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18 CEFAC CENTRO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FONOAUDIOLOGIA CLÍNICA VOZ MACONHA E COCAÍNA : O QUE PROVOCAM NAS PREGAS VOCAIS? IEDA RUEGGER SÃO PAULO 1997 CEFAC CENTRO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FONOAUDIOLOGIA CLÍNICA VOZ MACONHA E COCAÍNA : O que Provocam nas Pregas Vocais? IEDA RUEGGER Monografia de conclusão do curso de especialização em voz SÃO PAULO 1997 RESUMO Muitos profissionais da voz, principalmente cantores da noite e atores, que chegam ao consultório com problemas vocais, são usuários de drogas. Durante nossa anamnese, este dado é levantado e na orientação, nos faltam conhecimentos aprofundados do por quê devemos solicitar a estes pacientes o abandono deste hábito. Meu trabalho se baseia nos efeitos causados pelas drogas no trato vocal e respiratório e, consequentemente na voz, para nos ajudar a fazer uma orientação mais completa a estes pacientes, a fim de obtermos uma melhora mais rápida e evitarmos uma reincidência do problema. SUMÁRIO 1 - Introdução 2 - Discussão teórica 3 - Considerações finais 4 - Referências bibliográficas INTRODUÇÃO A voz é o principal instrumento da comunicação, porque é através dela que expressamos nossos pensamentos e sentimentos, dos mais simples aos mais secretos e importantes. Em qualquer reunião de negócios ou em qualquer bate papo com amigos, sempre transmitimos nossas idéias e, com maior ou menor intensidade, nossos sentimentos. A não ser que sejamos bons atores, dificilmente conseguiremos esconder a felicidade, a tristeza, a ansiedade, a raiva, a preocupação e até mesmo a insegurança. Uma fala um pouco mais trêmula, um volume de voz um pouco mais baixo, alguns atropelos nas palavras, uma fala muito rápida, sempre darão indícios daquilo que estamos realmente sentindo. E os cantores? Será que eles conseguem ignorar seus sentimentos enquanto cantam? Alguns expressam claramente aquilo que estão sentindo através da letra e do ritmo de suas músicas, outros não. Mas será que todas as vezes que eles as cantam, estão sentindo exatamente aquilo? Se na maioria das vezes em que falamos ou cantamos temos dificuldades em omitir nossos sentimentos, será que conseguimos esconder uma gripe, uma faringite, uma crise de bronquite ou qualquer outra afecção que atinja o sistema fonatório, direta ou indiretamente? Diversos fatores, como por exemplo, hábitos inadequados de tomar bebida gelada, gritar, falar muito alto, fumar, beber, praticar esportes que exijam muita força, alguns medicamentos, problemas gástricos, hormonais, entre outros, podem causar problemas nas pregas vocais e consequentemente, na qualidade vocal. O fumo e a bebida são dois agentes muito fortes contra a boa qualidade vocal e a boa condição orgânica das pregas vocais. E quando me refiro ao fumo, estou me referindo ao tabaco, à maconha e à cocaína (crack). A maconha, produto derivado da Cannabis sativa, é extraída de sua planta fêmea e utilizada como droga ilícita e recreativa. Fumada como um cigarro de tabaco, tem como efeito imediato a criação de um estado agradável, sonhador, com alteração da atenção, do desempenho cognitivo e psicomotor. Segundo Sataloff (1991), a fumaça e o calor do cigarro são prejudiciais à mucosa e ao trato vocal. A fumaça da maconha é inalada diretamente, provocando uma considerável irritação na mucosa. Já a cocaína é extremamente irritante para a mucosa nasal, ocasionando a vasoconstrição, alterando a sensibilidade, diminuindo o controle vocal e facilitando, desta forma, o abuso vocal. A cocaína é extraída das folhas da planta Erythroxylum coca e pode ser encontrada em pasta ou em pó, podendo ser inalada ou injetável. Quando injetável, normalmente ela é misturada com a heroína. Na grande maioria das vezes, a cocaína comprada em ruas é misturada com outras substâncias como lactose, cafeína e, portanto, não é pura. A cocaína pode ser preparada e tornar-se cocaína alcalóide, que é dissolvida em altas temperaturas, permitindo, assim, que ela seja fumada. Alguns usuários dissolvem a cocaína com solventes como o éter e o álcool. Estes solventes, quando aquecidos, evaporam-se