não comporta interpretação extensiva.
9.12 O direito de não contratar e de pôr fim à relação contratual
	A faculdade de não se vincular ou de se desvincular, na ausência de regra contratual ou legal impeditiva, também é fundamental para o funcionamento do mercado.
	Nenhum vínculo é eterno e esta regra vale até mesmo para sociedades limitadas. Em que pesem opiniões doutrinárias contrárias, sabidamente os Tribunais nacionais reconheceram que, sendo a sociedade por prazo indeterminado, o sócio pode dela se desvincular, recebendo seus haveres. 
	Ao se interpretar os contratos, deve-se atender à função econômica. Não se deve empregar consagrada (“princípio da preservação do contrato”) para referir algo totalmente diferente. Uma coisa é a manutenção do negócio porque prestigia a interpretação que não leva à nulidade/inutilidade do pacto. Outra diferente seria uma máxima exegética ordenando privilegiar a manutenção da vinculação das partes, em detrimento de sua liberdade. Com respeito aos que entendem de modo diverso, esse princípio não existe no direito comercial, especialmente nas relações entre partes sofisticadas (as situações que permitem a prorrogação forçada de contratos são raríssimas).
	No direito empresarial, a regra é a liberdade, ao contrário de outras áreas do direito. Presume-se a liberdade e, em caso de dúvida, a liberação/desoneração da parte. 
	Ainda sobre esse tópico, não cabe o paralelo entre a manutenção forçada de um contrato e o objetivo de preservação da empresa. Contratos interempresariais não precisam ser preservados para que se alcance a eficiência empresarial ou o bem-estar social. É a atividade da empresa (globalmente considerada) que se mostra relevante e merece tutela jurídica, e não seu quadro de parceiros comerciais.
	Como conclusão deste capítulo, temos que os princípios constitucionais que garantem liberdades econômicas não são algo a ser invocado apenas na defesa das empresas contra o Estado ou suas agências reguladoras. Estão mais próximos do que se pode pensar, influenciando o dia-a-dia dos agentes econômicos e os contratos empresariais. Ao se aproximarem dos negócios, os princípios da ordem econômica concretizam-se em regras gerais e em pautas de interpretação, a serem obrigatoriamente seguidos pelos operadores do direito.
CAP 10 – Integração dos contratos empresariais: lacunas e atuação dos julgadores
10. 1 A integração dos contratos
	A integração é um processo mais profundo que a simples interpretação, permitindo não só a complementação de lacunas verificadas no contrato, como também a sua própria “complementação”, através da invocação do ordenamento jurídico.
10.2 A solução da incompletude contratual 
10.2.1 A solução da incompletude por novo acordo
	A clássica forma de supressão de lacunas é o acordo entre as partes. É necessário que os contratantes cheguem voluntariamente a um consenso, havendo apenas o dever de negociar e não de alcançar um acordo ou aceitar termos impostos por outrem.
	Nessa linha tem-se cláusulas de hardship (faculdade de requerer a modificação do contrato diante de certos eventos que perturbam o equilíbrio do contrato) e de renegociação (não exige a alteração da equação econômico-financeira do negócio, tendo uma aplicação mais abrangente), comuns nos contratos internacionais.
10.2.2 A solução da incompletude por usos e costumes
	Encontra amparo no artigo 113 do CC e na legítima expectativa da parte baseada no comportamento que seria de se esperar do comerciante ativo e probo naquela situação. Os usos e costumes usados para preencher lacunas são autentica regulação objetiva criada pelo contrato no contexto do mercado.
10.2.3 A solução da incompletude pelo juiz ou pelo árbitro
	Autorizar o intérprete a ajustar disposições contratuais em nome e por conta das partes pode golpear sua liberdade, ferindo a Constituição.
	A presunção é oposta àquela que decorreria da existência de um “princípio de preservação dos contratos”: não tendo as partes investido terceiro do poder de complementar ostermos do acordo, assumiram o risco de seu aborto na ausência de futuro consenso.
