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UnisulVirtual Palhoça, 2016 Álgebra Moderna Universidade Sul de Santa Catarina Créditos Universidade do Sul de Santa Catarina – Unisul Reitor Sebastião Salésio Herdt Vice-Reitor Mauri Luiz Heerdt Pró-Reitor de Ensino, de Pesquisa e de Extensão Mauri Luiz Heerdt Pró-Reitor de Desenvolvimento Institucional Luciano Rodrigues Marcelino Pró-Reitor de Operações e Serviços Acadêmicos Valter Alves Schmitz Neto Diretor do Campus Universitário de Tubarão Heitor Wensing Júnior Diretor do Campus Universitário da Grande Florianópolis Hércules Nunes de Araújo Diretor do Campus Universitário UnisulVirtual Fabiano Ceretta Campus Universitário UnisulVirtual Diretor Fabiano Ceretta Unidade de Articulação Acadêmica (UnA) – Ciências Sociais, Direito, Negócios e Serviços Amanda Pizzolo (coordenadora) Unidade de Articulação Acadêmica (UnA) – Educação, Humanidades e Artes Felipe Felisbino (coordenador) Unidade de Articulação Acadêmica (UnA) – Produção, Construção e Agroindústria Anelise Leal Vieira Cubas (coordenadora) Unidade de Articulação Acadêmica (UnA) – Saúde e Bem-estar Social Aureo dos Santos (coordenador) Gerente de Operações e Serviços Acadêmicos Moacir Heerdt Gerente de Ensino, Pesquisa e Extensão Roberto Iunskovski Gerente de Desenho, Desenvolvimento e Produção de Recursos Didáticos Márcia Loch Gerente de Prospecção Mercadológica Eliza Bianchini Dallanhol Livro didático UnisulVirtual Palhoça, 2016 Designer instrucional Rafael da Cunha Lara Álgebra Moderna Kelen Regina Salles Silva Jane de Oliveira Crippa Livro Didático Copyright © UnisulVirtual 2016 Professores conteudistas Kelen Regina Salles Silva Jane de Oliveira Crippa Designer instrucional Rafael da Cunha Lara Projeto gráfico e capa Equipe UnisulVirtual Diagramador(a) Fernanda Fernandes Revisor Contextuar Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição. Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Universitária da Unisul C94 Silva, Kelen Regina Salles, Álgebra moderna : livro didático / Kelen Regina Salles Silva, Jane de Oliveira Crippa ; design instrucional Rafael da Cunha Lara. – Palhoça : UnisulVirtual, 2016. 172 p. : il. ; 28 cm. Inclui bibliografia. ISBN 978-85-506-0007-9 e-ISBN 978-85-506-0008-6 1. Álgebra. I. Silva, Kelen Regina Salles. II. Lara, Rafael da Cunha. III. Título. CDD (21. ed.) 512 ISBN 978-85-506-0007-9 e-ISBN 978-85-506-0008-6 Sumário Introdução | 7 Capítulo 1 O conjunto dos números inteiros | 9 Capítulo 2 O conjunto dos números racionais | 45 Capítulo 3 Congruência | 61 Capítulo 4 Aplicações | 95 Capítulo 5 Operações | 119 Considerações Finais | 167 Referências | 169 Sobre as Professoras Conteudistas | 171 Introdução Este livro didático corresponde à unidade de aprendizagem Álgebra Moderna e foi desenvolvido visando proporcionar ao aluno uma aprendizagem autônoma, contribuindo para o aprendizado à distância. Para isso, o livro apresenta uma linguagem didática, com muitos exemplos resolvidos e atividades de autoavaliação relacionadas ao conteúdo de cada capítulo. Sua estrutura é dividida em cinco capítulos que buscam contextualizar assuntos básicos para a melhor compreensão dos conceitos fundamentais da álgebra. No primeiro capítulo são apresentadas algumas estruturas algébricas do conjunto dos números inteiros, além de operações básicas, proposições e propriedades associadas a essas operações. Também discute-se o algoritmo da divisão e contextualizar os métodos de determinação de MDC e MMC. O segundo capítulo discute as estruturas algébricas no conjunto dos números racionais, operações e proposições. Relações e congruência são os conceitos apresentados no terceiro capítulo, fundamentais para o estudo da álgebra. Por isso, o capítulo apresenta desde as noções intuitivas, até propriedades que, posteriormente, serão largamente analisadas nos demais capítulos. O quarto capítulo mostra os conceitos de aplicação sob o enfoque de relação, apresentando interpretação gráfica e proposições associadas a operações entre aplicações. Finalmente, o quinto capítulo introduz os conceitos de grupo, anel e corpo, os quais compõem assuntos principais da álgebra abstrata. São apresentados exemplos clássicos e resolvidos e toda a base para que o assunto seja estudado profundamente, caso necessário. É importante ainda que o aluno compreenda a necessidade de acompanhamento deste material ao longo do período da unidade de aprendizagem e busque constantemente o apoio do(a) professor(a) pelo Espaço Virtual de Aprendizagem. Bons estudos. 9 Capítulo 1 O conjunto dos números inteiros 1.1 Introdução Os números fascinam o homem desde muito cedo. Foram utilizados intuitivamente para contagem e, a partir daí, de diversas formas no nosso dia a dia. Na matemática, foram classificados em conjuntos e largamente estudados ao longo de séculos. Na Álgebra, são objeto importante para o desenvolvimento de teorias e conclusões. Veremos que algumas dessas conclusões estão relacionadas a elementos de um conjunto e associadas a operações realizadas entre eles. As teorias estudadas a seguir iniciam a partir dos números naturais N, considerados pelo matemático alemão Leopold Kronecker (1823–1891) como “[...] criados por Deus; o resto foi trabalho do homem”. Formalmente foram construídos juntamente com suas operações, pelo axioma de Peano. Vamos admitir o conjunto dos naturais como e as operações de adição e multiplicação usuais. Os números negativos com regras aritméticas apareceram em uma obra de Brahmagupta em 628 d. C., no entanto, muitos séculos depois foi que Albert Girard (1590–1639) reconheceu a utilidade algébrica de admitir as raízes negativas como soluções de equações e, somente no século XIX, com Dedekind (1831– 1916), foi que se conseguiu formalizar o conjunto dos números inteiros. Quando falamos em “os números inteiros”, não estamos simplesmente nos referindo ao conjunto dos números inteiros, mas sim, em uma estrutura onde tem sentido todo um desenvolvimento matemático. Pensando, portanto, no que é importante para o desenvolvimento de uma teoria, percebemos a necessidade de conhecer, além do conjunto com o qual trabalharemos, também as operações e regras já existentes e que facilitam e dão sustentabilidade à teoria desenvolvida neste contexto e, claro, que não destruam 10 Capítulo 1 o que já existe. Vamos indicar o conjunto dos números inteiros pelo símbolo Z, pois já é de nosso conhecimento que Z é um conjunto enumerável infinito. Z = {..., –3, –2, –1, 0, 1, 2, 3, ...}. 1.2 As operações em Z 1.2.1 Adição em Z A operação de adição em Z será apresentada de forma intuitiva e coerente com a utilidade mundana dos números inteiros. Lembre-se de como você adiciona números naturais (inteiros não negativos) e mantenha a mesma regra. Adotando essa regra, para os números negativos agiremos considerando-os como débitos; os números positivos como créditos e o 0 nem débito, nem crédito. Dessa forma, temos: • a adição de dois números negativos produzirá um número negativo (débito “mais” débito é um débito); • a adição de um número positivo com um número negativo, ou vice- versa, produzirá um número positivo se o crédito for maior que o débito, ou número negativo se o débito for maior que o crédito; • a adição de um número negativo com zero, ou vice-versa, produzirá o mesmo número negativo (débito “mais” zero não altera o débito). Exemplo 1.1: adição no conjunto dos inteiros: –3 + –5 = –8 –3 + 5 = 2 3 + –5 = –2. Lembre-se de que o resultado da adição é chamado de soma e que os elementos da adição são chamados de parcelas. O resultado da adição de duas parcelas é chamado de soma. Observaçãoimportante: a soma de dois números inteiros quaisquer é sempre um número inteiro. 11 Álgebra Moderna Propriedades da adição nos inteiros Após a introdução da operação de adição, é preciso preocupar-se com as propriedades que esta operação possui no conjunto dos números inteiros. As propriedades clássicas que se deve verificar são as apresentadas a seguir. Associativa: para quaisquer inteiros a, b e c, deve-se ter: (a + b) + c = a + (b + c). Comutativa: para quaisquer inteiros a e b, deve-se ter: a + b = b + a. Elemento neutro: deve existir um (único) inteiro e tal que para qualquer inteiro a: a + e = e + a = a. Elemento oposto: para cada inteiro a deve existir um inteiro x tal que: a + x = x + a = e. A propriedade associativa é o que nos permite fazer a adição de mais de duas parcelas. Exemplo 1.2: propriedade associativa aplicada a números inteiros: 4 + 6 + 8 + 3 + 4 + 10 = (4 + 6) + (8 + 3) + (4 + 10) = ... Na adição de números naturais, já conhecemos o papel que o zero representa, ou seja, 0 + a = a +0 = a para qualquer número natural a, e pela interpretação que demos aos números negativos (débitos) está claro que o 0 é o elemento neutro da adição de números inteiros. Exemplo 1.3: o elemento neutro da adição de números inteiros: 4 + 0 = 4 0 + (–5) = –5. Identificar o elemento neutro da adição de números inteiros nos permite reescrever a propriedade do elemento oposto: para cada inteiro a, deve existir um inteiro x tal que a + x = x + a = 0. 