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A sala de aula sob o olhar etnografico

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A sala de aula sob o
olhar etnográfico:
um estudo de caso
EDEMAR AMARAL CAVALCANTE*
ADAIL SEBASTIÃO RODRIGUES JÚNIOR**
46 • PRESENÇA PEDAGÓGICA • v.11 • n.63 • maio/jun. 2005
*Estagiário do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (CEALE) da FaE/UFMG. Graduando em Pedagogia pela FaE/UFMG
**Professor adjunto da Faculdade de Ciências Gerenciais Pe. Arnaldo Janssen. Doutorando em Lingüística Aplicada pela FALE/UFMG
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N Etnografia da Escola:alguns apontamentosDiário de campo, 16/06/2004. Às 06:50h chega-
mos ao portão principal da escola situada num bairro de
periferia de Belo Horizonte, próximo a um pequeno
centro comercial. O ritual de abertura dos portões sina-
liza a grande cena de entrada dos alunos, chamando a
atenção de algumas pessoas que passam rente à calçada.
Percebemos que, para aquela comunidade, como talvez
para várias outras, a entrada dos alunos na escola simbo-
liza o abandono do mundo exterior, da rua, repleto de
construções discursivas multifacetadas, para se inserirem
em um outro mundo igualmente multifacetado e dinâ-
mico, em cujos limites territoriais novas outras formas
constitutivas de identidade emergem. Os alunos aden-
tram a escola, passam pelo olhar rotineiro das professo-
ras e funcionários, posicionam-se em filas no pátio em
frente à cantina, cantam, batem palmas, fazem coreogra-
fias típicas de cantigas infantis e escolares, rezam e, em
seguida, marcham, céleres, para suas salas de aula, con-
duzidos pelas professoras. Limitando ainda mais o seu
território, a sala de aula passa a ser o local em que reali-
dades culturais serão constituídas, identidades formadas,
práticas escolares executadas e, sobretudo, o local em que
significados serão apreendidos, internalizados e multipli-
cados no cerne da vida cotidiana dos alunos, dentro e
longe da escola. 
A formação do mundo escolar se inicia no ritual já
estabelecido de um posicionamento dos alunos em filas,
o que indica as regras de um universo permeado por dis-
cursos, valores e ideais. As rezas, as cantigas infantis e as
várias outras ações executadas pelos alunos, sob orienta-
ção das professoras, demonstram que a escola manifesta
em seu interior as realidades do mundo e, conseqüente-
mente, suas formações discursivas. Ao adentrarmos a
escola e presenciarmos esse ritual, lembramo-nos de um
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Neste ensaio exploratório, tentamos
descrever a estrutura de uma sala de aula
a partir da perspectiva da Etnografia,
considerando a importância desse
ambiente escolar para a constituição de
significados e a formação de sujeitos
sociohistóricos. A metodologia usada foi a
observação não-participativa, além de
entrevista com a professora-colaboradora
e notas de campo, que virão diluídas no
próprio texto. Através desses
procedimentos, foi-nos possível registrar
algumas práticas sociais e discursivas de
uma docente e de discentes dentro do
contexto escolar e suas repercussões no
microcontexto de uma sala de aula de
primeiro ciclo de uma Escola Pública
Municipal de Belo Horizonte. Os resultados
parciais desse estudo-piloto sinalizam
para o papel fundamental que a estrutura
de uma sala de aula pode exercer no
processo de ensino e aprendizagem e
apontam para a necessidade de pesquisas
mais profundas nesse campo de
investigação e para a conscientização e
atuação de docentes e educadores.
