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3 TEXTO SOBRE A INFALIBILIDADE DA LINGUAGEM

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA 
DEPARTAMENTO DE LETRAS E ARTES 
ESPECIALIZAÇÃO EM LINGUÍSTICA E ENSINO-APRENDIZAGEM DE LÍNGUA PORTUGUESA 
PROFª. LÍVIA DE CARVALHO MENDONÇA 
 
 
SOBRE A INFALIBILIDADE DA FACULDADE DA LINGUAGEM 
Aniela Improta França / UFRJ 
anielaimprota@terra.com.br 
 
Até mesmo para uma análise ligeira, o fato de sermos, de forma indubitável, falantes nativos de uma dada 
língua, reconhecermos outros falantes nativos da mesma comunidade lingüística e interagirmos com eles 
lingüisticamente sem nenhuma demora no processamento é no mínimo surpreendente. Ainda mais surpreendente é 
sabermos que adquirimos nossa língua-mãe, assim desta forma impecável, sem nenhum esforço consciente, durante os 
primeiros 24-30 meses de nossas vidas, enquanto muitos anos de árduo trabalho intelectual são necessários para a 
aquisição, ainda imperfeita, de uma língua estrangeira. 
Além disso, se compararmos o desempenho do falante nativo (quanto ao tempo de compreensão e produção, 
adesão ao padrão lingüístico da comunidade e eficácia na comunicação) ao desempenho lingüístico do falante 
proficiente de uma língua estrangeira ou mesmo de programas de computador especializados para a geração e 
interpretação de língua, poderemos ver a supremacia da língua nativa em todos os pontos. Mas o que torna a 
aquisição da língua mãe um processo tão especial? 
Tal indagação sobre da Faculdade da Linguagem justifica a devoção de inúmeros cientistas que partem mais e 
mais ao seu encalço. O mais célebre desses cientistas, Noam Chomsky, na década de 50 começa sua trajetória 
profissional constatando que se todos os humanos, de qualquer cultura, adquirem linguagem durante os primeiros 24 
meses de vida – o período crítico para o desenvolvimento da linguagem - há de haver diversas semelhanças entre as 
línguas naturais, algo que ele passa a chamar de universais lingüísticos ou princípios lingüísticos que formariam o 
que há de igual em todas as línguas naturais. Estas semelhanças, delimitadas geneticamente, minoram a tarefa de 
aquisição da língua mãe durante os primeiros anos de vida da criança permitindo que as particularidades de uma dada 
língua a qual o indivíduo esteja exposto possam ser paulatinamente percebidas e processadas por seu aparato 
biológico, de forma que, no fim do processo de aquisição, a criança possa ser, sem sombra de dúvida, considerada 
membro verdadeiro de uma dada comunidade lingüística. Qualquer indivíduo, aos 24 ou 30 meses de idade, é imaturo 
para vida, mas já é capaz de usar sua língua-mãe de forma criativa para expressar conteúdos que em muito superam os 
conteúdos constantes nos sistemas de comunicação de outros animais. Notem pelos exemplos a seguir como a 
linguagem se desenvolve aos supetões. Crianças dentro das faixas etárias citadas já usam praticamente toda a riqueza 
estrutural, semântica e fonológica que a língua permite: 
1Marcelo (14 meses): “Qué a bola vermelha!”  Marcelo foi capaz de implementar uma perfeita seleção de 
complemento para o verbo ‘querer’, e usou perfeitamente a morfologia nominal do português, mas ainda não usa a morfologia 
verbal padrão. 
Lucca (18 meses): “Me dá o teu cavalinho. Quero brincar com ele”.  Além das operações utilizadas por Marcelo, 
Lucca já mostra evolução na morfologia verbal e faz uso das relações referenciais envolvendo pronome e é capaz de produzir 
complementos verbais sentenciais. Em termos fonológicos o /r/ tepe já está sendo articulado com nitidez. 
 
Tatiana (27 meses): “Ela é feia. Não quero que ela brinque comigo.Quero a Jana.”  Tatiana faz uso da negação verbal e 
também do subjuntivo. 
 