12 Capítulo 1 Neste momento, você já terá uma boa justificativa para a propriedade comutativa, portanto, a igualdade a + x = x + a já pode ser aceita. A propriedade comutativa nos permite fazer a adição de duas parcelas independentemente da ordem entre elas. Exemplo 1.4: propriedade comutativa aplicada a números inteiros: 4 + 6 = 6 + 4 2 + (–5) = (–5) + 2. Seja a um inteiro positivo (crédito), se tivermos um crédito a e queremos obter 0 (nem crédito, nem débito) o que faremos? Ora, fazendo um débito a e somando com o crédito a obteremos 0, ou seja, zero crédito e zero débito. Para a positivo, encontramos o inteiro x tal que a + x = 0, ou seja, x = –a (oposto de a). Seja a um inteiro negativo (débito) ........... (complete o raciocínio para concluir que o oposto de a é –a ). A justificativa para perceber que o oposto do zero é o próprio zero vem de que 0 + 0 = 0. Exemplo 1.5: o elemento oposto de 1 é –1. Dizemos que –1 é o oposto de 1. O elemento oposto de –7 é 7. Dizemos que 7 é o oposto de –7. Observe que (–7) + 7 = 0 No apêndice deste livro, apresentaremos a construção dos números inteiros e, então, poderemos demonstrar essas propriedades com rigor. No conjunto dos números inteiros Z, temos: • o zero _ 0 _ ; • os números menores que zero, ou seja, os números negativos, que representam débitos; e • os números maiores que zero, ou seja, os números positivos, que representam créditos. 13 Álgebra Moderna Pela definição que demos para a adição de números inteiros, concluímos que a soma de dois inteiros maiores que zero é um inteiro maior que zero e que a soma de dois inteiros menores que zero é um inteiro menor que zero. 1.2.2 Multiplicação em Z Recordando a multiplicação de números naturais, exemplificamos: 4 . 5 = 5 + 5 + 5 + 5 = 20 0 . 7 = 0. O ponto (.) indica a multiplicação. Definição 1.1: sejam a e b números inteiros, chamamos de produto de a por b e denotamos por a . b: a . b = para a > 0 e a . b = – (–a . b) para a < 0 e 0 . b = 0. Exemplo 1.6: multiplicação nos inteiros: 3 . (–7) = (–7) + (–7) + (–7) = –21. (–3) . (–7) = – (3. (–7)) = – (–21) = 21 (Lembre-se de que 3 é o oposto de –3). 5 . 0 = 0 + 0 + 0 + 0 + 0 = 0. O resultado da multiplicação é chamado de produto. Os elementos da multiplicação são chamados de fatores. O produto de dois números inteiros quaisquer sempre é um número inteiro. Quais propriedades a operação de multiplicação em Z admite? Propriedades da multiplicação nos inteiros: Observe que os elementos são números inteiros, mas a operação é multiplicação. As propriedades a serem analisadas são: associativa, comutativa, elemento neutro e elemento inverso. Vejamos a seguir. 14 Capítulo 1 (a) Associativa: para quaisquer inteiros a, b e c, deve-se ter: (a . b) . c = a . (b . c). Demonstração: Pela definição que demos para a multiplicação, devemos separar a demonstração em três etapas: 1a etapa: a = 0 . (0 . b) . c = 0 . c = 0 (pela definição) 0 . (b . c) = 0 (pela definição). Logo, (0 . b) . c = 0. (b . c). 2a etapa: a > 0 (a . b) . c = ( ).c = = – (– (a . b)) . c = – ( ). Se b < 0, temos a . b < 0 e, portanto, – (a . b) > 0. Se b > 0, temos a . b > 0. Justifique esta resposta, discutindo-a no Fórum. Por outro lado: a . (b . c) = a . ( ) = = Para o caso de b > 0, veja que temos b parcelas iguais a c, a vezes. = Pela propriedade associativa da adição. 15 Álgebra Moderna = a . (– (–b . c)) = a . (– ( )) = = = Pela propriedade associativa da adição. 3a etapa: a < 0 (a . b) . c = – (–a . b) . c = – (–a . (b . c)) = a . (b . c). Pela 2a etapa. Observe que –a > 0. Com isso, concluímos nossa demonstração. Analise bem a demonstração, confira todos os passos. Refaça se necessário. Apresente exemplos. Compare os exemplos com as três etapas da demonstração. (b) Comutativa: para quaisquer inteiros a e b deve-se ter: (a . b) = (b . a). Demonstração: Considerando a propriedade válida para todos os inteiros não negativos (conjunto dos números naturais), vamos mostrar que ela vale para os outros casos. Observe que sempre devemos ter um ponto de partida, neste caso, o conhecimento anterior das propriedades dos números naturais. 1a etapa: a > 0 e b < 0 (pois: –b > 0 e a > 0) (o oposto do produto) . O oposto do oposto de um inteiro é o próprio inteiro. 16 Capítulo 1 2a etapa: a < 0 e b = 0 . 3a etapa: a < 0 e b < 0 . (c) Elemento neutro: deve existir um (único) inteiro e, tal que para qualquer inteiro a: a . e = e . a = a. Demonstração: Pelo conhecimento adquirido com a multiplicação de números naturais, podemos verificar que se e = 1 a propriedade do elemento neutro da multiplicação em Z é válida, isto é: (1 . a) = a (pela definição de multiplicação nos inteiros). Como a multiplicação dos inteiros é comutativa, temos também que: (a . 1) = a. Logo, 1 é o elemento neutro para a multiplicação de números inteiros. Mais tarde, veremos de maneira geral que o elemento neutro, quando existe, é único. (d) Elemento inverso: para cada inteiro a deve existir um inteiro x, tal que: a . x = x . a = e. Observação: como a operação é multiplicação, a última propriedade chama-se elemento inverso e não oposto. De maneira geral, esta propriedade pode ser chamada de “elemento simétrico”. No caso e = 1 (neutro da multiplicação): observe que a propriedade do elemento inverso não é válida, porque para o inteiro 0 não encontramos nenhum inteiro b, tal que 0 . b = 1, já que 0 . b = 0 para qualquer inteiro b. Se não é válida para um número inteiro, não podemos dizer que é válida para todos os inteiros. 17 Álgebra Moderna A validade da propriedade “elemento simétrico” está diretamente associada à validade do elemento neutro, ou seja, se não existisse o elemento neutro não precisaríamos analisar a existência do simétrico. Outras propriedades associadas à adição e multiplicação de inteiros (a) Distributiva: para quaisquer inteiros a, b e c, vale a seguinte igualdade: a . (b + c) = a . b + a . c. Observamos que como a multiplicação de inteiros é comutativa, vale também que: (b + c) . a = b . a + c . a. Novamente, vamosseparar a demonstração em 3 etapas: 1a etapa: a = 0. 0 . (b + c) = 0 (por definição) 0 . b + 0 . c = 0 + 0 = 0. Portanto, 0 . (b + c) = 0 . b + 0 . c. 2a etapa: a > 0. a . (b + c) = = b + (c + b) + (c + b) +...+ (c + b) + c = b + (b + c). Pela propriedade associativa da adição. + (b + c) + … + (b + c) + c = ….= + = a . b + a . c. Utilize várias vezes as propriedades associativa e comutativa da adição. Pela propriedade comutativa da adição. 18 Capítulo 1 3a etapa: a < 0. (segunda etapa da propriedade distributiva) . (b) Anulamento dos fatores: sejam a, b inteiros: a . b = 0 se, e somente se, a = 0 ou b = 0. Se a = 0, temos por definição que 0 . b = 0. Se b = 0, temos também por definição que: a > 0 a . 0 = = 0 a < 0 a . 0 = – (–a . 0) = – = –0 = 0. Logo, se a = 0 ou b = 0 temos que a . b = 0. Sejam agora a ≠ 0 e b ≠ 0 (negação da tese): a ≠ 0 a > 0 ou a < 0. Lembre-se de que este símbolo significa “se..., então...”. a > 0 a . b = e, portanto, diferente de zero. a < 0 a . b = – (–a . b) = – ( = e, portanto, diferente de zero. Assim, se a ≠ 0 e b ≠ 0, então, a . b ≠ 0 (negação da tese, implicou na negação da hipótese). Logo, se a . b = 0, então, a = 0 ou b = 0. 19 Álgebra Moderna (c) Oposto do produto: oposto do produto de dois inteiros a e b é igual ao produto do inteiro a pelo oposto do inteiro b, ou seja, – (a . b) = a . (–b). Vejamos, a . b + a . (–b) = a . (b + (–b)) = a . 0 = 0 – (a . b) = a . (–b). Propriedade distributiva. 1.2.3 Subtração em Z Definição 1.2: Sejam a e b números inteiros, chamamos de subtração de a por b e denotamos por a – b: a – b = a + (–b). O resultado da subtração de dois números é chamado de diferença. a é chamado de subtraendo e b é chamado de minuendo. A diferença de dois números inteiros é sempre um número inteiro. Quais propriedades esta operação admite? (a) Ela é associativa? Afirmamos que esta operação não é associativa. Você saberia provar? Como isto poderia ser feito? Lembre-se de que para provar que uma propriedade não é válida, podemos utilizar um contra-exemplo, pois se ela falha para um valor, ela não é válida para todos os valores. Vamos exemplificar: (4 – 3) – 7 ≠ 4 – (3 – 7), pois (4 – 3 ) – 7 = (4+ (–3)) – 7 = 1 – 7 = 1+ (–7) = –6 4 – (3 – 7 ) = 4 – ( 3 + (–7)) = 4 – (–4) = 4 + (– (–4)) = 4 + 4 = 8. Como –6 ≠ 8, está comprovada a afirmação. Propriedade do elemento oposto. Definição. 20 Capítulo 1 (b) Ela é comutativa? Afirmamos que esta operação não é comutativa. – Você concorda? – Exemplifique. (c) Ela admite elemento neutro? Para verificar, devemos pensar na seguinte pergunta: Existe um elemento inteiro e tal que para qualquer inteiro a vale que a – e = e – a = a ? Quem você indicaria como candidato a e ? – Indicamos e = 0. Vejamos, a – 0 = a + (–0) = a + 0 = a. Até aqui tudo bem. Mas, 0 – a = 0 + (–a) = –a, e basta pegar a = 1 para ver que 1 ≠ –1. Portanto, quando consideramos e = 0 a igualdade não vale para todo inteiro a. – Você tem outro candidato? Podemos procurar o valor desconhecido e na equação a – e = a. – Vejamos, a – e = a + (–e) = a a + (–e) = a –a + (a + (–e)) = –a + a (–a + a) + (–e) = 0 0 + (–e) = 0 –e = 0 – (–e) = –0 e = 0, mas já vimos que este valor não serve. Logo, não existe elemento neutro para a operação de subtração em Z. 1 2 3 1 Associativa e elemento oposto da adição. 2 Elemento neutro da adição. 3 Oposto do oposto de um inteiro e oposto do zero. 21 Álgebra Moderna 1.2.4 Divisão em Z A ideia que temos de divisão de dois números, infelizmente, não pode ser estendida a todos os números inteiros. Enquanto podemos dizer que 4 dividido por 2 (4 2) é 2, não podemos encontrar um inteiro que represente 7 2. Concluímos que a divisão não é uma operação em Z. 1.3 Atividades de autoavaliação 1. Mostre que o oposto do oposto de um número inteiro é o próprio número inteiro. 