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A sala de aula sob o olhar etnográfico: um estudo de caso
trabalho de Owens (2003) no qual o antropólogo mostra
que a construção da personalidade do indivíduo não se
origina apenas de sua subjetividade humana, mas, princi-
palmente, de uma produção cultural de significados esta-
belecidos a partir de práticas sociais colaborativas. Nesse
sentido, a essência da prática etnográfica está justamente
no entendimento das ações compartilhadas pelos inte-
grantes de uma determinada cultura, suas formas de
socialização e constituição de significados culturais. Para
Spradley (1979), o etnógrafo tem como papel central
desvelar crenças, opiniões e ações sociais constituintes da
prática cotidiana dos integrantes da comunidade investi-
gada, suas formas de pensar e agir e, sobretudo, suas rela-
ções sociais em ambientes historicamente constituídos e
compartilhados entre eles. No caso da escola investigada,
os alunos constroem suas realidades dentro de um
ambiente de socialização que expressa relações de poder
através dos discursos que ali circulam, fixando, conforme
Foucault (1971), papéis sociais para “os” sujeitos que
falam [professoras] e “os” que ouvem [alunos].
Nesse universo de construção de vários discursos,
o etnógrafo dilui, em suas observações e registros, reali-
dades que, embora típicas daquela comunidade,
ganham novos matizes, quando em contato com outras
realidades. A Etnografia, portanto, muito mais que
registrar a cultura de um povo, um grupo social ou uma
instituição, igualmente revela, em suas notas de campo
e observações, saberes culturalmente estabelecidos e his-
toricamente sedimentados (HAMMERSLEY e
ATKINSON, 1995). O etnógrafo adentra um universo
heterogêneo com o qual perceberá o seu próprio, atra-
vés de relações de alteridade com seus informantes. Os
rituais com os quais nos defrontamos na escola observa-
da se nos apresentaram, em princípio, como verdadeiros
textos, em cujas informações foi-nos possível perceber
representações da realidade de mundo daquela comuni-
dade educacional. A partir desse olhar, o etnógrafo tece
uma rede complexa de relações sociais vividas durante
seu trabalho de campo, registrando fatos e aconteci-
mentos que ganham forma textual. Como bem subli-
nha Geertz (1989), 
fazer etnografia é como tentar ler (no sentido de
‘construir uma leitura de’) um manuscrito estranho,
desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas
suspeitas e comentários tendenciosos, escrito não com
os sinais convencionais do som, mas com exemplos
transitórios de comportamento modelado (p.7).
Em outras palavras, fazer etnografia é lidar com
sujeitos sociohistoricamente constituídos que, na verda-
de, se modificam à medida que participam do processo
de socialização com outros membros da sociedade ou
comunidade à qual pertencem. Essa complexa realidade
se registra através da escrita etnográfica, numa tentativa
de representação do mundo real nos limites que a escrita
consegue fixar (ANDRÉ, 2003; EMERSON, FRETZ e
SHAW, 1995; SPERBER, 1992).
No que tange à escola investigada, a prática etno-
gráfica e suas ferramentas de coleta de dados refletiram
nosso objetivo ou plano previamente estabelecido.
Nosso olhar buscou vivências e práticas escolares que
suscitassem possíveis caminhos para o entendimento da
estrutura da sala de aula sob análise e seu papel na cons-
tituição de significados para os professores e alunos
(ERICKSON, 1984), visto que a escola, conforme
Dayrell (1996, p.137), é “um espaço social próprio (...),
com um conjunto de normas e regras (...) que buscam
unificar e delimitar a ação dos sujeitos sociais” ali pre-
sentes. Com efeito, poderíamos igualmente pensar a
escola analisada como uma comunidade com várias
repartições responsáveis por tarefas diversas. Dentre
esses vários núcleos de atuação, como diretoria, supervi-
são, grupo de docentes, encarregados das tarefas gerais,
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“O espaço da escola, por assim dizer,
reproduzia-se no espaço da sala de
aula, através de um processo de
“diluição” dos discursos produzidos no
mundo exterior, com regras e “regimes
de verdade” (FOUCAULT, 1971) que se
multiplicavam no ambienteescolar e,
conseqüentemente, na sala de aula”
Orientados pela professora, todos se aconchegam,
aos poucos, em suas carteiras, dispõem o caderno, lápis,
borracha e lápis de cor sobre a carteira, prontificando-se
para o início de suas tarefas escolares. A professora, no
dia de nossa coleta de dados, após o “Bom dia!” tradicio-
nal, escreve no quadro “verde” um texto que trabalha a
recuperação de fatos históricos e folclóricos na memória
de seus alunos. É época de festa junina e, conseqüente-
mente, muitas atividades relativas ao tema serão desen-
volvidas na escola. Com isso, ela parece abrir espaço para
a constituição de narrativas, prática discursiva que,
segundo Jaworski e Coupland (2000), tem a função de
entreter, de fortalecer laços interativos e de trabalhar a
formação seqüencial de construção de memória através
da ficção ou narração de fatos verídicos. O texto “Bom
dia, sinhazinhas e sinhozinhos! Ontem choveu, mas hoje o
dia está lindo, lindo! 16 de junho.”, escrito no quadro
verde, recupera a memória dos alunos, fazendo-os relem-
brar fatos naturais que ocorreram no dia anterior através
e outros mais, a sala de aula se nos revela o ambiente
central da instituição escolar, uma vez que todos os dis-
cursos que permeiam a escola para ela convergem. Mais
precisamente, o microambiente da sala de aula materia-
liza os discursos que “são ditos”, isto é, reconhecida-
mente válidos pela instituição que os corrobora e legiti-
ma, como muito bem afirmou Foucault (1971).