Chomsky se interessou especialmente em procurar uma solução para o que ele chama de Problema de 
Platão: Como podem as crianças saber tanto, tendo tão pouca evidência? Referia-se ao fato espetacular de uma 
criança aprender a falar de forma irretocável quando ainda é tão pequena e a partir de tão pouca experiência. Chomsky 
então formula o Problema da Pobreza de Estímulo, que tem origem nas três observações seguintes: 
(i) Os dados lingüísticos recebidos pela criança são finitos, mas a capacidade lingüística que ela atinge, lhe 
permite compreender e emitir um número ilimitado de sentenças. Isto é possível através de uma propriedade recursiva, 
ou seja, propriedade de encaixes infinitos só limitados pela nossa capacidade de memória. Por exemplo: 
Recursividade Verbal 
A1. João mora aqui. 
A2. João, que comprou um carro amarelo, mora aqui. (1 encaixe) 
A3. João, que comprou um carro amarelo que tem um amassado na porta, mora aqui. (2 encaixes) 
A4. João, que é primo do Otávio, que comprou um carro amarelo que tem um amassado na porta, mora aqui. 
(3 Encaixes. Apesar de trazerem um peso para memória, o que pode já atrapalha a compreensão da frase, existe a 
integridade da estrutura gramatical) 
 
1 Retirado do corpus da autora com crianças da Creche Butterfly em Copacabana. 
 
 2 
 
Recursividade Nominal 
B1. O edifício do menino. 
B2. O porteiro do edifício do menino. 
B3. O filho do porteiro do edifício do menino. 
B4. O amigo do filho do porteiro do edifício do menino 
 
(ii) A experiência primária (a fala que a criança ouve ao seu redor) é constituída, em grande parte, por dados 
degenerados (interrupções, reformulações, misturas de dialetos e de línguas). Apesar de termos a nítida impressão de 
que a mãe se esforça em exercitar a capacidade de fonação da criança, a compreensão da criança à época das primeiras 
fonações excedem em muito o que ela efetivamente articula. Ela já tem mais capacidade lingüística do que produz. 
 (iii) A experiência não fornece dados necessários para que a criança deduza como estruturar a língua alvo. E 
no entanto uma criança de dois anos domina perfeitamente as grandes complexidades de sua língua-mãe, sejam elas 
quais forem: tons (chinês), declinações (alemão), articulações complexas (árabe), estruturas ergativas (línguas 
indígenas brasileiras) etc. 
Observações de tal natureza levantam a questão: Como será possível para uma criança, dada tal situação de 
evidência de dados primários restritos, (pobreza de estímulo) adquirir infalivelmente plena competência de um falante 
nativo até os 24 meses? Ou: Como caracterizamos este saber adquirido a ponto de discriminá-lo? Ou ainda: Como 
reconhecemos semelhanças e dessemelhanças lingüísticas? As respostas a estas perguntas podem ser encontradas na 
Teoria de Princípios e Parâmetros, proposta por Chomsky. Ao nascermos temos um aparato neurológico ricamente 
predisposto para tal tarefa específica de adquirir uma língua, seja ela qual for. Chomsky propõe um modelo que, além 
de estabelecer princípios universais que governariam todas as línguas naturais, investiga a possibilidade de o falante 
portar um conjunto de parâmetros que dê acesso a um número de opções a partir das quais ele possa desenvolver os 
parâmetros de sua língua como tecido nervoso e involua a capacidade neurológica para a maturação de outras opções 
paramétricas que seriam perfeitas para uma outra língua. A parametrização ocorre no momento em que a recepção de 
evidência positiva do meio externo faz com que o indivíduo amadureça circuitos neuronais que melhor se coadunem 
com a evidência positiva que recebeu. 
 