	A jurisprudência comercial brasileira consolidou-se no sentido de refutar a intervenção exógena, em respeito a autonomia privada. Isso não significa que o interesse egoístico do agente deva prevalecer sobre qualquer outro fim. Nada impede que, para dar concreção aos objetivos impostos pelos arts. 1º, 3º e 170 da CF/88, o princípio do pacta sunt servanda seja mitigado. Em certos casos, o ordenamento admite que a parte seja impelida à contratação, como na hipótese negativa de acesso a facilidades essenciais, do direito concorrencial. Entende-se que a recusa de contratar por parte do agente detentor de posição dominante pode caracterizar infração à ordem econômica. Outro exemplo é o artigo 473, paragrafo único, do CC, que impõe à parte denunciante a manutenção do contrato até a recuperação dos investimentos realizados pela outra parte em prol do negócio.
10.2.4 A solução da incompletude pela atribuição voluntária de poder decisório a terceiro ou a uma das partes
	No momento da celebração do contrato, as partes podem atribuir o preenchimento de lacunas [i] a um terceiro ou a [ii] uma das partes do contrato.
	A licitude dessas estipulações contratuais é muitas vezes contestada, sustentando alguns que seriam puramente potestativas e vedadas pelo art. 122 do CC.
	É importante diferenciar cláusulas puramente potestativas daquelas meramente potestativas, que seriam válidas. Nas primeiras, revela-se ao exclusivo arbítrio de uma das partes todo o efeito da manifestação da vontade, não possibilitando à outra parte a interferência volitiva nessa formação. Já nas cláusulas meramente ou simplesmente potestativas, o evento não está subordinado única e exclusivamente à vontade ou ao arbítrio da parte, mas depende também de um conjunto de circunstância, que independem de sua vontade. 
	A potestatividade será afastada se os efeitos da cláusula dependerem de circunstâncias objetivas que se relacionaram à busca do êxito do empreendimento comum.
	O parâmetro da função econômica é fundamental por conferir objetividade a determinação dos limites da licitude do exercício de poder que, embora unilateralmente detido, foi por ambas as empresas atribuído a apenas uma delas. 
	Essa conclusão não afasta a aplicação do artigo 187 do CC nos casos de abuso nos contratos empresariais, repelindo-se o exercício disfuncional (=contrário à função econômica) da faculdade de colmatar unilateralmente as lacunas contratuais, que deve ser limitado pela boa-fé e pela função econômica dele esperada, bem como pelo respeito às legítimas expectativas das partes.
10.3 Boa-fé e incompletude
	 Há uma tendência de resolução dos conflitos tomando como norte as cláusulas gerais. 
	A consideração da boa-fé como vetor da disciplina dos contratos substitui a lógica oportunista por outra colaborativa, que impele os agentes econômicos à atuação em prol do fim comum, devendo as partes colaborem antes, durante e após a conclusão do contrato para sua consecução. 
A boa-fé transforma-se, além do parâmetro de interpretação, em fonte de deveres e obrigações. A boa-fé objetiva, especialmente nos contratos complexos, pode levar aos chamados deveres laterais, ou seja, “deveres de cooperação e proteção dos recíprocos interesses”, “deveres de comportamento”, “deveres de proteção” que se dirigem a ambos os polos da relação jurídica. Ao ensejar a criação desses deveres, a boa-fé atua como fonte de integração do conteúdo contratual, determinando a otimização, independentemente da regulação voluntaristicamente estabelecida. 
É preciso evitar o risco de empregar a boa-fé como remédio para todos os males, em nome de amorfa busca da “justiça social”. No direito comercial, a boa-fé não pode ser aplicada de maneira a despir o agente econômico da sagacidade que lhe é peculiar. Tampouco deve ser sacada como justificativa para o inadimplemento da parte ou desculpa para comportamentos imprudentes ou desconformes ao parâmetro do mercado.