Consideramos, portanto, a sala de aula como o núcleo
que se encontra no cerne da instituição escolar em ter-
mos de representação do discurso da escola em sua prá-
tica mais efetiva: o processo educacional através de
construção de significados. Nesse sentido, a avaliação da
sala de aula como espaço que reflete os “outros espaços”
da escola e do mundo cotidiano dos alunos pode confe-
rir aos professores um tipo de “passaporte” para sua
inclusão no mundo da sala de aula como co-constitui-
dores de realidades sociais e culturais junto de seus alu-
nos (FRANK, 1999). 
O que o olhar etnográfico observou,
o que sua escrita fixou
Às 07:15h, os alunos já estão em sala de aula. A
turma é do 1º ciclo do Ensino Fundamental e é compos-
ta de 20 alunos de sete anos e dois de oito anos. Dois
alunos, um menino e uma menina, da sala de aula obser-
vada são alunos da inclusão. A política de inclusão, den-
tro da experiência escolar, busca inserir alunos especiais
(muitas vezes oriundos da população economicamente
desfavorecida, estigmatizada, além de portadores de defi-
ciências físicas e mentais) nas relações entre indivíduos e
coletividades, combinando diversas lógicas de ação que
edificam o mundo escolar. Com efeito, essa política pro-
porciona a todos os alunos um processo de socialização,
bem como a construção de identidades socialmente
reconhecidas no âmbito da experiência escolar (DUBET
e MARTUCCELLI, 1996).
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A sala de aula sob o olhar etnográfico: um estudo de caso
de analogias ou comparações. Em seguida, a professora
propõe uma atividade de fortalecimento dessa prática de
narrativas através de um exercício mimeografado com
gravuras. Kress e van Leeuwen (1996) acreditam que as
crianças têm mais facilidade de construir relações meta-
fóricas através de símbolos, devido ao fato de elas não se
verem ainda restritas pela realidade de vida a que os
adultos comumente estão sujeitos. Para os dois teóricos,
esse recurso facilita o processo educativo e desperta nas
crianças o senso de criatividade e, sobretudo, de agência,
isto é, de participação, como agentes sociais, na produ-
ção de significados que se materializam através dos dis-
cursos da sala de aula. Em outras palavras, ao criar reali-
dades metafóricas, os alunos constituem um sentido coe-
rente de si mesmos, de sua identidade, consistente com
as práticas sociais em seu entorno, embora utilizem o
imaginário para essa construção. 
Nossa observação, no entanto, demonstrou que a
estrutura da sala de aula parece não ter propiciado con-
dições espaciais e interativas necessárias para o total
aproveitamento da atividade sugerida pela professora.
