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A Lei e a Ordem - Ralf Dahrendorf - Clássicos Liberais

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Clássicos
Liberais
P a r t e I n t e g r a n t e d a R e v i s t a B a n c o d e I d é i a s n º 5 0
A Lei e a
Ordem
por Roberto Fendt
Ralf Dahrendorf
A LEI E A ORDEM4
ÍNDICE
PRÓLOGO ..................................................................................... 5
1. O CAMINHO PARA A ANOMIA .................................................... 5
2. BUSCANDO ROUSSEAU, ENCONTRANDO HOBBES ....................... 8
3. A LUTA PELO CONTRATO SOCIAL ......................................... 11
4. A SOCIEDADE E A LIBERDADE ................................................. 15
A LEI E A ORDEM 5
PRÓLOGO
título desse pequeno livro,
A lei e a ordem, parece téc-
nico. Ele sugere uma questão crimi-
nológica, assim como parece sugerir
um componente básico para a plata-
forma política da direita. Não obs-
tante, o argumento do livro não é de
ordem técnica. Seu ponto de partida
é o terror em nossas ruas e as brigas
nos campos de futebol. Ele aborda
também questões como a desorien-
tação da juventude, o desemprego e
as fissuras no sistema partidário. Em
outras palavras, este é um livro sobre
ordem social e liberdade.
Páscoa de 1985
1. O CAMINHO PARA
A ANOMIA
s lutas de classe tradicionais não
não representam mais a expres-
são dominante da sociabilidade
insociável do homem. Pelo contrário,
o que encontramos são manifesta-
ções mais individuais e mais ocasio-
nais de agressão social; entre elas,
as ocorrências mais frequentes são
as violações da lei e da ordem pública
por indivíduos, bandos e multidões.
Do ponto de vista de motivos e
idéias, o declínio da eficácia da lei
pode ser descrito como uma das
contradições da modernidade,
onipresente no mundo atual desde o
Welfare State, que na verdade cria
uma nova pobreza, até a ameaça
nuclear, que nos recorda diariamente
da ambivalência da razão humana.
Queríamos uma sociedade de cida-
dãos autônomos e criamos uma
sociedade de seres humanos ame-
drontados ou agressivos. Buscávamos
Rousseau, e encontramos Hobbes.
Assim sendo, nossa tese é de que
a lei e a ordem representam o objeto
principal de conflito nas sociedades
desenvolvidas no mundo livre. Que
isso possa ser assim é o resultado
aparentemente paradoxal de um
século de expansão de direitos da
cidadania e iluminismo aplicado.
O que queremos dizer quando
nos referimos a uma erosão da lei e
da ordem nos dias de hoje? Será que
existe realmente um processo desse
gênero? E, em caso positivo, será que
ele conduz necessariamente à
anomia? Não poderia isso ser uma
aberração temporária ou, de qual-
quer forma, uma tendência rever-
sível? Estas perguntas são impor-
tantes. Elas exigem respostas claras,
que tentaremos dar.
Nesse contexto, coloca-se a im-
portante questão do tipo de governo
que desejamos: será que desejamos
um Estado social brando, que per-
mita que o crime escape do controle
— ou, então, um Estado mais duro,
que reprima o crime e mantenha os
mais necessitados ocupados numa
luta darwiniana pela sobrevivência
econômica? Ou será que existe uma
A
O
A LEI E A ORDEM6
terceira alternativa? Talvez o “Estado
mínimo” de Robert Nozick, que, pelo
menos em seus domínios, não é um
“Estado vigia”?
Os fatos são complexos, embora,
em última análise, sem ambiguidade.
Em muitos países, desenvolvidos e em
desenvolvimento, houve um aumento
substancial dos crimes violentos
contra a pessoa desde meados da
década de 50 e, de forma ainda mais
dramática, desde os anos 60. O
aumento nos crimes contra a proprie-
dade é ainda mais expressivo.
Durante o mesmo período de 30
anos houve provavelmente um au-
mento considerável do número de
pessoas que vivem do crime. A isso
acresce dizer, de forma mais signi-
ficativa, que a prosperidade trouxe
consigo novas categorias de crimes,
tais como furtos do interior de carros
e dos próprios carros. Acima de tudo
isso sobrepõe-se a crescente impor-
tância das drogas e do crime relacio-
nado com drogas.
Qual a natureza do problema de
lei e ordem? Estaremos dentro dos
limites da normalidade ou o pro-
blema da lei e da ordem reside no
fato de que atos contrários às nor-
mas permanecem sem punição? Se
as violações de normas não são pu-
nidas ou não são mais punidas de
forma sistemática, elas se tornam, em
si, sistemáticas. Assim, atingimos
rapidamente o campo traiçoeiro,
porém fértil, da anomia.
