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57 Equipes de Alta Performance* Luiz Maurício de Andrade da Silva, Phd O TEMA EQUIPES, per se, já é bastante amplo, oferecendo superlativa gama de enfoques e discussões. O mesmo tema pode se apresentar de forma ainda bem mais ampla se o considerarmos em um contexto de equipes de alta performance. Após elucidar o problema de pesquisa e seu objetivo central, este artigo realiza uma revisão das principais questões envolvidas com os temas liderança e motivação, para, em seguida, proce- der a uma discussão do trabalho de Hilarie Owen, que acompanhou por dois anos a RAF— Red Arrows.1 Como pesquisa de campo, acompanhamos o trabalho do Esquadrão de Demonstração Aérea da Força Aérea Brasileira (EDA—FAB), procu- rando, neste acompanhamento, partindo do enfoque aos principais achados empíricos da autora citada,2 verificar o grau de concordância dos aviadores brasileiros com os ingleses. Problema de Pesquisa e Objetivo O problema de pesquisa deste artigo é a liderança e a motivação dos recursos humanos, quando no trabalho em equipe, com ênfase na discussão das características de uma equipe de alta performance. O presente artigo pretende lançar luzes sobre o conceito de equipes de alta perform- ance, e está baseado numa comparação entre os relatos da pesquisadora inglesa,3 feitos com base na observação dos trabalhos em equipe realizados na RAF—Red Arrows, e uma observa- ção semelhante realizada junto ao EDA—FAB. Fundamentos Teóricos O tema equipes é sustentado e condicionado por dois outros temas correlatos:4 liderança e motivação. Ademais, estes temas formam, no seu conjunto, a base de uma das mais importan- tes transformações ocorridas na teoria das orga- nizações, que passou da perspectiva clássica, baseada, sobretudo, nos estudos de Frederick W. Taylor (em empresas privadas) e Max Weber (em empresas públicas), para a perspectiva humanística (ou neo-clássica), fortemente influenciada—nos seus primórdios—pelos estu- dos de Marie Parker Follett e Chester Barnard. De fato, parece difícil imaginarmos um traba- lho de equipe em qualquer organização, que não seja acompanhado por forte ênfase nos conceitos de liderança e motivação, sendo esta questão um aspecto crítico tanto da administração de empre- sas privadas como públicas. As organizações públicas, em particular, vêm sofrendo profundas transformações, passando do estado burocrático para a administração gerencial.5 Hilarie Owen6 acompanhou durante dois anos a esquadrilha de aviação inglesa e traçou paralelos entre o traba- lho de equipe, estilo de liderança, e motivação verificadas junto ao grupo de aviadores da RAF, e aqueles que são tradicionalmente encontrados e aceitos em outros tipos de atividades organiza- das, públicas e privadas. Nós verificamos o estilo de liderança e os aspectos motivacionais típicos do EDA—FAB e extraímos o grau de concordância da equipe de aviadores brasileiros com os destaques da equipe da RAF.7 Ao final, incorporamos ao arti- go outras questões que, em nosso entender, podem ajudar a focar a questão da liderança e motivação, sobretudo na gestão das organiza- ções públicas, onde, tudo indica, esta questão ainda não está muito bem sedimentada. As tentativas de criar adesão e motivação dos servidores públicos têm sido feitas principal- mente através de justas—e nem por isso excluí- das de discussões sobre sua validade—reivindi- cações de direitos trabalhistas, como estabilidade e plano de carreira.8,9 Quando o que parece ser mais recomendado nesta questão de envolvi- *A versão preliminar deste artigo foi discutida—e consta dos anais—no IX Seminário em Administração da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo. Gostaria de agradecer a toda a equipe do EDA, em particular ao TenCel Av. Ricardo Reis Tavares e ao CapAv Jorge Wilson da Costa Mattos, a atenção especial que me foi dispensada na elaboração deste trabalho. Consoante a política editorial deste periódico, os artigos publicados representam pensamento de seus respectivos autores e não do Departamento de Defesa, da Força Aérea, da Universidade da Força Aérea ou de qualquer outro órgão nacional ou estrangeiro.