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Mulheres na economia digital Superar o limiar da desigualdade Eva ngel io de San Jua n 8: 32 Sí nt es e Conferência Regional SOBRE A MULHER da América Latina e do Caribe Mulheres na economia digital Superar o limiar da desigualdade Eva ngel io de San Jua n 8: 32 Sí nt es e Conferência Regional SOBRE A MULHER da América Latina e do Caribe O presente documento se elaborou sob a direção de Alicia Bárcena, Secretária Executiva da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), para sua apresentação na XII Conferência Regional sobre a Mulher da América Latina e do Caribe (Santo Domingo, 15 a 18 de outubro de 2013). A execução deste documento esteve sob a responsabilidade de Sonia Montaño Virreira, Diretora da Divisão de Assuntos de Gênero, e de Mario Cimoli, Diretor da Divisão de Desenvolvimento Produtivo e Empresarial da CEPAL, e a coordenação esteve a cargo de Lucía Scuro, Oficial de Assuntos Sociais da Divisão de Assuntos de Gênero. Agradece-se especialmente o aporte substantivo de Néstor Bercovich, Coral Calderón, María Goñi, Lucas Navarro, Lucía Pittaluga, María Ángeles Salle, Lucía Tumini e Sonia Yáñez. Em sua elaboração e discussão colaboraram Jimena Arias, María Cristina Benavente, Mario Castillo, Julia Ferré, Ana Ferigra, Virginia Guzmán, Paula Jara, Patricio Olivera, Paulina Pavez, Laura Poveda, Inés Reca, Varinia Tromben, Alejandra Valdés e Pamela Villalobos, da CEPAL, Martin Shaaper, Especialista em estatísticas de ciência e tecnologia do Instituto de Estatística da UNESCO e Marcia Leite e Pilar Guimarães da Universidade Estadual de Campinas do Brasil. O documento colige as valiosas contribuições das ministras e autoridades dos mecanismos para o avanço da mulher da América Latina e do Caribe, que definiram seu conteúdo na 47a reunião da Mesa Diretiva da Conferência Regional sobre a Mulher da América Latina e do Caribe (Santiago, 28 a 30 de novembro de 2011), enviaram insumos para sua preparação e enriqueceram a versão final com aportes e debates em três ocasiões: na reunião preparatória da XII Conferência Regional sobre a Mulher da América Latina e do Caribe com países da América Central e o México (San José, 8 e 9 de maio de 2013), na reunião preparatória da XII Conferência Regional sobre a Mulher da América Latina e do Caribe com países da América do Sul (Montevidéu, 21 e 22 de maio de 2013) e na reunião preparatória do Caribe da XII Conferência Regional sobre a Mulher (São Vicente e Granadinas, 8 e 9 de agosto de 2013). Agradece-se também a contribuição dos funcionários e funcionárias dos organismos especializados na sociedade da informação e nas tecnologias da informação e das comunicações (TIC). Parte da informação estatística apresentada neste documento provém do Observatório da Igualdade de Gênero da América Latina e Caribe da CEPAL. Agradece-se também a contribuição da Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (AECID), da Secretaria Geral Ibero- Americana (SEGIB) e do projeto Alianza para la Sociedad de la Información (@LIS2), da CEPAL e da União Europeia. LC/L.3675(CRM.12/4) • Outubro de 2013 • Original: Espanhol • 2013-531 © Nações Unidas • Impresso em Santiago, Chile 3 Índice Prólogo .................................................................................................................... 5 Introdução ...................................................................................................................9 I. As mulheres na sociedade da informação e do conhecimento: oportunidades e desafios .................................................................................13 A. O padrão de emprego das mulheres .......................................................13 B. A segunda brecha digital ............................................................................14 C. Mudança estrutural para a igualdade na sociedade da informação e do conhecimento ..........................................................15 D. A autonomia das mulheres no novo paradigma tecnológico .............15 E. Em síntese ....................................................................................................17 II. Onde estão as mulheres? Trabalho, emprego, acesso e uso das tecnologias da informação e das comunicações ..................................19 A. As mulheres no mercado de trabalho .....................................................19 B. Mulheres no âmbito rural e mulheres indígenas ...................................22 C. Brecha digital de gênero: acesso, uso e habilidades na Internet ....................................................................................................24 D. Em síntese ....................................................................................................27 III. As mulheres na economia digital ...................................................................29 A. Oportunidades ou mais do mesmo? As mulheres na indústria eletroeletrônica ......................................................................30 B. O clássico serviço baseado nas TIC ........................................................32 C. Empreendedoras na economia digital usam as tecnologias da informação e das comunicações .........................................................34 D. Em síntese ....................................................................................................37 Mulheres na economia digital: superar o limiar da desigualdade SÍNTESE 4 IV. As mulheres no mundo da ciência e do conhecimento ............................39 A. Em síntese ....................................................................................................43 V. Tecnologias da informação e das comunicações: uma ferramenta para a igualdade de gênero ..............................................................................45 A. Experiências de uso das TIC para a autonomia econômica das mulheres.................................................................................................46 B. Experiências de uso das TIC que contribuem ao bem-estar das mulheres.................................................................................................48 C. Experiências de uso das TIC para a promoção da igualdade de gênero ......................................................................................................49 D. Em síntese ....................................................................................................50 VI. Agendas digitais e perspectiva de gênero .....................................................53 A. As agendas digitais como promotoras da economia digital e da igualdade ...............................................................................................54 B. A perspectiva de gênero nas agendas digitais da América Latina e do Caribe .................................................................56 C. Rumo a agendas digitais mais integrais e com perspectiva de gênero ......................................................................................................59 D. Em síntese ....................................................................................................60 Conclusões gerais ....................................................................................................61 Bibliografia ................................................................................................................65 5 Prólogo Frente à XII Conferência Regional sobre a Mulher da América Latina e do Caribe, a CEPAL quis contribuir ao debate regional apresentando o documento Mujeres en la economía digital: superar el umbral de la desigualdad, esforço de sistematizaçãoque aborda diversos aspectos que atualmente condicionam a inserção das mulheres da região no mercado de trabalho, bem como o acesso e o uso que elas fazem dos diferentes elementos que compõem a economia digital. Em suas páginas se registram experiências, iniciativas e políticas que visam melhorar a qualidade de vida das mulheres por meio das tecnologias da informação e das comunicações (TIC). Encontramo-nos hoje num momento crucial, em que os governos, as empresas e os cidadãos da região devem refletir e agir visando propiciar novos enfoques sobre o desenvolvimento. É primordial forjar uma nova equação entre o Estado, o mercado e a sociedade que dê alento a um modelo de desenvolvimento com igualdade, apoiado no emprego, no crescimento da produtividade, no bem-estar social e na sustentabilidade do meio ambiente. Esse caminho tem como estações iniludíveis elementos centrais como a educação, a ciência e a tecnologia, a inovação e o empreendimento, os sistemas de cuidado das pessoas, o papel dos territórios e a diversidade cultural. Entre eles, as TIC constituem um suporte imprescindível e transversal do conjunto da atividade econômica, política, cultural e social, além de, por si mesmas, representarem um setor produtivo. Nessa medida, estas tecnologias podem ser aliadas para o alcance da igualdade e ajudar a reduzir as iniquidades de gênero, que implicam tanto uma brecha social Mulheres na economia digital: superar o limiar da desigualdade SÍNTESE 6 como a própria brecha digital de gênero. Portanto, o acesso das mulheres ao uso das TIC resulta indispensável —ainda que não suficiente— para abrir oportunidades num contexto de desenvolvimento tecnológico sumamente dinâmico. Com esta reflexão em mente, no primeiro capítulo do documento se expõe o debate sobre a mudança estrutural e o lugar das mulheres na sociedade da informação e a capacidade de ampliação de sua autonomia no âmbito da instalação do novo paradigma tecnológico. No