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Arlindo Ugulino Netto ● MEDRESUMOS 2016 ● MAD I 86 www.medresumos.com.br PARASITOLOGIA: FILARIOSE A filariose ou elefantíase é a doença causada pelos parasitas nematoides Wuchereria bancrofti, Brugia malayi e Brugia timori, comumente chamados filária, que se alojam nos vasos linfáticos, causando linfedema. Esta doença é também conhecida como elefantíase, devido ao aspecto de perna de elefante do paciente com esta doença. Tem como transmissor os mosquitos dos gêneros Culex, Anopheles, Mansonia ou Aedes, presentes nas regiões tropicais e subtropicais. Quando o nematoideo obstrui o vaso linfático, o edema é irreversível, daí a importância da prevenção com mosquiteiros e repelentes, além de evitar o acúmulo de água parada em pneus velhos, latas, potes e outros. CLASSIFICAÇÃO Filo: Platyhelminthes (simetria bilateral; ausência de sistema digestivo) Classe: Nematoda Família: Onchocercidae Gênero: Wuchereria; Brugia Espécie: W. bancrofti; Brugia nalayi e B. timori. O Wuchereria bancrofti existe na África, Ásia tropical, Caraíbas e na América do Sul incluindo Brasil. Mosquitos Culex, Anopheles e Aedes. No Brasil o vetor primário e principal é o Culex quinquefasciatus. O Brugia malayi está limitado ao Subcontinente Indiano e a algumas regiões da Ásia oriental. O transmissor é o mosquito Anopheles, Culex ou Mansonia. O Brugia timori existe em Timor-Leste e Ocidental, do qual provém o seu nome, e na Indonésia. Transmitido pelos Anopheles. WUCHERERIA BANCROFTI & FILARIOSE LINFÁTICA A filariose linfática humana é causada por helmintos Nematoda das espécies Wuchereria bancrofti, Brugia nalayi e B. timori. Essa enfermidade é endêmica em várias regiões de muita pobreza e com clima tropical ou subtropical na Ásia, África e Américas, sendo sério problema de saúde pública em países, como China, Índia, Indonésia e partes leste, central e oeste da África. A filariose linfática no continente americano é causada exclusivamente pela W. bancofti, sendo também conhecida como elefantíase, em uma de suas manifestações na fase crônica. MORFOLOGIA VERME ADULTO Verme adulto macho. Corpo delgado e branco-leitoso. Mede de 3,5 a 4 cm de comprimento e 0,1 mm de diâmetro. A sua extremidade anterior é afilada e a posterior enrolada ventralmente. Verme adulto fêmea. Corpo delgado e branco-leitoso. Mede de 7 a 10 cm de comprimento e 0,3mm de diâmetro. Possui órgãos genitais duplos, com exceção da vagina, que é única e se exterioriza em uma vulva localizada próximo à extremidade anterior. MICROFILÁRIA Esta forma também é conhecida como embrião. A fêmea grávida faz a postura de microfilárias, que possuem uma membrana extremamente delicada e que funciona como uma “bainha flexível". A microfilária mede de 250 a 300 μm de comprimento e se movimenta ativamente na corrente sanguínea do hospedeiro. A bainha cuticular lisa é apoiada sobre numerosas células subcuticulares (que irão formar a hipoderme e a musculatura do helminto adulto) e células somáticas (que irão formar o tubo digestivo e Órgãos). A presença da bainha é importante, pois alguns filarídeos encontrados no sangue não possuem tal estrutura, sendo este um dos critérios morfológicos para o diagnóstico diferencial. LARVA São encontradas no inseto vetor (Culex quinquefaciatus). A larva de primeiro estádio (L1) mede em torno de 300 μm de comprimento e é originária da transformação da microfilária. Essa larva se diferencia em larva de segundo estágio (L2), duas a três vezes maior, e sofre nova muda originando a larva infectante (L3). Arlindo Ugulino Netto ● MEDRESUMOS 2016 ● MAD I 87 www.medresumos.com.br CICLO BIOLÓGICO É do tipo heteroxênico. A fêmea do Culex quinquefasciatus, ao exercer o hematofagismo em pessoas parasitadas, ingere microfilárias que no estômago do mosquito, após poucas horas, perdem a bainha, atravessam a parede do estômago do inseto, caem na cavidade geral e migram para o tórax, onde