deixando cristais puros de cocaína, que são chamados de “crack” pelos estalidos que fazem quando aquecidos. O crack normalmente é fumado com um cachimbo ou misturando a cocaína aos cigarros de tabaco ou maconha. A absorção da cocaína pela membrana mucosa e pela circulação cerebral é muitíssimo mais rápida em forma de fumo, do que injetável ou aspirada. Haim e col. (1995) referem que os pulmões são os órgãos mais expostos à fumaça da cocaína, desenvolvendo sintomas respiratórios agudos como tosse com produção de escarros, dores no peito com ou sem diminuição respiratória, aumento da asma, ferimentos nas vias aéreas, edema pulmonar, hemorragia, entre outros. Outra queixa, encontrada entre os usuários de cocaína, é queimadura unilateral na região supra glótica, provocadas por uma tela de lã de aço , utilizada para filtrar a cocaína, como revela McQueen e col. (1995). Os autores também mostram, uma grande incidência de ferimentos nas vias aéreas, de pacientes que inalam a cocaína. Assim como Silverman e col. (1995), apresentam em seu artigo achados de edema nas vias aéreas superiores provocado pelo uso da cocaína. Se o uso de maconha e cocaína provocam estes danos nas vias aéreas superiores, na mucosa de todo o trato vocal, podem muito bem provocar danos bastante graves nas pregas vocais e, assim, alterar significativamente a qualidade vocal destes usuários. Se os pulmões são tão atingidos, como revela Haim e col. (1995), podemos acreditar que a capacidade respiratória e o próprio controle respiratório dos usuários também estarão comprometidos, interferindo na performance de um profissional da voz, como por exemplo, um cantor. Pensando em todas estas alterações no trato vocal, no sistema respiratório, no abuso vocal causado pela perda temporária ou não da sensibilidade e, principalmente na qualidade de vida dos cantores populares e da noite, com seus hábitos, vícios de álcool, fumo e drogas, comecei a me questionar como ficam as pregas vocais e, consequentemente, a qualidade vocal, destes cantores que bebem, fumam, se drogam ou até mesmo os três. Desde que comecei a trabalhar com voz em consultório e comecei a estudar um pouco mais sobre o assunto, aprendi que a maconha é um agente dilatador das pregas vocais e a cocaína é um agente constritor. A partir daí entendi um pouco sobre a relevância de perguntar aos pacientes de voz sobre seus vícios, e comecei a fazer um levantamento minucioso do uso de qualquer droga, fosse ela inalada, injetável ou fumada, mas desconhecendo qualquer outro efeito que elas pudessem causar. Com o crescente aumento do número de usuários de maconha, cocaína e principalmente crack, como já é do conhecimento da população de todo o mundo, e conhecendo a grande diferença na qualidade vocal com o uso da maconha, o simples saber que ela é um agente dilatador, deixou-me insatisfeita com os conhecimentos adquiridos até aqui e desejei obter maiores detalhes sobre seus efeitos nas pregas vocais, se estes efeitos ocorrem pelo uso freqüente, acentuado ou prolongado da erva, se eles podem ser tratados ou se as alterações provocadas são irreversíveis. Da mesma forma que o meu conhecimento sobre a maconha é insatisfatório, o meu desconhecimento sobre a cocaína me leva a várias questões. Como por exemplo, o seu efeito sobre as camadas das pregas vocais, já que a cocaína é tão poderosa a ponto de destruir a mucosa nasal, sendo necessário em alguns casos, a colocação de uma prótese; ou ainda, como diz Sataloff (1991), se a sensibilidade é alterada, diminuindo o controle vocal e assim, facilitando oabuso, como fica a voz de um cantor que tem o hábito de entrar no palco drogado? Depois de terem surgido tantas dúvidas sobre o assunto, optei em fazer uma revisão bibliográfica sobre estas duas drogas e consequentemente sobre o crack, que é um derivado da cocaína. Para esta revisão bibliográfica, foi feito um levantamento dos artigos, na BIREME, que falam sobre o assunto e pesquisei em livros médicos os possíveis efeitos das drogas sobre as pregas vocais discutindo um pouco sobre seus efeitos na voz, com base na anatomia e fisiologia laríngeas e na ação das drogas. Após este levantamento bibliográfico, os