2. Mostre que o oposto da soma de dois inteiros é a soma dos opostos destes inteiros. 3. Escreva as versões finais das propriedades comutativa e do elemento neutro da multiplicação de números inteiros, assim como as respectivas provas. Sejam a, b e c inteiros, com a < 0. 4. Mostre que a . (b + c) = a . b + a . c. 5. Mostre a lei do cancelamento, ou seja, se a . b = a . c e a ≠ 0, então, b = c. 1.4 Algoritmo da divisão Definição 1.3: para quaisquer inteiros a e b, com b ≠ 0, existem únicos inteiros q e r, tais que a = b . q + r, com 0 ≤ r < |b|. O que significa “<”? Definimos que um inteiro a é menor que um inteiro b se e somente se existe um inteiro positivo x (x > 0) tal que b = a + x. O que significa | r | ? Nomeamos | r | de valor absoluto de r, e definimos: | r | = . Não confundir com o algoritmo da divisão. 22 Capítulo 1 Exemplo 1.7: valor absoluto | 23 | = 23 | –23 | = – (–23) = 23 Que propriedade foi usada? Veja como ela é importante. Ela já apareceu outras vezes? Exemplo 1.8: Vejamos dois exemplos antes de demonstrar o algoritmo da divisão. Para a = 0 e b = 7, existem q = 0 e r = 0, tais que 0 = 7 . 0 + 0. Para a = 9 e b = – 7, existem q = –1 e r = 2, tais que 9 = (–7) . (–1) + 2. Veja que r = 2 < |–7| = | b |. Demonstração do algoritmo da divisão: Nós vamos dividir a prova em várias etapas. 1ª etapa: sejam a e b inteiros com a b > 0. Visualize a situação. 0 1 b tb a (t+1)b b > 0 b 1 É claro que existe um único t > 0, tal que (*) . Queremos chegar o mais perto possível de a (não esqueça que a é inteiro). a = 10 e b = 5. t Tb (t + 1)b 0 0 5 1 5 10 2 10 = a 15 > a 23 Álgebra Moderna Portanto, o q procurado é 2 e r = 0. 10 = 5 . 2 + 0. a = 11 e b = 3. t Tb (t + 1) b 0 0 3 1 3 6 2 6 9 3 9 ≤ a 12 > a Portanto, o q procurado é 3 e r = 2. 11 = 3 . 3 + 2. Continuemos a demonstração. Ao calcularmos 0 . b, 1 . b, 2 . b , ......, t . b, ...., a . b, escolhemos q = t como em (*) e r = a – b . q. Assim, a = b . q + r, com r = 0 (quando a = b . q) ou r = a – b . q < (q + 1) . b – b . q = q . b + b – b . q = b = | b |. 2ª etapa: sejam a e b inteiros, com 0 ≤ a < b. Visualize a situação: 0 b a Vejamos um caso particular. a = 2 e b = 7: t Tb (t + 1) b 0 0 ≤ a 7 > a 1 7 14 24 Capítulo 1 Portanto, o q procurado é 0 e r = 2 . 2 = 7 . 0 + 2. Existem q = 0 e r = a tal que a = b . q + r, com 0 ≤ r = a < b = | b |. 3ª etapa: sejam a e b inteiros, com a < b < 0. a < b < 0 –a > –b > 0 q , r Z, com 0 ≤ r < |–b| e –a = (–b) . q + r. –a = (–b) . q + r a = b . q + (–r) = b . q + b+ (–r) – b = b(q + 1) + (– (r + b)). Oposto de cada elemento. Chamando Q = q + 1 e R = – (r + b), temos a = b . Q + R, com 0 ≤ R = –r + (–b) = –r + | b | < | b |. 4ª etapa: sejam a e b inteiros, com a < 0 e b > 0. a < 0 –a > 0. –a > 0 e b > 0 q, r Z, com 0 ≤ r < | b | e –a = b . q + r. –a = b . q + r a = b . (–q) + (–r) a = b . (–q) + (–b) + (–r) + b a = b . (–q –1) + b – r. Chamando Q = –q – 1 e R = b – r, temos a = b . Q + R, com 0 ≤ R = b – r < b = |b|. Vejamos agora que q e r são únicos. Suponhamos que existam q1 , q2 , r1 , r2 inteiros tais que a = b . q1 + r1 = b . q2 + r2 com . Então, (b . q1 + r1) – (b . q2 + r2) = 0, ou seja, b . (q1 – q2) = r2 – r1, consequentemente |b||q1 – q2| = |r2 – r1| < |b|, mas |b||q1 – q2| < |b|, sendo |q1 – q2| 0, se e somente se |q1 – q2| = 0 e, portanto, também |r2 – r1| = 0. Logo, q1 = q2 e r1 = r2. E, assim, concluímos a prova do algoritmo da divisão no conjunto dos números inteiros. Adição e subtração do mesmo elemento b. Propriedade distributiva. 25 Álgebra Moderna 1.5 Divisores e múltiplosDefinição 1.4: dizemos que o inteiro a é um divisor do inteiro b se existe um inteiro c, tal que b = a . c. Também é correto dizer que “a divide b”. Também é correto dizer que “b é múltiplo de a”. Exemplo 1.9: Divisores (–11) é um divisor de 55, pois existe o inteiro (–5) tal que 55 = (–5) . (–11). 35 é múltiplo de 5, pois existe o inteiro 7 tal que 35 = 5 . 7. • Quais são os divisores de 36? Os divisores de 36 são: –1, –2, –3, –4, –6, –9, –12, –18, –36, 1, 2, 3, 4, 6, 9, 12, 18, 36. Você é capaz de achar todos os divisores de 324? Agora, mãos à obra. • Quais são os divisores de 7? Os divisores de 7 são: –1, –7, 1, e 7. • Quais são os divisores de 11? Os divisores de 11 são: –1, –11, 1 e 11. Este tipo de número inteiro tem uma característica especial. Você percebe? O 7 e o 11 são chamados de números primos. Os números 1 e –1 não são números primos. Definição 1.5: um número inteiro p ≠ –1, 1 é chamado de número primo se os únicos divisores de p são –1, 1, –p e p. 26 Capítulo 1 Propriedades: 1. Qualquer inteiro é divisor de si mesmo (qualquer inteiro é múltiplo de si mesmo). 2. Se o inteiro a é divisor dos inteiros b e c, então, a é divisor do inteiro b + c, assim como do inteiro b – c. 3. Se o inteiro a é divisor do inteiro b, então, a é divisor de qualquer múltiplo de b. 4. Os inteiros –1 e 1 são divisores de qualquer outro inteiro. 5. Se o inteiro a é um divisor do inteiro b + c e também do inteiro b, então, a é um divisor do inteiro c. 6. Se o inteiro a é um divisor do inteiro b e b ≠ 0, então, |a| ≤ |b|. 7. 0 é múltiplo de qualquer inteiro. Demonstrações: Para exemplificar o tipo de demonstração utilizada nessas afirmações, demonstraremos as propriedades 3 e 6 anteriores. Propriedade 3: sendo a divisor de b, existe um inteiro x, tal que b = a . x. Seja m um múltiplo qualquer de b para algum inteiro y, teremos m = b . y. Assim, m = b . y = (a . x) . y = a . (x . y). Logo, a é um divisor de m. Propriedade 6: sendo a um divisor de b, existe um inteiro x, tal que b = a . x. Como b ≠ 0, temos que o inteiro x que existe também é diferente de zero. Sendo x ≠ 0, temos que |x| ≥ 1 e, portanto, por definição, existe um inteiro y ≥ 0 tal que |x| = 1 + y. Retornando à primeira frase e agora utilizando a simbologia matemática, podemos escrever. b = a . x |b| = |a . x| = |a| . |x| = |a| . (1 + y) = |a| + |a| . y . Como |a| . y ≥ 0 e |b| = |a| + |a| . y, concluímos que |a| ≤ |b|. 27 Álgebra Moderna 1.6 Máximo divisor comum e mínimo múltiplo comum Vimos anteriorimente que a divisibilidade está diretamente ligada com a multiplicidade. Veremos a seguir as noções de como encontrar divisores comuns e múltiplos comuns, assim como as possibilidades de determinar um maior divisor comum e um menor múltiplo comum. Podemos perceber que as ideias são simples e estão presentes em nosso dia a dia e, dessa forma, é importante sabermos expressá-las matematicamente. Exemplo 1.10: Maria comprou duas peças de tecidos de cores diferentes, uma com 48 metros e outra com 30 metros. Ela necessita obter a mesma quantidade de pedaços de cada tecido. Quanto deve medir em metros cada pedaço? Maria precisa dividir cada peça de tecido e de maneira correta para não perder os tecidos, seja por falta ou por sobra. Vejamos, portanto, os divisores positivos de 48 e de 30. Divisores positivos de 48: 1, 2, 3, 4, 6, 8, 12, 16, 24, 48. Divisores positivos de 30: 1, 2, 3, 6, 10, 15, 30. Maria deseja obter a mesma quantidade de pedaços de cada tecido, então, vejamos o que é comum em nossos cálculos. Se considerarmos o divisor 1, Maria terá 1 pedaço de cada tecido, sendo um com 48 metros e o outro com 30 metros, ou seja, ela estará com as peças que foram compradas e não fez nenhum corte. Se considerarmos o divisor 2, Maria terá 2 pedaços de cada tecido. Quanto medirá cada pedaço? 48 = 2 . 24 e 30 = 2 . 15 Teremos dois pedaços de 24 metros e dois pedaços de 15 metros. Maria ainda pode obter 3 pedaços de cada tecido, ou 6 pedaços de cada tecido. Em cada caso teremos pedaços com medidas diferentes. Maria poderia querer obter a maior quantidade possível de pedaços e, neste caso, a resposta seria 6 pedaços de cada tecido (6 medindo 8 metros e 6 medindo 5 metros). Analisando os divisores de 48 e de 30, podemos facilmente perceber que 6 é o maior divisor comum entre os divisores positivos de 48 e de 30. 28 Capítulo 1 Definição 1.6: um inteiro d > 0 é o máximo divisor comum de inteiros dados a e b não simultaneamente nulos se e somente se: (i) d é um divisor de a e de b. (ii) qualquer outro divisor inteiro de a e de b também é um divisor de d. A simbologia utilizada é: MDC(a, b) = d. Atenção: MDC (0, 0) = 0. Definição 1.7: um inteiro m > 0 é mínimo múltiplo comum de inteiros a e b não nulos se e somente se: (i) m é um múltiplo de a e de b; (ii) qualquer outro múltiplo inteiro de a e de b também é um múltiplo de m. A simbologia utilizada é: MMC (a, b) = m. Atenção: MMC (0, a) = 0 para qualquer inteiro a. Exemplos 1.11: a determinação do máximo divisor comum dos inteiros a = –45 e b = 36 é d = 9. Vejamos: • 9 é um divisor de –45, pois –45 = 9 . (–5); • 9 é um divisor de 36, pois 36 = 9 . 