se alojam nos músculos torácicos e transformam-se em uma larva, a larva salsichoide ou L1. Seis a dez dias após o repasto infectante, ocorre a primeira muda originando a L2. Esta cresce muito e, 10-15 dias depois, sofre a segunda muda transformando-se em larva infectante (L3), medindo aproximadamente 2mm, que migra pelo inseto até alcançar a probóscida (aparelho picador), concentrando-se no lábio do mosquito. O ciclo no hospedeiro invertebrado é de 15 a 20 dias em temperatura de 20-25°C mas, em temperaturas mais elevadas, pode ocorrer em menor período. Em condições de laboratório, este ciclo ocorre em 12-15 dias. Quando o inseto vetor vai fazer novo repasto sanguíneo, as larvas L3 escapam do lábio, penetram pela solução de continuidade da pele do hospedeiro (não são inoculadas pelos mosquitos), migram para os vasos linfáticos, tornam- se vermes adultos e, sete a oito meses depois, as fêmeas grávidas produzem as primeiras microfilárias (período pré- patente longo). BIOLOGIA HÁBITAT Vermes adultos: nos vasos e gânglios linfáticos humanos, vivendo em média cerca de 4 a 8 meses. Microfilárias: vivem na circulação sanguínea do hospedeiro. PERIODICIDADE Uma característica peculiar deste parasito, verificada na maioria das regiões onde é encontrado, é a periodicidade noturna de suas microfilárias no sangue periférico do hospedeiro humano; durante o dia, essas formas se localizam nos capilares profundos, principalmente nos pulmões, e, durante a noite, aparecem no sangue periférico, apresentando o pico da microfilaremia em tomo da meia-noite, decrescendo novamente no final da madrugada. Os mecanismos e estímulos responsáveis por essa periodicidade não são claros, embora existam investigações que procuram relacionar a periodicidade noturna com fatores químicos. O pico da microfilaremia periférica coincide, na maioria das regiões endêmicas, com o horário preferencial de hematofagismo do principal inseto transmissor, o Culex quinquefasciatus. TRANSMISSÃO Unicamente pela picada do inseto vetor (fêmea de C. quinquefasciatus) e deposição das larvas infectantes na pele lesada das pessoas. Parece que o estímulo que provoca a saída das larvas da probóscida do mosquito é o calor emanado do corpo humano. A pele, estando úmida (suor e alta umidade do ar), permite a progressão e penetração das larvas. É importante salientar que a vida média de um mosquito do gênero Culex é de aproximadamente um mês e o ciclo biológico do parasito no interior deste vetor (de microfilária ingerida até larva L3) ocorre em torno de 20 dias. Assim, é curto o período de tempo no qual o vetor pode estar transmitindo o parasito ao ser humano. Arlindo Ugulino Netto ● MEDRESUMOS 2016 ● MAD I 88 www.medresumos.com.br MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS A parasitose se caracteriza por uma variedade de manifestações clínicas que podem ser devidas aos vermes adultos no sistema linfático ou a resposta imune/inflamatória do hospedeiro contra microfilárias. Assintomática: microfilárias no sangue sem sintomas. O uso do linfocintigrafia e ultrassom tem-se verificado que esses assintomáticos, na realidade, apresentam doença subclínica com danos nos vasos linfáticos (dilatação e proliferação do endotélio) ou no sistema renal (hematúria microscópica), merecendo atenção médica precoce. Manifestações agudas: linfagite (que parte da raiz do membro à extremidade) e adenite associada à febre a mal estar. Manifestações crônicas: geral, alguns anos após o início dos ataques agudos em moradores de áreas endêmicas. A hidrocele é a mais comum destas manifestações crônicas e frequentemente desenvolve na ausência de reações inflamatórias prévias. Pacientes com hidrocele podem apresentar microfilárias no sangue periférico. A elefantíase geralmentese localiza nos membros inferiores e na região escrotal, e está associada a episódios inflamatórios recorrentes. A incidência e gravidade das manifestações aumentam com