segundo capítulo faz-se um mapeamento da situação das mulheres no mercado de trabalho e a partir de dados das pesquisas disponíveis se revisam indicadores de acesso e uso da Internet para medir as brechas que se estabelecem entre homens e mulheres em distintos âmbitos sociais e geográficos. O acesso das mulheres às TIC se vê limitado por fatores que transcendem as questões de infraestrutura tecnológica e da linguagem. Na América Latina e no Caribe o fato de que as mulheres utilizem menos as TIC que os homens, sem dúvida, se dá como resultado direto da desigualdade e dos estereótipos em âmbitos como a educação e a formação profissional, o emprego e o acesso à renda. No terceiro capítulo se abordam os resultados de três estudos exploratórios em diferentes âmbitos da economia digital: a indústria eletroeletrônica, os serviços de centros de chamadas e os empreendimentos de mulheres que utilizam as TIC. No quarto capítulo se debate a inserção das mulheres no mundo da ciência e do conhecimento por meio das trajetórias laborais de mulheres da região dedicadas à pesquisa científica. A economia, o bem-estar e as tecnologias são dimensões-chave e interconectadas, que devem ser consideradas na formulação de políticas públicas de igualdade de gênero que respondam de maneira ambiciosa e inovadora aos desafios que a sociedade atual apresenta. Assim, o argumento central para refletir sobre as TIC e a igualdade de gênero deve vincular-se à incorporação das mulheres nos processos de mudança e desenvolvimento sustentável dos países, entendendo que este objetivo só pode ser alcançado com uma participação igualitária de homens e mulheres. Assumir esta perspectiva significa converter a brecha digital de gênero em uma oportunidade concreta para enfrentar as desigualdades de gênero nos países da região, dado que as tecnologias digitais são ferramentas que poderiam melhorar as condições de vida e o acesso ao emprego, à renda CEPAL 2013 7 e aos serviços de educação e saúde. É por isso que no quinto capítulo se apresenta uma série de experiências de políticas públicas e de iniciativas de organizações nacionais e internacionais que mostram os progressos e esforços para o aproveitamento das TIC para o bem-estar das mulheres. Por último, no sexto capítulo se enfatiza a perspectiva de gênero nas atuais estratégias digitais adotadas pelos países da região, de onde surge a necessidade de os governos dedicarem um maior esforço para que as mulheres tirem maior proveito dos recursos das TIC. As TIC podem dar um grande impulso ao empoderamento econômico, político e social das mulheres e podem contribuir a consolidar a igualdade de gênero na região. Esse potencial, contudo, só será alcançado se as mulheres superarem as barreiras ao acesso e uso das TIC e se incorporarem plenamente à sociedade da informação e do conhecimento. Esta reflexão vincula duas áreas temáticas e de política pública que não tiveram uma forte relação, o que determina importantes desafios e implica uma agenda futura de pesquisa e de ação pública com grandes potencialidades, tanto da perspectiva da autonomia das mulheres como da contribuição ao desenvolvimento dos países. Neste documento a CEPAL propõe que os governos dos países planejem, implementem e supervisionem as políticas de desenvolvimento e de desenvolvimento produtivo em particular, considerando que as mulheres constituem metade da população. As políticas não podem ser neutras. Devem considerar as desigualdades de gênero que se observam no Estado, no mercado e na família e estar orientadas a superá-las. A perspectiva de gênero deve cruzar transversalmente as estratégias digitais para solucionar as brechas digitais (de acesso, e especialmente de uso) e os problemas específicos, desvantagens ou discriminações que enfrentam as mulheres, meninas e adolescentes. Alicia Bárcena Secretária Executiva Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) 9 Introdução A XII Conferência Regional sobre a Mulher da América Latina e do Caribe, que reúne representantes dos governos da região, aborda a igualdade de gênero, o empoderamento das mulheres e as tecnologias da informação e das comunicações (TIC). Em abril de 2013, os governos reunidos na quarta Conferência Ministerial sobre a Sociedade da Informação da América Latina e do Caribe reafirmaram seu compromisso de seguir avançando no sentido do cumprimento das metas expressadas no Plano de Ação sobre a Sociedade da Informação e do Conhecimento da América Latina e do Caribe (eLAC2015) e reconheceram a necessidade de formular políticas com um enfoque de desenvolvimento e de incorporar as perspectivas de gênero e de oportunidades com uma visão de inclusão que fomente a igualdade e, em particular, a redução da brecha digital. Neste documento se destaca que as TIC abrem diversas oportunidades para a autonomia das mulheres e a igualdade de gênero, mas a população feminina não se encontra em igualdade de condições em relação aos homens na sociedade da informação e do conhecimento. Apesar do aumento das taxas de acesso e uso da Internet na população de todos os países, ainda persiste uma importante brecha digital de gênero em detrimento das mulheres. Esta brecha de gênero na inclusão digital existe em países com distintos níveis de desenvolvimento e tem sua explicação na persistência das relações desiguais e nos estereótipos culturais de gênero. Os antecedentes reunidos no estudo mostram que as mulheres se beneficiam dos avanços da sociedade digital de forma defasada em relação aos homens, tanto na área da produção de novas tecnologias como nos Mulheres na economia digital: superar o limiar da desigualdade SÍNTESE 10 diferentes campos de aplicação, e especialmente no mercado de trabalho. Neste trabalho se analisa o emprego das mulheres naensamblagem de dispositivos TIC na indústria eletroeletrônica, nos centros de chamadas, no setor da pesquisa científico-tecnológica e em diversos empreendimentos de mulheres em vários países da região. Estes casos mostram que os efeitos do uso das TIC sobre o processo de avance da igualdade de gênero são diversos e nem sempre lineares. Embora se tenham logrado progressos nesta direção, se mantêm antigas desigualdades e surgem outras novas que põem em evidência os altos e baixos, os bloqueios e a resistência à mudança. Os avanços no processo de igualdade de gênero se vinculam, em primeiro lugar, com o fato de a produção e uso das novas tecnologias, e as mudanças associadas na organização produtiva e do trabalho, abrir novos espaços de trabalho, de autonomia econômica e pessoal para as mulheres, o que debilita as estruturas e representações tradicionais que organizavam a vida e o trabalho de homens e mulheres. Neste documento se expõe uma ampla gama de iniciativas que demonstram como o acesso e uso das TIC por parte das mulheres pode contribuir significativamente a melhorar sua qualidade de vida e fomentar a igualdade de gênero em diversos âmbitos, como a saúde, a educação e o combate à violência. Neste sentido, pode-se encontrar nas TIC uma oportunidade para a estruturação de relações sociais de gênero com igualdade, um traço que caracteriza a nova organização econômica. Por outro lado, se observa que a mudança tecnológica e econômica trouxe consigo alguns efeitos negativos, como a precariedade do emprego e a intensificação do trabalho. A isto se somam novas e reeditadas formas de organização no âmbito do trabalho, como o taylorismo digital, e uma flexibilidade de trabalho que serve para satisfazer as necessidades das empresas, que em muitas ocasiões exigem uma disponibilidade permanente para cumprir as exigências do trabalho remunerado. Com isto se obstaculiza a conciliação da vida de trabalho e da vida familiar, tanto no caso das mulheres como no dos homens. A qualidade do emprego das mulheres em setores econômicos vinculados às TIC está caracterizada por uma acentuada segregação ocupacional de gênero e pela subvaloração do trabalho feminino. A incorporação das novas tecnologias não tem afetado significativamente a estrutura segregada das ocupações e, em algumas delas, tem produzido uma nova segmentação. Ainda que as mulheres superem os homens no CEPAL 2013 11 cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio no campo da educação, persiste uma discriminação no trabalho, já que mulheres com maior nível de educação ocupam postos similares aos que ocupam homens com menor instrução. A menor gama de ocupações disponíveis para as mulheres e as dificuldades que estas enfrentam para ter acesso a postos de direção contribui a explicar a existência de diferenças salariais entre homens e mulheres. Em suma, no diagnóstico se destaca que mulheres e homens chegam em condições de desigualdade ao processo de reestruturação produtiva associada às TIC. O ordenamento de gênero pelo qual as mulheres seguem sendo as principais responsáveis pelo trabalho não remunerado e do cuidado nas famílias interage com as novas formas de organização da economia global, que se baseia no uso intensivo da ciência e da tecnologia e em processos de globalização. Isto explica, em grande parte, a lentidão com que se fecham as brechas de gênero no mercado de trabalho, incluindo aquele que se caracteriza por um alto nível de desenvolvimento tecnológico, onde as TIC são parte integral do modelo de produção e gestão. No estudo se reitera que as políticas econômicas e tecnológicas podem fomentar a igualdade de gênero ou reproduzir as desigualdades existentes, dependendo de como estejam formuladas e do modo e entorno da implementação. Um dos descobrimentos mais preocupantes é a ausência de políticas industriais, trabalhistas, tecnológicas e científicas ativas que integrem a perspectiva de gênero. Destaca-se que as políticas de desenvolvimento em geral, e as políticas de desenvolvimento produtivo em particular, não podem ser neutras. Assim como devem levar em consideração as desigualdades existentes entre países e entre economias, também devem expor e eliminar a suposição generalizada de que homens e mulheres se despojam de seus papéis sociais e culturais quando entram ao mercado de trabalho. A incorporação das mulheres ao trabalho remunerado em igualdade de condições com os homens requer políticas de mudança estrutural que tenham em consideração as diferenças e desigualdades entre homens e mulheres na integração à sociedade, ao mercado de trabalho e à família. O desafio das políticas públicas para a sociedade da informação que incorporem a perspectiva de gênero centra-se em dois pontos: maximizar as oportunidades que oferece a revolução digital e minimizar os riscos de Mulheres na economia digital: superar o limiar da desigualdade SÍNTESE 12 defasagem das mulheres. Trata-se de um desafio que não é unicamente tecnológico, mas também político e que passa pela determinação de implementar estratégias digitais que incorporem a perspectiva de gênero como eixo transversal, aproveitando as novas possibilidades que oferecem as TIC para obter progressos na agenda de igualdade de gênero. 