Sabemos que o termo anomia foi
introduzido nas ciências sociais mo-
dernas por Emile Durkheim, em sua
tentativa de classificar, e talvez
explicar, o suicídio. Seria a anomia
não um estado de espírito, mas um
estado da sociedade? Como pro-
curou mostrar Robert Merton, em seu
famoso ensaio sobre “Estrutura social
e anomia”, “a anomia é concebida
como uma ruptura na estrutura
cultural, ocorrendo especialmente
quando houver uma aguda disjunção
entre, de um lado, as normas e os
objetivos culturais e, de outro, as
capacidades socialmente estru-
turadas dos membros do grupo em
agirem de acordo com essas normas
e objetivos”.
* * *
Os conceitos correlatos de norma,
sanção e autoridade não apenas
ajudam a descrever a sociedade. A
variedade dos mesmos também ajuda
a identificar sociedades abertas e
totalitárias, tradicionais e modernas,
bem como ordem e anomia. As cren-
ças morais das pessoas acrescentam
um elemento de moralidade à
validade das normas. Em outras
palavras, as normas são válidas se e
quando elas forem eficazes enquanto
morais, isto é, quando elas forem
(julgadas) reais e (julgadas) corretas
— há, portanto, uma relação entre
essa terminologia e os conceitos de
legalidade (a eficácia positiva das
normas) e de legitimidade (a coinci-
dência entre eficácia e moralidade).
Nesse sentido, a anomia é uma con-
dição onde tanto a eficácia social
A LEI E A ORDEM 7
como a moralidade cultural das nor-
mas tendem a zero.
Muitos anarquistas bem-inten-
cionados sonham com um mundo
onde não haja nenhuma autoridade,
embora poucos aceitem que este tam-
bém seria um mundo sem normas.
O sonho anarquista é um sonho de
normas autoaplicadas, sem prisões,
polícia e nem políticos. Mas normas,
sanções e poder estão ligados de
forma indissolúvel. Seria bom viver
num mundo de lei e ordem sem as
instituições de lei e ordem. Bom,
porém impraticável, é como a anar-
quia poderia ser descrita.
Há quem argumente que a ano-
mia não pode durar. A anomia traz
“distúrbios, dúvidas e incertezas sobre
tudo”. As normas parecem não mais
existir ou, quando invocadas, resul-
tam sem efeito. Isso, por sua vez,
refere-se ao desaparecimento do
poder ou, mais tecnicamente, à re-
transformação da autoridade legítima
em poder arbitrário e cruel.
Se os homens não podem viver
permanentemente em anomia, po-
dem viver a caminho da anomia,
a condição de algumas sociedades
contemporâneas. O caminho da
anomia seria um caminho ao longo
do qual as sanções iriam sendo
progressivamente enfraquecidas. A
impunidade tornar-se-ia quotidiana.
Essa é a hipótese. Resta buscar sinais
convincentes desse processo de
declínio das sanções. Existirá uma
decomposição sistemática das
sanções em áreas consideráveis da
vida social? Existirão, por assim dizer,
“áreas de exclusão”, tanto no senso
físico como no social, onde tudo pode
acontecer e onde reina a anomia?
Os sinais disso são visíveis: a
expansão da economia paralela; as
pessoas tomando a lei em suas
próprias mãos; o sistema de sanções
associado às normas esmore-
cendo de forma significativa e,
numa certa medida, sendo com-
pletamente abandonado, no caso
dos jovens; os sinais de que as áreas
de exclusão estão se espalhando; a
generalização da contratação de
guardas particulares e a formação
dos grupos de justiceiros por conta
própria — os “vigilantes” — muitas
vezes sob a denominação eufemística
de autoajuda comunitária; em es-
colas situadas em áreas em processo
de deterioração, sãoàs vezes os
professores, em vez dos alunos, que
vivem num estado de medo; em
muitas organizações, uma combi-
nação de legislação de proteção ao
emprego com uma política conci-
liatória do empresariado torna virtual-
mente impossível a utilização de
sanções como expulsão ou despe-
dida de pessoas.
A tudo isso é preciso acrescentar
outro conjunto de fatores. Se a
extensão das violações de normas
tornou-se suficientemente vasta, a
aplicação de sanções, na mesma
medida, torna-se extremamente difícil
e, por vezes, impossível. Motins de
ruas, tumultos, rebeliões, revoltas,
insurreições, demonstrações vio-
A LEI E A ORDEM8
lentas, invasões de edifícios, piquetes
agressivos de greve e outras formas
de distúrbios civis desafiam, de certa
forma, o processo de imposição de
sanções, dirigido essencialmente a
indivíduos e pequenos grupos
identificáveis.
Quando é que o distúrbio é um
motim e quando é que ele é uma
revolução? Ou, em outras palavras,
quando falamos de anomia e quando
de mudanças, embora utópicas? Os
motins são atos individuais de
protesto maciço; as revoluções são
autênticas manifestações coletivas de
uma exigência de mudança. Os mo-
tins são essencialmente destrutivos,
as revoluções possuem um elemento
construtivo de sustentação. Nesse
sentido, os motins cabem no contexto
da anomia, as revoluções no das
mudanças.