4; • seja x um divisor qualquer de –45 e de 36. Os divisores de –45 são: –1, –3, –5, –9, –15, –45, 1, 3, 5, 9, 15, 45. Os divisores de 36 são: –1, –2, –3, –4, –6, –9, –12, –18, –36, 1, 2, 3, 4, 6, 9, 12, 18, 36. Os divisores comuns entre –45 e 36 são: –1, –3, –9, 1, 3, 9. Considerando x como –1, ou –3, ou –9, ou 1, ou 3 ou 9 temos que x é um divisor de 9. Garante que d é o maior divisor entre a e b. Garante que m é o menor múltiplo positivo entre a e b. 29 Álgebra Moderna Qual é o mínimo múltiplo comum dos inteiros a = 12 e b = –15? • múltiplos de 12 : 0, ±12,± 24, ±36, ±48, ±60, ±72, ±84, ... • múltiplos de –15: 0, ±15, ±30, ±45, ±60, ±75, ±90, ... • múltiplos positivos comuns de 12 e –15: 60, 120, 180, ... • o menor múltiplo positivo comum de 12 é –15 é 60. Logo, MMC (12, –15) = 60. Este método não é prático para a determinação do MDC. A seguir, veremos um método mais amigável, mas antes apresentaremos algumas propriedades. Propriedades do MDC 1. Seja a um inteiro qualquer. MDC(a, 0) = |a|. Demonstração: Se a = 0, temos por definição que MDC (0, 0) = 0 = |0|. Seja a ≠ 0, temos: • |a| é um divisor de a, pois a = |a| . 1 para a > 0 e a = –|a| = (–1) . |a| para a < 0; • |a| é um divisor de 0, pois 0 = |a| . 0; • seja x um divisor qualquer de a e de 0. Assim, existe um inteiro y tal que a = x . y. Basta considerar x como divisor de a, pois qualquer inteiro é divisor de zero. Na realidade, só nos interessa os múltiplos positivos, pois, por definição, o MMC é maior que zero. 30 Capítulo 1 a = x . y |a| = |x . y| |a| = |x| . |y|. Portanto, x é um divisor de |a|. Perceba que x é um divisor de |x|. 2. Sejam a e b inteiros. Se a é um divisor de b, então, MDC (a, b) = |a|. Demonstração: |a| é um divisor de a (já mostrado acima). |a| é um divisor de b. a é um divisor de b e, portanto, existe um inteiro x tal que b = a . x. |a| é um divisor de a e, portanto, existe um inteiro y, tal que a = |a| . y, assim, b = (|a| . y) . x = |a| . (y . x) e, consequentemente, |a| é um divisor de b Seja z um divisor qualquer de a e b. Já vimos acima que neste caso z é um divisor de |a|. Logo, |a| é máximo divisor comum de a e b quando a é um divisor de b. 3. Sejam a e b inteiros, com b ≠ 0. Pelo algoritmo da divisão, existem únicos inteiros q e r tais que a = b . q + r com 0 ≤ r < |b|. Vale que MDC (a, b) = MDC (b, r). 31 Álgebra Moderna Demonstração: Seja d = MDC (a, b). Mostremos que d = MDC (b, r). d é um divisor de b e,portanto, é um divisor de b . q (reveja as propriedades de divisibilidade). d é um divisor de a e de b . q e, portanto, é um divisor de a – b . q, ou seja, um divisor de r. Seja x um divisor de b e r. x é divisor de b e, portanto, é divisor de b . q, e como também é divisor de r será também divisor de a. (reveja as propriedades de divisibilidade). Como d = MDC (a, b), concluímos que x é um divisor de d. Logo, d = MDC (b, r). De forma semelhante, mostra-se que d = MDC (b, r) implica em d = MDC (a, b). Esta propriedade garante a validade do processo das divisões sucessivas para a obtenção do MDC. A condição 0 ≤ r < |b| estabelecida pelo algoritmo da divisão garante que o processo tem um fim. Este tipo de procedimento também é um algoritmo. Leia mais sobre algoritmos em Algoritmos Numéricos, de Bernardo G. Riso, Christiane M. Schweitzer e Gastón P. A. Heerdt. Florianópolis: Editora da UFSC, 1996. Exemplo 1.12: vejamos, novamente, o cálculo do máximo divisor comum de –45 e 36, apresentado de outra forma no Exemplo 1.10, só que agora com muito mais facilidade. –45 = 36. (–2) + 27 e, portanto, MDC (–45, 36) = MDC (36, 27). 36 = 27.1 + 9 e, portanto, MDC (36, 27) = MDC (27, 9). 27 = 9.3 + 0 e, portanto, MDC (27, 9) = MDC (9, 0) = 9. Logo, MDC (–45, 36) = 9. A seguir, apresentamos o dispositivo prático para a obtenção do MDC que utiliza o método das divisões sucessivas e que já deve ser de seu conhecimento. O importante aqui é fazer a ligação entre o dispositivo prático e a propriedade 3 demonstrada anteriormente. 32 Capítulo 1 –2 1 3 –45 36 27 9 72 –27 –27 27 9 0 O resultado |a| . |b| = MDC (a, b) . MMC (a, b) para a e b inteiros não nulos permite calcular o mínimo múltiplo comum de a e b sem dificuldade. Vejamos alguns resultados importantes apresentados como proposições: Proposição 1.1: sejam a e b inteiros, existem inteiros x1 e y1, tais que d = MDC (a, b) sendo d = ax1 + by1. Demonstração: Suponha a > 0 e b > 0, e seja M = {ax + by, tal que x, y Z}. Neste caso, M possui elementos estritamente positivos, seja d o menor dentre todos os elementos de M, então d = ax1 + by1 para os elementos convenientemente escolhidos x1 e y1 de Z, assim d = MDC(a, b), pois: (i) d é um divisor de a e de b. Como d > 0, pelo algoritmo da euclidiano a = dq + r (0 ≤ r < d), mas d = ax1 + by1 , então . Portanto, r pertence a M, logo r não pode ser estritamente positivo, pois é menor que d (o mínimo de M). Assim, r = 0, e portanto a = dq, concluindo que d divide a. (ii) qualquer outro divisor inteiro de a e de b também é um divisor de d. Suponha d1 divisor de a e de b, então d1 é divisor de d, pois d = ax1 + by1. 33 Álgebra Moderna Definição 1.8: os inteiros a e b são ditos “primos entre si” se e somente se MDC (a, b) = 1. Proposição 1.2: sejam a e b inteiros primos entre si. Existem inteiros x e y,tal que 1 = a . x + b . y. Demonstração: Pelo algoritmo da divisão existem inteiros q e r, com 0 r < |b| , tais que a = b . q + r. Se r = 0, temos que a = b . q e, portanto, MDC (a, b) = |b|. Por hipótese a e b são primos entre si, ou seja, MDC (a, b) = 1 e, assim, concluímos que |b| = 1. Neste caso, b = 1 ou b = –1. Portanto, existe x = 0 e y = 1 ou y = –1 (depende de b), tal que 1 = a . x + b . y e a prova está concluída. Caso contrário, ou seja, 0 < r, podemos aplicar o algoritmo da divisão novamente para b e r. Existem inteiros q1 e r1, com 0 r1 < r, tais que b = r . q1 + r1. Pela propriedade 3 e hipótese temos que 1 = MDC (a, b) = MDC (b, r) . Se r1 = 0, temos b = r . q1 e, portanto, MDC (b, r) = r, e pela frase acima concluímos que r = 1. Por que não precisamos considerar |r| como no caso |b|? Portanto, existem x1 = 0 e y1 = 1, tais que 1 = b . x1 + r . y1. Assim, temos que r = a – b . q e 1 = b . 0 + r . 1, ou seja, 1 = (a – b . q) . 1 = a + b . (–q). Portanto, existem x = 1 e y = –q, tais que 1 = a . x + b .y e a prova está concluída. Caso contrário, ou seja, 0 < r1, podemos aplicar o algoritmo da divisão novamente para r e r1, e assim sucessivamente até encontrarmos um rn = 0, o que fatalmente acontecerá já que o algoritmo da divisão nos garante um resto que é sempre menor que o valor absoluto do divisor. 34 Capítulo 1 Proposição 1.3: sejam a um inteiro e p um inteiro primo não divisor de a. Então, a e p são primos entre si. Demonstração: Para provar que a e p são primos entre si, devemos mostrar que MDC (a, p) = 1. É claro que 1 é divisor de a e de p. Por outro lado, se x é outro divisor de p e de a, temos que x só pode ser –1, 1, –p ou p, pois p é primo, mas x não pode ser p nem –p, pois, por hipótese, p não é um divisor de a, portanto, x só pode ser 1 ou –1 que são divisores de 1. Logo, por definição de máximo divisor comum, temos que MDC (a, p) = 1 e assim a e p são primos entre si. Teorema 1.1 (fundamental da aritmética): seja a um inteiro diferente dos inteiros 0, –1 e 1. Existem primos p1, p2, ..., pn maiores que zero, tais que a = p1 . p2 . ... . pn . Esta decomposição é única para a ordem dos fatores. A decomposição do inteiro a em primos p1, p2, ..., pn é conhecida como decomposição em fatores primos. Essa decomposição possui grande utilidade em várias demonstrações e também no cálculo do máximo divisor comum e do mínimo múltiplo comum. Juntando todos os primos iguais na decomposição de a, podemos escrever: a = p1k1 . p2k2 . ... .psks. Esta é a decomposição canônica de a. Para a demonstração deste teorema e complementação da teoria, leia: Fundamentos de Aritmética, de Hygino H. Domingues. Editora Atual, 1991. Caso a seja primo, escrevemos a = ± a. Consideramos um produto com somente um fator. 35 Álgebra Moderna Proposição 1.4: todo inteiro que diferente de 0, –1 e de 1 possui um divisor primo. Demonstração: Seja a um inteiro diferente de 0, –1 e de 1. Pelo teorema fundamental da álgebra, existem primos p1, p2, ..., pn maiores que zero, tais que a = p1 . p2 . ... . pn. É evidente pela definição de divisores que qualquer um dos pi, 1 i n é um divisor de a. Proposição 1.5: existem infinitos números inteiros primos. Demonstração: Suponhamos que exista uma quantidade finita de números primos. Neste caso, podemos listá-los: p1, p2, ..., pn (basta listar os primos maiores que zero). Você sabe dizer por quê? Consideremos agora o número inteiro a = p1 . p2 . ... .pn + 1. É evidente que a é diferente de 0 e de 1 e que não é primo, portanto, pelo resultado 1 a possui um divisor primo pi, 1 i n. Como pi é também um divisor de p1 . p2 . ... . pn, concluímos que pi é um divisor de 1, o que é um absurdo, pois pi sendo primo é diferente de 1. Exemplo 1.13: utilizando a decomposição em fatores primos, calcule o máximo divisor comum de –45 e de 36. –45 = – 32 . 5 36 = 22. 32. Relembrando o Ensino Médio: MDC (–45, 36) = 32 = 9 (na decomposição em fatores primos selecionamos os fatores comuns e de menor expoente). 36 Capítulo 1 Exemplo 1.14: Utilizando a decomposição em fatores primos, calcular o mínimo múltiplo comum de 12 e –15. 12 = 22 . 3 –15 = – 3 . 5 Relembrando os conteúdos do Ensino Médio: MMC (12, –15) = 22 . 3 . 5 = 60 (na decomposição em fatores primos selecionamos todos os fatores que aparecem e, quando comuns, os de maiores expoentes). Exemplo 1.15: seja a = ±p1k1 . p2k2 . ... . psks a decomposição canônica de um inteiro a. O número de divisores de a, anotado por d(a), é o dobro do seguinte produto: (k1 +1).