13 I. As mulheres na sociedade da informação e do conhecimento: oportunidades e desafios Para entender os processos de mudança e estudar as repercussões e possíveis oportunidades para alcançar a igualdade de gênero, se apresenta a atual situação das mulheres no mercado de trabalho e a brecha digital de gênero, se discute por que é preciso promover a mudança estrutural para a igualdade na sociedade da informação e do conhecimento, e finalmente se aborda a necessária autonomia das mulheres no âmbito do novo paradigma tecnológico. A. O padrão de emprego das mulheres A participação das mulheres no mercado de trabalho, considerada uma das transformações sociais e econômicas mais importantes e sustentadas das últimas décadas, não retrocedeu em nenhuma crise econômica, mas mostrou uma desaceleração no começo do novo milênio. Esta participação tem mantido os traços de precariedade que caracterizam o emprego feminino. As mulheres com maior nível educativo, menores cargas familiares e mais recursos para adquirir serviços de cuidado apresentam taxas de participação econômica mais elevadas. Esta estratificação na experiência de trabalho das mulheres se aprofunda com a segmentação própria dos mercados de trabalho e se combina com débeis e restritas ofertas de serviços de cuidado (Rodríguez e Giosa, 2010). A despeito da importante presença das mulheres no mercado de trabalho, ainda persiste a segregação do trabalho, que se define como a clara distinção entre os setores de atividade do mercado e os postos de Mulheres na economia digital: superar o limiar da desigualdade SÍNTESE 14 trabalho ocupados por homens e mulheres. A segregação de trabalho das mulheres se manifesta em duas dimensões: a segregação horizontal e a segregação vertical. A segregação horizontal supõe que as mulheres se concentrem em certos setores de atividade e em determinadas ocupações, enquanto a segregação vertical implica uma desigual repartição de homens e mulheres na escala hierárquica e, portanto, mostra como as mulheres têm dificuldades para progredir em sua profissão e ter acesso a postos mais qualificados e mais bem remunerados. B. A segunda brecha digital Algumas décadas atrás, contar ou não com acesso à Internet definia a brecha digital e gerava coletivos incluídos e excluídos da sociedade da informação. Atualmente, os níveis de cobertura da Internet registram, em todo o mundo, um aumento exponencial. A brecha digital se manifesta como um fenômeno mais complexo do que o mero acesso à Internet,pelo que as categorias que a descrevem também se tornam mais complexas. Existe uma primeira brecha digital que se refere ao acesso aos computadores e à conexão da Internet, segundo as características sociodemográficas das pessoas. A segunda brecha se relaciona com os usos, tanto em intensidade como na variedade de usos, e está determinada pelas capacidades e habilidades geradas pelos indivíduos para utilizar os equipamentos e recursos do novo paradigma tecnológico. O relevante da análise da segunda brecha digital é que a barreira mais difícil de superar não é a de acesso (provisão de infraestrutura, difusão de artefatos, programas de aprendizagem introdutórios), mas a do uso e das habilidades. Além do tempo de uso dos computadores ou da Internet, é necessário analisar o tipo de uso que homens e mulheres fazem destas ferramentas (Castaño, 2008). A segunda brecha digital afeta mais intensamente as mulheres. Em vários países da região, as mulheres igualam os homens quanto ao acesso a Internet, o que indicaria que a primeira brecha digital está em vias de superação. Na segunda brecha digital, em contraste, as mulheres se situam em uma posição de clara desvantagem frente aos homens, já que fazem um uso mais restringido e realizam atividades que requerem menor destreza tecnológica (Castaño, 2008). Estas diferenças nos usos encontram sua CEPAL 2013 15 explicação nas relações de poder assimétricas entre homens e mulheres, enraizadas historicamente no sistema de gênero hegemônico que se reproduz na família, na escola e no mundo do trabalho. C. Mudança estrutural para a igualdade na sociedade da informação e do conhecimento Os países da América Latina e do Caribe enfrentam o desafio de reformar suas estruturas produtivas, já que as atuais caracterizam-se por apresentarem grande heterogeneidade e pelo escasso peso dos setores intensivos em conhecimento, o que tende a reforçar as situações de desigualdade social. A heterogeneidade estrutural contribui para explicar a profunda desigualdade social da região, já que as brechas de produtividade refletem, e, ao mesmo tempo, reforçam as capacidades de incorporação ao progresso técnico, poder de negociação, acesso às redes de proteção social e opções de mobilidade ocupacional ascendente (CEPAL, 2013b). Em todas essas dimensões, para um mesmo nível socioeconômico, as mulheres enfrentam mais dificuldades do que os homens. A mudança estrutural implica remover os modelos que sustentam as desigualdades de gênero implantadas nas relações de trabalho, e que designam posições hierarquizadas e lugares ou postos de maiores vantagens aos homens, independentemente dos sustentados esforços de capacitação, profissionalização e autonomia que realizam as mulheres nos países da região. As estratégias de desenvolvimento baseadas na mudança estrutural são uma opção que permitiria aos países integrarem-se em uma situação mais vantajosa na sociedade da informação e do conhecimento. Dado que as mulheres sofrem em maior medida a desigualdade nestas sociedades, o estudo das oportunidades e dos obstáculos que estas enfrentam para inserir-se em igualdade de condições com os homens na sociedade do conhecimento adquire maior relevância. D. A autonomia das mulheres no novo paradigma tecnológico A divisão sexual do trabalho e a sobrecarga de trabalho não remunerado que enfrentam as mulheres geram dificuldades para uma incorporação Mulheres na economia digital: superar o limiar da desigualdade SÍNTESE 16 plena ao processo de mudança estrutural. Por este motivo, qualquer análise que se faça para elaborar políticas públicas de crescimento e igualdade deve pôr especial atenção naqueles aspectos que possam reforçar a noção de um processo de mudança estrutural com igualdade, especificamente com igualdade de gênero, abrindo oportunidades a homens e mulheres. As políticas econômicas, tecnológicas e sociais tendentes à mudança estrutural podem fomentar a igualdade de gênero ou ser neutras em relação a esta e permitir a persistência das desigualdades. Deste modo, é muito importante prestar atenção especial a cada uma das etapas da política produtiva, desde a formulação e implementação até o posterior seguimento e avaliação, com a permanente medição dos seus efeitos na vida de mulheres e homens. Para aprofundar na reflexão sobre a autonomia das mulheres no novo paradigma tecnológico, se estabelecem dois níveis de análise: a) o nível estratégico da reflexão entre a sociedade da informação e do conhecimento e a agenda de igualdade de gênero, e b) o nível instrumental, que se refere aos aspectos dos quais a agenda de igualdade de gênero possa nutrir-se para cumprir seus objetivos. 1. Nível estratégico: desafiar a neutralidade Este nível implica perguntar-se em que espaços de ação do novo paradigma é possível fazer a conexão com a política de igualdade de gênero. Também supõe indagar quais são as potencialidades que apresentam para a autonomia das mulheres as novas formas de produção, as lógicas de maior flexibilidade de trabalho ou a mudança no setor dos serviços intermediados pelas TIC. A reflexão estratégica exige repensar o sentido do desenvolvimento, presente e futuro. Uma das primeiras consequências que esta reflexão estratégica tem para o desenvolvimento é a ruptura de um modelo de pensamento que historicamente não tendia a considerar como um trabalho o trabalho não remunerado das mulheres. Esta mudança conceitual transforma o marco de análise do desenvolvimento, interpela a hierarquização entre o produtivo e o reprodutivo, e questiona as prioridades estabelecidas nas políticas públicas. Trata-se de uma plataforma desde a qual refletir sobre o impacto favorável que deve ter a interseção entre as condições que se apresentam na sociedade da informação e do conhecimento e os avanços na política pública para a igualdade de gênero. CEPAL 2013 17 A identificação de possíveis janelas de oportunidade requer compreender a natureza não só do paradigma das TIC, mas também das novas corporações internacionais. As políticas produtivas dos países vêm se modificando e devem questionar abertamente a maneira mais eficiente e justa de integrar o contingente de mulheres que busca trabalho assalariado e acesso à renda e bem-estar em igualdade de condições com os homens. Para que isto ocorra devem-se formular políticas que tomem em conta as demandas de cuidado, que atualmente recaem quase exclusivamente em mulheres que exercem esta tarefa em forma não remunerada. As políticas de desenvolvimento produtivo não podem operar sem considerar as políticas que habilitem as mulheres a um acesso adequado ao mundo do trabalho, ao mesmo tempo em que ampliam as responsabilidades familiares dos homens. É disto que se trata quando se fala de interpelar a suposta neutralidade das políticas (Montaño, 2010). 