dados obtidos de diversos autores foram cruzados e discutidos, tentando esclarecer todas as questões até aqui levantadas. DISCUSSÃO TEÓRICA A maconha e a cocaína são duas drogas que merecem a atenção de todos os profissionais que trabalham com a reabilitação vocal, seja daqueles pacientes que dependem de sua voz para o trabalho, como os cantores, atores, professores ou, daqueles que chegam para a consulta com uma simples queixa. Todos os textos lidos até aqui mostram que, de uma maneira ou de outra estas drogas são prejudiciais ao trato vocal, respiratório e, consequentemente, à voz. Segundo Andreus (1995), Behlau e Pontes (1993), Colton e Casper (1990) e Sataloff (1991) a maconha provoca vermelhidão e irritação da mucosa de toda laringe e trato respiratório superior. Para Behlau e Pontes (1993), além da agressão do fumo, o papel utilizado para enrolar a erva, libera toxinas, que também agridem a mucosa e, o hábito de apertar o cigarro ao tragar, eleva muito a temperatura no trato vocal, ocasionando lesões aos tecidos da região. Sataloff (1991) refere ainda, que a fumaça impura da maconha, inalada diretamente também produz um efeito considerável na mucosa. Almadori e col. (1990) citam como efeitos da fumaça da maconha no trato vocal, estomatite, faringite, laringite e uvulite. Guarisco e col. (1988), em seu texto, relatam casos de pacientes com uvulite após a inalação de grande quantidade de fumaça de maconha, 6 a 12 horas antes do aparecimento de seus sintomas. Alguns autores como Taylor e Bernard (1989), Sataloff (1991), Behlau e Pontes (1993) e Case (1996) discutem em seus textos os efeitos da fumaça do tabaco, que agridem todo o sistema respiratório, principalmente as pregas vocais, agindo diretamente sobre a mucosa e podendo causar eritema, suave edema, irritação, pigarro, tosse, aumento das secreções, alergias e infeções. A fumaça e o calor do cigarro são muito importantes, pois, podem causar também, ferimentos térmicos e químicos na vias aéreas superiores e inferiores. Segundo Case (1996) “o efeito habitual da fumaça excessiva é um ameaçador à freqüência fundamental da voz, particularmente em mulheres.” (pág. 148). Para Taylor (1988), Almadori e col. (1990), Caplan (1991) e Nahas e Latour (1992) a maconha tem uma grande relação com o câncer de boca e laringe, que é a segunda malignidade mais comum da cavidade oral. Para eles, ela provoca carcinoma nas células escamosas do trato respiratório superior e inferior; mas para Caplan, o efeito maior é produzido nas vias aéreas superiores. A maconha tornou-se um novo fator de alto risco no desenvolvimento de tumores da cavidade oral, pois sua fumaça, composta por uma fase de gás e outra de alcatrão contém os mesmos irritantes respiratórios do tabaco e vários fatores carcinogênicos, em proporções bastante aumentadas a ele. Os efeitos na voz pelo uso da maconha são citados apenas por Almadori e col. (1990), Colton e Casper (1990), Behlau e Pontes (1993) e Case (1996). Para Colton e Casper o sistema respiratório comprometido causa efeito direto na produção vocal. Case coloca que o usuário de maconha apresenta aspereza em sua voz, dificuldade na mudança do pitch, causando um efeito danoso no canto, e sua boca e garganta são secas. A fumaça inalada causa rouquidão, segundo Almadori e col. e, para Behlau e Pontes, a voz de um usuário de maconha é grave, apresenta problemas de imprecisão na articulação dos fonemas e alterações no ritmo e fluência da comunicação. Outros efeitos decorrentes do uso da maconha, como câncer de pulmão, enfisema, tosse, bronquite, pneumonia, ulcerações bronquiais, aumento da incidência de esquizofrenia, alterações a longo prazo da memória, alterações psicomotoras, cardiovasculares e neurológicas são citados por Colton e Casper (1990), Almadori e col.