“Podemos comparar o estado inicial da faculdade de linguagem com uma fiação fixa conectada a 
uma caixa de interruptores; a fiação são os princípios da linguagem, e os interruptores são as opções 
(parâmetros) a serem determinadas pela experiência. Quando os interruptores estão posicionados de 
um modo, temos o bantu; quando estão posicionados de outro modo, temos o japonês. Cada uma das 
línguas humanas possíveis é identificadacomo uma colocação particular das tomadas - uma fixação 
de parâmetros, em terminologia técnica. Se esta abordagem de pesquisa der certo, deveríamos poder 
literalmente deduzir o bantu de uma escolha dos posicionamentos, o japonês de outra e assim por 
diante por todas as línguas que os seres humanos podem adquirir. As condições empíricas em que se 
dá a aquisição de língua requerem que os interruptores sejam posicionados com base na informação 
muito limitada que está disponível para a criança. Notem que pequenas mudanças em 
posicionamento de interruptores podem conduzir a uma grande variedade aparente em termos de 
output, pela proliferação dos efeitos pelo sistema. Estas são as propriedades gerais da linguagem que 
qualquer teoria genuína precisa captar de algum modo.” (CHOMSKY, 1998, p. 23) 
 
Estas idéias inatistas de Chomsky representavam uma verdadeira revolução para o conjunto de saberes 
dos anos 50. Muitas pessoas foram radicalmente contra Chomsky. Entre elas estão os psicólogos Jean Piaget e 
Burrhus Frederic Skinner, que muito influenciam até hoje o pensamento ocidental moderno, entendendo o homem 
como um produto da sociedade e da cultura. Sempre defendendo o componente inato, ou o substrato genético no 
desenvolvimento humano. Chomsky travou duros embates contra Skinner e Piaget, embates estes registrados em 
livros que se tornaram indispensáveis tratados epistemológicos da ciência atual. 
Outro importante cientista nos anos 50, Eric Lenneberg, teve papel fundamental ao ceder apoio a 
Chomsky na propagação de suas idéias inatistas. Lenneberg desenvolveu uma comparação minuciosa entre o andar 
bípede, habilidade que se adquire sem ajuda do meio externo, e duas outras habilidades conquistadas por crianças: o 
desenvolvimento da linguagem e o aprendizado da escrita. Ele queria verificar como linguagem e a escrita seriam 
comparadas ao andar bípede que é indubitavelmente mediado por substrato genético. Em sua comparação, Lenneberg 
pautou-se por critérios bem definidos: (i) variação dentro da espécie; (ii) história da implantação e desenvolvimento da 
atividade; (iii) predisposição hereditária; e (iv) existência de correlações orgânicas específicas. O resultado da 
comparação demonstra que (i) a escrita varia muito dentro da espécie humana. Ela não é utilizada por todas as 
populações já que há muitos povos ágrafos e muito anafalbetismo no mundo, enquanto a linguagem e o andar bípede 
são uniformemente adquiridos por todos os indivíduos sadios da espécie; (ii) é possível traçarmos uma história dos 
diferentes sistemas da escrita, mas não podemos conceber diferenças históricas nem para o desenvolvimento da 
linguagem nem para o andar bípede dentro de nossa espécie; (iii) a locomoção bípede advém de uma conformação 
 
 3 
biológica que se estrutura para este fim por volta dos doze meses, assim com a linguagem é externalizada por volta 
dos 24 meses a partir de uma aparelho fonador que chega a ter um tônus apropriado para a fala sem que haja nenhuma 
intervenção do meio externo. Em comparação, a escrita é adquirida a partir de treinamento; (iv) o andar tem 
correlações orgânicas facilmente detectáveis, como a forma dos pés, o suporte dos longos músculos da perna, a 
fisiologia do equilíbrio através do controle cerebelar. A fala tem igualmente correlatos orgânicos no aparelho fonador 
e nas áreas cerebrais que se organizam para a linguagem. Porém escrita, o contato da criança com o material escrito e 
com papel e lápis não resulta, automaticamente, na aquisição da capacidade de ler e escrever. A transmissão da leitura 
e da escrita é um ato cultural, não é uma emergência orgânica. 
Lenneberg também advoga o fato de que há um prazo específico para que os parâmetros relativos à 
cognição lingüística possam fazer espocar a linguagem pelo contato com os dados primários: é o chamado Período 
Crítico, momento em que o cérebro infantil está dotado de uma extraordinária plasticidade especificamente para uma 
dada cognição e pode mediar, sem nenhum esforço consciente, o desenvolvimento concreto de circuitos neuronais 
próprios para o perfeito comando de uma ou mais línguas naturais. Apesar de em uma criança normal, a linguagem 
estar praticamente formada entre os 24 e 30 meses de idade, este período critico pode ser estendido até por volta dos 7 
anos de idade. Muitas crianças que vivem em ambientes multilingües se valem desta extensão para obter proficiência 
nativa em mais de uma língua. Por exemplo, leia sobre a família Castro Neves do Rio de Janeiro. 
 