2. Nível instrumental: as TIC para a igualdade Trata-se da utilização de todas as ferramentas que se colocam ao dispor das mulheres com a instalação do paradigma das novas tecnologias e que abrem uma frente com alta potencialidade instrumental para a difusão e concretização de ações que tendam à igualdade entre homens e mulheres. A partir deste nível analítico cabe perguntar-se de que maneira as TIC podem ser úteis para fortalecer ações e políticas para alcançar a igualdade, e quais são as ferramentas que permitem aos governos melhorar a eficácia de suas ações para alcançar a igualdade de gênero. E. Em síntese Devem-se assinalar ao menos três conclusões no âmbito da autonomia das mulheres e da igualdade de gênero no novo paradigma da sociedade da informação. Em primeiro lugar, fica evidente que na economia digital, como nos demais paradigmas econômicos, as oportunidades não se distribuem de maneira equitativa nem entre os países nem entre as pessoas,o que provoca assimetrias que se devem combater com políticas específicas sobre o diagnóstico da desigualdade. Em segundo lugar, o fato de que os usuários da Internet aumentem em paralelo com a brecha digital entre homens e mulheres é uma chamada de atenção a Mulheres na economia digital: superar o limiar da desigualdade SÍNTESE 18 favor da implementação de políticas ativas para a igualdade de gênero, já que o maior acesso às TIC, por si mesmo, não melhora a brecha digital de gênero. Por último, a mudança estrutural que devem enfrentar os países da região tem de superar a neutralidade característica das políticas públicas, incorporando necessariamente ações para a igualdade entre homens e mulheres. 19 II. Onde estão as mulheres? Trabalho, emprego, acesso e uso das tecnologias da informação e das comunicações Segundo as projeções de população elaboradas pelo Centro Latino- Americano e Caribenho de Demografia (CELADE)-Divisão de População da CEPAL, as mulheres representam 50,9% da população da América Latina e do Caribe, o que equivale a mais de 300 milhões de pessoas. No entanto, ainda se insiste em tratá-las como um grupo minoritário, vulnerável ou excepcional. Muitas delas têm condições precárias de vida e de trabalho e enfrentam situações de persistente discriminação. Problemas como a violência e a sobrecarga de trabalho fazem com que as mulheres percam qualidade de vida e vejam ainda mais limitado o desfrute de seus direitos. Este capítulo tem por objeto mostrar, por meio de alguns indicadores, a situação e posição das mulheres da região na economia e o uso que fazem da Internet. Tomando como fonte principal as pesquisas de domicílios, e em alguns casos os censos econômicos ou de população, se determinam os lugares que ocupam as mulheres nas economias e quais são seus principais desafios para integrar-se plenamente à sociedade da informação e do conhecimento. A. As mulheres no mercado de trabalho Um dos principais desafios que se apresentam ao observar certos indicadores de gênero é compreender por que nos domicílios pobres há uma maior proporção de mulheres (em idade produtiva, entre 20 e 59 anos de idade) que de homens. Questões associadas à carga do trabalho Mulheres na economia digital: superar o limiar da desigualdade SÍNTESE 20 de cuidado e às responsabilidades familiares designadas às mulheres restringem sua capacidade para integrarem-se ao mercado de trabalho e a impedem de gerar renda que permitam que esses domicílios superem a pobreza. Embora as economias da região tenham registrado crescimento econômico, mesmo com as dificuldades oriundas da crise dos países do norte, as mulheres continuam vendo-se afetadas pela confluência das discriminações que sofrem e sua proporção aumenta nos domicílios pobres. A oferta de trabalho remunerado se regula, entre outras coisas, por meio da negociação nas famílias da distribuição do trabalho não remunerado para a reprodução entre os membros da família segundo o sexo e a idade. Esta regulação é feita mediante a alocação de tempo ao trabalho remunerado e não remunerado. As pessoas, principalmente as mulheres, que assumem o trabalho não remunerado liberam os trabalhadores potenciais da responsabilidade do cuidado (CEPAL, 2012c). O tempo total de trabalho se mede por meio de pesquisas de uso do tempo, que resultam complexas e custosas. Não obstante, cabe destacar que a maioria dos países da região já conta com alguma experiência a respeito e em vários casos com mais de uma medição nos últimos 15 anos. Por outro lado, cálculos para estimar o valor monetário do trabalho não remunerado vêm se realizando em vários países. A implementação das pesquisas de uso do tempo tem contribuído a visibilizar esta carga de trabalho não remunerado que realizam as mulheres. Por exemplo, no México, o valor econômico do trabalho não remunerado equivale a 21,6% do PIB, e da qual, 78,3% correspondem à contribuição das mulheres1. Ao somar o tempo de trabalho total —remunerado e não remunerado— nos países que contam com informação, se observa que as mulheres trabalham mais tempo que os homens. Estes dedicam mais horas ao trabalho remunerado, enquanto as mulheres dedicam mais tempo ao trabalho não remunerado. Em todos os casos, as mulheres trabalham mais tempo que os homens, por dia ou por semana. A medição e comparação do tempo destinado ao cuidado por mulheres e homens têm gerado evidência inédita sobre as desigualdades enraizadas nas famílias. A análise do uso do tempo tem permitido, ademais, uma aproximação ao valor econômico do cuidado e seu aporte à riqueza 1 Dados do Instituto Nacional de Estatística e Geografia (INEGI) do México (2012). CEPAL 2013 21 dos países, e tem suscitado um sério questionamento ao vazio analítico da economia tradicional neste campo. Em média, na América Latina, as mulheres apresentam uma taxa de desemprego de 7,9%, enquanto a dos homens é de 5,6%. Apesar da constante queda dos índices de desemprego na região nos últimos anos, e da vontade e necessidade que mostram as mulheres de inserir-se no mercado de trabalho, é importante observar que estas ainda apresentam taxas de desemprego superiores às dos homens. Isto significa que as mulheres têm mais dificuldades para encontrar emprego e que, inclusive em um contexto de crescimento e bonança, sua situação no mercado de trabalho não chega a equiparar-se com a dos homens. Por outro lado, quando se observa a estrutura de trabalho na América Latina, fica claro que as mulheres se encontram em lugares mais precários e com menores retribuições. Ao analisar as distintas categorias ocupacionais, se observa que os homens são principalmente assalariados e, como empregadores, têm presença muito maior. As mulheres, em contraste, constituem uma menor proporção no trabalho assalariado e uma de cada dez (10,7%) está empregada no serviço doméstico, enquanto para os homens esta porcentagem é mínima (0,5%). No caso das assalariadas, Panamá e México mostram as maiores cifras, seguidos da Argentina e Chile. O país onde há menor proporção de mulheres assalariadas é o Estado Plurinacional da Bolívia, em que estas apenas alcançam 39,9% das mulheres ocupadas. O Estado Plurinacional da Bolívia também é o país com maior proporção de mulheres que declaram estar ocupadas sob a forma de trabalho familiar não remunerado (mais de 10% das mulheres ocupadas). A categoria de trabalhadoras autônomas, embora possa se referir a empreendimentos formais e integrados à seguridade social, geralmente se vincula a atividades que as pessoas realizam para o mercado informal e sem maiores níveis de proteção nem rendimentos econômicos. As mulheres colombianas, nicaraguenses e peruanas são as que mais se desempenham nesta categoria ocupacional. No caso da Colômbia, a proporção entre trabalhadoras por conta própria e assalariadas é similar. Ao colocar a atenção no outro extremo, se constata que as empregadoras constituem uma proporção muito reduzida em todos os países. No México, país que registra o maior número de mulheres nesta categoria, estas chegam a apenas 6%, enquanto nos demais países se situam em 3% ou menos. Mulheres na economia digital: superar o limiar da desigualdade SÍNTESE 22 Das mulheres ocupadas na América Latina, 44,6% se desempenha no setor dos serviços (incluindo serviços sociais e financeiros), enquanto só 20,5% dos homens se empregam neste setor. No outro extremo das assimetrias entre homens e mulheres encontram-se os casos da construção e da agricultura (um de cada quatro homens trabalha na agricultura, onde trabalha apenas uma de cada dez mulheres ocupadas). B. Mulheres no âmbito rural e mulheres indígenas 1. Mulheres no âmbito rural Existe uma estreita relação entre a situação de trabalho das mulherese a