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CAPÍTULO 64 – FUNÇÕES SECRETORAS DO TRATO ALIMENTAR Por Allan Catarino Kiska Torrani 1. Princípios Gerais da Secreção no Trato Alimentar Estimulação Autônoma da Secreção O sistema nervoso entérico é ativado por estímulos táteis, irritação química e distensão da parede do TGI. O sistema nervoso parassimpático estimula as glândulas da porção superior do trato (pares IX e X). A estimulação simpática também promove a contrição dos vasos sanguíneos que suprem as glândulas, além de aumentar a secreção glandular. As glicoproteínas do muco são anfotéricas, sendo capazes de tamponar pequenas quantidades de ácidos ou de bases; além disso, o muco, muitas vezes, contém quantidades moderadas de íons bicarbonato que neutralizam, especificamente, os ácidos. 2. Secreção de Saliva A secreção diária de saliva, normalmente, é de 800 a 1500 ml, com valor médio de 1000 ml. A secreção serosa contém ptialina (alfa-amilase), que digere amido. A secreção mucosa, contendo mucina, para lubrificar e proteger as superfícies. As glândulas parótidas produzem quase toda a secreção de tipo seroso, enquanto as glândulas submandibulares e sublinguais produzem secreção serosa e mucosa. A saliva tem pH entre 6 e 7, faixa favorável à ação digestiva. Os ácinos produzem secreção primária contendo ptialina e/ou mucina em solução de íons em concentrações não muito diferentes das típicas dos líquidos extracelulares. Os íons sódio são reabsorvidos, ativamente, nos ductos salivares, e íons potássio são, ativamente, secretados por troca de sódio. A reabsorção de sódio excede a secreção de potássio, o que cria negatividade elétrica de cerca de -70mV, nos ductos salivares; isso faz com que íons cloreto sejam reabsorvidos passivamente. Íons bicarbonato são secretados pelo epitélio dos ductos para o lúmen do ducto. Isso é, em parte, causado pela troca de bicarbonato por íons cloreto e, em parte, resulta do processo secretório ativo. Em condições de repouso, as concentrações de íons sódio e cloreto na saliva são de apenas 15 mEq/L, cerca de um sétimo a um décimo de suas concentrações no plasma. A saliva contém vários fatores que destroem as bactérias. São eles os íons tiocianato e diversas enzimas proteolíticas, como a lisozima, que atacam as bactérias e ajudam os íons tiocianato a entrar nas bactérias (agindo como bactericidas), e digerem partículas de alimentos, ajudando a remover o suporte metabólico das bactérias. Regulação Nervosa da Secreção Salivar As glândulas salivares são controladas por sinais nervosos parassimpáticos que se originam nos núcleos salivatórios superior e inferior. Muitos estímulos gustativos, especialmente o sabor azedo, provocam copiosa secreção de saliva. A área do apetite se localiza na proximidade dos centros parassimpáticos do hipotálamo anterior e funciona principalmente, em resposta a sinais das áreas do paladar e do olfato do córtex cerebral ou da amígdala. A saliva, quando engolida, ajuda a remover o fator irritativo do TGI ao diluir ou neutralizar as substâncias irritativas. Os nervos simpáticos se originam nos gânglios cervicais superiores e penetram as glândulas salivares ao longo das superfícies das paredes dos vasos sanguíneos. Os sinais nervosos parassimpáticos que induzem salivação abundante também dilatam moderadamente os vasos sanguíneos. Parte desse efeito vasodilatador adicional é causado pela calicreína, secretada pelas células salivares ativadas que, por sua vez, agem como enzima que cliva uma das proteínas do sangue, alfa2-globulina, para formar a bradicinina, potente vasodilatador. Secreção Esofágica As secreções esofágicas são totalmente mucosas e fornecem, principalmente a lubrificação para a deglutição. O muco produzido pelas glândulas compostas no esôfago superior evita a escoriação mucosa causada pela nova entrada de alimento, enquanto as glândulas compostas próximas à junção esofagogástrica protegem a parede do esôfago da digestão por sucos gástricos ácidos que, com frequência, refluem do estômago para o esôfago inferior. 