Cabe observar que a frequência
de incidentes que demonstram a
tibieza das sanções legais contribui
para o sentimento de que é possível
ficar-se impune na delinquência co-
letiva; há dúvidas sobre a eficácia, e
talvez mesmo sobre a legitimidade, das
normas e autoridades prevalecentes.
Por fim, o crime organizado é um
dos fenômenos que, em algumas
sociedades, lançam sérias dúvidas
sobre o monopólio da violência pelo
Estado. O terrorismo reivindica um
apoio considerável, operando na
fronteira frágil entre crime e mu-
dança, motim e revolução.
Concluindo, o aumento conside-
rável nos crimes sérios nos últimos 30
anos mostra que eles não constituem
fatores conjunturais singulares, mas
resultam de um processo de sanções
enfraquecidas, com todas as decor-
rências de um tal processo, não
somente para a eficácia da ordem
social, como também para a legiti-
midade da autoridade. As principais
tendências sociais, sobre as quais não
pode haver dúvidas sérias, confirmam
a expansão rápida da impunidade.
Nesse sentido, encontramo-nos a
caminho da anomia.
2. BUSCANDO ROUSSEAU,
ENCONTRANDO HOBBES
urante um longo tempo, muitos
dos que buscavam a melhoria
das possibilidades de vida humana
foram guiados por uma imagem de
homem que é tão tocante quanto
inútil. Eles supunham que bastava
que as pessoas fossem liberadas das
restrições impostas pela cultura e pela
sociedade para que pudessem viver
felizes e em paz, para todo o sempre.
Mas sabemos que essa imagem do
homem é um dos marcos principais
no caminho para a anomia.
Rousseau escreveu que “o homem
nasce livre e, no entanto, jaz acor-
rentado”. A ampliação de opções
para um número crescente de pes-
soas foi uma das mudanças funda-
mentais da História. Foi e é o processo
que denominamos modernidade. Os
estágios do processo são muitos,
incluindo a descoberta inicial e
hesitante do indivíduo na teoria
D
A LEI E A ORDEM 9
filosófica e na prática constitucional,
através do estabelecimento do
princípio do livre contrato de be-
nefícios da modernidade, tais como
a mobilidade, a participação e um
nível decente de vida para a maioria.
Todavia, esses aumentos maciços nas
possibilidades de vida e liberdade
tiveram seu preço na possibilidade de
previsão e de ordem.
A liberdade sempre tende para a
anarquia, e vimos que pode haver
uma força no sentido da anomia nas
sociedades modernas. Mas essa
força é autodestrutiva. A anarquia e
a anomia não reforçam a liberdade.
Pelo contrário, quando os efeitos
secundários tornam-se maiores que
o fator principal e os fatores exó-
genos não mais podem ser inter-
nalizados, a liberdade está em pe-
rigo. Em algum ponto existe um
limite, além do qual o custo da mo-
dernidade começa a ultrapassar seus
benefícios.
O custo do aumento de opções
envolve, primeiramente, a estrutura
normativa da sociedade. A liberdade
de escolha significa, quase por de-
finição, ausência de coerção normativa
sobre nossas ações. De fato, a redução
dessa coerção tem sido um processo
longo, complexo e, na opinião de
muitos, incompleto. Embora isso possa
parecer paradoxal, o processo teve
início com o domínio da lei, ou seja,
com o desenvolvimento e a genera-
lização de coerções normativas.
A legalização tem sido acom-
panhada pela legislação, com o
domínio do direito, através de uma
pletora de leis, regulamentos, despa-
chos e sentenças. Todavia, isso tem
contribuído pouco para a eficácia
das normas, ou mesmo para sua
legitimidade: poderá até ter ocorrido
o inverso.
A torrente irresistível da moder-
nidade, de alteração de uma força
pela liberdade para uma força pela
incerteza e anomia, foi agravada por
uma consequência parcialmente
intencional da extensão das opções.
Um dos aspectos históricos fas-
cinantes na expansão de opções é a
forma como esse processo se intro-
duziu em relacionamentos que pa-
reciam imunes ao universo da es-
colha. A transformação da religião
de um liame inquestionável num
acessório opcional foi claramente
uma parte integrante do que chama-
mos, comumente, iluminismo. Com
a mobilidade crescente, os liames
sociais gerais e locais tornam-se
também disponíveis, em vez de outor-
gados.
O universo de opções que emer-
gem em decorrência de tais tendên-
cias aumentou a liberdade, mas
também levantou um curioso con-
junto de novas questões. Por que seria
desejável ser diferente se a diferença
em si foi abolida? O que as escolhas
significam, se tudo se torna igual-
mente válido?