(k2 + 1) . ... . (ks + 1). Aqui, vamos somente exemplificar este resultado, o que mostra mais um resultado interessante do teorema fundamental da aritmética. Quantos divisores o inteiro 120 possui? A decomposição canônica de 120 é: 120 = 23 . 3 . 5. Vejam que os primos dadecomposição são: 2, 3 e 5. Os expoentes que aparecem na decomposição são: 3, 1, e 1 d(120) = 2 . (3 + 1) . (1 + 1) . (1 + 1) = 32. Agora, você pode citar todos. Não esqueça que 1 e –1 são divisores. 1.7 Atividades de autoavaliação 1. Mostre que qualquer inteiro a é divisor de si mesmo. 2. Sejam a, b e c inteiros, mostre que se a é um divisor de b e c, então a é um divisor de b + c. 3. Mostre que se o inteiro a é um divisor do inteiro b, então o oposto de a também é um divisor de b. 4. Sejam a e b inteiros não simultaneamente nulos e d = MDC (a, b), mostre que existem inteiros x e y, tais que d = a . x + b . y. 37 Álgebra Moderna 5. Mostre que dois inteiros consecutivos são primos entre si (lembre-se de que se a é um inteiro, a + 1 é seu consecutivo). 6. Sejam a, b e c inteiros, mostre que se a é um divisor de b . c e sendo a e b primos entre si, então a é um divisor de c. 7. Sejam a, b e c inteiros, com b > 0. Mostre que se a < c, então, a . b < c . b. 1.8 Equações Diofantinas Lineares As equações diofantinas recebem este nome em homenagem ao matemático grego Diofanto de Alexandria (século III d.C.), considerado por sua obra o pai da Álgebra. São chamadas de equações diofantinas todas as equações polinomiais cujos coeficientes são números inteiros, independente do número de variáveis. Mas neste momento, veremos apenas as equações diofantinas lineares com duas variáveis. Definição 1.9: sejam x e y variáveis, a e b números inteiros não nulos e c um inteiro qualquer, chama-se equação diofantina linear a equação: ax + by = c. Chama-se solução da equação ao par ordenado de números inteiros (x1, y1), tal que: a . x1 + b . y1 = c. Mas será que sempre uma equação diofantina linear tem solução? Quem responde esta pergunta é a seguinte proposição: Proposição 1.6: uma equação diofantina linear ax + by = c admite solução se, e somete se, d = MDC (a, b) é um divisor de c. 38 Capítulo 1 Demonstração: Suponha (x1, y1) uma solução da equação, ou seja, vale a igualdade: ax1 + by1 = c. Se d = MDC (a, b), então d|a e d|b, ou seja: se d | a então existe um q1 tal que a = dq1 (*); se d | b então existe um q2 tal que b = dq2 (**). Multiplicando (*) por x1 e (**) por y1 temos: a . x1 = d . x1 . q1 b . y1= d . y1 . q2 . Somando as duas equações: a . x1 + b . y1 = d . x1 . q1 + d . y1 . q2 a . x1 + b . y1 = d . (x1 . q1 + y1 . q2). Logo, d | (ax1 + by1) ou ainda d|c. Por outro lado, supondo que d = MDC (a, b) e d | c, pela Proposição 1.1, é possível determinar inteiros x1 e y1 tal que c = a . x1 + b . y1. Mas por hipótese d|c, assim c = dq para algum inteiro q, logo, c = dq = (a . x1 + b . y1) q = a (x1 . q) + b(y1 . q), concluindo assim que (a . x1, b . y1) é solução da equação dada. Apesar de termos considerado (x1, y1) solução de ax + by = c com a, b > 0, observamos que (–x1, y1), (x1,–y1), (–x1,– y1) são soluções de (–a)x + by = c, ax + (–b)y = c, (–a)x + (–b)y = c, respectivamente. Exemplo 1.16: determine uma solução da equação diofantina 72x + 45y = 18. Vamos inicialmente determinar MDC(72, 45), que é 9. Como 9 divide 18, então a equação acima admite solução. Aplicando o dispositivo prático: 1 1 1 2 72 45 27 18 9 27 18 9 0 39 Álgebra Moderna Veja: 72 = 45 . 1 + 27 45 = 27 . 1 + 18 27 = 18 . 1 + 9 18 = 9 . 2 + 0 9 = 9 . 1. Logo: 9= 27 – 18 . 1 = 27– (45 – 27 . 1) . 1 = (72 – 45) – (45 – (72 – 45) .1) . 1 = 72 . 2 – 45 . 3 = (2) . 72 + (–3) . 45, o que nos leva a solução (2, –3) da equação 72x + 45y = 9: Portanto, uma solução da equação 72x + 45y = 18 é (4, –6). Proposição 1.7: se (x1, y1) é solução da equação diofantina linear ax + by = c, então ela admite infinitas soluções descritas por: sendo d = MDC (a, b). Demonstração: Da equação ax + by = c temos que é solução, pois por hipótese. Agora, como chegar a esta solução? Suponha (x2, y2) uma solução genérica da equação dada, ou seja: ax2 + by2 = c = ax1 + by1 a . (x2 – x1) = b . (y1 – y2). 40 Capítulo 1 Admitindo d como divisor de a e de b, então existem q1 e q2 primos entre si, tais que: a = d . q1 e b = d . q2 d . q1 . (x2 – x1) = d . q2 (y1 – y2) q1 . (x2 – x1) = q2. (y1 – y2). O que nos mostra que q1 divide q2.(y1 – y2), mas como q1 e q2 são primos entre si, então q1 divide (y1 – y2), logo existe um inteiro k tal que y1 – y2 = k . q1. Como a = d . q1 e b = d . q2 temos: . Consequentemente: q1 . (x2 – x1) = q2(y1 – y2) q1 . (x2 – x1) = q2 . k . q1 (x2 – x1) = q2 . k x2 = x1 + q2 . k . Acabamos de mostrar que quando uma equação diofantina linear admite uma solução, ela admite infinitas soluções e se pensarmos geometricamente, serão os pontos (de coordenadas inteiras) de uma reta dada pela equação ax + by = c. Exemplo 1.17: determine todas as soluções da equação diofantina linear 24x + 69y = 9. Vamos inicialmente determinar MDC (24, 69). 41 Álgebra Moderna Aplicando o dispositivo prático 2 1 7 69 24 21 3 21 3 0 Veja: 69 = 24 . 2 + 21 24 = 21 . 1 +3 21 = 3 . 7 + 0 3 = 3 . 1, logo é MDC(24, 69) = 3. Assim: 3 = 24 – 21 . 1 3 = 24 – (69 – 24 . 2) . 1 = 24 – 69 + 24 . 2 = (3) . 24 + (–1) . 69, o que nos leva à solução (3, –1) da equação 24x + 69y = 3. Portanto, uma solução da equação 24x + 69y = 9 é (9, –3) e a solução geral é: com . 1.9 Aplicações (1) Carla perguntou a Marcos qual sua data de nascimento, e este respondeu que se multiplicasse o dia de seu aniversário por 15 e o mês do aniversário por 52, e somasse os resultados, obteria 507. Qual é a data de nascimento de Marcos? Solução: para resolver este problema, Carla iniciou denominando duas variáveis: x: o número que representa o dia do aniversário de Marcos. y: o número que representa o mês do aniversário de Marcos. Obtendo então, a seguinte equação: 15 . x + 52 . y = 507 Como é uma equação diofantina linear, Carla passou a resolvê-la: 42 Capítulo 1 Primeiramente é necessário determinar o MDC (15, 52) pelo algoritmo de Euclides: 3 2 7 52 15 7 1 7 1 0 Veja: 52 = 15 . 3 + 7 15 = 7 . 2 +1 7 = 1 . 7 + 0 1 = 1 . 1, logo é MDC (15, 52) = 1. Como 1 divide 507, a equação admite solução. Escrevendo 1 em função de 15 e 52, temos: 1 = 15 – 7 . 2 = 15 – (52 – 15 . 3) . 2 = 15 . 7 + (–2) . 52. Multiplicando a equação por 507, temos: 15 . 3549 + 52 . (–1014) = 507. Obtendo a seguinte solução particular: x1 = 3549 e y1= –1014. Pela proposição 1.7, vimos que a solução geral pode ser obtida de: com k Z. Precisamos lembrar que x representa o dia e y o mês de aniversário de Marcos, então temos limitações para essas variáveis: . . 43 Álgebra Moderna Ou ainda, fazendo algumas aproximações, observamos que k = –68 e com isso: . Portanto Marcos faz aniversário no dia 13 de junho. (2) Um clube deseja promover um campeonato com as atividades de vôlei e handebol que atenda 104 estudantes, simultaneamente. Sabendo que todos os estudantes têm interesse em participar das duas atividades, o clube precisa saber quantas quadras são necessárias para cada modalidade. Solução: iniciamos definindo duas variáveis: x: o número de quadras para vôlei; y: o número de quadras para handebol. Sabendo que um time de vôlei é composto por 6 jogadores e um time de handebol de 7 jogadores e que são precisos dois times para cada partida, o problema pode ser descrito utilizando a seguinte equação diofantina linear: 12 . x + 14 . y = 104 MDC (12, 14) pelo algoritmo de Euclides: 1 2 7 14 12 2 1 2 1 0 Veja: 14 = 12 . 1 + 2 12 = 2 . 6 + 0 2 = 1 . 2 logo é MDC(12, 14) = 2. Como 2 divide 104, a equação admite solução. Escrevendo 2 em função de 12 e 14, temos: 2 = 14 – 12 .1 = 14 + (–1) . 12. 44 Capítulo 1 Multiplicando a equação por 52 (resultado da divisão de 104 por 2), temos: 12 . (–52) + 14 . 52 = 104. Obtendo a seguinte solução particular: x1 = –52 e y1 = 52. Pela proposição 1.7, vimos que a solução geral pode ser obtida de: com k Z. No caso, o número de quadras é positivo, então a condição a ser imposta às variáveis x e y são: . . Como k é um número inteiro positivo, o único valor que satisfaz as duas condições é k = 8. Assim, para atender à situação a escola deve disponibilizar: x = –52 + 7 . 8 = 4 quadras para vôlei. y = 52 – 6 . 8 = 4 quadras para handebol. 1.10 Atividades de autoavaliação 1. Estude e se possível resolva as seguintes equações diofantinas lineares a) 52x + 38y = 5 b) 52x – 38y = –4. 2. Utilize equações diofantinas lineares para determinar todos os números naturais z menores que 1000, tais que: o resto da divisão de z por 5 é 3 e o reto da divisão de z por 2 é 5. 3. Um quiosque vende dois tipos de suco: com uma fruta ou com duas frutas. Sabendo que o preço do suco com uma fruta é R$ 7,00 e o preço do suco com duas frutas é de R$ 11,00 e que ontem a receita foi de R$ 657,00, responda: Qual é o menor número possível de sucos vendidos? E qual o maior? 45 Capítulo 2 O conjunto dos números racionais 2.1 Introdução No conjunto dos números inteiros, definimos duas operações importantes: a adição e a multiplicação. E, por meio delas e de suas propriedades, podemos resolver vários problemas envolvendo números inteiros; mas não todos os problemas. Vejamos através dos problemas 1 e 2 descritos a seguir. Problema 1: a soma das idades de dois irmãos é 30 e o mais velho tem o dobro da idade do mais jovem. Quais as idades dos irmãos? Os dados que envolvem este problema são números inteiros e podemos equacioná- lo. Representando as idades por x e y (idade do mais velho), podemos escrever: x + y = 30 y = 2 . x. Assim, x + 2 . x = 30, ou seja, 3 . x = 30. 