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Problema 6 Esquistossomose

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Esquistossomose
Introdução
Esquistossomoses são infecções causadas por trematódeos do gênero Schistosoma, sendo que seis espécies podem causar infecção humana: S. mansoni, S. japonicum, S. mekongi, S. malayensis, S. haematobium e S. intercalatum. Nas quatro primeiras, os vermes adultos parasitam vasos do sistema porta e seus ovos são eliminados nas fezes; já S. haematobium é parasito dos vasos do plexo vesical, sendo seus ovos eliminados na urina. Adultos de S. intercalatum mais frequentemente vivem no sistema porta, mas eventualmente podem ser encontrados em vasos do plexo vesical. Eventualmente, sobretudo nos casos de parasitismo muito intenso, bem como nas infecções mistas, ovos de Schistosoma spp., parasitos do sistema porta, podem ser encontrados na urina e, da mesma maneira, ovos de S. haematobium podem ser encontrados nas fezes. No Brasil, a única espécie de importância epidemiológica é Schistosoma mansoni.
O gênero Schistosoma tem claro dimorfismo sexual, com vermes adultos de sexos separados. O macho de S. mansoni mede entre 10 e 12 mm de comprimento. Seu corpo apresenta dobramento no sentido longitudinal, após a ventosa ventral, que delimita o canal ginecóforo, onde a fêmea se aloja. Esta é mais longa do que o macho (15 mm de comprimento), e seu corpo é mais delgado.
O acasalamento dos vermes adultos de S. mansoni se dá nos vasos de pequeno calibre que irrigam a submucosa intestinal, onde a fêmea libera cerca de 300 ovos por dia, dos quais aproximadamente um terço logram alcançar o lúmen intestinal, atravessando o endotélio do vaso, a submucosa e a mucosa colônica, sendo eliminados com as fezes; contêm em seu interior o miracídio.
Ao alcançarem coleções de água doce, ocorre a liberação dos miracídios que têm período de tempo limitado (algumas horas) para penetrar, através das partes moles, em planorbídeos do gênero Biomphalaria. Neste local, sofrem intensas transformações e multiplicação que, após um período de 30 a 40 dias, resultarão na formação de dezenas de milhares de cercárias, que se constituem nas formas infectantes.
Três espécies de Biomphalaria – B. glabrata, B. tenagophila e B. straminea – são reconhecidamente suscetíveis à infecção por S. mansoni no Brasil e responsáveis pela manutenção de focos naturais do trematódeo. A primeira delas é considerada a mais eficiente em manter formas intermediárias do parasito, pois são mais resistentes à infecção. Em resposta a estímulos ambientais, tais como luminosidade intensa, temperatura entre 20°C e 35°C e baixo teor salino da água, as cercárias são liberadas pelos planorbídeos infectados, devendo encontrar os hospedeiros vertebrados suscetíveis em poucas horas, nos quais penetram ativamente pelo tegumento.
Após sua liberação pelos moluscos, as cercárias permanecem viáveis por um período de 8 a 12 h, durante o qual mantêm elevada capacidade de penetração ativa no organismo dos hospedeiros vertebrados. Moléculas de lipídios presentes no tegumento dos hospedeiros vertebrados atraem as cercárias; além disso, elas nadam contra o movimento ondular que se estabelece quando da entrada e movimentação do hospedeiro nas coleções hídricas, dirigindo-se à pele desse hospedeiro.
Embora sem importância relevante na cadeia de transmissão, espécies de roedores podem ser infectadas naturalmente por S. mansoni, fato que revela o caráter zoonótico dessa infecção. Provavelmente os roedores possam desempenhar papel de importância na manutenção da parasitose em certas áreas geográficas.
■Epidemiologia
No Brasil só foi detectada até o momento a transmissão de S. mansoni por moluscos do gênero Biomphalaria spp. Sua introdução em nosso país relaciona-se com o tráfico de escravos a partir do continente africano, durante os séculos 18 e 19, e sua expansão dentro do nosso território é relacionada com os deslocamentos humanos em função dos sucessivos ciclos econômicos. As áreas consideradas endêmicas estão no nordeste brasileiro, sobretudo nos estados de Pernambuco, Alagoas, Rio Grande do Norte, Paraíba, Bahia e Maranhão, bem como no norte de Minas Gerais. Há, no entanto, focos de transmissão nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, onde a introdução da parasitose é recente.