Ana Castro Neves: “Nosso filho João nasceu aqui no Brasil e aprendeu português como primeira 
língua. Quando ele tinha 4 anos, o Paulo, meu marido, ganhou uma bolsa para fazer o doutorado na 
França e a gente se mudou para Paris. João não falava uma palavra de francês, mas nós botamos ele 
na escola e depois de uns seis, sete meses ele começou a falar francês perfeito. Português com a gente 
em casa e francês na escola e na rua. Daí a Luisa, a nossa mais nova, nasceu lá na França. Até os dois 
anos ela praticamente só ficava comigo, então aprendeu português. Quando ela foi para escola ela 
aprendeu francês e não queria mais falar português. A gente falava português com ela e ela só 
respondia em francês. Com o irmão falava francês direto. Quando a gente voltou para o Brasil, ela 
tinha 5 anos e era monolingüe. Só francês. O João continuava bilíngüe. Pensamos primeiro em botar a 
Luisa em escola Francesa no Rio, com medo de ela não se adaptar. Mas por causa do preço, acabamos 
botando em colégio brasileiro mesmo. Mas para nossa surpresa em três meses ela começou a falar 
português perfeito. Eu e o Paulo falamos francês bastante bem mas sempre com muita interferência 
do português apesar do nosso esforço de minorar esta interferência durante os seis anos que passamos 
na França.” 
 
A Formulação Paramétrica em outros campos da Biologia 
 
“A linguagem da criança cresce na mente assim como o sistema visual desenvolve a capacidade para 
a visão binocular, ou assim como uma criança entra na puberdade em um certo estágio de maturação. 
A aquisição de linguagem é algo que acontece a uma criança imersa em um certo meio ambiente. Não 
é algo que a criança faz.” (CHOMSKY, 1993, p. 29, tradução minha) 
 
 
No espírito desta formulação paramétrica, Piatelli-Palmarini (1989) traça um paralelo entre o switch 
paramétrico da aquisição de linguagem e os achados da biologia e imunologia, para concluir que a parametrização ou 
seleção de um entre vários valores inatos para uma variável é a única forma humana de aprendizagem: 
 
“Sugiro que o que agora é chamado de ‘aprendizado’, em qualquer ramo da biologia, não tem relação 
alguma com a transferência de estrutura, mas sim com mecanismos de seleção e filtragem internas, 
que afetam uma seqüência de recombinações internas múltiplas pré-programadas e comutadores 
internos. Como veremos, o modelo básico de aquisição é melhor capturado pela noção de hierarquia 
de fixação de parâmetros.” 
 
Piatelli- Palmarini afirma que apesar de o espírito da modularidade inscrito na Teoria Gerativa ter sido 
motivado independentemente de outros domínios cognitivos, há várias outras manifestações paramétricas descritas em 
estudos recentes da genética molecular e da biologia evolucionária. Estes estudos advogam o fato de que o 
desenvolvimento do homem é a especialização do rico repertório inato através de mecanismos de seleção interna. O 
meio não cede nenhum conteúdo novo ao organismo humano - apenas guia a escolha maturacional dentre os 
conteúdos internos residentes. Como exemplo deste mecanismo, o autor cita um tópico da imunologia - a relação 
anticorpo/antígeno. 
Na imunologia, até 1955, não se aceitava que a aquisição de conteúdosse desse na realidade através de 
mecanismos inatos de maturação ou seleção. Pensava-se, por exemplo, que a formação de anticorpos para um dado 
antígeno era fruto de um processo de instrução que o meio interno recebia do externo. Pensava-se isto porque a idéia 
de que traríamos todo o repertório de anticorpos já pronto parecia ir contra aos princípios de economia e racionalidade 
 