Seguindo o mesmo estilo ritualístico da chegada para a
entrada dos alunos em suas salas de aula, ou seja, posi-
cionados em filas e direcionados pelas professoras, o
microambiente educacional da sala de aula observada
onde os alunos exerciam práticas sociais apenas sob
orientação da professora, se nos revelava bastante estru-
turado. O espaço da escola, por assim dizer, reproduzia-
se no espaço da sala de aula, através de um processo de
“diluição” dos discursos produzidos no mundo exterior,
com regras e “regimes de verdade” (FOUCAULT, 1971)
que se multiplicavam no ambiente escolar e, conseqüen-
temente, na sala de aula. 
Frank (1999), ao aplicar alguns instrumentos de
descrição do ambiente da sala de aula em pesquisas etno-
gráficas feitas por seus alunos, apresenta, segundo Jones e
Prescott (1978), cinco dimensões para a sala de aula como
local de constituição de cultura e socialização, a partir dos
discursos ali formados. São elas: (i) ambiente não-estrutu-
rado/estruturado, (ii) ambiente aberto/fechado, (iii)
ambiente simples/complexo, (iv) ambiente inclusi-
vo/exclusivo e (v) ambiente móvel/estático. Um ambiente
não-estruturado apresenta mobília confortável, materiais
de educação artística disponíveis, caixas de brinquedos,
entre outros. Um ambiente estruturado apresenta alunos
em fila, proibições variadas por parte da professora, ativi-
dades restritas ou direcionadas, entre outras. Um ambien-
te aberto seria a sala de aula centrada no aluno; já o opos-
to, ou ambiente fechado, voltaria a atenção para a profes-
sora. Um ambiente simples ou complexo, por sua vez, apre-
senta tarefas disponíveis para os alunos em graus crescen-
tes de facilidade e dificuldade. Um ambiente inclusivo ou
exclusivo embasa-se na constituição de grupos de alunos
para a execução de tarefas e a possibilidade de os alunos
trabalharem sozinhos, sem intervenção notória da profes-
sora. Por fim, um ambiente móvel ou estático apresenta
características de modificação da disposição das carteiras
dos alunos em sala de aula, ora em círculos, ora agrupados
em filas, ou até mesmo os alunos assentados ao chão para
a execução de tarefas, em sua maioria, artísticas, de relaxa-
mento, de contar estórias, entre outras.
A configuração da sala de aula no dia de nossa
observação, representada na figura 1, permitiu-nos per-
ceber uma tendência a um ambiente estruturado, dentro
de um grau de complexidade das atividades e tarefas
apropriadas ao nível de alfabetização dos alunos, e um
ambiente que ora promove a execução de tarefas de
forma independente, por parte dos alunos, ora monito-
rada pela professora. Na maioria das vezes, a professora
adotava uma estratégia de, primeiramente, explicar as
etapas das tarefas, em seguida disponibilizar um tempo
suficiente para que os alunos as executassem, enquanto
ela caminhava por entre as carteiras auxiliando, dirigin-
do e comandando os alunos. 
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Figura 1: Desenho da sala de aula observada feito no
dia da observação.
LEGENDA
1 Mesa da professora
2 Estagiária da Prefeitura de Belo Horizonte
3 Aluno da inclusão
4 Alunos
5 Alunas
6 Carteiras vazias
7-8 Pesquisadores
9 Aluna da inclusão
10 Quadro “verde”
11 Quadro branco para pincel
12 Porta da sala de aula
13 Janelas da sala de aula
A sala de aula sob observação expressou certa rigi-
dez na disposição espacial das carteiras, configurando-se
num ambiente mais estruturado que não-estruturado.
Parece-nos que a professora assim faz para manter o con-
trole da turma e visualizar os alunos de maneira mais
global, podendo monitorar seu desempenho, comporta-mento e a execução das tarefas propostas.
