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TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo Registro: 2012.0000420400 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº 9000001- 54.2007.8.26.0269, da Comarca de Itapetininga, em que é apelante MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, é apelado NOEMI APARECIDA FERREIRA DE OLIVEIRA. ACORDAM, em 2ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento ao apelo Ministerial, para determinar que a apelada seja submetida a novo julgamento pelo E. Tribunal do Júri. V.U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores ANTONIO LUIZ PIRES NETO (Presidente sem voto), ALMEIDA SAMPAIO E FRANCISCO ORLANDO. São Paulo, 20 de agosto de 2012 IVO DE ALMEIDA RELATOR Assinatura Eletrônica TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo Apelação nº 9000001-54.2007.8.26.0269 2/6 Apelação nº 9000001-54.2007 Apelante: Ministério Público Apelada: Noemi Aparecida Ferreira de Oliveira Voto nº 1400 Homicídio qualificado. Decisão dos Jurados reconhecendo que a ré estava sob a influência do estado puerperal. Desclassificação. Infanticídio. Insurgência da acusação. Nulidade do julgamento. Necessidade. Decisão contrária à prova dos autos. Apelo Ministerial provido. Vistos. Noemi Aparecida Ferreira de Oliveira foi condenada pelo MM. Juiz de Direito da 2ª Vara do Júri da Comarca de Itapetininga à pena de três (03) anos de detenção, no regime inicial semiaberto, por infração ao artigo 123 do Código Penal (fls. 865/866). Irresignado, o Ministério Público apela sustentando que a decisão foi contrária à prova dos autos, pois a tese aceita pelos jurados (a ré praticou o delito em estado puerperal) não encontra respaldo no conjunto probatório (fls. 883/886). Regularmente processado o recurso, a douta Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo provimento do apelo ministerial para anular o julgamento (fls. 906/910). É o relatório. A acusada Noemi Aparecida Ferreira de Oliveira, foi denunciada e pronunciada como incursa no artigo 121, § 2º, II, III e IV, c,c, artigo 61, II, “e”, todos do Código Penal, porque, no dia 05 de outubro de 2007, por volta das 23h50min, na Rua Waldomiro Lopes, s/n, TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo Apelação nº 9000001-54.2007.8.26.0269 3/6 Vila Aurora, na cidade e comarca de Itapetininga, agindo com intenção homicida e por motivo fútil, utilizando-se de meio cruel e valendo-se de recurso que impossibilitou a defesa da vítima, espancou seu filho recém- nascido, bem como perfurou o corpo do mesmo seguidas vezes, resultando na decapitação e amputação do braço esquerdo, causando-lhe a morte. Segundo a peça acusatória “no dia e local dos fatos o corpo de um recém nascido foi encontrado sem o braço esquerdo e decapitado, apresentando, ainda, diversas perfurações e hematomas pelo corpo. De acordo com as diligências realizadas neste procedimento, constatou-se que a genitora da vítima, após dar a luz à criança, a espancou e em seguida perfurou seu corpo por diversas vezes com um facão. Ato contínuo, a investigada desferiu um golpe com o facão que amputou o braço esquerdo da vítima, e outro golpe decapitou a criança. Observa-se que a averiguada praticou o delito valendo-se de recurso que impossibilitou a defesa da vítima, eis que a indiciada não deu oportunidade para vítima esboçar qualquer reação para que alguém pudesse lhe socorrer. Não obstante, a vítima praticou o delito utilizando-se de meio cruel, haja vista a violência e brutalidade com que matou seu filho, demonstrando que fez questão de causa sofrimento atroz e desnecessário à vítima, conforme se denota das fotos acostadas às fls. 28/40. O motivo fútil também restou configurado pelo fato da investigada matar seu filho somente porque não o queria, motivo este insignificante e totalmente desproporcional ao ato praticado. Por fim, o Laudo do Núcleo de Biologia e Bioquímica do Instituto de Criminalística constatou, através do material recolhido na residência da investigada (fls. 85/92), que a criança, ora vítima, realmente era filho da indiciada.” TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo Apelação nº 9000001-54.2007.8.26.0269 4/6 Convém esclarecer, de início, que o corpo de jurados acolheu a tese de que a acusada agiu sob a influência do estado puerperal, circunstância que fez com que o delito fosse desclassificado para infanticídio (artigo 123 do Código Penal). É sabido que não basta o inconformismo de uma das partes para que exista a possibilidade de modificação do julgamento, é necessário que a decisão seja manifestamente contrária à prova dos autos. Decisão manifestamente contrária à prova dos autos, apta a ensejar a anulação do Júri, “é aquela que não tem apoio em prova nenhuma dos autos, é aquela que não tem a suportá-la, ou a justificá- la, qualquer dado indicativo do acerto da conclusão adotada, e não, ao contrário, aquela que se assenta em alguns, ainda que poucos, elementos de convicção, em pormenores razoavelmente evidenciados pelas provas dos autos” (TJSP, 2ª Câmara Criminal, Ap. Crim. 227.259-3/8, rel. Canguçu de Almeida, RT 746/580). Hipótese dos autos. A materialidade do delito foi comprovada pelo exame necroscópico de fls. 49/55 e laudo de fls. 26/40. É fato incontroverso que a acusada matou a vítima. Na delegacia a ré negou a gravidez e a autoria dos fatos (fls. 93/94). Em Juízo disse que o filho nasceu morto após seis meses de gestação. Estava andando quando a criança nasceu, diante disso deixou o corpo no local (fls. 264). Em plenário, relatou que não desejava a gravidez porque o filho não pertencia ao seu ex-marido. Nunca tentou abortar o feto, afirmou que a criança nasceu morta (fls. 847/859). TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo Apelação nº 9000001-54.2007.8.26.0269 5/6 O laudo necroscópico constatou que a criança nasceu viva e foi morta porque foi espancada e teve seu corpo perfurado por inúmeros golpes resultantes da ação de agente pérfuro-cortante, mutilado por igual instrumento (fls. 49/50). Na residência da acusada foi encontrado um facão onde se constatou a presença de substância hematóide (fls. 79/81). A acusada é mãe do ofendido, particularidade comprovada pelo exame de DNA (fls. 57/65). As testemunhas Graziela Cristina de Oliveira e Mavilde das Graças Cleto Santos, a primeira filha da acusada e a segunda agente de saúde, disseram que a ré desde o momento que soube da gravidez rejeitou a possibilidade de ter a criança. A filha da ré descreve em detalhes os artifícios utilizados pela mãe para abortar o filho. A agente de saúde presenciou a acusada dizendo que abortaria a criança. Não fez nenhum acompanhamento de 'pré-natal' (fls. 42/43, 67, 326/340 e 341/351). O exame de corpo de delito feito na acusada negou o estado puerperal (fls. 197). O médico Dr. Edson Herkes corroborou a conclusão nele contida (fls. 140/141 e 363/368). Realizado exame pericial constatou-se que a acusada é mentalmentesã e que nunca esteve em estado puerperal (fls. 486/489). Como se vê, o ato praticado foi pensado e querido, em nenhum momento agiu sob a influência do estado puerperal, que não é premeditado e ocorre com o começo do parto. Nesse contexto, por ser a decisão do Conselho de TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo Apelação nº 9000001-54.2007.8.26.0269 6/6 Sentença contrária à prova dos autos, a anulação do julgamento é imperiosa. Ante o exposto, dá-se provimento ao apelo Ministerial, para determinar que a apelada seja submetida a novo julgamento pelo E. Tribunal do Júri. IVO DE ALMEIDA Relator
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