—Nota da ASPJ em português 58 AIR & SPACE POWER JOURNAL mento, adesão e motivação para o trabalho em equipes é o envolvimento de todos com o senti- do maior da missão, identificação e vocação para o trabalho a ser realizado.10 Owen11 enfatiza a diferença existente nas variadas definições de equipes, muitas delas incluindo frases como “objetivos comuns” ou “trabalho conjunto”. Se perguntarmos ao mem- bro de um time de alta performance como este grupo pode ser definido, a resposta apareceria menos em forma de ações que caracterizariam a equipe, e mais em forma de sentimentos comuns que são partilhados pelo grupo. Para diferenciar equipes de simples grupos de trabalho conjunto, a autora enfatiza existi- rem quatro importantes características nas verdadeiras equipes: A primeira característica é que uma equipe depende muito menos de sua estrutura, tama- nho, ou até capacidade técnica de seus mem- bros, e muito mais do efeito sinergístico conse- guido por estes indivíduos. O que a autora do livro sugere é que entre os membros de um gru- po deve existir algo muito próximo daquilo que vários autores de estratégia empresarial enfati- zam ser necessário, para justificar a existência de diferentes unidades estratégicas de negócios em uma empresa: o conceito de sinergia, ou efeito 2+2=5. Se o resultado dos esforços do gru- po for igual à soma dos esforços individuais de cada um, o grupo nunca será uma equipe, mui- to menos uma de alta performance. Simples- mente porque a maior complexidade de estru- turação de uma equipe de alta performance reside nesta habilidade ímpar de coordenação, que possibilita uma união de esforços superior, que não pode ser resumida à reunião de vários gênios trabalhando reunidos. Owen cita o caso da inglesa Rebecca Stevens, que em 1993 conseguiu alcançar com sua equi- pe o pico do Everest, tornando-se a primeira mulher inglesa a fazê-lo. Poderíamos aproveitar aqui outro caso, não como exemplo de sinergia, mas de seu oposto, a entropia, que infelizmente aconteceu pela falta de integração entre os membros de outro grupo de alpinistas que em 1996 escalaram o mesmo pico. De onze alpinis- tas seis morreram no retorno da escalada, narra- da depois por um jornalista sobrevivente, em seu livro intitulado No Ar Rarefeito. Alguns dos que morreram estavam a menos de dez metros do acampamento onde estavam os demais! A segunda característica é que os membros de uma verdadeira equipe partilham entre si um objetivo comum, uma visão em comum. E aqui poderíamos nos referenciar nos esforços que são empreendidos por muitos administradores ao tentarem definir e partilhar com seus colabora- dores a missão, os valores e objetivos estratégicos de suas empresas. Mas a pergunta que fica é: bas- ta definir a missão e os valores, fixando-os em posters espalhados por toda a empresa? A terceira característica é que uma equipe de alta performance não nasce simplesmente do nada, ou da noite para o dia. Isto, segundo a autora, requer trabalho árduo e contínuo, como se sabe, mas precisa também proporcio- nar prazer e satisfação a todos os envolvidos. E a base de tudo está na capacidade do líder em coordenar isto, sobretudo convencendo os componentes da equipe de que esta realiza- ção depende menos dos interesses individuais e mais do interesse coletivo. A quarta e última característica é a abertu- ra que precisa existir na equipe, permitindo que todos sejam sempre muito diretos uns com os outros. Os erros são discutidos aberta- mente e vistos como uma oportunidade de aprendizado e desenvolvimento, nunca como punição aos que erraram.Owen confere muita ênfase à importância de se proporcionar o clima e cultura organi- zacionais