EVOLUÇÃO DO DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO
Prólogo
Nomenclatura – direito mercantil x d. comercial x d. empresarial: há quem distinga as expressões, reservando a primeira para a primeira fase dessa matéria, ligada à disciplina da atividade dos mercadores medievais; a segunda, para o segundo período, em que os atos de comércio definem os limites da disciplina; e, a terceira, para a fase atual da matéria, em que a empresa é o centro do debate. Contudo, trata-se de expressões sinônimas, pois esse ramo do direito sempre foi marcado pelo escopo do lucro, disciplinando a atividade dos agentes econômicos encarregados da geração de riqueza, fossem eles chamados de mercadores, comerciantes ou empresários.
Escopo da disciplina: o direito comercial é concebido para regular e salvaguardar o funcionamento do mercado – e não propriamente para socorrer o agente individualmente considerado; o interesse da empresa é protegido apenas na medida em que implica o bem do tráfico mercantil. 
Sentidos da expressão “direito comercial”: o direito comercial pode ser compreendido como: a) ciência; b) dimensão da realidade; c) conjunto de regras e de princípios que disciplinam a atividade mercantil.
Objeto do direito comercial: o objeto da disciplina não é toda a ordem jurídica do mercado, mas apenas aquela que tem a ver com a organização da empresa e com a interação entre empresas.
Limites à ordem jurídica do mercado: o direito comercial possui forte tradição liberal, no sentido de que seria constituído quase que exclusivamente por normas decorrentes da praxe dos agentes econômicos. Porém, essa postura não é adotada na presente obra, reconhecendo-se a importância de normas exógenas ao mercado, de cunho estatal, para discipliná-lo. O direito comercial não é mero servo do mercado ou da racionalidade econômica; não se destina a simplesmente abençoar o comportamento dos agentes. O direito comercial se subordina aos parâmetros previstos no art. 170 e nos arts. 1º e 3º da Constituição Federal, cabendo-lhe subjugar os determinismos econômicos e implementar políticas públicas, além de apoiar as atividades econômicas privadas.
Racionalidade jurídica x racionalidade econômica: não se confundem. Para o sistema jurídico, a única racionalidade admitida é aquela condicionada pelo ordenamento jurídico.
Método – instrumental econômico: como já apontara Vivante, a compreensão da realidade é pressuposto do estudo comercialista. Logo, é dever do jurista que se propõe ao estudo do direito comercial utilizar instrumentos desenvolvidos pela economia. Isso não significa, todavia, aderir à Análise Econômica do Direito desenvolvida pela Escola de Chicago, que subordina o direito ao paradigma do mercado e da eficiência econômica. 
CAP 1 – As diretrizes do direito mercantil brasileiro: ato, atividade e mercado
Primeiro período: a ênfase do direito comercial sobre o ato de intermediação
A doutrina comercial brasileira foi construída ao longo dos últimos 200 anos. Percorre-se, a seguir, a evolução do estudo da essência da matéria mercantil nesse período. Em resumo, percebe-se que o estudo foi centrado na delimitação da chamada matéria de comércio. Daí derivaram os estudos sobre o conceito de empresa, a partir do ato de comércio. Posteriormente, a atividade de organização assume o protagonismo da disciplina e o relevo passa à empresa.
Em sua origem, o direito comercial emergiu da necessidade de regramento jurídico mais célere, que atendesse às necessidades dos mercadores, em contraposição ao direito romano – que era, então, redescoberto. A base adveio dos costumes e das regras das corporações de ofício. Surge, então, a dicotomia entre o direito comum e o direito especial, criado para (e pela) classe dos mercadores. 
A questão prática era definir quem estaria sujeito as regras das corporações e à jurisdição dos tribunais especiais. Criou-se a teoria estatutária, segundo a qual os estatutos mercantis só vinculariam os membros das corporações. Contudo, posteriormente, os estatutos passarama reger também as relações entre os seus membros e os que para eles trabalhavam. Nos séculos XIII e XIV, os estatutos vão além, passando a abranger todos que praticavam atos relacionados à matéria de comércio. Chegou-se, até, a autorizar a aplicação do direito corporativo pelos juízes das comunas. 