(1990), Caplan (1991), Nahas e Latour (1992) e Behlau e Pontes (1993). Nahas e Latour (1992) chamam, ainda, atenção ao fato da maconha ser considerada, por muitos autores, uma droga suave e sugerem que deveria ser feito uma revisão para esta consideração, pois os efeitos da maconha são prolongados, prejudicando a memória e aprendizagem e, tóxicos para o pulmão, função cerebral e reprodutiva. Como já foi dito no início deste trabalho, a cocaína pode ser inalada, injetada ou fumada (crack). Alguns autores como Andreus, Colton e Casper, Sataloff e Vogel e Carter descrevem seus efeitos de maneira geral, independentemente da forma em que ela é utilizada, outros já explicam os efeitos causados por uma forma específica de uso. Vogel e Carter (1995) descrevem os sinais e sintomas das desordens da ansiedade e colocam a cocaína como uma de suas causas. A ansiedade e, indiretamente a cocaína, geram tremor, tensão muscular, brevidade de respiração, sensação de sufoco, taquicardia, parestesia, nervosismo, irritabilidade, entre outros fatores. Como seu texto discute as desordens da ansiedade, eles não comentam especificamente os efeitos nocivos da cocaína no trato vocal e respiratório, porém citam que a diminuição da atenção e concentração provoca um prejuízo na comunicação e, que o tratamento medicamentoso para a ansiedade também afeta a comunicação. Colton e Casper (1990) também citam a cocaína como um estimulante do SNC, que pode gerar nervosismo e tremor, e afetar a coordenação, inclusive o controle motor fino do comportamento fonatório. Na opinião de Andreus (1995) e Sataloff (1991) a cocaína pode irritar a mucosa nasal, causar vasoconstrição dos vasos sangüíneos e alterar o “sensorium”. Estes efeitos provocam um controle vocal diminuído e uma tendência ao abuso vocal, podendo ser um fator relevante em relação aos problemas vocais de alguns cantores, principalmente porque, o uso de cocaína está crescendo entre os cantores populares. Entre os usuários de crack, cocaína fumada, são encontrados sintomas inespecíficos que incluem rouquidão, dispnéia com estridor, odinofagia, disfagia e sensação de corpo estranho na garganta, como relata Snyderman e col. (1991). Estes sintomas por serem inespecíficos podem ser sugestivos de neoplasma ou outras condições inflamatórias, e não do uso de cocaína nesta forma. Bezmalinovic e col. (1988) afirmam em seu texto sobre o crack, que o “sensorium” rebaixado acrescido de temperaturas altas e de diluentes utilizados na preparação da droga, provocam ferimento na mucosa da orofaringe. Além de Bezmalinovic e col. (1988), Taylor e Bernard (1989), Snyderman e col. (1991) e McQueen e col. (1995) relatam ferimentos por queimaduras na laringe pelo uso do crack. Este tipo de cocaína pode causar ferimento térmico nas vias aéreas superiores por inalação de vapores quentes ou substâncias particulares. Pode provocar edema na epiglote, pregas vocais verdadeiras, prega ariepiglótica e traquéia, secreção nos seios piriformes com eritema da mucosa subjacente, imobilidade das cordas vocais verdadeiras com desvio médio, lesão da prega ariepiglótica e porção livre da epiglote até corda vocal verdadeira, neoplasma supraglótico, estenose traqueal, tecido necrótico em prega ariepiglótica, placa branca em prega ariepiglótica,cricóide, base da língua, epiglote ou seios piriformes e nódulos linfáticos cervicais. A localização do ferimento é decorrente do tamanho da partícula inalada e do fluxo aéreo. Bezmalinovic cita ainda, ataques apopléticos, arritmias, infarto do miocárdio e AVC, como complicações sérias do uso de crack. A cocaína inalada é descrita por Deutsch e col. (1989), Brody e col. (1990), Behlau e Pontes (1993), Sousa e Rowley (1994) e por Silverman e col. (1995). Quando inalada, freqüentemente, ela pode causar erosão e desintegração do septo nasal cartilaginoso e ósseo, que causa a queda da estrutura interna de apoio do nariz, que resulta no colapso da ponte nasal com deformidade de sela e perfuração do septo nasal; estridor inspiratório e expiratório e uso de músculos respiratórios adicionais. Segundo Deutsch e col. (1989), a cocaína inalada, causa ainda, imobilização e ulceração da mucosa e musculatura da parede posterior da faringe, diminuição na elevação da parede lateral da faringe; necrose isquêmica de palato duro e mole, quando a aplicação ocorre no palato e faringe, com envolvimento da membrana mucosa e musculatura palatal, causando eventualmente, ulceração, infeção e gradual retração de palato. A perda do forro nasal e musculatura do palato