3. Secreção Gástrica Características das Secreções Gástricas A mucosa gástrica tem dois tipos importantes de glândulas tubulares: glândulas oxínticas (ou gástricas) e glândulas pilóricas. As glândulas oxínticas secretam ácido clorídrico, pepsinogênio, fator intrínseco e muco. As glândulas pilóricas secretam muco para proteger a mucosa pilórica do ácido gástrico, além de secretar gastrina. Secreções das Glândulas Oxínticas A glândula oxíntica é composta pelas células pépticas ou principais (secretando pepsinogênio), células parietais ou oxínticas (secretando fator intrínseco e ácido clorídrico), e células mucosas do cólon. As células parietais secretam solução ácida contendo cerca de 160 mmol/L de ácido clorídrico por litro. O pH dessa solução é da ordem de 0,8. Nesse pH, a concentração de íons hidrogênio é cerca de 3 milhões de vezes maior do que a do sangue arterial. Ao mesmo tempo que esses íons hidrogênio são secretados, os íons bicarbonato se difundem para o sangue, para que o sangue venoso gástrico tenha um pH mais alto do que o sangue arterial, quando o estômago está secretando ácido. A principal força motriz para a secreção de ácido clorídrico pelas células parietais é a bomba de hidrogênio-potássio, que catalisa a dissociação da água para formar H+, que é bombeado para fora da célula em troca de potássio. O OH- reage com o CO2 e forma HCO3- através da enzima anidrase carbônica, que é bombeado pela membrana basolateral. Com isso, a água parra para os canalículos por osmose devido aos íons extra secretados nos canalículos. A maior parte de capacidade do estomago de prevenir o vazamento do ácido de volta pode ser atribuída à barreira gástrica, devido a formação de muco alcalino e junções estreitas, entre as células epiteliais. A acetilcolina liberada pela estimulação parassimpática, excita a secreção de pepsinogênio pelas células pépticas, de ácido clorídrico pelas células parietais, e muco pelas células da mucosa. A gastrina e a histamina estimulam, fortemente, a secreção de ácido pelas células parietais. O pepsinogênio quando entra em contato com o ácido clorídrico é clivado em pepsina ativa. A pepsina atua como enzima proteolítica, ativa em meio muito ácido (pH 1,8 a 3,5), mas é completamente ativada em pH alcalino. O fator intrínseco, essencial para absorção de vitamina B12 no íleo, é secretada pelas células parietais, juntamente com a secreção de ácido clorídrico. Na gastrite crônica, a pessoa desenvolve não só a acloridria, mas muitas vezes também anemia perniciosa porque a maturação das hemácias não ocorre na ausência de estimulação da medula óssea pela vitamina B12. Glândulas Pilóricas São semelhantes às células mucosas do colo das glândulas oxínticas, elas também secretam gastrina, que tem papel crucial no controle da secreção gástrica. Glândulas Mucosas Superficiais As células mucosas superficiais secretam grande quantidade de muco muito viscoso que recobre a mucosa gástrica com camada gelatinosa de muco, muitas vezes, com mais de 1 mm de espessura, proporcionando, assim, a barreira de proteção para a parede gástrica. Outra característica desse muco é a alcalinidade. Estimulação da Secreção de Ácido pelo Estomago A secreção desse ácido é controlada por sinais endócrinos e nervosos. Além disso, as células parietais são controladas por outro tipo de célula, denominada células semelhantes às enterocromafins (ECL) que liberamhistamina, sendo estimuladas pela gastrina. A gastrina é secretada pelas células G, localizadas nas glândulas pilóricas, e sua secreção é estimulada por carne ou outros alimentos proteicos. Ela age sobre as ECL, que liberam histamina, estimulando a secreção de ácido clorídrico. Regulação da Secreção de Pepsinogênio A regulação da secreção de pepsinogênio, pelas células pépticas, nas glândulas oxínticas é bem menos complexa, ocorrendo em resposta a dois principais tipos de sinais: estimulação das células pépticas por acetilcolina, liberada pelo plexo mioentérico, e estimulação da secreção das células pépticas pelo ácido do estômago. A secreção gástrica é composta pelas fases: fase cefálica, resultando da visão, odor, memória, sendo transmitida pelos núcleos dorsais do vago; fase gástrica, através de reflexos vasovagais, entéricos locais e mecanismos da gastrina, sendo responsável por 1,5 L diários; e fase intestinal, na presença de alimento no do duodeno, representando 10% da resposta de ácido à refeição. A presença de alimento no intestino delgado inicia o reflexo enterogástrico reverso, inibindo a secreção de gastrina. Qualquer fator irritante no intestino delgado superior causa a liberação de vários hormônios intestinais: a secretina, o GIP, o VIP e a somatostina, que inibem a secreção gástrica. Estímulos emocionais com frequência aumentam a secreção gástrica interdigestiva para 50ml ou mais por hora da mesma maneira que a fase cefálica da secreção gástrica excita a secreção no início da refeição. Composição Química da Gastrina e de Outros Hormônios Gastrointestinais A atividade funcional da gastrina reside nos quatro aminoácidos terminais, e a atividade da CCK reside nos oito aminoácidos terminais. Todos os aminoácidos da molécula de secretina são essenciais. 