A despeito dessa expansão, esse período ficou conhecido como subjetivo, pois a matéria do direito comercial era definida a partir de um sujeito: o membro da corporação. Esse perfil subjetivo se manteve no mercantilismo e veio a ceder espaço com a ascensão do liberalismo, em que a conquista de mercados exigiu a liberação das amarras das corporações. A promulgação do Código Comercial francês pôs fim a esse período, demarcando que a competência especial se firmaria pela prática de determinados atos: os atos de comércio. Esse período é chamado de objetivo, já que a matéria comercial vem delimitada pela prática de certos atos – e não mais pelo agente.
No Brasil, a doutrina parte do estudo dos atos de comércio; não houve, aqui, uma primeira fase nos moldes europeus. Ainda assim, os autores do Código Comercial de 1850 não enfrentaram o problema do ato de comércio, adotando uma posição subjetivista ao caracterizar como comerciante quem fazia da “mercancia profissão habitual” (art. 4º). Já o Regulamento 737, também de 1850, trouxe uma definição de mercancia (art. 19). 
Contrariamente ao que se poderia imaginar, a definição do ato de comércio não bastava para circunscrever a matéria de comércio, pois o Código Comercial disciplinava também a atividade dos comerciantes entre si. Assim, o sistema brasileiro era misto, assumindo aspecto objetivo (disciplina dos atos de comércio) e subjetivo (disciplina dos comerciantes). 
Note-se, ainda, que a disciplina centrada no ato de comércio encerra poderosa força atrativa, pois aqueles que negociam com os comerciantes (inclusive os consumidores) ficam sujeitos ao direito e à jurisdição especiais. 
Por fim, cumpre observar que o conceito de empresa é mais antigo do que se costumar crer, aparecendo já no Código Comercial francês de 1807 como espécie de ato de comércio.
A doutrina brasileira do primeiro período
Após examinar a produção doutrinária de diversos autores brasileiros, a autora aponta, nesse primeiro período, os seguintes direcionamentos doutrinários:
O direito comercial tem seu principal foco na atividade de intermediação, embora a indústria integre o seu objeto (art. 19, § 1º, do Regulamento 737).
A influência da doutrina estrangeira é sensível, destacando-se a de Thaller, Vidari, Endemann e, principalmente, Vivante. 
A concepção econômica propagada por Vivante, de empresa como ente organizador dos fatores de produção, é quase que unanimamente incorporada pela doutrina ao comentar o art. 19 do Regulamento 737.
Os autores, ao interpretar o art. 4º do Código Comercial e o Regulamento 737, consolidam o direito comercial como o direito dos comerciantes, que disciplina também os atos de comércio.
Quanto à nossa doutrina, pode-se identificar três fases distintas: a de José da Silva Lisboa, Visconde de Cairu (1756-1835), em que escritas as primeiras obras sobre o tema, com destaque para o exame do comércio; a de José Xavier Carvalho de Mendonça (1861-1930), em que surge a preocupação de definir de forma mais exata o direito mercantil, indo-se além da referência ao comércio; e a de Waldemar Martins Ferreira (1885-1964). 
Segundo período: direito comercial e atividade empresarial. Do ato de comércio à atividade de produção.
Na Itália, foi o advento do corporativismo e do fascismo (que trouxeram consigo o Código Civil de 1942) que deslocou as discussões do objeto do direito comercial do ato de comércio para a empresa. A mudança serviu para viabilizar a condução da economia pelo Estado, pois a empresa era vista como ente organizador, gerador de riquezas. Isso aliás, foi comumente ignorado pela doutrina. 