a idade e lesões crônicas podem torna-se irreversíveis. Alguns pacientes também podem apresentar comprometimento renal (quilúria). Eosinofilia pulmonar tropical (EPT): síndrome caracterizada por sintomas de asma brônquica. PATOGENIA É importante distinguir os casos de infecção (presença de vermes e microfilárias sem sintomatologia aparente) da casos de doença. Os pacientes assintomáticos ou com manifestações discretas podem apresentar alta microfilaremia, e os pacientes com elefantíase ou outras manifestações crônicas não apresentam microfilaremia periférica ou esta é bastante reduzida. Algumas manifestações, especialmente as imunoinflamatórias, se devem as microfilárias, e outras, aos vermes adultos. Ação mecânica. A presença de vermes adultos dentro de um vaso linfático pode provocar os seguintes distúrbios: estase linfática com linfangiectasia (dilatação dos vasos linfáticos); derramamento linfático ou linforragia. Este derramamento, ocorrendo nos tecidos, provocará o edema linfático. Ocorrendo na cavidade abdominal, teremos a ascite linfática e na túnica escrotal, a linfocele. Ação irritativa: presença dos vermes adultos dentro dos vasos linfáticos, bem como dos produtos oriundos do seu metabolismo ou de sua desintegração após a morte, provoca fenômenos inflamatórios. Como consequência, teremos a linfangite retrógrada (inflamação dos vasos) e adenite (inflamação e hipertrofia dos gânglios linfáticos). Frequentemente aparecem fenômenos alérgicos, como urticárias e edemas extrafocais. Além das ações mecânica e irritativa, fenômenos imunológicos, especialmente os alérgicos, induzem a patogenia. Exemplo típico é o quadro conhecido como eosinofilia pulmonar tropical (EPT), no qual o paciente apresenta hiper-resposta imunológica a antígenos filariais, com aumento de IgE e hipereosinofilia, levando ao aparecimento de abscessos eosinofilicos com microfilárias e posterior aparecimento de fibrose intersticial crônica nos pulmões, comprometendo a função do órgão. A síndrome denominada elefantíase pode aparecer em alguns casos crônicos com até mais de dez anos de parasitismo. Esta síndrome pode ter outras causas que não a W. bancrofti (hanseníase, estafilococcias ou outra causa que perturbe o fluxo linfático). A elefantíase é caracterizada por um processo de inflamação e fibrose crônica do órgão atingido, com hipertrofia do tecido conjuntivo, dilatação dos vasos linfáticos e edema linfático. Inicialmente, há hipertrofia da derme, porém a epiderme é normal. Com a progressão da doença, há esclerose da derme e hipertrofia da epiderme, dando a aparência típica da elefantíase: aumento exagerado do volume do órgão com queratinização e rugosidade da pele. Em resumo: elefantíase é caracterizada pela inflamação, fibrose crônica com hipertrofia do tecido conjuntivo, edema linfático. DIAGNÓSTICO CLÍNICO É difícil devido à semelhança das alterações provocadas pela W. bancrofti com aquelas produzidas por outros agentes etiológicos com efeitos parecidos. Numa área endêmica, a história clínica de febre recorrente associada adenolinfangite pode ser indicativo de infecção filarial. Paciente com alteração pulmonar, eosinofilia sanguínea e altos níveis de IgE total no soro leva a suspeita de EPT. LABORATORIAL Pesquisa de microfilárias: A pesquisa de microfilárias no sangue periférico é feita por diferentes métodos parasitológicos. Entre as técnicas disponíveis, a mais utilizada é a gota espessa preparada com 20 a 100µL de sangue colhido por punção capilar digital, entre as 22-24 horas. Após 12- 15 horas do preparo das lâminas com sangue, faz-se a desemoglobinização, cora-se pelo Giemsa e examina-se ao microscópio para verificar a presença de microfilárias. Arlindo Ugulino Netto ● MEDRESUMOS 2016 ● MAD I 89 www.medresumos.com.br Pesquisa de anticorpos e antígenos circulantes: Os testes sorológicos para pesquisa de anticorpos não são adequados para bancroftose, pois não permitem distinguir