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HEG- transição do feudalismo ao capitalismo

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Transição do feudalismo ao
capitalismo
Motivação
A ciência da História não é feita apenas de fatos empíricos nem de uma “análise estrutural”. Implica sempre versões, lastreada em consultas a documentos, fontes primárias e secundárias. Tal como o trabalho do economista, a ciência da História trabalha com a formulação de hipóteses sobre a experiência vivida.
As ciências humanas, todas elas, possuem um discurso em sua análise. No caso da História, sem sempre existe a pureza dos fatos.
É o caso da transição do feudalismo ao capitalismo.
Motivação
Ideologia.
Desenvolvimento europeu.
Desenvolvimento periférico.
Critérios de avaliação (resultados: indivíduo, sociedade, política/estado).
Motivação
O problema foi formulado de modo marcante por Karl Marx, em seu livro O Capital, no capítulo “Acumulação primitiva do capital”.
A segunda visão fundamental foi formulada pelo historiador belga Henri Pirenne, em dois livros Cidades Medievais (1927) e Maomé e Carlos Magno (1937). 
As duas visões teriam desdobramentos ao longo do século passado, sobretudo a partir da década de 1940, quando emergem as questões de reconstrução e desenvolvimento.
Motivação
Podemos situar o debate fundamental entre duas correntes, respectivamente, representadas por Adam Smith e Karl Marx.
 Embora não tenha tratado explicitamente do assunto, na Riqueza das Nações (1776), Smith mostra como o desenvolvimento das forças produtivas e da divisão do trabalho tornam possível a realização da essência humana: a propensão à troca com o objetivo de maximização da utilidade individual.
Marx, por sua vez, situa o surgimento da sociedade de mercado no momento em que as relações sociais tornam possível a acumulação de capital e, consequentemente, ondas de inovação e de crescimento econômico.
Transição
Para compreender a transição, temos de interpretar e entender também o significado do feudalismo, tentar compreender o capitalismo e, finalmente a relação de um modo de vida com o outro.
Esse momento foi objeto de diversos estudos, dos mais diversos matizes ideológicos e não haverá versão definitiva, acabada.
A discussão mais importante acabou por se tratar, sempre, da compreensão do feudalismo para se compreender o capitalismo. Dito de outro modo, tratou-se com muita frequência de se estudar o feudalismo à luz do capitalismo.
Transição
Abordaremos aqui apenas alguns desses autores, para tentar circunscrever a polêmica em alguns pontos que consideramos principais.
O que já aprendemos sobre transição em outros momentos?
A transição se deu em decorrência do aumento do comércio “internacional” e do renascimento e crescimento das cidades. Isolada pelos muçulmanos, a Europa se viu forçada à produção local, dispersa geograficamente e desprovida de comércio.(Henri Pirenne)
Segundo a tese de Pirenne, as forças produtivas e as relações sociais foram transformadas exogenamente. Foram transformadas pela política e pelas relações internacionais.
A tese de Pirenne, retomando: o Império Romano conseguiu estabelecer uma rota comercial no mediterrâneo, formando uma rede interdependente que ligava as diversas regiões do Império, todas conduzindo ao centro. Essas rotas teriam sido mantidas, ao contrário do que se supunha antes, durante a dominação dos bárbaros, nos séculos VI, VII e VIII d.C.
Somente com o domínio muçulmano, essas rotas foram desmanteladas. 
Esse período de isolamento econômico da Europa se estende até o século XI, quando foi possível a retomada gradual das rotas mediterrâneas. O comércio, feito por indivíduos “desenraizados” do feudo, teria o papel central na decadência do feudalismo e no surgimento do capitalismo.
Essa visão possui um pressuposto importante: o capitalismo sempre esteve latente na História, não tendo surgido antes somente em razão de barreiras impostas à circulação, à liberdade de atividades econômicas, seja pelo Estado, seja por invasores.
Podemos detectar essa abordagem em autores da Economia Política, como Adam Smith e David Ricardo e mesmo antes, com os Fisiocratas.
Face à tematização que poderemos considerar liberal, contrapôs-se a visão de viés marxista.
Preocupado com a superação do capitalismo, o marxismo tratou de pensar, também, como se deram as superações dos diversos modos de produção, da escravidão para a servidão, da servidão para o trabalho assalariado e, finalmente, no futuro, para o trabalho autossuficiente. 
Com efeito, Karl Marx forneceu uma análise da transição em suas obras, notadamente no capítulo “Acumulação Primitiva”, de O Capital.
Ali, Marx trata da expropriação dos produtores diretos de seus meios de produção e a formação de uma propriedade privada em separado dos trabalhadores, dizendo respeito à terra, às ferramentas e, posteriormente, às máquinas.
No século XX, a questão também reapareceu a partir dos debates sobre desenvolvimento. Com efeito, ao longo do século, vários países se tornaram capitalistas, inclusive o Brasil.