adequados antes de se iniciar um trabalho de equipe: “Desenvolver equipes também significa desen- volver organizações, que precisam trabalhar para criar o clima adequado para que as equi- pes floresçam”.12 Em outras palavras, criando o clima adequado para que a equipe possa trabalhar em seu poten- cial máximo. Por que será que encontramos tantos exemplos de equipes bem sucedidas em esportes e atividades filantrópicas, e muito menos no mundo empresarial? Segundo a auto- ra isto se deve ao fato de que em muitos casos os gerentes ou diretores simplesmente não que- rem estimular o espírito de equipe, por verem nisto uma ameaça ao seu status ou poder. Possivelmente isto também esteja relaciona- do ao fato de que as empresas têm objetivos de EQUIPES DE ALTA PERFORMANCE 59 lucro explícitos, e muitos administradores vêem nisto razão para separar aqueles que dirigem daqueles que executam, aqueles que participam nos lucros daqueles que participam nas deci- sões. Em uma palavra, aquilo que Owen13 e tam- bém Gareth Morgan14 denominam “them and us”, gerando uma clara definição de opostos, e não de membros de uma mesma equipe. Outro exemplo que nos ocorre é o de uma reportagem publicada pela Revista Business Week, em que, perguntando ao falecido mestre da administração por objetivos Peter Drucker quem ele indicaria para o cargo de presidente da General Motors, obteve-se como resposta o nome de uma dirigente da Girl Scouts, associa- ção norte-americana de escotismo feminino! A revista citada realizou então—por sugestão do próprio Drucker—uma pesquisa com diversas instituições non-profit dos Estados Unidos, como museus, escolas, casas de cultura e espe- táculos, chegando à conclusão de que o guru da administração estava certo: a maior parte destas organizações são muito efetivas simples- mente pelo fato de que trabalham com pessoas fortemente movidas pelo sentido de vocação. Owen cita o caso de um participante de seus cursos de liderança que, considerando-se gerente brilhante e líder nato, fora submetido a um teste de liderança e mostrou claramente ser pessoa centralizadora e impositiva: “Não foi fácil pará-lo e convencê-lo da impor- tância de ouvir um pouco os outros”.15 Em contraposição ao exemplo dado acima por Owen, ocorre-nos citar outro autor,16 que desenvolveu o método que ficou conhecido como técnica Delphi, que tem como funda- mento básico a idéia de que quando um gran- de número de pessoas é consultado, preferen- cialmente formando um júri de especialistas no assunto, as chances de acerto em uma decisão são significativamente maiores. Mais recentemente, corroborando com a idéia de que grupos de pessoas podem atingir níveis superiores de acerto, o jornalista norte- americano James Surowiecki17 realizou criterio- so trabalho de revisão da literatura, ilustrada por diversas situações reais, em que a opinião de várias pessoas tende a superar em qualidade e nível de acertos a opinião dos especialistas. Owen18 considera ainda que, mais difícil do que convencer uma pessoa autoritária a mudar sua postura é convencê-la de que o acerto das decisões não depende única e exclusivamente dela. Isto nos faz refletir também sobre o concei- to de autoconhecimento. Só pessoas maduras e com significativo grau de autoconhecimento estão preparadas para delegar, ouvir, admitir seus próprios erros, e aprender com os outros. Owen lembra ainda que a palavra poder— freqüentemente visto como algo a ser preser- vado por uns em detrimento de outros—se bem entendida, pode ser uma forte alavanca para o envolvimento, a liderança e a motiva- ção de equipes de alta performance. No fran- cês, pouvoir significa ser capaz, e é daí que se origina também a palavra inglesa empowerment, ou seja, permitir que as pessoas ajam e desem- penhem satisfatoriamente. Segundo Owen: “Dando poder os líderes nada perdem, de fato eles perceberão que ganham muito, pois os li- derados os seguirão e respeitarão”.19 