 4 
que, de uma maneira geral, permeiam o funcionamento do corpo humano. Desta forma, acreditava-se que o agente 
externo, antígeno, instruía o organismo quanto à forma específica de anticorpo que serviria para identificá-lo. É 
importante ressaltar que a especificidade necessária para tal reconhecimento é muito complexa e conseqüentemente, o 
número de anticorpos necessários seria extremamente grande. Além disso, pelo mesmo raciocínio, se a própria Teoria 
da Evolução descreve que os não-adaptados involuem, mesmo que tivéssemos nascido com todo o repertório de 
anticorpos, provavelmente involuiríamos todos aqueles que não tivessem tido função, ou seja, que não tivessem 
reconhecido seu tipo específico de antígeno, porque este antígeno simplesmente não passou do meio externo para o 
interno. Portanto, a explicação aceita para a resposta imunológica contava com a existência de globulinas amorfas, 
compostas por ceras moleculares que ficariam soltas no corpo até serem moldadas por instrução externa, no 
momento da inserção de um antígeno no meio interno. 
Porém, em 1955, Niels K. Jerne (Prêmio Nobel de Medicina em 1984) apostou em uma explicação seletiva 
para o problema da formação de anticorpos, e só alguns anos mais tarde, depois de outras pesquisas com achados 
semelhantes, os imunologistas em geral aceitaram sua explicação, que acabou por lhe render um Prêmio Nobel em 
1985. Jerne provou que o antígeno típico é uma molécula complexa com vários locais de reconhecimento (chamados 
epitopes). Acontece que epitopes semelhantes em seus traços fundamentais são compartilhados por uma família de 
anticorpos. Então, quando um antígeno entra no organismo, primeiramente uma dada família de anticorpos é toda 
selecionada, mas as características específicas para o reconhecimento daquele antígeno vão ser sintetizadas em uma 
segunda exposição. Concluindo, a maturação e especialização do epitopes acontece a partir das conseqüentes 
exposições ao antígeno. Hoje, é do domínio da imunologia que cada organismo nasce com a capacidade genética para 
“parametricamente” gerar muitos milhões de tipos de anticorpos. 
Especificamente na lingüística, a abordagem paramétrica propôs três novos objetivos de investigação. São 
eles: (i) a identificação dos parâmetros relevantes e seus valores que discriminam as linguagens entre si; (ii) a 
individualização dos parâmetros e a distinção entre estes e os princípios da gramática universal; (iii) a identificação 
dos mecanismos que fixam os valores dos parâmetros a partir da exposição do falante à sua língua. 
 
Casos em a língua-mãe não se desenvolve ou é maculada 
 
De fato, a aquisição de uma língua mãe irretocável é infalível para todos seres humanos exceto para: 
 