pobreza rural. Em particular, se verifica uma grande precariedade no trabalho temporário, onde há uma crescente participação das mulheres. Embora a pobreza se tenha reduzido notavelmente desde a década de 1990, ainda persistem importantes desigualdades relacionadas com o território e o gênero, já que as mulheres no âmbito rural têm menos possibilidades de trabalho, menor renda, escasso acesso à seguridade social e, fundamentalmente, uma sobrecarga de trabalho que se relaciona com a desigual distribuição do trabalho doméstico e de cuidado nas famílias e no conjunto da sociedade. Em termos gerais, as mulheres que moram em áreas rurais têm menor autonomia econômica que as das áreas urbanas. A proporção de mulheres sem renda própria nas áreas urbanas alcança 30,4%, enquanto nas áreas rurais esta proporção chega a 41,4%. Na América Latina, as mulheres que moram em áreas rurais representam 9,9% da população total, com significativas diferenças de um país a outro. Destacam-se os casos da República Bolivariana da Venezuela, Argentina e Uruguai, onde as mulheres que moram em áreas rurais não chegam a 4% da população. No outro extremo se encontram países como El Salvador, Guatemala e Honduras, onde estas superam 20%. O caso de Honduras chama especialmente a atenção, uma vez que as mulheres que moram em áreas rurais e as mulheres que moram em áreas urbanas representam proporções muito similares ao total da população. Lamentavelmente, no caso dos países do Caribe, as estimativas e projeções de população não estão desagregadas por sexo na segmentação urbano-rural. A única exceção é o Haiti, onde as mulheres do meio rural representam 25,8% da população. CEPAL 2013 23 Em termos gerais, as mulheres do meio rural têm menos acesso a redes de apoio e uma menor provisão de serviços de cuidado e saúde. A isto se soma que em muitos casos devem assumir tarefas próprias do âmbito rural (como buscar lenha ou água), percorrer distâncias maiores, muitas vezes sem serviços de transporte público, e, claro, contam com menos infraestrutura e tecnologias de apoio para as tarefas domésticas (instalações de eletricidade, saneamento e água potável, máquinas de lavar roupa, veículos). É importante considerar essas características na hora de discutir e elaborar políticas públicas que incluam as mulheres do âmbito rural e lhes brindem oportunidades de integrar-se plenamente ao mercado de trabalho e de ter acesso aos benefícios próprios do desenvolvimento. 2. Mulheres indígenas A persistência de grandes desigualdades relacionadas com a origem étnica se verifica no fato de que a população indígena da região tenha um maior nível de pobreza e menor acesso aos serviços públicos. As taxas de analfabetismo das mulheres indígenas de 15 anos de idade ou mais podem chegar a ser quatro vezes mais altas que as das mulheres não indígenas. Tanto na área urbana como na área rural, o analfabetismo entre as mulheres indígenas é maior que o dos homens e a média de escolaridade, inferior. Este atraso social freia as possibilidades das mulheres indígenas conseguirem uma melhor inserção no mercado de trabalho. O nível educativo baixo constitui um dos nós centrais que deve ser rompido para eliminar esta brecha, que também é um fator de discriminação social e econômica, e funciona como um obstáculo para sair da pobreza (Ortega, 2013). No caso das mulheres indígenas, a fonte de informação escolhida foram os censos de população e com essas bases de dados se calcularam alguns indicadores que recopilam as atividades que realizam estas mulheres na região. Utilizaram-se censos dos seguintes países e anos: Colômbia e Nicarágua (2005), Peru (2007), Brasil, Equador, México e Panamá (2010), e Costa Rica e Uruguai (2011). Nas últimas décadas verificou-se um incremento da renda das mulheres no mercado de trabalho. No entanto, esta incorporação ocorreu de acordo com construções socioculturais que estabelecem que as mulheres devam ocupar-se das tarefas de cuidado. Ao observar o tipo de emprego que têm as mulheres, se pode advertir com facilidade que Mulheres na economia digital: superar o limiar da desigualdade SÍNTESE 24 se dedicam a afazeres relacionados com o cuidado (como os do âmbito da saúde, educação e questões sociais em geral) e se desempenham em menor medida em âmbitos relacionados, por exemplo, com as tecnologias. A isto se soma que trabalham mais horas que os homens, ganham menos dinheiro pelas mesmas tarefas e que enfrentam mais condições de estresse dada a superposição de responsabilidades. Além disso, as mulheres que moram em áreas rurais e as mulheres indígenas enfrentam as desvantagens da distância, da falta de meios de transporte e comunicações acessíveis, e as múltiplas discriminações enraizadas nas desigualdades étnico-raciais. C. Brecha digital de gênero: acesso, uso e habilidades na Internet Nesta seção se apresenta dados atualizados (2010) dos padrões de prevalência de uso da Internet por sexo para dez países, o que permite realizar uma análise mais abrangente e dinâmica para explorar o comportamento da brecha digital de gênero. Também se apresenta uma análise dos determinantes da probabilidade de usar Internet para identificar o efeito de ser mulher nesta probabilidade, depois de controlar outras características individuais2. Os resultados que aqui se apresentam mostram que persiste uma brecha digital de gênero no uso da Internet que coloca em desvantagem as mulheres de todos os níveis educativos, é mais frequente em áreas urbanas do que nas áreas rurais e tende a ser mais intensa nos quintis médios e altos da distribuição da renda. 1. As cifras são eloquentes O indicador de acesso à Internet no domicílio segundo o sexo mostra uma marcada heterogeneidade de um país a outro e varia de 8,3% em El Salvador a mais de 38% no Uruguai. 2 Para todos os efeitos, a informação utilizada corresponde a microdados de pesquisas de domicílios oficiais dos países com representatividade nacional ao redor do biênio 2009-2010. A fim de avaliar a dinâmica no tempo quanto ao uso e acesso a Internet também se consideraram indicadores ao redor do biênio 2006-2007. CEPAL 2013 25 Gráfico II.1 AMÉRICA LATINA (10 PAÍSES): USO DA INTERNET POR SEXO a (Em porcentagens) 18,2 35,2 34,8 39,3 20,8 30,7 22,8 28,2 4,8 13,4 9,6 12,8 20,4 27,0 9,8 17,0 23,1 26,0 35,1 45,8 19,7 35,6 39,3 44,0 23,4 33,8 24,2 29,9 5,6 15,0 9,1 12,0 24,2 29,8 9,8 17,9 29,9 34,1 37,5 47,9 20 05 20 09 20 06 20 09 20 05 20 08 20 08 20 10 20 07 20 10 20 07 20 10 20 07 20 09 20 07 20 10 20 07 20 10 20 08 20 10 Brasil Chile Costa Rica Equador El Salvador Honduras México Paraguai Peru Uruguai Mulheres Homens Fonte: Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), com base em tabulações especiais das pesquisas de domicílios. a Dados nacionais. As taxas de uso se referem à porcentagem de homens e mulheres que decla- ram usar Internet a partir de qualquer ponto de acesso diferente do domicílio (lugar de trabalho, estabelecimentos educativos, centros comunitários ou outros) Nos dados agrupados por sexo se verificam alguns elementos interessantes para o estudo da brecha digital de gênero. As taxas de acesso de homens e mulheres são similares em todos os países, uma vez que a unidade de análise para este indicador é o domicílio e não seus membros. Os dados indicam que as mulheres estão em condições similares a dos homens em termos de infraestrutura de acesso no domicílio. No entanto, ao considerar as taxas de uso de Internet por sexo começa a abrir-se uma brecha. Os dados são eloquentes e deixam entrever que as mulheres se beneficiam dos avanços da sociedade digital, porém defasadasem relação aos homens. Não obstante, ao considerar as diferenças de uso em termos relativos, se adverte que, tomando a média simples dos dez países, a taxa de uso da Internet das mulheres passou de ser 11,1% inferior à dos homens a ser 8,5% menor no último ano com informação disponível. Os resultados indicam que, transcendendo a inexistência de políticas digitais maciças com perspectiva de gênero, o processo geral de avanço das TIC leva implícita uma lenta redução das brechas relativas de uso da Internet, embora não em termos absolutos. A informação aqui apresentada provém de processamentos especiais de bases de dados de CEPALSTAT. Dado que o grau de detalhe da Mulheres na economia digital: superar o limiar da desigualdade SÍNTESE 26 informação nas pesquisas varia de um país a outro, nem sempre foi possível incluir todos eles na análise. Os países considerados foram: Brasil (2005 e 2009), Chile (2006 e 2009), Costa Rica (2005 e 2008), Equador (2008 e 2010), El Salvador (2007 e 2010), Honduras (2007 e 2010), México (2007 e 2009), Paraguai (2007 e 2010), Peru (2007 e 2010) e Uruguai (2008 e 2010). Exceto no caso do México, em que os dados provêm de uma pesquisa específica de TIC, a informação se obteve de pesquisas de domicílios que incluem módulos de perguntas relacionadas com o acesso e uso das TIC em nível individual e de domicílio. Todas as pesquisas são representativas em nível nacional e contêm informação sobre as características dos domicílios e das pessoas (idade, escolaridade, renda, condição de atividade e ocupação, entre outras), além das perguntas sobre acesso e uso das TIC. 2. Nativos digitais e pessoas ocupadas usam mais a Internet Em todos os países (menos no Peru), a prevalência de uso da Internet entre as pessoas ocupadas é maior no caso das mulheres do que no dos homens. Estes dados mostram que, na medida em que as mulheres se inserem com êxito no mercado de trabalho, por exemplo, como assalariadas, apresentam uma situação inclusive vantajosa em relação aos homens quanto à porcentagem de usuárias da tecnologia. Os resultados poderiam então indicar que contar com habilidades para o uso das TIC pode ser uma ferramenta poderosa para o êxito da inserção laboral de muitas mulheres. Ao revisar as duas situações vividas pelas mulheres —brecha digital de gênero em geral e situação vantajosa no uso de Internet em sua condição de assalariadas— se poderia pensar que existe um círculo vicioso: seu menor acesso e uso das TIC conspiram contra suas possibilidades de maior acesso ao emprego, enquanto a marginalização de muitas mulheres do mundo laboral formal e assalariado tende a consolidar a brecha de uso das TIC. 3. Exclusão de homens e mulheres em situação de pobreza Existe evidência substancial de que a prevalência de uso da Internet aumenta à medida que se eleva o nível de renda dos domicílios. De qualquer maneira, e em linhas gerais, pareceria que a brecha de gênero é mais desfavorável às mulheres nos quintis superiores do que nos inferiores. Ou seja, a brecha de gênero é menor nos grupos para os quais a tecnologia CEPAL 2013 27 é menos acessível, dado que a pobreza incide nas oportunidades de acesso e uso tanto de homens como de mulheres. Este fenômeno de afetação e igualação na pobreza de homens e mulheres não é habitual, já que em muitas outras dimensões a situação de pobreza agrava a vulnerabilidade das mulheres em proporção muito maior que a dos homens (uso do tempo, violência, acesso a ativos ou créditos e demais). 