A esquistossomose mansoni é considerada uma das grandes endemias brasileiras, a despeito da considerável redução tanto do número de indivíduos infectados como de formas graves da doença a partir de meados da década de 1970, quando ocorreu a implementação do Programa Especial para o Controle da Esquistossomose (PECE). Estima-se que hoje, no Brasil, existam cerca de 2,5 a 3 milhões de infectados, com 25 a 30 milhões expostos ao risco de contrair essa helmintíase. A prevalência da esquistossomose é ainda importante em áreas de estados nordestinos, desde a Bahia até o Piauí, havendo ainda focos de transmissão em estados do sul e do sudeste.
■Ciclo biológico
Logo após a penetração pela pele, as cercárias alcançam a circulação linfática e venosa, transformando-se em esquistossômulos que chegam aos pulmões, de onde passam à circulação arterial e, então, ao sistema porta, local em que completam sua maturação. Concluída a maturação dos vermes, o acasalamento e a postura dos ovos ocorrem, na maioria das vezes, nos ramos proximais da veia mesentérica inferior (plexo hemorroidário). Um percentual dos ovos atravessa o endotélio dos vasos, a submucosa e a mucosa do reto, chegando ao lúmen intestinal e, em seguida, ao meio ambiente (Figura 25.1).
■Patogênese
O evento histopatológico mais marcante na forma aguda da esquistossomose é constituído por reação granulomatosa que ocorre ao redor dos ovos. Esse processo – uma vasculite granulomatosa obliterante – pode ser observado na parede intestinal e no fígado. No primeiro caso, ocorrem edema, hiperemia, bem como lesões hemorrágicas puntiformes; no fígado, focos de reação inflamatória com histiócitos, linfócitos e eosinófilos, bem como hiperplasia das células de Kupffer, são acompanhados por áreas em que se observa necrose de hepatócitos. No baço, pode-se observar congestão acompanhada por hipertrofia dos cordões de Billroth, além de eosinófilos. Essas alterações no fígado e no baço são responsáveis pela hepatoesplenomegalia observada nos pacientes, que é reversível ao final da fase aguda.
Na fase crônica da infecção, ovos que ficam retidos na submucosa do intestino incitam resposta inflamatória granulomatosa que representa o substrato anatomopatológico da retite esquistossomótica: edema, áreas hemorrágicas e ulcerações da mucosa colônica. A migração de ovos para o fígado através das veias mesentéricas e porta faz com que eles cheguem ao órgão e fiquem retidos em situação pré-sinusoidal, suscitando a formação de granulomas periovulares. Esse fenômeno é responsável por processos obstrutivos do fluxo portal intra-hepático, levando progressivamente à hipertensão portal. As alterações anatomopatológicas concentram-se nos espaços porta, ao redor dos ramos intra-hepáticos da veia porta, nos quais os vasos, acometidos por flebite e peripileflebite, progressivamente perdem a elasticidade. A fibrose que se segue ocupa os espaços periportais e não ocorrem alterações na estrutura arquitetural do fígado. Este quadro representa a fibrose de Symmers; sua observação pela ultrassonografia tem importância diagnóstica, bem como de estadiamento do dano hepático na esquistossomose. A bainha fibrosa ao redor dos vasos, muitas vezes densa, leva à retração da cápsula de Glisson, tornando a superfície externa do órgão irregular. Paralelamente à instalação desse processo obstrutivo do fluxo portal, instala-se neovascularização por meio dos processos inflamatório e fibroso. Surgem, assim, vasos tortuosos e de pequeno calibre, o que justifica a manutenção do regime de hipertensão no território portal (Figuras 25.2 e 25.3). À medida que esse processo avança, estabelece-se, globalmente no fígado, a proliferação de ramos da artéria hepática (arterialização da circulação hepática). Há, assim, uma inversão gradual na participação relativada veia porta e artéria hepática no acesso de sangue ao fígado.
Figura 25.1 Ciclo de vida de S. mansoni. 1. Ovos viáveis nas coleções hídricas; 2. Liberação dos miracídios; 3. Miracídio penetra no molusco;4. Esporocistos desenvolvem-se no molusco; 5. Cercária é eliminada e nada livremente; 6. Penetração das cercárias pela pele; 7. Cercária transforma-se em esquistossômulo; 8. Esquistossômulo passa pelos pulmões via circulação venosa; 9. Migração dos esquistossômulos para o sistema porta; 10. Vermes adultos, acasalamento e postura dos ovos que migram através da mucosa para o lúmen intestinal (B) ou para o fígado (A). Adaptada de Centers for disease control and prevention (CDC). Parasites –Schistosomiasis. Disponível em http://www.cdc.gov/parasites/schistosomiasis/biology.html. Acessado em 20/02/2017.