No Brasil, a partir de meados da década de 1950, a noção de intermediação foi paulatinamente abandonada pela doutrina, dando lugar à empresa como centro do direito comercial. Tudo indica que o movimento doutrinário inicial nesse sentido tenha sido deflagrado por Sylvio Marcondes, em tese de 1956. Rubens Requião, em 1959, considerou a empresa uma ideia em elaboração e demonstrou que a jurisprudência, à época, já iniciava a considerar a empresa para definir a matéria comercial. Em 1971, Requião adota a teoria da empresa e edifica o seu Curso de Direito Comercial sobre ela. 
O projeto que culminou no atual Código Civil foi elaborado, na parte referente à atividade negocial, por Sylvio Marcondes, e adota declaradamente a teoria de Asquini quanto aos perfis da empresa. O projeto baseia o direito mercantil no conceito de empresa.
Nesse segundo período, a empresa é o ente que organiza os fatores de produção (trabalho, natureza e capital). Ao lado dos trabalhadores, dos capitalistas e dos proprietários, perfila-se o empresário, cujo papel é conjugar os bens do proprietário, as faculdades do trabalhador e o capital do capitalista. 
Ainda sobre o segundo período: empresa e dirigismo econômico.
Na Itália, como dito, a afirmação do moderno conceito de empresa se dá a partir da concepção de dirigismo econômico, ou seja, como instrumento destinado a viabilizar o direcionamento estatal da economia. A empresa é vista como arena de encontro de interesses que devem ser harmonizados conforme a ordem pública, disciplinada pelo Estado. As relações capital/trabalho passam a ser disciplinadas pela ótica solidarista e a articulação entre Estado e empresa se sobrepõe às relações entre os agentes econômicos, substituindo, muitas vezes, a lógica competitiva por outra colaborativa, típica dos cartéis.
Nesse contexto, devem ser examinados dois vértices dogmáticos: a disciplina da empresa pela Carta del Lavoro e a empresa como instituição. 
Segue. A disciplina da empresa via Carta del Lavoro
A Carta del Lavoro é a exposição de motivos do Código Civile de 1942 e foi orientada por princípios fascistas. A liberdade econômica era admitida, mas o complexo de produção é unitário, do ponto de vista nacional, os seus objetivos são unitários e se resumem no bem-estar dos indivíduos e no desenvolvimento da potência nacional. A organização privada da produção é função de interesse nacional, de forma que o empresário é responsável pelo direcionamento da produção perante o Estado. O empresário não é visto como alguém movido por interesses egoísticos, mas como o agente responsável por organizar os fatores da produção e por colocá-los a serviço da nação. A economia passa a ser dominada pelas empresas, supervisionadas e orientadas pelo Estado. 
Segue. A empresa como instituição.
A visão fascista da empresa encontra parte de sua origem no movimento institucionalista iniciado na Alemanha após a Primeira Guerra Mundial, no qual se entreveem raízes do nacional-socialismo. Partindo das lições do publicista Hauriou, Rathenau defende que a empresa deveria reinvestir o lucro na própria sociedade, deixando de distribuir dividendos. A preocupação era o fortalecimento da indústria no período entre guerras. Defendia-se que o fim da empresa é construir riqueza para a comunidade, oferecer trabalho, melhorar a técnica, favorecer o progresso científico – e não simplesmente buscar lucros para distribuição aos sócios. Por conseguinte, deve haver o controle sobre o controlador (da sociedade).
Os liberais, por sua vez, temem a autossocialização da empresa, decorrente da primazia do órgão administrativo sobre a vontade dos acionistas e da submissão à lógica publicista. Conforme os críticos, a utilidade social da empresa reside na sua economicidade, e não na prestação de serviços públicos. A socialização da empresa acabaria levando à sua destruição. 
A neutralização do conceito de empresa.
Cai o fascismo, mas não o Código Civil de 1942. Alguns artigos são revogados e a Carta del Lavoro deixa de ser o repositório dos princípios norteadores do sistema, mas, no mais, coube à doutrina afastar os resquícios

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