4. Mais educação, mais uso da Internet Dada a alta correlação entre educação e renda, não é de surpreender que se encontre que as taxas de uso de Internet aumentem em relação direta com o nível educativo alcançado. Embora as taxas de uso da Internet sejam maiores em homens do que em mulheres para todos os grupos de nível educativo considerados neste caso, a brecha digital destacável é a que se apresenta entre as pessoas com educação primária (completa e incompleta) e as pessoas que alcançam o nível terciário, com uma diferença de mais de 50 pontos percentuais. 5. Menor brecha digital de gênero em áreas rurais O uso da Internet está muito mais difundido em áreas urbanas que em áreas rurais. Em El Salvador, Honduras e Paraguai as taxas de uso da Internet nas áreas urbanas são mais de cinco vezes superiores às das áreas rurais; no Chile e Costa Rica essa relação é da ordem de 2,5, o que é igualmente significativo. É notável observar que em todos os países, com exceção do Peru, a brecha digital de gênero nas áreas rurais tende a desaparecer. D. Em síntese Embora a participação econômica das mulheres no emprego tenha aumentado nas últimas décadas, se estancou a partir dos primeiros anos da década de 2000, fazendo com que ainda hoje metade das mulheres latino-americanas e caribenhas não tenha nenhum vínculo com o mercado de trabalho. Isto tem notáveis implicações para a autonomia econômica das mulheres, já que, além de deixá-las sem possibilidade de gerar renda própria, perpetua sua presença no âmbito do trabalho não remunerado e faz com que lhes seja muito difícil reduzir a carga de responsabilidades familiares para aumentar seu bem-estar. Mulheres na economia digital: superar o limiar da desigualdade SÍNTESE 28 Por outro lado, o mercado de trabalho apresenta uma série de armadilhas para as mulheres, que, como evidenciado neste capítulo, fazem com que elas só tenham acesso a alguns âmbitos deste mercado. Estas armadilhas as colocam em âmbitos mais relacionados à extensão das tarefas socialmente alocadas relativas ao cuidado (educação, saúde, serviços sociais), e parecem travar-lhes a ascensão a postos de direção e gerência. Continua sendo exorbitante a proporção de mulheres que se dedica ao serviço doméstico, um dos setores com menos cobertura social e as piores condições de trabalho, que na maioria dos países da região conta com pouquíssima regulação e fiscalização. Uma de cada dez mulheres ocupadas se desempenha neste setor, onde são habituais as situações de discriminação relativas à migração (interna e externa) ou às desigualdades étnico-raciais. A brecha digital de gênero é mais frequente em áreas urbanas, onde afeta principalmente mulheres de mais idade de todos os níveis educativos, inclusive nos níveis de renda média e alta. Contudo, no caso das mulheres assalariadas a brecha se reverte e as taxas de uso da Internet chegam a ser superiores às dos homens. Em termos de implicações de política pública, os resultados indicam que o desenvolvimento da sociedade da informação beneficia tanto homens como mulheres. No entanto, ao partir de uma importante brecha digital de gênero, é de suma relevância atacar não só esta brecha, mas também as discriminações presentes no mercado de trabalho, o uso do tempo e o acesso a renda e ativos, de modo que as mulheres possam se beneficiar igual que os homens das vantagens da sociedade da informação e do conhecimento. As políticas ativas de inclusão digital com perspectiva de gênero são necessárias tanto para promover um espaço de igualdade de condições entre homens e mulheres no acesso e uso das TIC como para que as TIC sirvam de ferramenta para melhorar aqueles aspectos em que as mulheres se encontram em clara e constante desvantagem em relação aos homens. 29 III. As mulheres na economia digital A revolução tecnológica, centrada em torno das tecnologias da informação, modifica a base material da sociedade em um ritmo acelerado. As economias do mundo inteiro se tornaram interdependentes e se introduziu uma nova relação entre economia, Estado e sociedade. As mudanças sociais são tão espetaculares como os processos de transformação tecnológicos e econômicos (Castells, 1997). Em termos gerais, ao analisar os setores de atividade das economiaslatino-americanas, se observa que as mulheres se encontram empregadas principalmente nos serviços e no comércio. Ante este panorama, resulta inevitável perguntar-se por suas condições de trabalho. Para entender a posição das mulheres na economia digital e contar com elementos para o debate de políticas públicas que melhorem sua incorporação, se selecionaram três casos do mundo do trabalho, profundamente vinculados com a produção e uso das TIC na região. Em primeiro lugar, se analisam as condições das mulheres assalariadas na indústria eletroeletrônica brasileira. O segundo caso que se apresenta neste capítulo analisa as condições laborais das mulheres em um clássico serviço baseado nas TIC: os centros de chamadas (call centers). O terceiro caso que se aborda se refere à situação das mulheres que utilizam as TIC em empreendimentos produtivos. Mulheres na economia digital: superar o limiar da desigualdade SÍNTESE 30 A. Oportunidades ou mais do mesmo? As mulheres na indústria eletroeletrônica O desenvolvimento da indústria eletroeletrônica é, ao menos para alguns países da região, um componente importante do processo de mudança estrutural, já que implica aumentar a eficiência dinâmica da estrutura produtiva. Esta tendência se justifica pela trajetória recente do setor e pelo surgimento de duas macrotendências em nível mundial: i) a inclusão digital de um enorme contingente da população que ainda se encontrava alheia à sociedade da informação e ii) a tendência da incorporação da eletrônica e dos componentes eletrônicos a todos os demais bens industriais visando atribuir-lhes novas funcionalidades e inovações. O Brasil é um dos países da região que, como o México, contam com uma indústria eletrônica importante. Embora todos os países enfrentem as consequências de ambas macrotendências, naqueles em esta indústria opera se abrem mais oportunidades de trabalho para as mulheres. Atualmente, o Brasil está recebendo investimento estrangeiro direto de grande envergadura no setor eletroeletrônico e o governo está implementando medidas para que esse investimento gere efeitos de arraste para o sub-setor de componentes eletrônicos local. Em consequência, é fundamental que, em relação com a política setorial que se implemente no Brasil (Plano Brasil Maior 2011-2014) ou em qualquer outro país que aplique este tipo de políticas, se façam perguntas sobre as condições de inserção das mulheres no setor. A ideia é prevenir e protegê-las de possíveis perdas de postos de trabalho, evitar que fiquem alheias às habilidades tecnológicas e que contem unicamente com o estereótipo de delicadeza, coordenação e atendimento que se faz cada vez mais prescindível no processo de automação e robotização que experimenta esta indústria. Em algumas pesquisas se explorou a situação das mulheres na indústria eletroeletrônica do Brasil (Hirata, 2002; Oliveira, 2006) e se destaca a forte inserção de mão de obra feminina nesta indústria. No entanto, as conclusões não parecem inteiramente alentadoras, já que, embora as mulheres entrem ao mercado de trabalho formal de uma indústria com uma sólida organização sindical, se inserem nos setores de menor qualificação para realizar tarefas de maior nível de repetição e menor desempenho criativo ou profissional. CEPAL 2013 31 Com a automação, as empresas diminuíram a planilha de pessoal (Oliveira, 2006) e boa parte dos trabalhadores homens foram substituídos por mulheres, enquanto ocorria um esvaziamento dos conteúdos e uma simplificação do trabalho. Os trabalhos de manutenção técnica são realizados por técnicos e engenheiros homens, mas as tarefas mais rotineiras, relacionadas com a produção direta, são efetuadas por mulheres. É indubitável que existe uma forte associação entre o emprego feminino e os postos de trabalho com características de taylorismo. O setor eletroeletrônico do Brasil tem feminizado sua folha de pessoal, mas as mulheres trabalham nos postos de menor nível tecnológico3. Este mesmo fenômeno se observou nos países do sudeste asiático nas primeiras fases de mudança estrutural guiada pelas exportações de bens de setores tecnológicos. Nestes países se observa atualmente uma tendência à intensificação tecnológica que se correlaciona com o desaparecimento das mulheres das folhas de pessoal dos setores com maior conteúdo tecnológico. 