mole, permite a retração, distorção e paralisia, incapacitando a função esfincteriana velofaríngea e distorcendo a fala inteligível. Também pode ocorrer ausência da úvula. Os sintomas e sinais apresentados pelos pacientes, usuários de cocaína inalada, são deformidade nasal, decorrente do colapso nasal; hemorragia nasal, pela perfuração do septo nasal; mudança vocal pela retração palatal e disfagia decorrente da deformidade de palato e imobilidade faríngea, além de, rinite crônica, sinusite e alteração do gosto e olfato. Em relação aos efeitos na voz, Deutsch e col. relatam severa hipernasalidade com emissão de ar em todos os fonemas e ininteligibilidade de fala. Outros efeitos provocados pelo uso da cocaína inalada são estenose subglótica e edema de epiglote, aritenóide, espaço intraaritenoídeo e cordas vocais falsas e verdadeiras, como relata Silverman e col. (1995). O edema de vias aéreas superiores pode se desenvolver após direta irritação pelas drogas ou pelas substâncias químicas utilizadas na sua preparação e pode ser agravado pelas manobras inspiratórias profundas, usadas pelos usuários para prolongar o efeito da droga. Entre seus achados estão como sintomas disfagia, dispnéia, rouquidão e dor de garganta. Além dos sinais, já citados acima, como edema, deformidade nasal e perfuração palatal, Sousa e Rowley (1994) relatam em seu texto, a ocorrência de esclerose dos ossos da base do crânio, tumoração nos seios etmoidais com tecido inflamatório, consistente com granuloma e, ausência total de septo nasal, cornetos e paredes mediais dos seios maxilares, formando uma só cavidade, a qual se mantém em comunicação direta com a cavidade oral, através da perfuração palatal, gerando assim, uma rinolalia aberta. Estes achados, na opinião dos autores são decorrentes do uso diário de grande quantidade de cocaína, por muitos anos. Behlau e Pontes (1993) referem que as drogas têm ação direta sobre a laringe e a voz e também provocam alterações cardiovasculares e neurológicas . A cocaína inalada pode lesar diretamente a mucosa de qualquer região do trato vocal e provocar ulcerações na mucosa das pregas vocais, e completam, que a cocaína injetável provoca hipotonia muscular, fadiga vocal e dificuldade em manter uma comunicação adequada e eficiente, particularmente no uso profissional da voz. Alguns autores chamam a atenção para o reconhecimento da existência dos danos causados pelas drogas, principalmente os ferimentos térmicos, que podem ser confundidos com outras afecções, e para a realização de exames completos do trato aerodigestivo, assim, poderemos obter um bom diagnóstico e ministrar o tratamento adequado, evitando a reincidência do problema (Bezmalinovic e col. (1988), Guarisco e col. (1988), Snyderman e col. (1991),) e Almadori e col. (1990) McQueen e col. (1995)). O uso de tabaco, normalmente encontrado entre os usuários de maconha e cocaína, aumenta o risco ao desenvolvimento de carcinoma de células escamosas da laringe e faringe (Snyderman e col. (1991) e Almadori e col. (1990)), e ajudam a confundir o diagnóstico médico. Também é encontrado em vários textos a negação dos pacientes pelo uso de drogas, principalmente a cocaína, dificultando o diagnostico médico e sendo necessário interrogatório insistente e exames toxicológicos para a comprovação do uso da droga (Bezmalinovic e col. (1988), Taylor e Bernard (1989), Snyderman e col. (1991), McQueen e col. (1995) e Silverman e col. (1995)). A falta de textos sobre o assunto e a reincidência de tumores em pacientes jovens, usuários de maconha, levou Almadori e col. (1990) a descreverem seu caso, assim como, Silverman e col. (1995) descrevem a reincidência de edema e estridor em usuários de cocaína. CONSIDERAÇÕES FINAIS Como já era de se esperar, a maconha e a cocaína provocam danos ao trato vocal e respiratório, atingindo diretamente a produção vocal. Muitos autores revelam que as drogas afetam diretamente a laringe e a voz, provocando rouquidão, voz grave, hipernasalidade, estridor respiratório, imprecisão articulatória, fadiga vocal, diminuição do controle vocal, alteração de ritmo e fluência da comunicação, com dificuldade em manter a