Um mundo com ligaduras muito
enfraquecidas é um mundo desorien-
tador e desconcertante. A solidarie-
dade, a autoridade, a fé e um senso
A LEI E A ORDEM10
histórico não são elementos fáceis de
ser substituídos. Se a contração da
estrutura normativa da sociedade
caminha passo a passo com a
destruição dos liames culturais, nós
nos aproximamos perigosamente não
somente da anomia, como também
da fantasia mais brutal de um estado
da natureza.
Alguns, como Maihofer, defendem
a noção de homem “como um ser
socializado”. Essa noção traz conse-
quências óbvias para as questões
correlatas de responsabilidade e
punição. Atualmente, a responsa-
bilidade também é individualizada.
Mas a consciência e os julgamentos
morais são um produto da sociedade.
De acordo com essa visão, portanto,
torna-se necessário descobrir se os
infratores estiveram alguma vez em
condições de absorver distinções
“socialmente adequadas” entre o
bem e o mal.
Em termos de punição, esta no-
ção do homem como um “ser socia-
lizado” significa que todas as penas
que efetivamente “dessocializam” as
pessoas são questionáveis. Isso
implica, evidentemente, que a deten-
ção deverá ser a exceção rara, mais
que a regra.
O efeito pretendido pelos autores
que defendem essa ordem de idéias
é precisamente o enfraquecimento
das sanções até o ponto da impu-
nidade, que foi por nós descrito como
o problema real da lei e da ordem.
Maihofer argumenta que a imagem
do homem como pessoa autônoma
e capaz de discriminar entre o bem e
o mal tem de ser substituída pela
imagem do “homem socializado”, ou
seja, o produto de forças fora de seu
controle. A imagem do homem por trás
dessa descrição é a de seres essen-
cialmente bons. Seja o que for que eles
façam de errado, a culpa é das forças
sobre as quais não possuem nenhum
controle e que têm um caráter am-
plamente social.
Habermas é Rousseau em mais
um sentido, este mais profundo. No-
vamente, encontramos uma imagem
notável do homem. Trata-se da
bondade natural e da deformação
social e,portanto, da necessidade em
se dis-socializar o “homem socia-
lizado”, para trazer para fora sua boa
índole: é o Emile.
 De forma bastante interessante,
o autor do artigo sobre Hobbes na
grande Encyclopédie contrasta
“o filósofo de Malmesbury” com “o
filósofo de Genebra”: “A filosofia do
Sr. Rousseau de Genebra é quase o
inverso da de Hobbes. Um crê que
o homem é bom por natureza; o ou-
tro, que ele é mau . . . Foram as leis e
a formação da sociedade que aperfei-
çoaram o homem, se seguirmos
Hobbes; e que o depravaram, se se-
guirmos o Sr. Rousseau”. De fato,
acrescenta o autor, uma terceira
abordagem seria a correta: as “vicis-
situdes perpétuas” da condição hu-
mana são devidas ao fato de que o
homem tanto é bom como mau.
Qual será então a falha nos argu-
mentos de Werner Maihofer sobre
A LEI E A ORDEM 11
crime e castigo? Maihofer argumenta
que o crime, essencialmente, é um
erro da sociedade e que o remédio
que deve, portanto, substituir o cas-
tigo tradicional é uma questão de
política social.
O que ocorre nesse raciocínio é
uma confusão fascinante, mas alta-
mente explosiva de direito e política
social ou, como preferimos dizer, de
direito e economia. Certos tipos de
comportamento são excluídos como
contrários à lei, e, portanto, punidos,
ou não. Existem, portanto, boas ra-
zões para o antigo princípio, judex no
calculat. Por outro lado, oeconomicus
semper calculat. A economia en-
quanto ciência (ou, se preferirem,
arte) da escassez gira invariavelmente
em torno do a mais ou a menos, das
quantidades e relações. Tudo o que
importa aqui é a existência de uma
abordagem para o que as pessoas
fazem, que se pergunta se está certo
ou errado, e de outra abordagem,
que se pergunta em que medida,
mais ou menos, aquilo é adequado
para certas finalidades. Isso também
significa que existem certas ações que
nos conduzem à esfera do crime e
castigo, e outras que exigem uma
política econômica (social).
No mundo moderno, a confusão
entre as duas é generalizada; um tipo
de confusão surge quando algumas
questões que parecem pertencer à
esfera da economia são redefinidas
como questões de direito. Dois exem-
plos típicos são as tentativas de
definir um “direito ao trabalho” e um
“direito a um meio ambiente não
poluído”.
Em conclusão, argumenta-se que
sem a fraternidade não existirá a
sociedade. Mas a verdadeira fraterni-
dade é difícil de obter no mundo
moderno. Será bom manter-se o
raciocínio frio, em vez de se deixar
levar por alguma das ilusões român-
ticas em oferta em nosso tempo.