1. O trabalho nas plantas de ensamblagem Tipicamente, a divisão técnica do trabalho nas empresas se reflete em três áreas de produção: a unidade de fabricação inicial (front-end), a unidade de fabricação final (back-end) e o centro de recuperação de dispositivos4. A divisão técnica do trabalho na empresa se vê influenciada pela divisão sexual do trabalho (Kergoat, 2000), que se caracteriza por designar aos homens as tarefas associadas com a esfera produtiva —que coincidem com as funções de maior valorização social e econômica— e às mulheres as atividades associadas às funções reprodutivas ou derivadas delas. Esta forma de divisão social do trabalho tem dois princípios organizadores: o princípio de separação (há trabalhos de homens e trabalhos de mulheres) e o princípio da hierarquia (o trabalho do homem “vale” mais que o da mulher). Tal como outras formas de divisão do trabalho, a divisão sexual não é rígida nem imutável. Embora seus princípios organizadores sejam os 3 A indústria eletroeletrônica do Brasil parece ter uma importante presença feminina. Segundo os dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) e da Confederação Nacional de Metalúrgicos da Central Única de Trabalhadores (CNM/CUT), em 2009 as mulheres representavam 33% do total do setor, mas seu salário médio era 32% inferior ao dos homens. 4 A divisão técnica do trabalho é a decomposição das tarefas de produção ao interior de uma empresa em subconjuntos de tarefas especializadas, alocadas a indivíduos ou grupos de indivíduos. Às três áreas mencionadas se soma a de suporte técnico (engenharia e manutenção). Mulheres na economia digital: superar o limiar da desigualdade SÍNTESE 32 mesmos, suas modalidades (concepção do trabalho reprodutivo, lugar da mulher no trabalho mercantil e demais) apresentam grandes variações no tempo e no espaço. O importante desta noção é que a divisão sexual do trabalho pode ser modificada mediante diversas políticas públicas, entre elas políticas de trabalhos e produtivas que partam de um diagnóstico organizacional e empresarial com perspectiva de gênero, e promovam uma transformação da atual forma de organização do trabalho e dos supostos que a sustentam. Ao colocar o foco no trabalho das mulheres, se observou que as operárias utilizam as tecnologias com um conhecimento básico, absolutamente funcional à tarefa rotineira que devem realizar. As operárias não sabem nem por que nem como funcionam as tecnologias que usam em suas tarefas. Seu labor se limita a apertar botões, responder a sinais sonoros ou visuais, ou encaixar manualmente distintos componentes, o que lhes deixa pouca ou nenhuma margem para gerar processos incrementais de melhora do seu trabalho. O treinamento que recebem em referência à linha de produção se restringe a alguns minutos de explicação e outros de acompanhamento prático, o que não alcança para adquirir habilidades no manejo das TIC. As mulheres são empregadas em áreas específicas e se formam “territórios de mulheres”, onde as habilidades requeridas para o posto estão definidas como características consideradas tipicamente femininas. Portanto, se estabelece como natural e eficiente que uma mulher ocupe esse posto. A segregação horizontal e a designação de tarefas por características “propriamente femininas” configuram situações desvantajosas para as mulheres que estão inseridas no mercado. Ao formular políticas produtivasindustriais acordes com a mudança estrutural com igualdade devem-se ter presentes estas configurações para transformá-las e assim gerar uma melhor apropriação do desenvolvimento produtivo digital para homens e mulheres. B. O clássico serviço baseado nas TIC A maioria das mulheres latino-americanas ocupadas se desempenha no setor de serviços. Neste documento se apresenta o caso das trabalhadoras ocupadas nos centros de chamadas no Panamá, país que desenvolveu uma normativa específica para fomentar a instalação de empresas CEPAL 2013 33 multinacionais5. As empresas do setor de centros de chamadas se consolidaram como provedoras de serviços empresariais à distância, que em sua maioria são subsidiárias de empresas internacionais6. Os centros de chamadas baseiam sua produtividade e competitividade em diferentes modelos de organização de trabalho. Em alguns predomina o trabalho baseado na execução rápida de tarefas repetitivas e os sistemas de gestão da mão de obra se centram em um estrito controle dos trabalhadores e das trabalhadoras e suas estreitas margens de criatividade, em outros, o trabalho vinculado ao relacionamento é a base para construir uma interação de negociação com os clientes. Nestes últimos há oportunidades de carreira, há pessoal profissionalizado e valorizado por suas competências sociais, e também teleoperadores ou teleoperadoras independentes, criativos e com elevados níveis de discricionariedade para a execução do trabalho e a tomada de decisões (Kinnie e Purcel, 2000; Del Bono e Bulloni, 2007). Os centros de chamadas são um setor econômico altamente feminizado. Segundo a Autoridade Nacional dos Serviços Públicos do Panamá, entre 2011 e 2012 se registrou um aumento na proporção de mulheres empregadas nestas empresas, de 47% a 59%. Em um documento elaborado pela organização Forum Empresas (Feinberg e Koosed, 2011) sobre o trabalho nos centros de chamadas da América Latina se indica que, tal como nos processos tradicionais de fabricação em série, o operador típico é jovem e de sexo feminino. Neste mesmo estudo se estabelece que em seis países da região, 71% do quadro de trabalhadores está constituído por mulheres. O diagnóstico realizado em centros de chamadas panamenhos sobre a inserção de trabalho das mulheres mostra que, apesar de encontrar- se em um cenário tecnológico e emblemático das TIC, persistem as típicas barreiras e mecanismos discriminatórios para o desempenho laboral das mulheres, como a inserção em postos de trabalho de menor 5 As empresas transnacionais estão livres de impostos diretos e indiretos, contribuições, taxas, direitos e tributos nacionais, além de gozarem dos benefícios estabelecidos na Lei de Zonas Francas. No que diz respeito às regulações de trabalho, se estabelece que as flutuações dos mercados de exportação que redundem em uma perda considerável do volume de vendas são causas justificadas para dar por terminada a relação de trabalho. Ademais, se especifica que as atividades dos centros de chamadas não poderão ser paralisadas por greve (lei de incentivos para o estabelecimento de centros de chamadas, N° 32). 6 A legislação vigente no Panamá se acompanha de importantes vantagens para que os centros de chamadas se instalem no país. Em primeiro lugar, o Panamá tem uma posição geográfica estratégica e para aí confluem seis consórcios de cabos submarinos de fibra óptica que facilitam a comunicação. Em segundo lugar, ocupa a posição 57 em nível mundial (entre 142 países) no índice de conectividade (Fórum Econômico Mundial, 2012), antes que Brasil, México e Argentina, e o quinto lugar na categoria de conectividade na América Latina. Mulheres na economia digital: superar o limiar da desigualdade SÍNTESE 34 responsabilidade, menor salário por igual trabalho e menos oportunidades de capacitação e de ascensão laboral. Em forma similar ao que se observou no caso da indústria eletroeletrônica do Brasil, nos centros de chamadas do Panamá se registra uma forte segregação laboral, tanto horizontal como vertical. Os postos que requerem maiores conhecimentos tecnológicos são ocupados principalmente por homens e a maioria dos postos que exigem outros requisitos, como “habilidades sociais”, é ocupado por mulheres7. Como se mostra nas entrevistas realizadas a trabalhadores e trabalhadoras, bem como a gerentes de recursos humanos, nesta situação pesam mecanismos ocultos de discriminação baseados em imagens e estereótipos de gênero8. Considera-se que os homens devem ocupar os postos de trabalho de maior qualificação, responsabilidade e remuneração e que as mulheres devem desempenhar-se em cargos de menor conteúdo técnico, responsabilidade e remuneração. Estes últimos se consideram postos de trabalho tipicamente femininos devido às “habilidades sociais” que requerem (por exemplo, amabilidade no trato com o cliente). Estas destrezas vinculadas ao relacionamento se consideram naturais, dado que foram adquiridas fora dos mecanismos formais de educação e capacitação, pelo que não formam parte da qualificação nem das remunerações das trabalhadoras. C. Empreendedoras na economia digital usam as tecnologias da informação e das comunicações No presente documento se analisam as oportunidades que gera o uso das TIC em pequenos e microempreendimentos liderados por mulheres9. 7 O posto de trabalho de menor hierarquia é o de operador ou operadora de nível 1 (também denominado posto de agente telefônico), no qual se proveem serviços básicos de atendimento ao cliente. O nível 2 exige maior qualificação, já que os serviços oferecidos nesta seção do centro de chamadas são de suporte técnico. O nível 3 é o da supervisão (monitoramento e formação de grupos de operadores ou operadoras a cargo) e requer tanto de qualificação técnica como de habilidades de gestão de recursos humanos. As mulheres se encontram sobrerrepresentadas no nível 1 e sub-representadas nos outros dois níveis. 