Um outro aspecto importante em nossa observa-
ção refere-se aos alunos da inclusão. A aluna, que se
enquadra na política inclusiva por ter síndrome de
Down, socializava-se com mais facilidade e interagia mais
espontaneamente com seus colegas. O aluno, por apre-
sentar problemas físicos de locomoção, recebia monitora-
mento constante da estagiária, a fim de conseguir, dentro
de suas limitações, um grau de socialização e desempenho
mínimos, com tarefas bem definidas e apropriadas às suas
condições naturais de executá-las. Esse tipo de monitora-
mento, observável claramente na estrutura da sala de
aula, parece revelar, ao mesmo tempo, uma necessidade
de apoio e orientação ao aluno inclusivo e uma abertura
para que esse aluno se socialize e construa, paulatinamen-
te, seu papel social dentro daquela comunidade educacio-
nal. Nesse sentido, compartilhamos a visão de Dauster
(1996) acerca do papel do professor na formação do
aluno. Para esta teórica,
[o] problema que se coloca ao professor é pensar o
aluno dotado de uma identidade construída histó-
rica e socialmente. Daí a importância não só de tra-
zer o seu cotidiano para o interior da escola, mas
também a História e o desafio de conhecer e respei-
tar a diferença cultural e a heterogeneidade de expe-
riências sociais. A escola é uma instituição privile-
giada, na medida em que possibilita o contato entre
atores com diferentes visões de mundo, podendo pro-
mover o seu encontro e a troca de significados e
vivências (p.70).
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A sala de aula sob o olhar etnográfico: um estudo de caso
Após a observação e o término do primeiro turno,
entrevistamos a professora no horário do intervalo.
Apresentamos a ela o croqui de sua sala de aula, desenha-
do durante nossas observações (figura 1), questionando-
a se na estrutura espacial daquela sala de aula ela reco-
nhecia ou poderia apontar aspectos que caracterizassem
sua filosofia de ensino e aprendizagem. Nesse momento,
uma nova construção discursiva da realidade da observa-
ção etnográfica se descortinou para nós. A professora,
ciente das limitações de ensino e aprendizagem típicas de
sua sala de aula, do tipo indisciplina, heterogeneidade,
sala com mais de vinte alunos, tempo reduzido para
dedicação mais exclusiva a cada aluno, entre outras,
expôs seus comentários, que gravamos em fita cassete: 
Professora: sei que tem algumas falhas (...) é fazer a
melhor disposição também para poder atender o proble-
ma da disciplina que é sério na minha sala; eu gosto
muito de trabalhar em dupla realmente, ou grupos (...);
gosto, às vezes, de chegar as carteiras para trás, fazer
rodinhas, contar estórias, cantar, dançar na sala, porque
eu acho que essa disposição também, fixa assim, não leva
a nada, tem que realmente haver mudanças, mas nesses
dias não houve. (...) Eu tento variar, mas realmente
aqui não está: eles estão separados, é uma carteira pesa-
díssima, então isso tudo também afeta a disponibilida-
de e a vontade da gente fazer, de mudar muito (...).
Ao ver o croqui da sala de aula, a professora con-
seguiu perceber que a disposição espacial alguns proble-
mas que ela bem conhecia. No entanto, aspectos como
“disciplina”, “carteira pesadíssima”, e outros suscitavam
reflexões da parte da professora que a faziam vislumbrar
o ambiente de sala de aula de uma outra posição, de um
outro local, para, com olhar crítico, avaliá-lo e interpre-
tá-lo como observadora. Nesse sentido, compartilhamos
com Frank (1999) a ponderação de que os professores, ao
transformarem a sala de aula, comum a eles, em locais
estranhos, conseguem se distanciar do cotidiano daquele
ambiente para observá-lo mais criticamente. Com isso,
novas formas de reflexão emergem, fazendo com que os
próprios professores repensem suas práticas pedagógicas.
O fazer pedagógico, portanto, ganha novo matiz, recons-
truindo-se à medida que novas maneiras de entendê-lo e
revisitá-lo são proporcionadas, sobretudo através de prá-
ticas etnográficas que retratam, com certa clareza, o fazer
social da escola, imersa numa rede de discursos que se
intercambiam entre vivência escolar e realidade urbana.