Argumentamos também que sem a
sociedade a liberdade não poderá
existir ou, melhor dizendo, começa-
mos a discutir esse ponto, ao qual
retornaremos mais adiante. Não
iremos ficar livres a não ser que
aceitemos as instituições sociais como
proteção e oportunidade para a
sociabilidade insociável do homem.
Portanto, o contrato social, as san-
ções e o resto são uma condição
para a liberdade. Mas antes de
completarmos essa discussão, temos
que analisar o terceiro painel do
tríptico da Revolução Francesa: a
igualdade.
3. A LUTA PELO
CONTRATO SOCIAL
s países da Europa e América
do Norte vivenciam um longo
período de paz, pelo menos interna-
mente. Eles passaram por uma revo-
lução econômica que trouxe níveis de
prosperidade sem precedentes para
um número sem precedentes de pes-
soas. Eles viram a expansão quase
ilimitada de suas oportunidades de
bem-estar social e, de forma geral,
O
A LEI E A ORDEM12
das possibilidades de vida. Eles
encontraram a estabilidade política
sob a forma da “luta democrática
de classes” entre partes que se
alternam de forma pacífica, apre-
sentando suas plataformas ligei-
ramente divergentes a um eleitorado
ligeiramente interessado.
Mas, ao longo de tudo, os países
do mundo livre continuaram capazes
de resolver tais solicitações sem co-
locar em risco sua prosperidade nem
sua liberdade. Qual é então o pro-
blema, se é que ele existe?
Talvez seja útil começarmos com
o histórico do processo político, ao
qual também retornaremos, pois ele
é expressão e força reguladora das
mudanças que estão ocorrendo. À luz
da História, há algo ilusoriamente
moderado na noção de uma “luta
democrática de classes”, que supõe
que os partidos políticos expressam
os conflitos sociais subjacentes.
Na verdade, o processo que
conduziu à emergência de um con-
flito democrático de classes foi longo
e penoso. Quando os economistas
políticos do século 18 e início do
século 19 descobriram a moderna
noção de classe e que uma aguda
cisão entre os interesses políticos e
as posições sociais era endêmica nas
sociedades industrializadas, eles
previram ameaças consideráveis “ao
sistema”, resultantes desse conflito.
Marx deu a essa perspectiva uma in-
flexão própria, fundindo a economia
política escocesa com uma filosofia
histórica suábia, como só ele poderia
fazê-lo. O conflito de classes para ele
não representava meramente a luta
entre interesses divergentes. Era uma
luta cujo sentido e resultado eram
determinados por forças históricas
mais profundas.
A história mostrou que esse
quadro não refletiu a realidade. Em
todos os casos, os determinantes
não classistas do comportamento
político borraram as linhas nítidas da
figura. Além disso, uma das con-
dições necessárias para o capitalismo
industrial, o direito de estabelecer
contratos livres de trabalho, revelou-
se uma força de mudanças. A igual-
dade perante a lei precedeu ou
acompanhou a Revolução Industrial.
No século seguinte, o campo de
batalha mudou-se do domínio
político para o legal. Teve início a luta
pela extensão dos direitos de
cidadania à participação política,
notadamente sob a forma de sufrágio
universal. Pelo menos à margem, a
economia foi substituída pelo direito.
A “cidadania democrática” assim
criada torna as distinções de classe
quase irrelevantes. Essa luta demo-
crática de classes foi, para sermos
exatos, tanto causa como efeito do
processo de extensão dos direitos de
cidadania. Sem a liberdade de asso-
ciação não existiriam os partidos
socialistas, sem o sufrágio universal
eles não poderiam vencer eleições.
Nesse ponto parece-nos útil
esclarecer um pouco o conceito que
utilizamos até aqui de maneira um
tanto informal, embora ele possua
A LEI E A ORDEM 13
uma pesada carga de histórico
intelectual: o conceito de contrato
social. O contrato social significa o
acordo implícito de obedecer a certas
normas elementares e aceitar o
monopólio da violência em mãos de
um poder comum estabelecido para
proteger essas normas. O processo
de extensão dos direitos da cidadania
em resposta à luta de classes dos
últimos dois séculos pode ser visto
como uma alteração do contrato
social.
Se aplicarmos essa noção à his-
tória das classes na sociedade
industrial fica ressaltada uma cir-
cunstância. Nos conflitos modernos
de classe o contrato social não era
a questão. O edifício da sociedade
capitalista ou burguesa era o
contexto aceito da luta. É claro que
as forças de mudança desejavam
destruir o interior desse edifício e
reformá-lo de alto a baixo, de acordo
com suas próprias opiniões. E, de
fato, é o que eles fizeram, a tal ponto
que nem “capitalista” nem “burguês”
descrevem as sociedades modernas.