Tendo essas duas perspectivas políticas, algumas obras importantes foram escritas sobre o tema. Analisaremos apenas algumas delas.
A primeira delas de Maurice Dobb (1900-1976), economista britânico. Dentre várias outras obras sobre HPE, desenvolvimento econômico, publicou, em 1946, Studies in the Development of Capitalism.
Ressalte-se que há um vínculo entre essa obra e seu momento, qual seja, de reconstrução da Europa e do mundo depois da II GM. A vida depois da ruína.
Transição
Para Dobb, a posição de Pirenne não se sustenta, pois estabelece uma relação extrínseca entre dois mundos, cidade e campo, como se não tivessem relação.
Dobb tenta estudar, por isso, as relações entre essas duas esferas, sua articulação, tratando de mostrar como, em dados momentos, o comércio das cidades acabou por reforçar as relações servis, feudais.
Para Dobb, as cidades e o comércio não eram estranhos ao feudalismo. Antes pelo contrário.
A dissolução do feudalismo teria decorrido de libertação de forças, porém, no interior das relações entre senhores e servos, seria decorrência do conflito entre essas duas classes, o que teria levado à liberação de pequenos produtores (libertação da pequena produção mercantil).
Segundo Rodney Howard Hilton (outro autor dessa afiliação), a pressão dos senhores em extrair mais e mais excedente fez com que, primariamente, as técnicas produtivas se aperfeiçoassem e a produção aumentasse.
Por outro lado, paulatinamente, os camponeses resistiram mais e mais a essa pressão, o que conduziu ao surgimento da economia artesanal, gradualmente liberta do jugo feudal.
O ponto fundamental para Dobb é o seguinte: o capitalismo nasce do feudalismo, no momento em que o servo começa a se libertar das obrigações feudais, ou seja, da terra.
O declínio do feudalismo se deveu sobretudo às contradições internas do sistema, embora também tenha contado com a influência da retomada do comércio.
Para Dobb, o que ocorreu é que o comércio acirrou as contradições do sistema. Criou uma maior estratificação social.
Costuma-se afirmar que a fuga dos servos dos feudos se deveu à atração das cidades, o que seria uma verdade parcial, havendo que se considerar também a repulsão efetuada nos próprios feudos, sendo as diversas rebeliões um exemplo disso.
Em suma, aqui a ênfase recai nas relações de produção e não nas relações de circulação, de comércio.
Transição
O período de transição, com isso, seria um período feudal ainda, nada capitalista, explicado pela preponderância da expropriação feudal, identificada com a crescente centralização do poder monárquico, antecedente à modernidade.
Segundo Dobb, o poder político tem necessariamente de ter raízes na sociedade e os reis do fim da Idade Média nada mais são do que expressão do poder feudal.
Ainda havia propriedade fixa da terra e pouco ou nenhum trabalho livre. O poder real, na transição seria precisamente a expressão do sistema agonizante.
Transição
Em contraposição a Sweezy, que viria a criticá-lo, Dobb confere ênfase maior às relações de produção em detrimento das forças produtivas do sistema.
Sem desconsiderar as mudanças ocorridas ao longo dos séculos do feudalismo, Dobb ressalta o caráter estável da sociedade feudal, justamente em razão da expropriação do excedente por parte dos senhores, tal qual Marx mostrara no modo de produção asiático.
Paul Sweezy se contrapôs a esse ponto de vista, reiterando a incapacidade da sociedade feudal de se modificar e renovar, reiterando, em última análise, o ponto de vista mercantil.
Além disso, mostrou ceticismo em relação à possibilidade de o grande capitalista ter surgido do pequeno produtor artesanal.
Por outro lado, o surgimento do comércio italiano e flamengo não se espalhou por todo o continente, sendo também insuficiente para explicar a dissolução do feudalismo.
Seria necessário, portanto, levar em conta a contradição entre as relações sociais feudais e o desenvolvimento das forças produtivas, sendo os senhores feudais incapazes de controlar a capacidade de trabalho da sociedade, em expansão.
Essas duas visões acabam por ter um ponto em comum: a dissolução do feudalismo é a ascensão do capitalismo.
Por ora, é importante observar a diferença entre os dois elementos em questão: dissolução do feudalismo e instauração do capitalismo, a decadência de um sem implicar necessariamente a outra.
Dito de outro modo, a criação de mecanismos de mercado não implicam sua generalização.
Ou ainda, dizer que o feudalismo foi necessário ao surgimento do capitalismo não significa dizer que foi suficiente.
Karl Poanyi
Esse autor apresentou uma visão alternativa àquela presente nas teorias marxistas então vigentes, sempre marcada por elementos antropológicos. Seu livro principal foi A grande transformação, de 1944.
Polanyi sempre ressaltou a mudança essencial, a novidade trazida pelo capitalismo: reconfiguração categorial, notadamente da vida econômica dos povos, sempre longe de serem voltados para o mercado, para a troca.