4. Secreção Pancreática Enzimas Digestivas Pancreáticas Contém enzimas para digerir todos os três principais grupos de alimentos: proteínas, carboidratos e gorduras, além de grande quantidade de bicarbonato que neutraliza a acidez estomacal. As enzimas pancreáticas importantes para a digestão de proteínas são a tripsina, quimotripsina e carboxipolipeptidase. A carboxipolipeptidase cliva alguns peptídeos, até aminoácidos individuais, completando assim a digestão de algumas proteínas até aminoácidos. A amilase pancreática hidrolisa amidos, glicogênio e outros carboidratos, para formar dissacarídeos e alguns trissacarídeos. A lipase pancreática hidrolisa gorduras neutras a ácidos graxos e monoglicerídeos; a colesterol esterase hidrolisa ésteres de colesterol; e a fosfolipase cliva os ácidos graxos dos fosfolipídeos. As formas proteolíticas inativas são tripsinogênio, quimotripsinogênio e procarboxipolipeptidase. O tripsinogênio é ativado pela enterocinase e por tripsinas ativas, que de forma autocatalítica, ativa as outras proteínas. O inibidor da tripsina é produzido pelos ácinos pancreáticos, inativa a tripsina intra-pancreática. Secreção de Íons Bicarbonato A concentração de íons bicarbonato pode atingir 145 mEq/L, valor cinco vezes maior que a concentração do íon no plasma. Os íons bicarbonato são ativamente transportados na membrana luminar pelo lúmen, juntamente com o sódio. Os íons H+ são trocados por íons sódio na membrana sanguínea da célula. O movimento global de íons sódio e bicarbonato do sangue para o lúmen do ducto cria gradiente de pressão osmótica que causa fluxo de água também para o ducto pancreático. Regulação da Secreção Pancreática A secreção pancreática é estimulada principalmente pela acetilcolina, CCK, e secretina. Os dois primeiros estimulam as células acinares do pâncreas levando à produção de grande quantidade de enzimas digestivas pancreáticas. A secretina estimula a secreção de grandes volumes de solução aquosa de bicarbonato de sódio pelo epitélio do ducto pancreática. Fases da Secreção Pancreática Fase cefálica: os mesmos sinais nervosos do cérebro que causam a secreção do estômago também causam liberação de acetilcolina, pelos terminais do nervo vago, no pâncreas, estimulando cerca de 20% da secreção total de enzimas pancreáticas. Fase gástrica: estimulação responsável por 5% a 10% das enzimas pancreáticas, secretadas após a refeição. Fase intestinal: a secreção pancreática fica abundante, basicamente em resposta ao hormônio. A secretina é liberada na forma de pro-secretina pelas células S do duodeno, sendo ativada liberada para o sangue em pH de 4,5 a 5. A secretina estimula a secreção de bicarbonato pelo pâncreas. A neutralização ácida propicia pH apropriado para ação das enzimas digestivas pancreáticas, que operam em pH 7 a 8. A CCK é liberada pelas células I do duodeno, sendo estimulada pela presença de peptídeo e peptonas, e ácidos graxos de cadeia longa. Ela provoca a secreção de mais enzimas digestivas pancreáticas, respondendo a 70% a 80% da secreção enzimática pancreática total. A quantidade total de secreção pancreática é de 1L. 5. Secreção de Bile pelo Fígado; Funções da Árvore Biliar Anatomia Fisiológica da Secreção Biliar A secreção normal de bile é de 600 a 1000ml/dia. Os ácidos biliares contidos na bile ajudam a emulsificar as grandes partículas de gordura, nos alimentos, a muitas partículas diminutas, e ajudam a absorção dos produtos finais da digestão das gorduras através da membrana mucosa intestinal. A secreção hepática é adicionada à bile inicial, consistindo em solução aquosa de íons sódio e bicarbonato. Além disso, a secretina leva a secreção de íons bicarbonato suplementar a secreção pancreática. O volume máximo que a vesícula biliar consegue armazenar é de apenas 30 a 60 ml, até 450ml em 12 horas. A bile é comumente concentrada por cerca de cinco vezes, mas pode atingir o máximo de 20 vezes. As substâncias mais abundantes secretadas