O baço passa a adquirir aspecto congestivo secundariamente à instalação da hipertensão portal; apresenta hiperplasia de elementos do sistema fagocítico-mononuclear e fibrose que se instala de maneira gradativa. Destarte, a esplenomegalia observada nas apresentações crônicas hepatoesplênicas da esquistossomose tem característica esclerocongestiva.
Os ovos têm acesso aos pulmões sobretudo por meio de shunts que se estabelecem entre a circulação portal e a circulação sistêmica. Ao alcançarem os ramos distais da artéria pulmonar, esses elementos induzem uma arteriolite necrosante, com progressiva obliteração do leito vascular. Esse fenômeno pode resultar no estabelecimento de hipertensão pulmonar, com dilatação das câmaras cardíacas direitas e, nas situações mais graves, em cor pulmonale. Alguns pacientes, sobretudo após esplenectomia, podem desenvolver cianose. O acesso de vermes à circulação arterial pulmonar, via colaterais portossistêmicas, com sua subsequente morte, resulta em focos de condensação alveolar, caracterizando a “pneumonia por verme morto”.
Comprometimento renal ocorre com relativa frequência na esquistossomose, mais comumente nos hepatoesplênicos, mas também nos casos mais leves; a chegada contínua de antígenos do verme ou de antígenos dos ovos aos glomérulos, observada de maneira mais evidente nas formas hepatoesplênicas, explica esse comprometimento. O acesso de antígenos ou de imunocomplexos aos glomérulos renais, nos quais são retidos junto à membrana basal, pode ocasionar o desenvolvimento de glomerulopatias, sendo as mais comuns a glomerulonefrite mesangioproliferativa, a membranoproliferativa de tipos I (mais frequente) e III e a glomerulosclerose segmentar e focal, além de amiloidose, havendo a possibilidade de evolução entre esses padrões de glomerulopatia, particularmente entre os dois primeiros.
Estudos realizados nas três últimas décadas revelaram que a fibrose de Symmers pode ser reversível dentro de certos limites, com a eliminação da parasitose por meio do tratamento específico. Esse processo ocorrerá com maior intensidade quanto mais recente for o processo fibrótico, levando-se em conta que na fibrose recente predomina o colágeno do tipo III, de molécula instável e mais sujeita à ação das colagenases. Já nos processos mais antigos, predomina o colágeno de tipo I, de molécula estável e resistente à ação das colagenases. Isto justifica a adoção do tratamento medicamentoso da parasitose, sempre que houver evidências de atividade parasitária (encontro de ovos nas fezes), pois poderá ocorrer regressão, ainda que parcial, do processo fibrótico, com consequente melhora funcional dos órgãos acometidos.
Os eventos patológicos relacionados às manifestações clínicas da esquistossomose, embora ocorram desde o momento da penetração das cercárias pela pele, parecem ser mais relevantes a partir da existência dos ovos, já durante a fase aguda da infecção.
Durante essa fase, um perfil Th1 de resposta imune celular, caracterizado pela produção de quantidades expressivas de fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), e interleucina (IL)-1 e IL-6 pelas células mononucleares do sangue periférico é o primeiro evento imunopatológico identificado. Na medida em que a infecção evolui, antígenos do ovo passam a induzir resposta Th2 e esse processo coincide com uma diminuição na intensidade da resposta Th1. Experimentalmente, observa-se que animais que não sejam capazes de desenvolver a resposta Th2 (p. ex., camundongos C57BL/6 IL4–/–) desenvolvem um quadro de caquexia, com necrose tecidual e elevada mortalidade, como consequência da ação do óxido nítrico. Acrescente-se que as manifestações da forma aguda são observadas em indivíduos que nunca tiveram contato anterior com a infecção; assim, crianças de baixa idade na áreas endêmicas, filhas de mães infectadas, respondem, do ponto de vista imunopatológico, como indivíduos já experimentados em relação à infecção, fato explicado pela aquisição de anticorpos maternos durante a gestação e o aleitamento.