Naturalmente, conforme conti-
nuava o processo de reforma, e os
ricos e os pobres do ano findo
começavam a cooperar para tornar
habitável seu edifício comum, os seus
conflitos perderam intensidade e
violência. Seguiu-se a luta demo-
crática de classes. À custa, em
grande parte, da velha classe
trabalhadora, emergiu a “nova classe
média”, aquela categoria social
amorfa, mas de crescimento rápido
que, embora não sendo a sede do
poder, apresentava uma diferença
clara em relação ao antigo prole-
tariado.
As lutas de classes e os conse-
quentes conflitos políticos conver-
teram-se, em grande parte, em
competição individual.A mobilidade
social tornou-se a nova expressão dos
antagonismos da sociedade. Em
consequência disso, declinou a
fidelidade partidária ou de classe.
Dois terços, possivelmente três
quartos de todos os cidadãos das
sociedades livres modernas possuem
um interesse comum na manutenção
de instituições políticas que garantam
o crescimento econômico e a paz
social; seus interesses divergentes são
comparativamente menores; além
disso, tais diferenças não acarretam
a formação de classes e partidos ba-
seados em classes.
Se “o velho problema social entre
empregadores e trabalhadores está,
em princípio e em termos institu-
cionais, sob controle”, não é o que
ocorre com o Novo Problema Social,
existente entre os que estão organi-
zados (ou seja, os produtores) e os
que não o estão (ou seja, os consu-
midores) – ou, se olharmos sob outra
perspectiva, entre os “grupos de
pobreza” e a classe majoritária da
sociedade, entre a “classe inferior” e
a classe majoritária.
Essa “classe inferior” não é pro-
priamente uma classe, ou seja, ela
não possui o potencial de organi-
zação resultante da força de uma
A LEI E A ORDEM14
onda do futuro, na crista da qual
esteja navegando. Não é uma classe,
mas um lumpenproletariat. A questão
principal sobre essa categoria é que
seu destino é percebido como sem
esperanças. Os membros da “classe
inferior” são um exército de reserva
para demonstrações e manifes-
tações, incluindo violência no futebol,
brigas raciais e batalhas de rua com
a polícia, mas não são uma força
revolucionária. Eles não são a favor
de nada, mesmo que possam estar
contra tudo. Com a mesma velo-
cidade com que se reúnem, também
se dispersam; suas reuniões não
duram, da mesma forma que suas
ações não têm futuro nem passado.
Elas podem ser eficazes enquanto
durarem, mas são sem significado se
comparadas com a luta de classes
do século 19.
* * *
Podemos agora combinar a
análise cultural do capítulo anterior
com a análise social deste capítulo
para lançarmos alguma luz sobre o
problema descrito inicialmente de lei
e ordem. Se as sociedades tendem ao
enfraquecimento das normas, pela
generalização da impunidade, e ao
afrouxamento dos liames que ex-
pressam a sociabilidade da natureza
insociável do homem, e se elas
deixam uma parcela bastante grande
de seus membros potenciais isolada
dos direitos e benefícios de partici-
pação, num espaço social des-
protegido, então o clima estará pro-
pício para o crime. Motins e rebelião,
e outros fenômenos de massa que
escapam às sanções sociais, repre-
sentam uma faceta dessa condição;
mas a outra é a delinquência direta
individual, crimes contra a proprie-
dade e contra a pessoa.
Este é o ponto crucial sobre o
processo de marginalização: ele
torna o contrato social a questão
dominante. De forma contrária à luta
de classes, o antagonismo incon-
gruente entre uma classe majoritária
razoavelmente organizada e uma
“classe inferior” amorfa, que surge
aqui e ali, desafia todos os métodos
tradicionais de contenção e institucio-
nalização.
E como a classe majoritária reage
a essa difícil situação? Numa primeira
etapa, a reação da classe majoritária
é cerrar fileiras. Muitos dos pontos de
rigidez descritos como características
das sociedades modernas podem ser
entendidos nesse contexto.
Mas o cerramento de fileiras dos
cidadãos não é tudo. A maioria deles
desaprova a emergência de uma
nova “classe inferior”. Eles não
gostam da pobreza, acham o desem-
prego uma violação de seus próprios
valores subjacentes de trabalho e
realização, e abominam o crime.
Essas opiniões não podem ser
descartadas tão rapidamente como
alguns gostariam, embora argumen-
temos que, enquanto o caminho para
a anomia é preparado pela impuni-
dade, não basta tentarmos restabe-
A LEI E A ORDEM 15
lecer as sanções, pura e simples-
mente, num mundo em que a anomia
possui tantas causas concomitantes.
As respostas a essas observações
diferem. Numa extremidade do es-
pectro, os partidos socialistas
tradicionais ficaram cada vez mais
divididos entre, de um lado, aceitar
o fato de seus partidários haverem
também se tornado cidadãos,
membros da classe majoritária, e, de
outro, a inclinação a adotarem a
causa dos que estão à margem, ou
mesmo a “classe inferior” em si, por
ser a “classe inferior” um coquetel
de interesses.