1. Casos de surdez: Crianças acometidas por deficiência auditiva durante o período crítico para aquisição de 
linguagem, ou seja, do nascimento até os 7 anos de idade, não tiveram contato com os dados primários que 
deflagariam as escolhas paramétricas correspondentes à lingua da comunidade. Sem as opções paramétricas terem sido 
incorporadas até os 7 anos de idade, o substrato neurológico para linguagem (língua-mãe) não pode ser mais se 
desenvolver como residente no córtex. Um outro sistema se desenvolve – Lingua de sinais – que ao invés de usar a 
interface fonológica usa a interface gestual e facial. 
2. Casos de “crianças selvagens”: São indivíduos que, por alguma razão, foram criados sozinhos e portanto sem 
linguagem humana a sua volta e que nunca chegaram a desenvolver língua materna. Vejamos, por exemplo, o caso de 
Genie. Trata-se de uma menina achada aos 13 anos pelas autoridades, após ter sido totalmente privada de contato 
humano e de qualquer input lingüístico até aquela data. Quando Genie foi reconduzida a um meio social comum, dois 
fatos ressaltaram: (i) Genie tinha a capacidade de aprender muitos itens lexicais, mostrando até sutilezas nocionais; 
apesar disto, (ii) ela nunca conseguiu proficiência lingüística para concatenar estes itens sintaticamente e para 
desenvolver fala além do nível telegráfico. A sua capacidade de expressão por meio da linguagem falada era muito 
limitada. (CURTISS, 1977, 1981) O achado de Curtiss corrobora a tese de Lenneberg (1921-1975) a respeito da 
aprendizagem de língua-mãe dentro do Período Crítico. No caso de Genie, a exemplo de crianças com surdez 
congênita, a linguagem em Genie não se desenvolveu porque a criança não teve contato com os dados primários da 
língua-mãe durante o período no qual ela poderia vir a desenvolver linguagem e ser uma falante nativa de inglês. Por 
outro lado, Genie demonstrou ter um desenvolvimento cognitivo normal. Após curta exposição, ela conseguiu atingir 
o nível de se fazer entender adequadamente por gestos sobre os fatos do presente, passado e futuro, sobre o mundo 
animado, inanimado, físico e condicional. Entendia os objetos ao seu redor, sabia manipulá-los com propriedade 
social. Seu resultado no teste de Q.I. foi normal. 
3. Casos de indivíduos afásicos: Aqueles acometidos por certas lesões cerebrais que resultam em perda de tecido 
cerebral com conseqüente erosão da produção lingüística. Tais acometimentos podem ter sido causados por 
entupimento circulatório ou hemorragia, afetando a divisão superior de uma artéria cerebral; pode também advir de 
acidentes de impacto ou de tumores. Em todos estes acometimentos há alguma perda na integridade dos tecidos 
neurológicos. 
As afasias passaram a ser melhor estudadas a partir da metade do século XIX, quando o neurologista francês 
Pierre Broca (1824-1880), descreveu o caso de um paciente com gangrena, em estado terminal, que foi levado ao 
hospital, no verão de 1861. Chamava-se Leborgne, tinha quarenta anos e um histórico de epilepsia. Ele havia sofrido 
 