indivíduos parasitados daqueles já curados ou aqueles não-infectados, mas constantemente expostos a antígenos do parasito na área endêmica. Outro problema são as reações cruzadas com anticorpos presentes no soro de pacientes infectados com outros helmintos, comuns em áreas endêmicas de bancroftose. A pesquisa de antígenos circulantes é feita pela técnica imunoenzimática (ELISA) com soro (resultado semiquantitativo), ou por imunocromatografia rápida (ICT) com resultado qualitativo (positivotnegativo) usando sangue ou soro do paciente. Pesquisa de vermes adultos: Um avanço no diagnóstico da parasitose é o uso da ultrassonografia para detectar a presença e localização de vermes adultos vivos, principalmente nos vasos linfáticos escrotais de pacientes microfilarêmicos assintomáticos. E uma técnica não-invasiva, útil para detectar infecção antes do aparecimento de manifestações clínicas e para verificar a eficácia da terapêutica pelo acompanhamento da perda de motilidade dos vermes. EPIDEMIOLOGIA Estima-se que cerca de 112 milhões de pessoas estão infectadas pela W. bancrofti, em pelo menos 80 países. Destes, cerca de um terço dos pacientes vive na Índia, um terço na África, e o restante no Sudeste Asiático, ilhas a oeste do Pacífico e Américas. Nas Américas, os focos de maior prevalência da infecção, atualmente, se encontram no Haiti, República Dominicana, Guiana e Brasil. A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera que a interrupção da transmissão ainda tem que ser confirmada na Costa Rica, Suriname e Trinidad e Tobago, áreas endêmicas no passado. No Brasil, na década de 1950, foi realizado um inquérito nacional e a transmissão autóctone da filariose bancroftiana foi detectada nas seguintes cidades: Manaus (AM), Belém (PA), São Luis (MA), Recife (PE), Maceió (AL), Salvador e Castro Alves (BA), Florianópolis, São José da Ponta Grossa e Barra de Laguna (SC) e Porto Alegre (RS). PROFILAXIA Não existe um medicamento profilático para quem se encontra em áreas endêmicas, mesmo que por pequeno período de tempo. Deve ser evitado o contato humano-vetor. O controle tem com base principalmente três pontos básicos: tratamento de todas as pessoas parasitadas, combate ao inseto vetor e melhoria sanitária. TRATAMENTO O tratamento da filariose bancroftiana é feito tendo-se três objetivos: (1) reduzir ou prevenir a morbidade em indivíduos com infecção ativa; (2) correção das alterações provenientes do parasitismo (edema, hidrocele); e (3) impedir a transmissão a novos hospedeiros. Contra o parasito, o medicamento utilizado é o citrato de dietilcarbamazina (DEC). A dose usual recomendada pela OMS para tratamento individual é 6 mg/kg/dia, via oral, durante 12 dias. A ivermectina, um antibiótico semissintético de largo espectro, tem sido utilizado em diferentes regiões endêmicas. Esse medicamento é muito eficaz na redução da microfilaremia em dose única de 200-400 μg/kg, mas não atua sobre os vermes adultos, não curando completamente a infecção. Tem-se observado que, meses apos o tratamento com ivermectina, a microfilaremia reaparece em um grande número de pacientes. A DEC também é o medicamento de escolha para os casos de eosinofilia pulmonar tropical, na qual acentuada melhora clínica ocorre poucos dias apos o início do tratamento e a função pulmonar retoma ao normal se os danos no órgão não foram extensos. O uso da DEC diminui significativamente os quadros agudos e reduz o desenvolvimento de lesões obstrutivas (quando em fase inicial), mas pacientes com intensa hidrocele ou elefantíase não apresentam melhora após o tratamento. Outro medicamento que tem sido estudado para este fim, o albendazol, não temefeito microfilaricida em curto prazo quando administrado em dose única. Para o tratamento do linfedema, recomenda-se intensiva higiene local, com uso de água, sabão e, quando necessário, administração de antibióticos, para combater infecções bacterianas que agravam o quadro.