Hoje se sabe que, mais importante que o poder, é a autoridade de um líder, e em que grau a autoridade é reconhecida no líder pelos seus seguidores. Na aviação civil comercial brasileira a questão do poder vem sendo muito discutida, a partir da constatação que se fez de que o poder a bordo de um avião fica excessivamente concentrado nas mãos de uma só pessoa: o piloto. Embora os regulamentos de tráfego aéreo confiram ao pilo- to em comando todos os poderes sobre o destino da aeronave e sua tripulação, alguns argumen- tam sobre a necessidade de conscientização dos pilotos para que estes se utilizem suficientemente de todos os recursos existentes a bordo, sobretu- do a totalidade dos tripulantes. De fato, a teoria administrativa tem proposto um “deslocamento” Revista Força Aérea––Alexandre Durão 60 AIR & SPACE POWER JOURNAL da ênfase no poder para a ênfase na autoridade, adquirida por reconhecido merecimento do líder, em função de sua excelência e domínio nas ações inerentes às suas funções. Segundo estudos realizados no Brasil20 a NASA criou nos anos 70 os cursos de gerencia- mento de recursos de cabine (Cockpit Resource Management—CRM) que são hoje considerados imprescindíveis para aumentar a segurança dos vôos. A primeira companhia aérea a utilizar este ferramental foi a United Airlines, em 1981. O CRM pressupõe a utilização de todos os recursos disponíveis para aumentar a segurança e eficiên- cia das operações de vôo: equipamento, procedi- mentos e pessoal. O objetivo central do treina- mento é melhorar o processo decisório na cabine “através da eficácia no uso destes recursos”. Citando vários exemplos de acidentes, entre os quais o de um Boeing 737 que, sain- do de Marabá para Belém, tomou o rumo errado e fez um pouso forçado na selva, em São José do Xingu, matando doze de seus ocupantes, Branco Filho explica que o CRM vem desenvolvendo-se de tal maneira que pas- sou a chamar-se de Crew Resource Management, e passa a envolver todos os tripulantes, uma vez que: “o importante é o fluxo de informa- ção, independentemente de onde parta”. A posição de um comandante de avião, como dissemos, é a de autoridade máxima, o que não implica dever ser uma posição hermética a outras informações, além das que o mesmo dis- põe diretamente em seu trabalho técnico. Ademais, Owen21 sugere também que sejam considerados, além do fluxo desimpedido de informações—fluxo este muitas vezes erronea- mente interrompido por alguns gerentes como instrumento de poder—, os elogios, que não devem ser poupados para que uma equipe esteja realmente envolvida e sintonizada. A autora confere, inclusive, mais importância aos elogios do que à hierarquia. Segundo ela, em equipes de alta performance a hierarquia não é necessária, uma vez que a liderança é basea- da em respeito e não em delegação de poder. A autora enfatiza ainda outro ponto central nos esforços de compor uma equipe de alta performance, que é o fato de que, se por um lado cabe à alta cúpula, ou ao corpo diretivo, a responsabilidade pela integração de todos, por outro lado os dirigentes muitas vezes “esque- cem-se” de fazê-lo, por razões que, segundo ela, devem-se principalmente à ganância de chegar ao topo da pirâmide. Como este nor- malmente é o objetivo máximo e decisivo de qualquer executivo, quando lá eles chegam, pensam que nada mais há de importante a fazer, a não ser se manter naquela posição. Ou então passam a tentar defender suas posi- ções uns contra os outros, em detrimento do grupo como um todo, o que pode ser freqüente- mente constatado pelas reuniões do board de muitas empresas, onde se vê o diretor de market- ing defendendo o marketing, o diretor de finan- ças defendendo asfinanças e o diretor de produ- ção defendendo a produção. Algo que seria muito natural, não fossem os prejuízos evidentes para o trabalho em equipe, o que inspirou tam- bém Gareth Morgan22 a estudar as organizações através da metáfora