Nas formas crônicas da esquistossomose, a ocorrência de fibrose nos granulomas formados ao redor dos ovos, sobretudo no fígado e nos pulmões, é responsável por grande parte da patologia observada nas apresentações graves da doença. A resposta de padrão Th1 passa a ser gradualmente substituída por uma resposta Th2, envolvendo IL-4, IL-5, IL-13, bem como eosinófilos. O papel fibrinogênico de IL-13, ao lado de IL-4, parece estar relacionado à capacidade dessas interleucinas de induzir a expressão de arginase nos macrófagos. Esse aminoácido utiliza L-arginina como substrato para produzir L-ornitina, que é convertida a prolina, um aminoácido essencial para a produção de colágeno. Quando, de outro modo, a estimulação de macrófagos se dá por IL-12 e IFN-γ, em vez de IL-4, os efetores finais são óxido nítrico e citrulina, não havendo fibrose, mas sim necrose tecidual (Figura 25.4). Investigações recentes conduzidas no Brasil e também em países africanos resultaram na observação de que o processo fibrótico predominaem famílias nas quais foi identificado um gene codominante maior, conhecido como SM2. O conhecimento da região 6q22-q23, que contém o gene responsável pela codificação do receptor de IFN-γ nessas famílias, sugere que mutações aí presentes possam resultar em uma do receptor de IFN-γ, com consequente falta de efetividade dessa citocina em prevenir fibrose, em contraponto à ação das citocinas Th2.
Desse modo, é desejável um equilíbrio entre as respostas Th1 e Th2, tendo-se em conta que a predominância ampla de uma delas é lesiva ao hospedeiro, seja pela indução de necrose tecidual ou pela indução de fibrose.
■Quadro clínico
Com base nos dados do exame físico, pode-se classificar clinicamente a esquistossomose em formas diversas. À penetração das cercárias pela pele, segue-se quadro de prurido, caracterizando a dermatite cercariana. Esta manifestação, que tende a ser mais acentuada nas reexposições, é autolimitada, o que fundamenta a denominação popular de “lagoa de coceira” às coleções hídricas que contêm cercárias (Figura 25.5).
Forma aguda
A forma aguda da esquistossomose é aquela que se segue, em um período de seis a oito semanas, ao primeiro contato com coleções hídricas que contenham cercárias, podendo ser identificada em indivíduos que não habitam áreas endêmicas, expondo-se casualmente a elas, ou ainda, em algumas situações, em crianças de pouca idade nas áreas endêmicas. Atualmente admite-se que manifestações de ordem imunoalérgica, desencadeadas pela existência dos ovos, resultem na maior parte das manifestações clínicas dessa forma da doença. Trata-se de doença com febre irregular e toxemia de instalação abrupta. São comuns exantema maculopapular, que pode ser urticariforme, diarreia, por vezes com característica disenteriforme, dor e distensão abdominal, além de broncospasmo. O ciclo pulmonar pode ocasionar manifestações clínicas caracterizadas como pneumonite eosinofílica. Hepatoesplenomegalia dolorosa de pequenas dimensões, além de micropoliadenopatia generalizada são achados comuns no exame físico. O dado laboratorial mais característico é a intensa leucocitose com eosinofilia. O diagnóstico deve levar em conta dados epidemiológicos,clínicos e laboratoriais; o exame parasitológico de fezes somente se torna positivo para ovos de S. mansoni cerca de 35 a 40 dias após a infecção, sendo útil para o diagnóstico apenas ao final do período febril. De modo geral, esse período é autolimitado a não mais de 30 a 40 dias, havendo remissão dos sinais e sintomas. Caso o paciente não seja diagnosticado e tratado, evoluirá para as apresentações crônicas da doença.
Formas crônicas
Hepatointestinal
Esta é forma clínica mais frequente dentro da fase crônica da esquistossomose, sendo observada em mais de 90% dos casos. É caracterizada pelas manifestações clínicas da retite esquistossomótica: diarreia ou disenteria intermitentes acompanhadas ou não por dor em hipogástrio. Além disso, o aporte de ovos para o fígado, onde ficam retidos em ramos pré-sinusoidais da veia porta, seguindo-se de reação granulomatosa, faz com que o órgão aumente em volume e possa ser detectado à palpação, de maneira mais evidente sob o apêndice xifoide. Eventualmente, a consistência pode estar aumentada em função de maior ou menor grau de fibrose que se estabelece. Ao exame ultrassonográfico, pode-se observar a ocorrência de fibrose portal e/ou periporta. Nesta forma clínica não há esplenomegalia nem hipertensão no sistema porta.