Considerações finais
Ao analisarmos os resultados parciais desse estudo-
piloto, reconhecemos que a Etnografia é um método de
abordagem de campo que oferece ferramentas para um
melhor entendimento da realidade da escola e suas formas
de constituição de significados já existentes e suas transfor-
mações, originárias de reflexões e discussões por parte dos
sujeitos participantes do contexto educacional. Como bem
sublinha Erickson (1984), a escola não se limita apenas à
região intramuros, em cujo local a prática pedagógica se esta-
belece. A escola, sobretudo, é um ambiente que recebe
incontáveis sujeitos-alunos, com origens diversificadas, his-
tórias variadas, crenças multifacetadas e opiniões diversas,
que trazem, para dentro do ambiente escolar, e principal-
mente para a sala de aula, discursos que colaboram para sua
constituição e efetivação. Essa construção de identidades e
de significações, por sua vez, é diretamente influenciada pela
estruturação do espaço escolar e do ambiente de sala de aula.
Fixar, na escrita etnográfica, essas características requer do
etnógrafo reflexão e, ao mesmo tempo, imparcialidade, uma
vez que, através dessa escrita, realidades serão registradas e,
portanto, redes discursivas acessíveis ao olhar de inúmeros e
diferentes leitores serão estabelecidas. Há nesse processo um
aspecto tripartite, em cuja estrutura encontramos o etnógra-
52 • PRESENÇA PEDAGÓGICA • v.11 • n.63 • maio/jun. 2005
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fo como escritor, a academia e outras comunidades discursi-
vas (cf. Swales, 1990) como leitores e, principalmente, nos-
sos informantes como ‘o outro’, aquele que é representado na
escrita (GOFFMAN, 1989; HAMMERSLEY e ATKIN-
SON, 1995). Por conseguinte, representar o discurso da
escola é dar-lhe vida através de registros escritos oriundos de
trabalho de campo e, sobretudo, originários de realidades
com as quais convivemos e partilhamos dilemas e preocu-
pações. A prática etnográfica é, pois, teoria e método viáveis
que lançam luz em ambas as instâncias do processo de pes-
quisa: os professores-colaboradores como agentes de cons-
trução e reconstrução da realidade da escola e os pesquisa-
dores como agentes de mudança e instrumentos de melho-
ramento do saber fazer em educação.
Além disso, neste ensaio exploratório apresentamos a
importância da investigação da estrutura da sala de aula
como elemento fundamental no processo de socialização e
aprendizagem dos alunos ali presentes. As discussões aqui
levantadas, por seu caráter parcial, apontam para a necessi-
dade de investigações mais profundas de como a estrutura de
uma sala de aula pode facilitar um melhor desempenho da
prática pedagógica e de como o olhar distanciado do docen-
te pode ajudá-lo a ressignificar sua atuação educativa.
Questões relacionadas à socialização dos alunos, através da
interação entre vida social e vivência escolar, e suas manifes-
tações no contexto da escola estão diretamente ligadas ao
microcontexto da sala de aula e à forma como esse ambien-
te é construído por professores e alunos. O que pudemos
perceber nesse estudo-piloto foi o papel que a sala de aula
parece exercer no processo educacional, sobretudo no pro-
cesso de alfabetização. Uma vez que a estrutura da sala de
aula desvela práticas sociais peculiares a esse micro-contexto,
procurar entender suas facetas e importância para a facilita-
ção da aprendizagem pode conduzir os professores a uma
postura de maior reflexão acerca de suas práticas docentes,
suas formas de conceber a realidade educacional e, conse-
qüentemente, sua própriaformação como educador.
Referências
Sugestões de leituras
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Campinas, São Paulo: Papirus, 2003.
BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 37ª ed.
rev. ampl. Rio de Janeiro: Lucerna, 2000.
DAUSTER, Tânia. Construindo Pontes: a prática etnográfica e
o campo da educação. IN: DAYRELL, Juarez (org.). Múltiplos
olhares sobre educação e cultura. Belo Horizonte: Editora da
UFMG, 1996, p.65-72.
DAYRELL, Juarez. A escola como espaço sócio-cultural. IN:
DAYRELL, Juarez (Org.). Múltiplos olhares sobre educação e
cultura. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1996, p.137-161.
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v.11 • n.63 • maio/jun. 2005 • PRESENÇA PEDAGÓGICA • 53
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