dos sistemas políticos, que naturalmente passa a ser o quadro mais típico de funcionamento das organizações, sobretudo as públicas.23 Ou, como diz Owen em outra passa- gem de seu livro: Foram-se os dias em que os gerentes mandavam e os trabalhadores simplesmente executavam. Performance e responsabilidade partilhada são necessidades das organizações atuais. Não há me- lhor exemplo disto do que a RAF Red Arrows.24 As Percepções dos Aviadores do EDA—FAB: Uma Pesquisa Exploratória Como se sabe, o EDA—FAB, conhecido carinhosamente pelo público brasileiro como “Esquadrilha da Fumaça”, é hoje um dos prin- cipais símbolos nacionais. Esta equipe é reco- nhecida nacional e internacionalmente como uma equipe de alta performance devido ao elevado grau de profissionalismo e rigor téc- nico empregado pelos seus membros. A “Esquadrilha da Fumaça” opera em suas demonstrações aéreas as aeronaves Tucano (T27), fabricadas no Brasil pela Embraer, o que faz ainda destes aviadores verdadeiros “embaixadores” do Brasil no exterior. Sinteticamente podemos afirmar que os prin- cipais conceitos atribuídos por Owen25 à alta per- formance da equipe RAF—Red Arrows são: EQUIPES DE ALTA PERFORMANCE 61 • Partilhar sentimentos e objetivos comuns. • Capacidade de extrair sinergia dos esfor- ços individuais. • Importância da coordenação dos esforços. • O papel do líder como fundamental para realizar a coordenação da equipe. • O trabalho árduo, mas envolvendo tam- bém sentimentos de prazer e satisfação. • Também considerado fundamental o nível de abertura existente na equipe, permitindo que todos sejam muito dire- tos uns com os outros. • Forte sentido de equipe e cultura de coo- peração entre todos. • Forte sentido de vocação, de que repre- sentamos nosso país, a aviação militar, a aeronáutica como um todo. • Todos estamos continuamente apren- dendo na equipe, inclusive com os nos- sos eventuais erros. • As decisões tomadas por consenso (entre várias pessoas especializadas no assunto) tendem a ser de qualidade superior às decisões tomadas individualmente (mes- mo em se tratando de um reconhecido especialista). • A importância do fluxo desimpedido de informações, independentemente de onde elas partam. • As melhores decisões que tomamos são aquelas que se baseiam em uma combi- nação de cálculo e intuição. Então, a estratégia de pesquisa definida para este artigo foi a comparação dos pontos destacados pela pesquisadora inglesa26 e o grau de concordância dos aviadores brasilei- ros da “Esquadrilha da Fumaça” com estes mesmos pontos. Após o período de observação dos trabalhos da equipe do EDA—FAB, apresentamos um questionário de graus de concordância, tipo Likert, com escala de 1 a 4 para as mesmas ques- tões enumeradas acima, podendo constatar grande concordância dos aviadores brasileiros com os pontos observados junto aos aviadores ingleses, conforme se depreende da tabulação apresentada na tabela 1 a seguir. Importa destacar que, de 38 membros da equipe do EDA—FAB, as respostas tabuladas representam as opiniões de 24 destes mem- bros, ou seja, apresenta-se as respostas de 63% da equipe do EDA—FAB. Foi utilizado o teste “alfa de Cronbach” para avaliação da confiabilidade do instrumento de coleta de dados, tendo sido obtido o resultado do teste no valor de 0,37, evidenciando, assim, baixa estabilidade da medição obtida, uma vez que preconiza-se para este teste valores acima de 0,60. A tabela 1 a seguir apresenta os graus de concordância verificados junto aos aviadores do EDA—FAB: Conclusões O que se constata é a necessidade, cada vez mais premente, de que se aproveite nas organi- zações a totalidade da massa crítica humana disponível. Em diversos tipos de decisões, uma maior participação de todos os agentes envolvi- dos melhora, como já demonstraram outros estudos,27,28 a capacidade de acerto. O primeiro autor evidenciando-o em organizações produti- vas de fins lucrativos, e o segundo, embora