Hepatoesplênica
Nesta apresentação da doença podem ser identificados casos com ou sem hipertensão portal. Nesta última situação há hepatomegalia, como descrito no item anterior, acompanhada de esplenomegalia de pequenas dimensões, em que o baço tem consistência amolecida. Trata-se de esplenomegalia reacional, proliferativa. Esta é totalmente reversível com o tratamento específico da esquistossomose.
Por outro lado, casos com hipertensão portal ocorrem em consequência de elevada carga parasitária e, portanto, de ovos. Além disso, características genéticas já mencionadas, que determinam a intensidade da resposta inflamatória granulomatosa e a dinâmica da deposição e tipo de colágeno no interior dos granulomas, levarão à obstrução do fluxo sanguíneo portal através dos ramos intra-hepáticos da veia porta, os quais se traduzirão, inicialmente, em um aumento do calibre da veia porta e subsidiárias na tentativa de manter a pressão hidrostática no sistema porta, dentro dos limites normais. Esse processo é limitado pela complacência do sistema venoso portal. Sendo alcançado o limite da capacidade de dilatação do continente vascular, instala-se gradualmente o regime de hipertensão portal.
A partir disso, a pressão no sistema porta eleva-se de maneira progressiva, chegando a valores até dez vezes maiores que o normal (convém lembrar que a pressão na veia porta, avaliada por meio da aferição da pressão esplênica por via transparietal, é de até 20 cmH2O); a esplenomegalia assume caráter congestivo e se estabelecem colaterais entre as circulações portal e sistêmica. Esses leitos venosos recanalizados podem ser visíveis na superfície da parede abdominal, observando-se fluxo ascendente (Figura 25.6). A recanalização da veia umbilical gera sopro audível no nível da cicatriz umbilical. De maneira similar, a inversão do fluxo sanguíneo em tributárias da veia porta leva ao aparecimento das varizes de esôfago (Figura 25.7) ou fundo gástrico ou, ainda, retais. O estabelecimento de ascite ocorre quando a redução da pressão coloidosmótica associa-se ao aumento da pressão hidrostática no sistema porta. Isto se deve a hipoalbuminemia resultante de desnutrição, cirrose alcoólica, infecção crônica pelos vírus das hepatites B e C ou cirrose pós-necrótica, que se estabelece após episódios de hemorragia digestiva alta, decorrente da ruptura de varizes esofágicas ou de fundo gástrico. Cabe assinalar que, diferentemente do que ocorre nas cirroses em geral, não há insuficiência hepática profunda na esquistossomose não complicada ou que não esteja associada a patologias que ocasionem cirrose. A forma hepatoesplênica é definida como descompensada quando há sangramento das varizes de esôfago ou ascite. Hiperesplenismo, verificado pela ocorrência de citopenias sanguíneas, ocorre com frequência acompanhando as formas hepatoesplênicas. Outra manifestação clínica, hoje rara, observada em pacientes hepatoeslênicos é o hipodesenvolvimento pôndero-estatural, também conhecido como nanismo esplênico. Trata-se se síndrome clínica caracterizada por ausência do desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários, déficit de crescimento e ocorrência de fácies infantil.
Pulmonar
O acesso de ovos à artéria pulmonar, mais frequentemente observado quando há circulação colateral, acarreta a formação de granulomas com fibrose e obstrução gradativa do fluxo sanguíneo com o estabelecimento de hipertensão pulmonar e sobrecarga das câmaras cardíacas direitas – cor pulmonale esquistossomótico. Em algumas situações, pode-se associar cianose.
Renal
A aposição de imunocomplexos na membrana basal dos glomérulos pode ocasionar o desenvolvimento de glomerulopatias, sendo as mais comuns a glomerulonefrite mesangioproliferativa, membranoproliferativa de tipos I (mais frequente) e III e glomerulosclerose segmentar e focal. A primeira delas é mais frequentemente encontrada em pacientes assintomáticos, ao passo que a segunda é observada com maior frequência nos sintomáticos. Nessas situações, os antígenos esquistossomóticos podem ser demonstrados nos glomérulos, por meio de técnicas diversas. As manifestações clínicas decorrentes desses eventos podem variar desde proteinúria assintomática até síndrome nefrótica. As glomerulopatias são mais frequentes em pacientes hepatoesplênicos, mas podem também ser observadas nas apresentações mais leves da doença.