Na outra extremidade do espectro
os partidos conservadores, em
grande maioria, representam ainda
a parte superior da classe majoritária.
Seus partidários preferem operar “no
interior da direita”, mais do que na
esquerda. Eles combinam o desejo de
manter a economia em movimento
com a crença segundo a qual a
cooperação entre os grupos sociais
constitui a base para a estabilidade,
sendo assim uma forte defesa de um
estado social possível.
Espero que ninguém esteja que-
rendo que eu defina o programa de
um liberalismo radical, ao fim de uma
análise complexa e, pelo menos em
intenção, bastante imparcial. É evi-
dente que certos princípios libertários
permanecem válidos. A aplicação
deles a minorias, sejam elas étnicas
ou de outro tipo, continua sendo um
objetivo primordial. Também é evi-
dente que um liberalismo radical teria
de ser orientado para o futuro. Ele
não pode, e não deveria, resistir a
mudanças tecnológicas que estão
entre as poucas forças que prometem
nos ajudar a arrancar as travas do
cativeiro moderno. Ele não pode, e
não deveria, resistir ao novo desejo
de descentralização, embora o
equilíbrio entre descentralização e
centralização, entre as necessidades
locais e internacionais, possa bem
representar uma tarefa especifica-
mente liberal. Seria bom ver os liberais
na vanguarda na inovação.
4. A SOCIEDADE E
A LIBERDADE
resposta ao problema da lei e
da ordem pode ser colocada
numa única expressão: construção
de instituições. Não se trata de
nenhum remédio exclusivo, mas cons-
titui uma resposta liberal e, talvez, a
única que merece esse nome. So-
mente através de um esforço cons-
ciente para construir e reconstruir as
instituições podemos esperar garantir
nossa liberdade em face da anomia.
Seriam as “instituições” apenas
uma outra palavra para normas e
sanções, talvez normas e sanções
“válidas”? Afinal de contas, as
Institutiones de Justiniano foram o
manual de seu corpus juris, um
conjunto de leis e penas em benefício
dos estudantes e, é provável, também
de juízes.
John Locke, ao traçar seu caminho
para o contrato social, fez duas
A
A LEI E A ORDEM16
coisas. De um lado, definiu certas
relações privilegiadas — uma com as
pessoas, a integridade física do
indivíduo, e a outra com as coisas, a
proteção da propriedade. Por outro
lado, ele se esforçou muito em tentar
explicar por que as normas e sanções
relacionadas com a violência física e
os furtos são importantes.
Mesmo no estado de natureza,
argumentou, “todo homem tem o
poder de matar um assassino”, “um
poder” implicando não apenas em
capacidade, mas também em direito.
Na medida em que se refere à
propriedade, esta é fruto do trabalho
humano, o qual, por sua vez, é ordem
de Deus, e “ele, que em obediência a
esta ordem de Deus subjugou, lavrou
e semeou qualquer parte da [Terra],
anexou assim a ela algo que era
de sua propriedade, sobre a qual
nenhum outro tinha direito, nem
poderia sem ofensa tirá-la dele . . .”
Isto nos parece um tanto antiquado,
mas o âmago do raciocínio per-
manece útil para o entendimento das
instituições: define-se um “poder” ou
um “direito”; a noção deveria ser
restrita a certas normas privilegiadas
e, entre elas, seguramente, as que
dispõem sobre a proteção da pessoa
e certos aspectos da propriedade; e
essas são normas para as quais
podem-se apresentar razões sobre os
fundamentos da ordem social.
É importante ressaltar que se trata
aqui da proteção das instituições,
mais do que de pessoas ou coisas.
Trata-se da proteção das normas
relacionadascom os fundamentos da
ordem social. As normas nos ajudam
a entender a noção de construção de
instituições. A construção das insti-
tuições é a criação e, com frequência,
a recriação de normas significativas
a partir de seus princípios.
Por que valeria a pena defender-
se as instituições assim definidas,
para não falarmos de sua cons-
trução? A resposta é simples: em
razão da sociabilidade insociável do
homem. As instituições nos protegem
da ânsia indomada, de coisas e poder,
dos outros. Acima de tudo, elas
fornecem a moldura básica onde o
“antagonismo” que motiva grande
parte da ação humana pode se
transformar numa força de pro-
gresso. Não podemos ser livres sem
as instituições, e a liberdade significa
construí-las de acordo com nosso
entendimento.
Isso ainda nos deixa a questão:
quais instituições? Uma política de lei
e ordem, acima de tudo? O mínimo
que podemos aprender com a
penalística moderna é uma abor-
dagem cuidadosa dos aspectos
práticos da prevenção do crime,
penas e correção. Em segundo lugar,
não advogamos a extinção de uma
abordagem individualizada, compas-
siva e psicológica dos infratores, nem
a restauração dos princípios formais
e do cumprimento estrito da lei.