 5 
 Produção típica de um indivíduo com afasia fluente 
um acidente vascular cerebral (AVC) alguns anos antes, o que lhe tirou o movimento do lado direito do corpo. Depois 
deste acometimento, Monsieur Leborgne podia entender o que lhe era dito, mas conseguia pronunciar apenas ‘tan’2. 
A forma de expressão deste paciente se tornava ainda mais curiosa, pois Monsieur Leborgne conseguia produzir o 
contorno prosódico da frase intencionada, preenchendo-a com repetições da sílaba “tan”. 
Broca então começou a suspeitar que talvez houvesse no cérebro uma área especializada para a linguagem, 
vista como conteúdo cognitivo, e que esta área, no Monsieur Leborgne, poderia ter sido alterada em função do seu 
AVC. 
Dias mais tarde, Monsieur Leborgne veio a falecer. Broca fez um exame post-morten do cérebro do paciente, 
mas não seccionou os tecidos. Este exame revelou que havia uma lesão no hemisfério 
esquerdo, exatamente na região adjacente ao córtex motor, na terceira circunvolução do 
giro frontal inferior esquerdo. Tal região que passou a ser identificada por ele como o 
centro da faculdade de linguagem. 
Em 1865, foram encaminhados a Broca mais oito pacientes que haviam sofrido 
AVC. Eles apresentavam hemiplegia direita e déficits lingüísticos. Mais 
especificamente, Broca notou que estes pacientes tinham dificuldade de usar palavras 
do tipo classe fechada (como preposições, conjunções, pronomes), o que fazia a fala 
deles parecer telegráfica. Por exemplo: 
Médico: “O que o senhor fez ontem? 
Paciente: “Sim ontem... ah... fui dentista, quarta, 10horas, gengiva. operação.” 
Tais sintomas já tinham sido observados por Broca antes do atendimento ao Monsieur Leborgne, mas agora 
seriam observados e comparados com os achados do caso famoso. Broca também observou que estes pacientes tinham 
Apraxia de Fala, ou seja, tinham dificuldade de repetir o que lhes era dito, embora pudessem até entender o conteúdo 
do discurso. 
Dentro do mesmo espírito de Broca, o neurologista 
alemão Carl Wernicke (1848-1905) “O Complexo Sintomático 
da Afasia: um estudo psicológico sobre Base Anatômica”, 
descrevendo o caso de dois pacientes que sofreram um AVC, 
mas, diferentemente dos pacientes de Broca, tinham sua fala 
razoavelmente fluente, embora de conteúdo vazio. Além disto, 
o paciente não conseguia entender a linguagem falada ou 
escrita, ou seja, tinha claramente um distúrbio de compreensão, 
provavelmente até do que ele próprio falava. Após a morte 
destes pacientes, na dissecção cerebral, Wernicke percebeu que 
eles tinham uma 
lesão no ponto de encontro entre os lobos parietal e temporal, na região 
posterior do hemisfério esquerdo, que passa a ser conhecida como área de 
Wernicke. Wernicke e seu discípulo Lichtheim reuniram os achados sobre 
a linguagem até então em um modelo conhecido como modelo conexionista 
ou “Casa de Lichtheim” que concebe a linguagem como sendo fruto da 
conexão de três áreas: área de Broca (área motora para sintaxe); área de 
Wernicke (área auditiva para a fonologia) e uma área não localizada por eles mas que eles acreditavam que teria de 
existir para prestar a contraparte semântica do modelo. Este modelo, que chegou até aos livros de medicina dos anos 
atuais, não traduz nem de longe a complexidade do processamento de linguagem 
que a neurociência da linguagem pôde verificar a partir do ano 2000. As ciências 
da linguagem estão passando agora por uma extraordinária revolução que verifica 
que a linguagem é estruturada em micro módulos que trocam informações 
dinamicamente entre os dois hemisférios cerebrais. Então fiquem atentos porque 
muito mais virá por aí, reconfigurando definitivamente as fronteiras disciplinares 
e puxando a lingüística para fora das Letras e para o centro das ciências 
Biológicas. 
REFERÊNCIAS 
CHOMSKY, N. Beyond explanatory adequacy. Cambridge, Massachusetts: MIT Working Papers in 
Linguistics, 2001. 28 p. (MIT Occasional Papers in Linguistics, 20) 
______. New horizons in the study of language and mind. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 
2000. 230 p. 
______. Derivation by phase. Cambridge, Massachusetts: MIT Working Papers in Linguistics, 1999. 43 p. (MIT Occasional Papers in Linguistics, 18) 
______. Noam Chomsky na UFRJ. Coordenação de Luiz Pinguelli Rosa e Miriam Lemle. Rio de Janeiro: COPPE/UFRJ, 1998. 145 p. 
CURTISS, S. Dissociations between language and cognition: cases and implications. Journal of Autism and Developmental Disorders, Dordrecht, The 
 
2 Do caso do Mr. Leborgne derivou a expressão “tan-tan”, referindo-se a pessoas com algum problema nas faculdades mentais. 
área motora área auditiva 
Casa de Lichtheim 
 
 6 
Netherlands, v. 11, n.1, p. 15-29, March 1981. 
______. Genie: a psycholinguistic study of a modern-day ‘wild child’. New York: Academic Press, 1977. 288 p. 
JERNE N.K.. The generative grammar of the immune system. Science Washington 229: p.1057—1059. 1985 
LENNEBERG, E. Biological foundations of Language. New York: Wiley, 1967. 489 p. 
PIATTELLI-PALMARINI, M. - Evolution, selection and cognition: from “learning” to parameter setting in biology and in the study of language. Cognition, New 
York, v. 31, n. 1, p. 1-44, February 1989. 
______. (Ed.) Language and learning: the debate between Piaget and Chomsky. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 1980. 409p.

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