Outras formas
A chegada e a impactação de ovos com a formação de granulomas podem ocorrer em qualquer órgão, ocasionando disfunções de graus variados: por exemplo, em ramos venosos do plexo vertebral, pode causar mielite. É relativamente comum encontrar lesão hiperplásica em colo uterino. Formas cerebrais e cerebelares podem ser confundidas com neoplasias do sistema nervoso central. As formas pseudoneoplásicas, nas quais se observa intensa proliferação de tecido conjuntivo, formando massas dirigidas à cavidade peritoneal, hoje são bastante raras.
Associação de esquistossomose com outras doenças
▶ Bacteriemia prolongada por enterobactérias. Trata-se da coexistência de infecção esquistossomótica com infecção por enterobactérias, principalmente do gênero Salmonella spp. O verme comporta-se como reservatório para as enterobactérias que se multiplicam sobre sua cutícula ou tubo digestivo. A partir disso, há bacteriemia intermitente e prolongada, com infecção das células do sistema reticuloendotelial. Do ponto de vista clínico, há febre irregular, prolongada, com o desenvolvimento de hepatoesplenomegalia, diarreia e fenômenos hemorrágicos. O diagnóstico dessa condição é feito pela descoberta de ovos de S. mansoni nas fezes e o isolamento da enterobactéria em hemoculturas ou mielocultura. O principal diagnóstico diferencial é feito com a leishmaniose visceral.
▶ Associação entre esquistossomose hepatoesplênica e hepatites B ou C. Nessas situações podem ser observados sinais clínicos de insuficiência hepática. No caso da hepatite B, os pacientes esquistossomóticos hepatoesplênicos têm maior tendência a permanecer com HBsAg positivo, comportando-se como portadores crônicos da infecção viral.
■Diagnóstico
O diagnóstico laboratorial da esquistossomose mansoni baseia-se no encontro de ovos do parasito pelo exame de fezes ou em cortes de tecidos obtidos por biopsia. As técnicas parasitológicas mais adequadas são as de sedimentação espontânea, como a de Hoffman, Pons & Janer, e a de Kato-Katz. Esta última, semiquantitativa, permite a contagem de ovos de S.mansoni nas amostras de fezes e a avaliação estimada da carga parasitária. A realização de pesquisa de ovos nas fezes, em cinco amostras, parece ser superior em termos de eficácia diagnóstica, à biopsia retal, devendo esta última ser reservada para situações especiais. A positividade do exame de fezes se dá a partirde 30 a 35 dias a partir da infecção. Por isso as técnicas parasitológicas não são eficazes para o diagnóstico das formas agudas de esquistossomose, sobretudo nas fases iniciais.
Métodos indiretos de imunodiagnóstico estão disponíveis para o diagnóstico da esquistossomose mansoni, destacando-se as técnicas de imunofluorescência indireta, as de ELISA (Enzyme-Linked Immunosorbent Assay) e a reação periovular, para detecção de anticorpos. Esta última parece ter sua positividade correlacionada com oviposição, indicando, assim, infecção ativa; no entanto, sua aplicação em larga escala é limitada por se tratar de procedimento trabalhoso e demorado. Técnicas para a detecção de antígenos do parasito em soro ou urina, em seus diversos estágios, também podem ser empregadas, apresentando boas sensibilidade e especificidade.
O desenvolvimento das técnicas de biologia molecular para pesquisa de DNA do trematódeo em fezes, soro, urina e outras amostras de pacientes infectados tem permitido aprimoramento no diagnóstico da esquistossomose, sobretudo em áreas de baixa endemicidade onde a sensibilidade das técnicas parasitológicas clássicas não é elevada.
As formas crônicas da doença têm pouca repercussão nos exames laboratoriais inespecíficos, constituindo-se uma exceção às formas hepatoesplênicas com hiperesplenismo, quando poderá ser observado, no exame hematológico, comprometimento de uma ou mais séries. As enzimas hepáticas (transaminases, gamaglutamil-transferase e fosfatase alcalina), não apresentam, de modo geral, alterações significativas, exceto quando houver dano hepático por outras infecções associadas ou após sangramentos volumosos, decorrentes da ruptura de varizes esofágicas. Proteinúria de intensidade variável pode ser identificada em casos com glomerulopatia.