Nosso pleito é por um terceiro ele-
mento no processo de concessão de
sanções, um sentido de continuidade
institucional.
A LEI E A ORDEM 17
A construção de instituições cons-
titui, é claro, não apenas uma abor-
dagem do sistema penal. O próximo
passo devolve-nos às “áreas de
exclusão”, que descrevemos como
características do caminho para a
anomia. Uma primeira “área de
exclusão” refere-se aos casos em que
a lei perdeu seu caráter plausível
institucional, por deixar de ser apli-
cada. Uma segunda “área de
exclusão” é a juventude. Uma socie-
dade que leva os direitos dos cidadãos
a sério deve envidar todos os esforços
para incluir seus futuros membros,
mesmo que isso tenha um custo,
aliás, de preferência com um custo.
Relevantes também são as insti-
tuições da democracia. Por um lado,
tem havido uma tendência no sentido
da “democratização”, como é enten-
dida uma maior participação de
todos em tudo. Essa tendência foi
uma clara extensão lógica dos
avanços da cidadania. Mas, como
muitas outras extensões de um pro-
cesso desejável, produziu contra-
dições que tendem a opor-se ao seu
objetivo original. Quando uma
participação geral é levada além de
um certo ponto ela resulta em
imobilidade e até na incapacidade de
se mover o sistema político. Uma
parte da rigidez das sociedades
contemporâneas é resultado direto
dessa “democratização”.
A construção das instituições,
nesse sentido, deve se iniciar por dois
princípios. A democracia refere-se à
busca do progresso num mundo de
incertezas. Sua constituição deve
tornar possíveis as mudanças e retirá-
la dos atos arbitrários de poucos. Isso
significa que ela deve criar condições
não tanto para a iniciativa como para
o controle, e ambos devem se rela-
cionar com os direitos e os interesses
dos cidadãos.
Mas voltemos às “áreas de
exclusão” da lei. Existem, em terceiro
lugar, as características, distritos e
organizações e também ocasiões
com áreas de exclusão, que parecem
estar fora do alcance das forças da
lei. Eles nos levam por uma última vez
à questão importante da evolução da
comunidade. Aqui, como em muitos
aspectos, o liberal andará numa
corda bamba e estará sempre em
risco de cair de um lado ou de outro.
Discordamos de uma abordagem
“comunitária” que sustente, contra a
falta de leis e de ordem, a idéia de
que “uma extensão da participação
e atividade democráticas deve ser
buscada e encorajada, já que o caos
e a repressão são as alternativas
pouco atraentes, porém prováveis”.
A participação através de “fóruns
comunitários” nas “células primárias”
da sociedade, visando à educação e
à criação de uma “ética comunitária”,
assim sem espera, atinge as raízes do
crime. O provável é que não o fará.
Entregará as tarefas da lei e da ordem
em mãos de autoridades subinstitu-
cionais. Apoiando-se por demais
sobre a sociabilidade do homem,
permanecerá exposta aos atos in-
sociáveis de poucos, e talvez nem tão
A LEI E A ORDEM18
poucos. O resultado será a repressão
centralizada — um medo que parece
certamente justificável — ou então o
uso do poder privado, que é a guerra
de todos contra todos, incluindo
grupos independentes de justiceiros
contra bandos de criminosos.
Quem deseja a liberdade precisa
ter a coragem de buscar uma terceira
via. Esta também poderá iniciar-se no
nível da comunidade. Certamente,
dever-se-ia buscar tanta descentra-
lização quanto possível. Mas nada
disso faz sentido sem formas efetivas
de policiamento, incluindo, é claro,
uma ligação estreita da polícia com as
comunidades locais e, acima de tudo,
sem uma abordagem da lei e da ordem.
Por fim, surgiu a difícil “área de
exclusão” dos tumultos de rua. Ela é
difícil porque esses tumultos esca-
pam, na natureza do caso, à nossa
capacidade de lidar com eles. Na
realidade, todas as formas de atos
incontrolados da massa são um
lembrete da vulnerabilidade das
instituições. Não devemos, portanto,
ter ilusões; não há formas de impedi-
los, nem um método para interrompê-
los de forma rápida, com exceção de
um terror inaceitável vindo de cima.
Mais que outros desafios à lei e à
ordem, os motins de rua exigem um
senso institucional calmo e seguro.
Há muitas coisas que não podem
ser feitas pela construção das ins-
tituições. Por exemplo, ela não pode
atingir resultados rápidos. O pro-
cesso não substitui também a política
econômica e social. A construção de
instituições não é tampouco um
substituto para o Estado de Direito.
O Estado de Direito, no sentido de
um conjunto de direitos formais para
todos e o devido processo para
defendê-los, é uma das grandes
aquisições da História humana. É
uma aquisição liberal, não no sentido
partidário, mas no sentido de pro-
gresso da liberdade.
A LEI E A ORDEM 19

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