3 . x = 30 3 . x = 3 . 10 x = 10. Lei do cancelamento. As idades são 10 e 20 anos. 46 Capítulo 2 Problema 2: meu amigo, que adora brincar com números, pediu-me para comprar uma determinada quantidade de fita, dando-me as seguintes informações: “quero uma quantidade tal (em metros) que o dobro dela mais 3 metros seja igual a 4 metros”. Novamente, os dados que envolvem o problema são números inteiros e podemos equacioná-lo. Representando por x a quantidade de fita que devo comprar escrevemos: 2 . x + 3 = 4. Podemos somar em ambos os lados da igualdade o oposto do inteiro 3, ou seja, –3. (2 . x + 3) + (–3) = 4 + (–3). Usamos a propriedade associativa e obtemos 2 . x + (3 + (–3)) = 1. Pela propriedade do elemento oposto, podemos escrever 2 . x + 0 = 1. Pela propriedade do elemento neutro obtemos 2 . x = 1. Não conseguimos nenhum número inteiro que multiplicado por 2 seja igual a 1. O problema não tem solução? Não conseguirei comprar a fita que meu amigo pediu? Ora, devo comprar uma quantidade de fita cujo dobro seja igual a 1 metro de fita e isto é fácil, basta solicitar ao vendedor meio metro de fita. E, então, como fica o problema? Como devo apresentar a solução? Devo concordar que este problema não tem solução no conjunto dos números inteiros, mas como encontramos uma solução, deve existir outro universo onde a solução habita. Este universo é o conjunto dos números racionais, cujos elementos representamos por frações. Estamos interessados em encontrar um universo onde as equações da forma b . x = a, com a e b inteiros e b 0 tenham sempre soluções. 47 Álgebra Moderna 2.2 As frações A ideia mais usual de fração é a de parte de um todo. O todo representa a unidade. Esta unidade é dividida em partes iguais e destas partes iguais consideramos algumas. Exemplo 2.1: a unidade considerada (o todo) é uma barra de chocolate dividida em 5 partes. Se considerarmos 2 destas partes, estaremos com a fração da barra. No entanto, temos outras ideias relacionadas com fração, por exemplo, quando tratamos com grandezas discretas, ou quando queremos dividir dois inteiros. Exemplo 2.2: a unidade considerada (o todo) é o conjunto formado por 5 barras de chocolate. A fração deste conjunto representa duas barras de chocolate. Algebricamente, percebemos que a fração aqui é um subconjunto do conjunto dado. A unidade considerada é a barra de chocolate, mas agora queremos dividir 2 barras para cinco pessoas. O que representa ? A divisão de duas barras para cinco pessoas. Quanto de chocolate cada pessoa receberá? de chocolate. Mas quanto isto representa? Dividindo cada barra em 5 pedaços iguais, consideramos 2 pedaços da barra (não esqueça que a unidade é a barra) e continuamos com a mesma ideia primeiramente apresentada. Cada pessoa receberá da barra de chocolate. 48 Capítulo 2 Algebricamente, temos a seguinte representação: 2 5 = e, claro, isto não podemos fazer no conjunto dos inteiros. As frações são representadas na forma sendo a e b inteiros, a ≥ 0 e b > 0. b representa o número de partes em que o todo é dividido e chama-se denominador. 2.2.1 Denominações das frações • Fração própria: quando a < b. • Fração imprópria: quando a b. • Fração decimal: quando b é uma potência de 10, por exemplo: 10, 100, 1000, 104, 105, .... • Fração aparente: quando a é um múltiplo de b. • Fração unitária: quando a = 1. 2.2.2 Nomenclatura (um terço). (dois quartos). (oito nonos). (sete onze avos). (oito). 49 Álgebra Moderna 2.2.3 Frações equivalentes As frações representam números e estamos encaminhando o estudo para descrever de que forma isto acontece e como tratamos esta representação. As frações representam o mesmo número. Analise as situações a seguir: A porção considerada da barra é sempre a mesma, seja dividindo a barra em 2, 4, 6 ou 8 pedaços e selecionando 1, 2, 3 ou 4 pedaços respectivamente. Também podemos perceber que estas frações representam soluções de equações que são equivalentes, ou seja, é solução da equação 2 . x = 1, e esta equação por sua vez é equivalente à equação 4 . x = 2 (multiplicamos ambos os membros da equação por 2), cuja solução é a fração e assim sucessivamente. Como b . x = a, com b 0, é uma equação de primeiro grau e, portanto, possui no máximo uma solução, podemos afirmar que as frações apresentadas representam o mesmo número. Estas frações, a exemplo das equações, são chamadas de “frações equivalentes”. Elas possuem uma característica comum: comparando , vemos que 1 . 4 = 2 . 2; comparando , vemos que 2 . 6 = 4 . 3, e o mesmo se compararmos outras duas equivalentes. 50 Capítulo 2 Definição 2.1: duas frações são equivalentes se e somente se a . d = b . c. Como representam o mesmo número, escrevemos . Exemplo 2.3: (oito meios) é equivalente a (quatro) que podemos simplesmente escrever 4. Definição 2.2: uma fração é dita irredutível se e somente se MDC (a, b) = 1 (lembre-se que neste caso, a e b são primos entre si). Exemplo 2.4: a fração (quatro quinze avos) é irredutível, pois MDC (4, 15) = 1. A fração (doze vinte e um avos) não é irredutível, pois MDC (12, 21) = 3. Podemos encontrar uma fração equivalente a e que seja irredutível? Sim, basta dividirmos o numerador e o denominador da fração dada por 3 e teremos uma fração equivalente à fração em questão. é equivalente a e irredutível. Proposição 2.1: para qualquer fração , existe uma fração irredutível equivalente a . Demonstração: Seja com MDC (a, b) = d. d = MDC (a, b) x, y Z tal que d = a . x + b . y (*) (veja Capítulo 1, item 1.4 – Divisores e Múltiplos) 51 Álgebra Moderna d = MDC (a, b) d | a e d | b d |a n Z tal que a = d . n d | b m Z tal que b = d . m. Substituindo estes valores em (*) obtemos d = (d . n) . x + (d . m) . y = d . (n . x) + d . (m . y) = d . (n . x + m . y). Pela lei do cancelamento, obtemos 1 = n . x + m . y. Assim, MDC (n, m) = 1 e a fração é irredutível. Mostraremos, agora, que as frações são equivalentes (pela definição devemos mostrar que a . m = b . n). a = d . n e b = d . m a . (d . m) = b . (d . n) (a . d) . m = (b . d) . n (d . a) . m = (d . b) . n d . (a . m) = d . (b . n). Pela lei do cancelamento, obtemos a . m = b . n. Definição 2.3: dadas as frações , tem-se se e somente se a . d < b . c. Exemplo 2.5: observe que , pois 44 = 2.22 < 14.5 = 70. , pois 3 < 4. Relembrando a nossa representação de fração , podemos nos perguntar por que não considerar a e b inteiros, com b > 0, já que problemas insolúveis em Z nos impelem a uma ampliação deste conjunto. Isto realmente é possível. Dado n um inteiro qualquer, podemos representá-lo através da fração . Permitindo representações como, por exemplo, , criaremos um novo conjunto o qual dará um significado algébrico a esses novos elementos. Observe que d ≠ 0. 52 Capítulo 2 2.3 O conjunto dos números racionais Anotamos o conjunto dos números racionais pelo símbolo Q e o definimos por: Q = { tal que a, b Z e b > 0 e MDC (a, b) = 1}. Como em qualquer fração aparente , temos a múltiplo de b, ou seja, a = b . x para algum inteiro x. Vemos que a fração dada é equivalente à fração que identificamos com o inteiro x. Logo, Z Q, ou seja, Z é um subconjunto de Q. Para podermos trabalhar algebricamente com Q, devemos definir operações neste conjunto. 2.3.1 Adição em Q Para quaisquer números racionais , definimos . Veja que a soma é um número racional. Observe que sempre consideramos a fração irredutível que representa o número racional, mesmo que a fração obtida na soma não o seja. Exemplo 2.6: . Devemos também perceber que b . d > 0, já que b > 0 e d > 0, assim como a . d + b . c é um número inteiro. O resultado importante mostrado na página anterior e que pode ser estendido para frações com numeradores menores que zero nos garante que sempre encontraremos uma única fração irredutível equivalente à fração encontrada. 53 Álgebra Moderna Propriedades da adição em Q 1. A adição de números racionais é comutativa. tem-se que . Demonstração: . Devemos mostrar que . Usando a propriedade comutativa para adição e multiplicação de números inteiros, obtemos imediatamente que: b . d = d . b e a . d + b . c = c . b + d . a e, portanto, as frações são equivalentes. 2. A adição de números racionais é associativa tem-se que . Demonstração: . Por outro lado: , pois vale a comutatividade dos números inteiros. 54 Capítulo 2 3. A adição de números racionais possui a propriedade do elemento neutro. tal que , tem-se . Demonstração: A primeira consideração que fazemos é que a primeira igualdade é válida já que a adição de racionais é comutativa. A segunda consideração é que devido ao fato de Z Q e desejarmos que Q seja uma extensão de Z , é preciso verificar se é elemento neutro (lembre-se de que 0 é o elemento neutro da adição de inteiros). , portanto, 0 é o elemento neutro da adição de números racionais (futuramente, mostraremos que o elemento neutro é único). 4. A adição de números racionais possui a propriedade do elemento oposto. . Demonstração: A primeira consideração que fazemos é que a primeira igualdade é válida, já que a adição de racionais é comutativa. Da mesma forma como na prova anterior, é natural verificarmos se para cada racional , . . 