A ultrassonografia com a utilização de Doppler e a endoscopia digestiva alta são procedimentos essenciais na avaliação da hipertensão portal e estadiamento da hipertensão portal. Nas formas pulmonares, com hipertensão pulmonar, os exames radiológicos básicos, como a radiografia de tórax, podem indicar o diagnóstico pela observação de retificação ou abaulamento do arco médio; do mesmo modo, os exames ecocardiográfico e eletrocardiográfico podem revelar, respectivamente, hipertrofia das câmaras cardíacas direitas e do tronco da artéria pulmonar e sobrecarga de câmaras direitas.
Procedimentos de maior complexidade, como esplenoportografia e arteriografias, são reservados a avaliações pré-operatórias para planejamento de derivações da circulação portal.
O diagnóstico diferencial da esquistossomose aguda se dá com doenças que evoluam com hepatoesplenomegalia febril, dentre as quais febre tifoide, brucelose, tuberculose miliar, formas anictéricas de leptospirose, forma aguda da doença de Chagas e infecções mononucleose-símiles. A intensa eosinofilia verificada no leucograma sugere fortemente o diagnóstico de esquistossomose aguda.
A forma hepatointestinal pode ter sinais e sintomas que provoquem confusão com outras enteroparasitoses; as formas hepatoesplênicas merecem diagnóstico diferencial com as cirroses hepáticas em geral, bem como da síndrome de Budd-Chiari (trombose da veia supra-hepática). Pelo fato de haver superposição de áreas endêmicas, deve-se atentar à possibilidade de associação de esquistossomose crônica com a leishmaniose visceral. Hepatomegalia com predomínio do lobo esquerdo em paciente com leishmaniose visceral pode indicar a coexistência de ambas as doenças.
■Tratamento e profilaxia
O tratamento da esquistossomose se baseia na quimioterapia, que tem por objetivo a erradicação dos vermes adultos. Está indicada em todos os casos parasitologicamente ativos, inclusive nas formas mais graves da doença, visto que pode haver involução, ainda que parcial, das alterações fibróticas no fígado e, consequentemente, da hipertensão portal.
A única substância disponível para a quimioterapia da esquistossomose é o praziquantel, que deve ser administrado por via oral em dose única, de 50 a 60 mg/kg de peso. Os efeitos adversos não costumam ser importantes e, em geral resumem-se a intolerência gastrintestinal.
O controle de cura deve ser realizado pela realização de seis exames de fezes, em intervalos mensais, sendo o primeiro deles feito de 45 a 60 dias após o tratamento.
Procedimentos cirúrgicos mais conservadores têm sido adotados em casos selecionados, tais como a esplenectomia com desconexão ázigo-portal. Os procedimentos terapêuticos pela endoscopia digestiva alta, como escleroterapia ou ligadura elástica endoscópica das varizes esofágicas, são métodos bem menos invasivos e menos complexos, embora com efeitos benéficos apenas temporários; ainda assim, tais procedimentos podem ser repetidos tantas vezes quanto necessário para obter controle das varizes esofágicas.
A implantação da rede de saneamento básico, constituída por sistemas de tratamento e fornecimento domiciliar de água e recolhimento e tratamento de dejetos domiciliares, tem papel indiscutível no controle da esquistossomose. Ações específicas para o controle da esquistossomose são voltadas principalmente para o combate aos planorbídeos hospedeiros intermediários e à redução ou interrupção da eliminação de ovos no meio ambiente por indivíduos infectados.
O combate aos planorbídeos pode ser realizado com a aplicação de substâncias moluscicidas em seus criadouros ou por meio da introdução, nesses ambientes, de espécies animais que apresentem comportamento competitivo ou que sejam predadores de planorbídeos. Essas ações, porém, somente resultam em resultados positivos quando aplicadas a ecossistemas restritos. A utilização de moluscicidas, tais como a niclosamida e a N-tritilmorfolina, tem sido rejeitada por ambientalistas por produzir alterações importantes nos ecossistemas em que são aplicados.
A disponibilização de fármacos relativamente seguros e eficazes, como a oxamniquina e o praziquantel, tornou viável a adoção do tratamento em massa da parasitose em áreas de elevada endemicidade. Avaliações sobre a prevalência e a transmissão da esquistossomose e, sobretudo, sobre a prevalência de formas graves têm demonstrado efeito positivo do tratamento em massa, independentemente da implementação de medidas sanitárias adequadas.

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