ilus- trando-o de forma mais geral, evidencia o apro- veitamento da massa crítica humana disponível também em operações públicas e militares, citando exemplos recentes da invasão do Ira- que. Podemos observar, pela pesquisa realizada, que, afora a grande concordância geral dos avia- dores brasileiros e ingleses, os itens em que este grau de concordância foi mais elevado foram exatamente em envolvimento (satisfação) com o trabalho a ser realizado, com 83% de concor- dância total, e a importância de que as decisões sejam tomadas por consenso, com 75% de con- cordância total. O casal Alvin e Heidi Toffler,29 que argu- menta sobre a necessidade de que as Forças Armadas também se adaptem às exigências da chamada “terceira onda”, enfatiza que os con- frontos militares passarão a ser baseados mais em inteligência, obtida na participação dos diferentes níveis hierárquicos da operação nas decisões, e muito menos em sangue. Talvez uma visão menos preconceituosa das possibilidades de aproveitamento da subjetivi- dade humana—entendida aqui como o melhor do sentido de circunstancialidade das 62 AIR & SPACE POWER JOURNAL pessoas, sua criatividade, sentimentos e inspira- ção—possa conduzir muitas das atuais equipes para verdadeiras equipes de alta performance. Entre as diferentes metáforas que sugere30 para que se entenda uma empresa em toda a sua complexidade, Morgan fala das organiza- ções como organismos de aprendizado contí- nuo, cuja representação ideal seria a metáfora do cérebro. Neste tipo de meta-organização, a estrutura mais funcional seria a matricial, em detrimento das clássicas e rígidas estruturas hierárquicas. Na estrutura matricial a lideran- ça passa a ser por projetos, não por funções ou hierarquia, exigindo alto grau de participação e envolvimento de diferentes áreas funcionais de uma empresa. Owen31 também percebeu este sentido de aprendizado contínuo junto à RAF—Red Arrows. Nós, no EDA—FAB. Será que os administradores de empresas abandonaram o maior dos bens que todos adquirimos já ao nascer, e que Santo Agosti- nho (354-430) chamou de livre-arbítrio? Não seria isto que os mesmos estariam fazendo, ao relegar a segundo plano sua subjetividade e sentido de circunstancialidade? Tabela 1. Graus de concordância dos aviadores da “Esquadrilha da Fumaça” 1 Discordo totalmente 2 Discordo 3 Concordo 4 Concordo totalmente CONCEITOS CONSIDERADOS RELEVANTES 1 2 3 4 Na equipe do EDA todos partilhamos sentimentos e objetivos comuns. 60% 60% 54% 46% O EDA consegue extrair muita sinergia dos esforços individuais. 60% 60% 46% 54% No EDA trabalhamos duro, mas também sentimos prazer e satisfação com o trabalho realizado. 60% 60% 17% 83% Também consideramos fundamental o nível de abertura existente na equipe, permitindo que todos sejam muito diretos uns com os outros. 60% 17% 37% 46% Existe no EDA um forte sentido de equipe e cultura de cooperação entre todos. 60% 60% 67% 33% Somos movidos ainda por um forte sentido de vocação, de que representa- mos nosso país, a aviação militar, a aeronáutica como um todo. 60% 60% 33% 67% Todos estamos continuamente aprendendo no EDA, inclusive com os nossos eventuais erros. 64% 60% 21% 75% As decisões tomadas por consenso (entre várias pessoas especializadas no assunto) tendem a ser de qualidade superior às decisões tomadas individual- mente (mesmo em se tratando de um reconhecido especialista). 60% 60% 25% 75% Muito importante também é o fluxo desimpedido de informações, indepen- dentementede onde elas partam. 64% 21% 50% 25% As melhores decisões que tomamos são aquelas que se baseiam somente em cálculos exatos. 21% 67% 64% 68% As melhores decisões que tomamos são aquelas que se baseiam somente na ntui- ção. 46% 54% 60% 60% As melhores decisões que tomamos são aquelas que se baseiam em uma com- binação de cálculo e intuição. 