55 Álgebra Moderna Se você tem dúvidas em , reveja o conceito de frações equivalentes. O oposto do racional , anotado por – é o racional . 2.3.2 Multiplicação em Q Para quaisquer números racionais , definimos . Observe que sempre consideramos a fração irredutível que representa o número racional, mesmo que a fração obtida no produto não o seja. É importante você perceber a . c e b . d são inteiros e que b . d > 0. Exemplo 2.7: dado o produto . Como MDC (30, 80) = 10, vemos que a fração obtida não é irredutível. Qual é a fração irredutível equivalente a ela? É a fração . Perceba que MDC (3, 8) = 1. Propriedades da multiplicação em Q 1. A multiplicação de números racionais é comutativa. Demonstração: , pois vale a comutatividade em Z. 56 Capítulo 2 2. A multiplicação de números racionais é associativa. tem-se Demonstração: , pois vale a associatividade em Z. 3. A multiplicação de números racionais possui a propriedade do elemento neutro. . Que número racional você irá testar como candidato a elemento neutro? Demonstração: Pensando no que foi feito na multiplicação de números inteiros, podemos escolher para candidato a neutro o número inteiro , vejamos: Para qualquer , temos que , pois 1 é neutro da multiplicação dos inteiros, além disso, como a propriedade da multiplicação é válida, temos: . Logo, o elemento neutro existe e a propriedade é válida. Poderíamos não ter intuído que o 1 fosse elemento neutro. Como poderíamos agir? 57 Álgebra Moderna Estamos procurando um elemento racional , tal que para qualquer racional seja válida a igualdade . Vamos procurar: (*) Como n, m, a, b são inteiros e vale a propriedade comutativa da multiplicação dos inteiros, temos que . Utilizamos a lei do cancelamento (da multiplicação dos inteiros) apresentada na atividade 5 de autoavaliação 1.3 do capítulo 1, e, para isso, consideramos que . Ora , por construção, portanto, basta que a seja diferente de zero. Considerando , é possível utilizar a lei do cancelamento e, assim, de (*) temos que . Dessa forma, a fração que talvez sirva como o elemento neutro é . Mas falta verificar se ela vale para , pois foi considerado , e o elemento neutro tem que servir para todos os racionais. Devemos ainda verificar se o elemento neutro encontrado mantém a propriedade para o racional 0. Vejamos: . 4. A multiplicação de números racionais possui a propriedade do elemento inverso? . Esta propriedade é muito interessante e nos permite obter resultados importantes com relação às estruturas algébricas. Veremos isto mais tarde. 58 Capítulo 2 Propriedade adicional – Distributiva A multiplicação de números racionais é distributiva em relação à adição de números racionais. tem-se (a distributiva à direita também é válida). Demonstração: (*) = (**) Pelas propriedades associativa, comutativa e distributiva aplicadas à adição e multiplicação de números inteiros. Como as frações (*) e (**) possuem o mesmo numerador e o mesmo denominador, concluímos que elas são equivalentes. 2.3.3 Subtração em Q Para quaisquer racionais , definimos . As propriedades ficam como exercício. Lembre-se do que vimos nos inteiros. 2.3.4 Divisão em Q* Q* significa o conjunto dos números racionais sem o elemento neutro aditivo, ou seja, Q* = Q – {0}. 59 Álgebra Moderna Para quaisquer racionais não nulos , definimos . Observe que é possível considerarmos a fração , pois c 0. Caso c < 0, consideramos a fração equivalente à fração com o denominador maior que zero. Qual a fração irredutível com denominador maior que zero equivalente à fração ? Facilmente, você verá que é a fração . Outro detalhe importante a considerar é garantir que pertence a Q*. Para garantir isso, devemos mostrar que e isso você mostrará em exercício. Lembre-se de que na multiplicação já garantimos o fato do produto ser racional. Exemplo 2.7: operações com frações: a.4 = = =7. b. . c. . Quais propriedades são válidas para a operação de divisão em Q*? Proposição 2.1: qualquer equação de grau 1 com coeficientes inteiros tem solução em Q. Veja que a afirmação “qualquer equação de grau 1 com coeficientes racionais tem solução em Q” recai no resultado anterior. 60 Capítulo 2 Demonstração: Sejam a, b, c inteiros com a 0. A equação ax + b = c tem solução em Q. x = é solução racional da equação. c – b, a são inteiros, a 0 e, portanto, Q (novamente, lembre-se de que se a < 0, consideramos a fração equivalente com denominador positivo). a . + b = + b = (c – b) + b = (c + (–b)) + b = c + (–b + b) = c + 0 = c, e, portanto, x = é solução da equação ax + b = c. 2.4 Atividades de autoavaliação 1. Que fração da hora é o minuto? 2. Quantos minutos há em de hora? 3. Se subtrairmos o mesmo número inteiro não nulo no numerador e no denominador de uma fração irredutível 1 obteremos uma fração equivalente à fração ? Justifique. 4. Uma peça de fazenda, depois de molhada, encolheu de seu comprimento, ficando com 39 m. Quantos metros tinha esta peça antes de encolher? 5. Analise as propriedades comutativa, associativa, elemento neutro e elemento oposto para a subtração de números racionais. Sejam . 6. Mostre que . (Este exercício garante que se , então, ). 7. Analise as propriedades comutativa, associativa e elemento neutro da divisão de números racionais não nulos. 8. Em Q definimos a adição e a multiplicação de números racionais e verificamos a propriedade distributiva da multiplicação em relação à adição. Para definir a divisão de números racionais, precisamos restringir o conjunto Q ao conjunto Q*. Podemos definir a adição de números racionais em Q* e verificar as propriedades distributivas da divisão em relação à adição? 61 Capítulo 3 Congruência 3.1 Introdução e revisão No decorrer deste capítulo, vamos apresentar conceitos, exemplos e proposições que permitam ao estudante desenvolver habilidades para reconhecer uma relação e, em seguida, compreender algumas propriedades que classificam tipos especiais de relações; bem como compreender o conceito de congruência e associá-lo à divisibilidade e a algumas aplicações. A congruência é uma ferramenta matemática muito utilizada na resolução de problemas que envolvem divisibilidade. É fundamental para a explicação de alguns resultados matemáticos como os critérios de divisibilidade, o Teorema do Resto Chinês, o Pequeno Teorema de Fermat e no estudo de números pseudo- primos (primos de determinada forma) estudados por Euler. O desenvolvimento da congruência enquanto ferramenta matemática foi publicado em 1801 por Karl Fridrich Gauss na sua obra Disquisitiones Arithmeticae. Para estudá-la, vamos iniciar com alguns conceitos básicos, como produto cartesiano e relação. 3.2 Produto cartesiano Pares ordenados são empregados para representar relações entre elementos de um conjunto. O conceito de relação envolve uma regra que associa dois elementos: a de um conjunto A e b de um conjunto B, e define pares ordenados satisfazendo essa regra. A relação pode ser representada como o conjunto desses pares ordenados. 62 Capítulo 3 Definição 3.1: dados dois conjuntos A e B, não vazios, chama-se produto cartesiano de A por B o conjunto formado por todos os pares ordenados tal que . Assim, a notação significa “A cartesiano B” e é dada por: . Observação: é possível determinar o produto cartesiano de um conjunto A por ele mesmo, neste caso utiliza-se a notação A x A, ou A2. Exemplos 3.1: se e , então: • o produto cartesiano de A por B é: . • o produto cartesiano de B por A é: . Exemplo 3.2: se , então o produto cartesiano , é: . Exemplo 3.3: suponha que há uma família composta por dois irmãos, Miguel e João, sendo que Miguel tem dois filhos, Gabriel e Ana, e João tem uma filha, Beatriz. Se chamarmos de A o conjunto composto por todas as pessoas citadas, teremos: A = {Miguel, João, Gabriel, Ana, Beatriz}. O conjunto que representa o produto cartesiano A x A é: = {(Miguel, Miguel), (Miguel, João), (Miguel, Gabriel), (Miguel, Ana), (Miguel, Beatriz), (João, Miguel), (João, João), (João, Gabriel), (João, Ana), (João, Beatriz), (Gabriel, Miguel), (Gabriel, João), (Gabriel, Gabriel), (Gabriel, Ana), (Gabriel, Beatriz), (Ana, Miguel), (Ana, João), (Ana, Gabriel), (Ana, Ana), (Ana, Beatriz), (Beatriz, Miguel), (Beatriz, João), (Beatriz, Gabriel), (Beatriz, Ana), (Beatriz, Beatriz)}. Se A = R (conjunto dos números reais), então R x R representa o R2, plano cartesiano. 63 Álgebra Moderna 3.3 Relação e relação de equivalência Quando analisamos uma representação gráfica, estamos compreendendo a relação entre dois elementos. Estes elementos podem pertencer a um ou dois conjuntos. As relações são largamente estudadas em matemática e podem ser apresentadas de diversas maneiras. Existem algumas que satisfazem determinadas propriedades e são classificadas como relação de equivalência. Vamos estudá-las a seguir. 3.3.1 Relação binária Vamos pensar em algumas formas de “relacionar” os membros da família apresentada no exemplo 3.3. Exemplo 3.4: considere a e b elementos pertencentes a A. Se chamarmos de relação R1 a afirmação “a é filho ou filha de b”, que descreve uma forma de relacionar os membros desta família, podemos dizer então que: “Gabriel é filho de Miguel”; “Ana é filha de Miguel”; “Beatriz é filha de João”. Poderíamos escrever de outra forma as frases anteriores: “Gabriel R1 Miguel”; “Ana R1 Miguel”; “Beatriz R1 João”. Ainda podemos representar esta relação utilizando pares ordenados: R1 = {(Gabriel, Miguel), (Ana, Miguel), (Beatriz, João)}. Vamos agora analisar outra relação entre os membros da mesma família, se chamarmos de R2 a relação definida pela afirmação “a é irmão ou irmã de b”, teremos: “Miguel R2 João”; “João R2 Miguel”; “Gabriel R2 Ana”; “Ana R2 Gabriel”. 