na bile são os sais biliares, responsáveis por cerca da metade dos solutos na bile. Também são secretados ou excretados, em grandes concentrações, são a bilirrubina, o colesterol, a lecitina e os eletrólitos usuais do plasma. O esvaziamento da vesícula biliar se dá por contrações rítmicas da parede da vesícula biliar, com o relaxamento simultâneo do esfíncter de Oddi. O estimulo mais potente para as contrações da vesícula biliar é o hormônio CCK. A vesícula biliar também é estimulada por fibras nervosas secretoras de ACh, tanto no vago como no sistema nervoso entérico. Quando quantidades significativas de gordura estão presentes, a vesícula biliar, normalmente, se esvazia de forma completa, em cerca de 1 hora. Função dos Sais Biliares e Absorção de Gordura As células hepáticas sintetizam cerca de 6 gramas de sais biliares diariamente. O colesterol é, primeiro, convertido em ácido cólico ou ácido quenodesoxicólico. Esses ácidos, por sua vez, se combinam, em sua maior parte, com glicina e, em menor escala, com taurina, para formar ácidos biliares glico e tauroconjugados. Os sais desses ácidos, especialmente os sais de sódio, são, então, secretados para a bile. Esses sais possuem ação detergente, denominado função emulsificante ou detergente dos sais biliares. Os sais biliares ajudam na absorção de ácidos graxos, monoglicerídeos, colesterol e outros lipídeos pelo trato intestinal. Cerca de 94% dos sais biliares são reabsorvidos para o sangue pelo intestino delgado, passando por esse circuito cerca de 17 vezes antes de serem eliminados nas fezes. A secretina estimula o aumento da secreção de bile, às vezes mais do que duplicando, por horas depois da refeição. Sob condições anormais, o colesterol pode se precipitar na vesícula biliar, resultando na formação de cálculos biliares de colesterol. 6. Secreções do Intestino Delgado Secreção de Muco pelas Glândulas de Brunner no Duodeno As glândulas de Brunner secretam grande quantidade de muco alcalino em resposta a estímulos táteis ou irritativos na mucosa duodenal, estimulação vagal, e hormônios GI, especialmente a secretina. O muco contém íons bicarbonato, que se somam aos da secreção pancreática e da bile hepática, na neutralização do ácido clorídrico que entra no duodeno vindo do estômago. As glândulas de Brunner são inibidas por estimulação simpática. Secreção de Sucos Digestivos Intestinais pelas Criptas de Lieberkühn As criptas de Lieberkühn são formadas por dois tipos de células: células caliciformes, e enterócitos, que secretam grande quantidade de água e eletrólitos, e sobre as vilosidades, absorvem água, eletrólitos e produtos finais da digestão. A secreção pelas criptas é de aproximadamente 1.800 ml/dia e tem pH ligeiramente alcalino, entre 7,5 e 8. A função primária do intestino delgado é a de absorver nutrientes e seus produtos digestivos para o sangue. A secreção de liquido pelas criptas de Lieberkühn é mediada pela secreção ativa de íons cloreto nas criptas e secreção ativa de íons bicarbonato. Os enterócitos contém enzimas digestivas, como as peptidases, sucrase, maltase, isomaltase e lactase, e lipase intestinal. O ciclo de vida de uma célula do epitélio intestinal é de cerca de 5 dias. Regulação da Secreção do Intestino Delgado – Estímulos Locais Os mais importantes processos da secreção do intestino delgado são reflexos nervosos entéricos locais, em especial reflexos desencadeados por estímulos táteis ou irritantes do quimo sobre intestinos. 7. Secreção de Muco pelo Intestino Grosso A secreção preponderante no intestino grosso é muco, contendo quantidade moderada de íons bicarbonato, secretados por algumas células epiteliais não secretoras de muco. A estimulação dos nervos pélvicos que emergem da medula espinal e que transportam a inervação parassimpática para a metade a dois terços distais do intestino grosso também pode causar aumento considerável da secreção de muco, associada ao aumento na motilidade peristáltica do cólon. O muco protege a parede intestinal da intensa atividade bacteriana que ocorre nas fezes, e o muco constitui a barreira para impedir que os ácidos formados nas fezes ataquem a parede intestinal. Em casos de enterite, a mucosa secreta quantidade de água e eletrólitos além do muco alcalino e viscoso normal. O resultado é diarreia, com perda de grande quantidade de água e eletrólitos.
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