comunicação adequada e eficiente, e tendência ao abuso vocal. A constrição das pregas vocais gera rigidez e com isso uma voz mais áspera. A imobilidade provavelmente provoca rouquidão e soprosidade, se a prega vocal estiver desviada e não puder manter um bom fechamento. A ansiedade pode gerar alteração no loudness, decorrente da alteração emocional; incoordenação pneumo-fono-articulatória, pela brevidade de respiração e sensação de sufoco gerada por ela, e rouquidão pelo tremor e tensão muscular. Em minha opinião, a irritação da mucosa, o aparecimento do carcinoma, o calor da fumaça, que gera lesão na região oral, levam a um padrão vocal alterado, com rouquidão, soprosidade e aspereza. A irritação da mucosa nasal, leva à hiponasalidade e até mesmo à imprecisão articulatória. Após cirurgia de ressecção do tumor laríngeo e/ou em cavidade oral, normalmente ocorrem alterações vocais, que dependendo da área afetada e ressecada, podem levar desde a perda total da voz até simples incoordenação pneumo-fono-articulatória. O grande aumento do número de usuários de maconha e cocaína entre cantores e atores, e até mesmo jovens que não usam a voz profissionalmente, nos faz ter a certeza de que estes estudos são muito importantes. Pelo carcinoma de língua em jovens, ter um comportamento biológico mais agressivo e o prognóstico destes indivíduos não ser bom, é de fundamental importância a boa observação clínica dos usuários de maconha e rapé, a fim de evitar a reincidência dos tumores, assim como, dos usuários de cocaína que podem apresentar tumores e reincidências de edemas e estridor. Outro fator importante que confirma a necessidade deste estudo sobre os efeitos das drogas, são as reincidências de patologias como tumores e edemas. Tendo o diagnóstico médico correto e o conhecimento dos efeitos destas drogas podemos, como fonoaudiólogos que trabalham com profissionais que dependem da voz e são usuários de drogas, orientá-los mais claramente sobre a necessidade de abandonar o vício, pois a grande maioria desconhece por completo quaisquer danos que as drogas podem causar, ajudando-os pelo menos, a diminuir os riscos, orientando-os, por exemplo, a usar um tubo de água para esfriar e filtrar a fumaça da maconha e com isso melhorar um pouco sua qualidadevocal. Certamente estas irritações da mucosa laríngea e freqüentes reincidências de edema, com o tempo afetarão as camadas das pregas vocais, lesando sua mucosa e consequentemente, alterando a boa qualidade vocal do usuário de drogas. Se a cocaína leva ao abuso vocal e gera uma dimuição no seu controle, o profissional da voz, por já estar fazendo uma maior solicitação vocal ou até mesmo um abuso, ao entrar no palco para uma performance, drogado, automaticamente estará acentuando este abuso, podendo até mesmo desenvolver alguma outra patologia vocal. Com tratamento medicamentoso, normalmente os efeitos provocados pelo uso de drogas tendem a desaparecer por completo. Em casos de tumores, o tratamento deve ser radical, ou seja, cirúrgico e radioterápico, correndo o risco de reincidência. Nos casos de perfuração, desintegração e deformidades de palato, faringe e nariz o tratamento além de medicamentoso, requer cirurgia reconstrutiva. E normalmente, todos os tratamentos apresentam uma completa resolução dos problemas, com novos exames normais. Assim como era de meu conhecimento, os autores até aqui discutidos, referem que há muito poucos textos que falam sobre os efeitos das drogas na laringe e reforçam a necessidade de um bom diagnóstico. Sendo assim, é necessário, por parte dos profissionais, o conhecimento detalhado dos efeitos das drogas. Alguns autores acreditam que seus relatos sejam os primeiros a descreverem reincidência de tumores e edemas de via aérea superior pelo abuso de maconha e cocaína. Pensando em todos os achados, até aqui discutidos, sobre os efeitos da maconha, da cocaína e do crack , acredito que novas pesquisas devam ser realizadas para completar os danos causados ao trato vocal, pois em pouquíssimos textos encontrei referencias sobre os efeitos das drogas nas pregas vocais, propriamente ditas. 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