64 Capítulo 3 Ou utilizando pares ordenados: R2 = {( Miguel, João), (João, Miguel), (Gabriel, Ana), (Ana, Gabriel)}. Observe que R1 e R2 são subconjuntos de A x A. Definição 3.2: sejam dois conjuntos A e B, não vazios. Chama-se relação de A em B ou relação binária de A em B a todo subconjunto de . Importante: • uma relação é um conjunto, seus elementos devem estar entre chaves e separados por vírgulas; • se um par pertence à uma relação , diremos que a está relacionado com b pela relação , e denotamos por , ou ; • se um par não pertence à uma relação ( ), diremos que a não está relacionado com b pela relação , escrevemos ; Exemplo 3.5: R1 e R2 do exemplo 3.4 são ditas relações de A em A. As relações mais triviais entre dois conjuntos A e B são o conjunto vazio e o produto cartesiano A x B. Vale lembrar que o conjunto vazio é um subconjunto de qualquer conjunto e A x B também é um subconjunto dele mesmo. Exemplo 3.6: sejam os conjuntos A e B do exemplo 3.1. São relações de A em B: • ; • ; • ; • . Existem outras relações de A em B. Algumas relações são representadas por uma regra ou lei de formação. 65 Álgebra Moderna Exemplo 3.7: sejam A = Z e B = Z, então é um conjunto formado por todos os pares ordenados nos quais as coordenadas são números inteiros. São exemplos de relação de Z em Z, ou em , ou definidas em Z: • R1: “a é o oposto de b”, ou seja, (a está relacionado a b por R1 se e somente se a = – b). tal que . Podemos dizer que: “–2 R1 2”, “–1 R1 1”, “0 R1 0”..., mas “–1 2” , “0 3”... • R2: “a é igual a b”, ou seja, (a está relacionado a b por R2 se e somente se a = b). tal que . • R3: “a é menor ou igual a b”, ou seja, (a está relacionado a b por R3 se e somente se a ≤ b).tal que . Alguns elementos de R3 são pois em todos os casos a primeira coordenada do par ordenado é menor ou igual à segunda coordenada. • R4: “a divide b”, ou seja, . tal que . Alguns elementos de R4 são pois em todos os casos a primeira coordenada do par ordenado divide a segunda coordenada. Mas observe que o par ordenado não pertence a R4, pois zero não divide quatro. Será que só podemos falar de relação envolvendo números inteiros? A resposta é não. Veja outros exemplos: Exemplo 3.8: se A = B = IR (conjunto dos números reais), então é um conjunto formado por todos os pares ordenados de números reais. Um exemplo é a relação de IR em IR: tal que , todos os pares ordenados cujas coordenadas são números reais não negativos. Algumas relações envolvem outros tipos de conjuntos. 66 Capítulo 3 Exemplo 3.9: se A = B = , isto é, A e B são conjuntos cujos elementos são pares ordenados. Logo, os elementos dos pares ordenados de são pares ordenados de números naturais. No caso: tal que . Portanto, qualquer relação R relaciona um par ordenado a outro par ordenado. Veja exemplos de relação neste conjunto: • R1: “(a, b) é igual a (c, d)”, ou seja: ((a, b) está relacionado a (c, d)”, se e somente se a = c e b = d). . tal que • R2: “(a, b) está relacionado a (c, d) se a soma da primeira coordenada do primeiro par ordenado com a última coordenada do segundo par ordenado for igual a soma da segunda coordenada do primeiro par ordenado com a primeira coordenada do segundo par ordenado”, ou seja: tal que . Veja alguns elementos: . Mas observe que , pois . • R3 “a é menor ou igual a b”, ou seja, (a está relacionado a b se e somente se a ≤ b). Observação: cuidado ao estudar uma relação R definida sobre os conjuntos A e B, pois você deve identificar como são os elementos destes conjuntos e a lei de formação de R. 3.3.2 Relação de equivalência Existem algumas relações largamente estudadas em álgebra: são as relações de equivalência e relações de ordem. Para que uma relação seja classificada de uma destas formas, ela deve satisfazer algumas propriedades, estudadas a seguir. 67 Álgebra Moderna Definição 3.3: uma relação R, definida em A, é reflexiva se todo elemento de A estiver relacionado a ele mesmo. Ou seja, se a A, aRa. Exemplo 3.10: a relação tal que do exemplo 3.7 é reflexiva, pois para todo . Exemplo 3.11: a relação tal que do exemplo 3.7 não é reflexiva. Veja um contraexemplo: Dado tem-se que visto que não satisfaz a lei de formação . Exemplo 3.12: a relação tal que do exemplo 3.9 é reflexiva, pois para todo tem-se que: (pela comutatividade da adição dos números naturais). Definição 3.4: uma relação R definida em A é simétrica se dados dois elementos a e b de A tem-se: b relacionado a a sempre que a estiver relacionado a b. Ou seja: a,b A, se aRb, então bRa. Importante: cuidado com o “se”, isto é, só precisamos verificar bRa se aRb ocorrer. Exemplo 3.13: a relação tal que do exemplo 3.7 é simétrica, pois para quaisquer inteiros a e b tem-se: Se a = b b = a Exemplo 3.14: A relação tal que do exemplo 3.7 é simétrica, pois para quaisquer inteiros a e b tem-se que: Se a = –b b = –a . 68 Capítulo 3 Exemplo 3.15: a relação tal que do exemplo 3.9 é simétrica. Pois, para quaisquer , se . Exemplo 3.16: a relação tal que do exemplo 3.7 não é simétrica. Veja um contraexemplo: Dado: , ou seja, , mas 0 não divide –4. Definição 3.5: uma relação R definida em A é transitiva se dados três elementos a, b e c de A tem-se: a relacionado a c sempre que a estiver relacionado a b e b estiver relacionado a c. Ou seja: a, b, c A, se aRb e bRc, então aRc. Importante: cuidado com o “se”, isto é, só precisamos verificar aRc se as duas condições aRb e bRc ocorrerem. Exemplo 3.17: a relação tal que do exemplo 3.7 é transitiva, pois para quaisquer inteiros a, b e c tem-se que: Se e e . Exemplo 3.18: a relação tal que do exemplo 3.7 é transitiva, pois para quaisquer inteiros a, b e c tem-se que: Se e e . 69 Álgebra Moderna Exemplo 3.19: a relação tal que do exemplo 3.9 é transitiva, pois para quaisquer se e somando as igualdades (pela lei do cancelamento) . Exemplo 3.20: a relação tal que do exemplo 3.7 não é transitiva. Observe um contraexemplo: Dados ao pares (2, –2) e (–2, 2) tem-se que e mas . Observação: lembre-se de que para mostrarmos que uma relação satisfaz alguma propriedade devemos mostrar de forma genérica, mas se ela não é válida, basta apresentar um contraexemplo. Definição 3.6: uma relação R, definida em A, é denominada relação de equivalência se satisfaz as seguintes propriedades: (i) R é reflexiva; (ii) R é simétrica; (iii) R é transitiva. Exemplo 3.21: a relação tal que do exemplo 3.7 é uma relação de equivalência, pois verificamos as três propriedades nos exemplos 3.10, 3.13 e 3.17. 70 Capítulo 3 Exemplo 3.22: a relação tal que do exemplo 3.9 é uma relação de equivalência, pois verificamos as três propriedades nos exemplos 3.12, 3.15 e 3.19. Exemplo 3.23: a relação tal que do exemplo 3.7 não é uma relação de equivalência, pois não satisfaz a propriedade transitiva conforme mostrado no exemplo 3.20. Para ser de equivalência, uma relação deve satisfazer as três propriedades; se uma falhar, ela não é de equivalência. 3.3.3 Relação de ordem Para que uma relação seja classificada como relação de ordem, ela precisa satisfazer uma nova propriedade. Definição 3.7: uma relação R, definida em A, é antissimétrica se dados dois elementos a e b de A tem-se: a igual a, sempre que a estiver relacionado a b e b estiver relacionado a a. Ou seja: a, b A, se aRb e bRa, então a = b. Exemplo 3.24: a relação tal que do exemplo 3.7 é antissimétrica, pois se aRb e bRa, significa que e , o que só ocorre se . Definição 3.8: uma relação R definida em A é denominada relação de ordem se satisfaz as seguintes propriedades: (i) R é reflexiva; (ii) R é antissimétrica; (iii) R é transitiva. 71 Álgebra Moderna Exemplo 3.25: a relação tal que do exemplo 3.7 é uma relação de ordem: (i) R é reflexiva, pois para qualquer inteiro a tem-se aRa, ou seja ; (ii) R é antissimétrica, conforme mostrado no exemplo 3.24; (iii) R é transitiva, conforme mostrado no exemplo 3.18. 3.4 Atividades de autoavaliação 1. Sejam A = {0, 1, 2, 3, 4} e B = {2, 4, 6, 8}, escreva os elementos das relações de A em B a seguir: R1= {(a, b) tal que a > b}. R2= {(a, b) tal que b = a + 2}. R3= {(a, b) tal que b = 2a}. 2. Sejam A = {0, 1, 2} e a relação R = {(0, 0), (0, 1), (1, 0), (1, 1), (2, 2)}, verifique se R é uma relação de equivalência. 3. Verifique se a relação R1 do exemplo 3.4 é uma relação de equivalência. 4. Seja A o conjunto de todas as retas no plano e a relação R definida por: tem-se que é paralela a , verifique se R é uma relação de equivalência. 5. Seja A = {1, 2, 3, 4, 5} e a relação R definida por tem-se é múltiplo de , verifique se R é uma relação de equivalência. 6. Considerando A = {a, b, c} e as seguintes relações em A: R1 = {(a, a), (b, b), (c, c)}. R2 = {(a, a), (a, b), (a, c), (b, b), (b, c), (c, c)}. 72 Capítulo 3 R3 = {(a, b), (a, c), (b, a), (b, c), (c, a), (c, b), (c, c)}. R4 = A x A. Verifique quais são reflexivas, simétricas, transitivas e/ou antissimétricas. 7. Dado tal que e sendo R a relação definida por , identifique: a) os elementos de R; b) se R é uma relação de equivalência. 3.5 Congruências módulo m Alguns problemas do nosso dia a dia são resolvidos baseados no estudo das congruências. Por exemplo,
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