8 Como insumo para este documento se realizou um estudo exploratório de corte qualitativo em três centros de chamadas panamenhos. O trabalho de campo consistiu em uma série de entrevistas a operadoras, supervisoras e gerentes de recursos humanos das empresas. 9 Para isso se expõe o caso das mulheres peruanas que participaram em um projeto piloto para a mulher empreendedora realizado em 2008 pelo Ministério da Mulher e Desenvolvimento Social (MIMDES) do Peru, junto com o Centro de redes de informação das mulheres da região Ásia-Pacífico (APWINC) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Como insumo para este documento, organizaram-se grupos de discussão com as mulheres que participaram no projeto e receberam capacitação na República da Coreia. CEPAL 2013 35 A utilização destas tecnologias, sem dúvida, habilita a dar um salto da informalidade e da precariedade a empreendimentos com condições de estabilidade, produtividade e competitividade. As micro e pequenas empresas constituem parte importante da economia de vários países da região. Na economia peruana, por exemplo, respondem por 88% do emprego no setor privado e contribuem com 42% do PIB. As mulheres representam 40% da força de trabalho neste setor e 57% do trabalho informal. Dada a relevância dessas empresas, o Governo do Peru tem entre suas prioridades a promoção desse setor de empresas, para o qual existe uma legislação de trabalho específica que promove a competitividade, a formalização e o desenvolvimento destas empresas, bem como o acesso a emprego decente10. O projeto intitulado “Estrategias innovadoras para la participación de las mujeres peruanas en la economía digital: un programa piloto para la mujer emprendedora” tem por objeto promover o acesso básico das mulheres às TIC e melhorar as oportunidades para as mulheres em seus empreendimentos, especialmente nas áreas rurais, de modoque possam utilizar as tecnologias como uma ferramenta para desenvolver as capacidades empresariais e melhorar suas condições socioeconômicas. A metodologia do projeto compreendeu uma primeira instância de formação no uso das TIC para os negócios, dirigida a mulheres empresárias peruanas na Universidade da Mulher Sookmyung da República da Coreia. A segunda instância foi uma etapa em que essas mulheres formaram no uso das TIC outras empresárias no Peru, tanto de áreas urbanas como rurais. A ideia consistia em criar no Peru uma rede de empresárias e uma comunidade de prática de pequenas e microempresárias com uso intensivo das TIC. As mulheres empreendedoras que participaram neste projeto foram entrevistadas pela Divisão de Assuntos de Gênero da CEPAL. Embora antes da capacitação já utilizassem algumas destas tecnologias (como celular e Internet), depois da capacitação começaram a integrar mais ativamente outras ferramentas e possibilidades de livre acesso ao serviço de seus empreendimentos. Graças a isto, puderam ampliar as possibilidades de expansão de seus negócios e fortalecer seus empreendimentos. Em especial, se registrou uma ampla expansão das redes sociais e da modalidade de venda on-line. A maioria das mulheres 10 Decreto legislativo Nº 1086 (Lei de Promoção da Competitividade, Formalização e Desenvolvimento da Micro e Pequena Empresa e do Acesso ao Emprego Decente). Mulheres na economia digital: superar o limiar da desigualdade SÍNTESE 36 desenvolveu a venda virtual de seus produtos, uma ferramenta baseada principalmente na criação e utilização de catálogos e lojas virtuais. Existe uma opinião de consenso entre estas mulheres acerca da importância do uso das TIC para aumentar suas oportunidades e ampliar os mercados e contactos, não apenas em nível regional, mas também internacional. A alta participação das mulheres nas pequenas e médias empresas (PME) de menor tamanho é um desafio para a mudança da estrutura produtiva. As pequenas empresas se converteram num espaço associado por definição às mulheres porque supõe maiores possibilidades de conciliação entre o trabalho remunerado e os cuidados familiares, já que, em muitos casos, o lugar de trabalho é a própria casa. Embora estes empreendimentos possam redundar no alcance de maior autonomia econômica para as mulheres, também podem submetê-las à superposição de tarefas e à falta de equilíbrio entre o trabalho remunerado e não remunerado. Além disso, pode implicar que as mulheres se mantenham em círculos de pequenos e microempreendimentos, sem possibilidades de inserção em espaços mais amplos da economia e do mercado de trabalho formal. As TIC podem ser uma potente ferramenta para as mulheres que lideram pequenos e microempreendimentos, dado que abrem uma série de possibilidades que lhes permitem entrar em espaços de negociação e comercialização de seus produtos. Este instrumento, contudo, não é suficiente sem o apoio de políticas de acesso a crédito, distribuição de ativos e capacitação para que os negócios se distribuam de maneira mais equitativa entre homens e mulheres da região. A distância dos centros de comercialização, a falta de ativos próprios e a escassez de tempo que enfrentam as mulheres as deixam em franca desvantagem para que o empreendimento econômico que lideram se torne eficiente. As TIC são uma ferramenta que, utilizada estrategicamente, pode incidir na promoção de um maior crescimento e produtividade nos empreendimentos que lideram as mulheres. Desta maneira, se reconhece as TIC como um instrumento poderoso para promover vantagens e oportunidades. As tecnologias permitem às empresárias ter uma participação mais ativa na economia de mercado, ser mais competitivas e usar a economia digital para alcançar o êxito social e pessoal, especialmente no caso das mulheres das áreas rurais ou remotas. CEPAL 2013 37 D. Em síntese Em termos gerais, a situação das mulheres na economia digital está regida por uma série de elementos que refletem as desigualdades sociais de gênero que imperam também em outros âmbitos. Isto se agrava ao considerar que a cada dia que passa é mais importante a total integração à sociedade da informação e do conhecimento para o pleno desenvolvimento pessoal e laboral. Cada vez mais mulheres e homens estão expostos às novas ferramentas da economia digital e as exigências de capacitação, atualização e treinamento se tornam mais presentes no âmbito do trabalho. Por este motivo, em caso de não se atender as desigualdades que hoje estruturam os vínculos com o mercado de trabalho, e mais concretamente com os postos da economia digital, as mulheres verão as brechas se aprofundarem e só algumas delas terão os benefícios do novo paradigma. Existe uma divisão sexual do trabalho que reproduz no mercado de trabalho certa hierarquização e distribuição de recursos que não favorece o desenvolvimento das mulheres. Isto se expressa com nitidez no fato de que as mulheres ingressam nos setores de menor qualificação e reconhecem maiores dificuldades para superar certos limiares, muitas vezes associados a estereótipos que as estancam em atividades menos qualificadas. Apesar destas características, as mulheres também registram uma experiência positiva no uso das TIC para o fortalecimento de seus empreendimentos produtivos. A capacitação e formação profissional constituem, sem dúvida, um caminho promissor para assegurar emprego feminino de qualidade nesses novos cenários, já que é necessário gerar capacidades e habilidades digitais que assegurem a integração das mulheres em postos de maior nível tecnológico. Não obstante, parece pouco provável que isto ocorra ao deixá-lo sujeito apenas às forças do mercado, já que o sistema de gênero hegemônico propenderá a manter a segregação que lhe é funcional. Disso se depreende que as políticas públicas produtivas deverão contar com uma atenção específica para as desigualdades de gênero e com mecanismos concretos que tendam a dissipar estas desigualdades no setor. Quando as mulheres têm acesso à capacitação no uso das TIC para os negócios, os resultados são positivos. No caso estudado, as mulheres puderam descobrir potencialidades de desenvolvimento, expandir seus negócios e melhorar os resultados. Neste contexto, a capacitação permitiu Mulheres na economia digital: superar o limiar da desigualdade SÍNTESE 38 ampliar a visão sobre as possibilidades de desenvolvimento produtivo no âmbito da economia digital. As TIC podem ser uma ferramenta potente para as mulheres, já que abrem uma série de possibilidades de negociação, comercialização e oferta de seus produtos. Este instrumento, no entanto, não é suficiente sem o apoio de políticas de acesso a crédito, distribuição de ativos e capacitação para que os negócios se distribuam de maneira equitativa entre homens e mulheres. 39 IV. As mulheres no mundo da ciência e do conhecimento Neste capítulo se enfatiza especialmente o fato de que as mulheres só poderão participar cabalmente da sociedade da informação e do conhecimento se elas tiverem acesso a profissões relacionadas com as principais disciplinas e aos postos de trabalho que constituem sua base, isto é, as carreiras científicas, tecnológicas e vinculadas à inovação. O campo da ciência e da tecnologia é um espaço laboral de altas exigências, grande prestigio e reconhecimento social. Está constituído por carreiras profissionais bem remuneradas, com possibilidades de desenvolvimento pessoal e oportunidades de participar de maneira ativa no desenho tecnológico, econômico e social, tanto acadêmico como de política pública. Conhecer a situação das mulheres caribenhas e latino-americanas nos campos da ciência e da tecnologia permite estabelecer políticas e boas práticas para o alcance da igualdade de gênero no
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