64% 17% 46% 33% MÉDIAS 66% 14% 35% 45% EQUIPES DE ALTA PERFORMANCE 63 Não seria através da subjetividade e sentido de circunstancialidade de todos os envolvidos com as organizações onde trabalham, que encontraremos uma visão mais integrativa dos problemas inerentes ao processo de lidar com a incerteza, risco e tomada de decisões? Subje- tividade entendida não como o que carece de comprovação científica, mas talvez—como estamos querendo sugerir neste artigo— como a mais nobre combinação entre livre- arbítrio e decisões inspiradas na ética. Talvez para isto a ciência administrativa esteja carecendo de métodos de tomadas de decisões mais flexíveis, que se sirvam mais do ferramen- tal qualitativo. Não em detrimento do ferra- mental quantitativo, mas complementando-o. Pesquisas brasileiras descreveram32 os bene- fícios do uso da subjetividade em previsões, inclusive propondo um método classificado como híbrido,33 ou seja, aquele que combina o ferramental quantitativo com o subjetivo. Parece que muito ainda há que ser estuda- do, proposto e aplicado. A pesquisa de campo aqui discutida, exploratória, com baixa estabi- lidade de medição quando se recorre ao teste “alfa” de confiabilidade, ainda assim revelou grande e inequívoco grau de concordância total entre as opiniões de membros de equi- pes de alta performance de dois países bastan- te distintos, como o Brasil e a Inglaterra. q Notas 1. Hilarie Owen, Creating Top Flight Teams (London: Ko- gan Page, 1996). 2. Ibid. 3. Ibid. 4. Antonio César A. Maximiano, Introdução à Administra- ção, 6a ed (São Paulo: Atlas, 2004). 5. Luiz Carlos B. Pereira e Peter Spink orgs., Reforma do Estado e Administração Pública Gerencial (Rio de Janeiro: Edito- ra FGV, 2005). 6. Owen, op.cit. 7. Ibid. 8. Érica M. Machado e Lícia M. Umbelino, A questão da estabilidade do setor público no Brasil: perspectivas de flexibilização (Brasília: Textos para discussão ENAP, 2001). 9. Paulo Modesto, Reforma Administrativa e Direito Adquiri- do ao Regime da Função Pública (Brasília: Textos para discussão ENAP, 2001). 10. Maximiano, op.cit. 11. Owen, op.cit. 12. Ibid., 22. 13. Ibid. 14. Gareth Morgan, Imagens da Organização (São Paulo: Atlas, 1996). 15. Owen, op.cit, 46. 16. Robert Schlaifer, Probability and Statistics for Business Decisions (New York: McGraw-Hill, 1959). 17. James Surowiecki, The Wisdom of Crowds (New York: Doubleday, 2004). 18. Owen, op.cit. 19. Ibid., 67. 20. David Branco Filho, “Relação Afinada”, in Aero Maga- zine, Ano 4, número 47 (1998): 20-22. 21. Owen, op.cit. 22. Morgan, op.cit. 23. Pereira e Spink, op.cit. 24. Owen, op.cit., 98 25. Ibid. 26. Ibid. 27. Schlaifer, op.cit. 28. Surowiecki, op.cit. 29. Alvin Toffler e Heidi Toffler, Guerra e Anti-guerra: So- brevivência na Aurora do Terceiro Milênio (Rio de Janeiro: Biblio- teca do Exército, 1995). 30. Morgan, op.cit. 31. Owen, op.cit. 32. Nadia Wacila H. Vianna, A Subjetividade no Processo de Previsão (Tese de doutorado FEA/USP, 1989). 33. Luiz Maurício de A. Silva, Instrumentalização do Plane- jamento Estratégico: Aplicação no Setor Aeroviário Comercial Brasi- leiro (Tese de doutorado FEA/USP, 2000). http://www.teses. usp.br/teses/disponiveis/12/12134/tde-27032006-095314/. Luiz Maurício de Andrade da Silva é graduado e mestre em Administração pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e doutor, também em Administração, pela Universidade de São Paulo (USP). É professor de planeja- mento estratégico e processo decisório na Academia da Força Aérea (AFA-Pirassu- nunga/SP). Foi colaborador de empresas nacionais e multinacionais, assim como de importantes escritórios brasileiros de consultoria. É autor do livro Tomada de Decisões em Pequenas Empresas, editado pela Cobra Editora (São Paulo), em 2004. É fundador e ex-presidente da Associação Helena Piccardi de Andrade Silva (www. ahpas.org.br), entidade sem fins lucrativos de apoio a crianças com câncer. Possui 28 horas de vôo em instrução, como piloto-aluno.
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