Polanyi aponta as relações de parentesco, religiosas como as mais importantes durante séculos. → o “homem econômico” de Smith, portanto, constitui uma novidade recente na história humana.
Karl Polanyi
Para nosso autor, num dado momento, houve a formação duma sociedade de mercado, na verdade, a sociedade, a família, a religião, tornam-se apêndices do mercado. → o único vínculo que nos une e que efetivamente importa é o preço. 
A transformação, a grande transformação se deveu, sobretudo, à nova relação do homem com a natureza: a tecnologia, a Revolução Industrial, um conjunto de máquinas de elevado custo que, por isso, exigiriam um processo contínuo de mercadorias. → transformação do processo de trabalho, conversão do trabalho em “fator de produção”.
Karl Polanyi
Esse processo não implicou apenas a transformação do trabalho em mercadoria. Também a terra, ao final do processo se tornou uma mercadoria, livre de quaisquer outros limites jurídicos. É imprescindível produção para o mercado sem acesso a essas mercadorias.
Além delas, também o dinheiro alcança circulação universal e, portanto, pode ser emprestado, possuindo seu preço específico, o juro.
O mercado se torna auto-regulável (tudo é produzido para a venda e da venda é extraída toda a renda), o mercado dá a medida das coisas e toda a intervenção do Estado será subordinada a essa estrutura. Embora tenha necessitado de intervenção estatal, para controlar concorrência e possibilitar a liberdade, em vários momentos o mercado foi responsável por rupturas políticas radicais.
Uma nova síntese
A visão que apresentaremos aqui, de Ellen Meiksins Wood, tenta partir do pressuposto mais ou menos oposto: surgimento do capitalismo a partir de uma transformação radical nas relações milenares do homem com a natureza.
Passou-se do valor de uso ao valor de troca, da satisfação de necessidades à obtenção de lucro, a partir, em primeiro lugar, da terra.
A diferença entre sociedades pré-capitalistas e capitalistas, em primeiro lugar é o modo de extração do excedente, puramente econômico.
Essa relação é mediada por um mecanismo de mercado. No capitalismo tudo, ou quase tudo, é produzido para o mercado.
Quando surge esse mecanismo de troca e, principalmente, quando se expande como imperativo para toda a sociedade? 
No feudalismo, os camponeses podiam explorar parte da terra livremente, ainda detinham meios de produção e apenas uma parte de seu excedente era expropriado, politicamente, pelo senhor feudal.
A exceção foi a Inglaterra do século XVI, onde já havia uma rede de transportes relativamente ampla, além de um poder político bastante centralizado, ao contrário de outras regiões da Europa.
Para se formar esse poder central, a aristocracia se desmilitarizou e, ao mesmo tempo, concentrou mais e mais a propriedade da terra – seu único poder –, gerando uma parcela intermediária de produtores, os arrendatários.
A relação de proprietários e arrendatários acabava por estimular fortemente o aumento da produção. Essa relação, muitas vezes, era satisfeita com o pagamento em dinheiro (aluguel).
O arrendamento só poderia ser bem-sucedido com a geração de excedente, aluguel e lucro. → o acesso à terra dependia do mecanismo de mercado e, por causa disso, a produção devia ser mais e mais eficiente. 
Os arrendatários sofriam enorme pressão do próprio mercado para comercializar.
O mercado cresceu, portanto, não em decorrência da renda dos senhores, mas da renda econômica dos arrendatários.
Esse desenvolvimento implicou a competição pela terra e, por isso, a polarização entre proprietários e não-proprietários.
Essa mudança da relação de propriedade conduziu aos cercamentos.
Os cercamentos marcaram a redefinição do direito de propriedade. 
Tratou-se da extinção, com ou sem demarcação física, de direitos comunais e consuetudinários de uso da terra.
Com isso, temos a formação de uma vasta parcela da população de não-proprietários.
A partir do século XVI, na Inglaterra, temos a paulatina criação de mecanismos de mercado, sob os quais estava submetida a maior parte dos agentes econômicos: aumento da produtividade, minimização de custos, maximização de lucros, inovação econômica, circulação por meio do dinheiro etc.
A primeira conclusão óbvia é que o capitalismo não nasce na cidade, nem em razão do comércio, mas no campo.
Em segundo lugar, a origem agrária do capitalismo significa o emprego crescente de mão de obra assalariada.
Muitas pessoas, portanto, não tinham condição de viver sem acesso ao mercado, sem competição.
Esse processo fez da Inglaterra, no século XVII, a maior produtora de cereais, tornando-se a maior exportadora, com preços mais do que competitivos.
Além disso, essa produtividade sustentou uma explosão demográfica sem precedentes, o que constitui fator importante na sustentação e desenvolvimento do capitalismo industrial, quando ocorrer. 
Essa produção também foi capaz de sustentar uma expressiva urbanização, 40% contra 14,4 % da francesa, v.g.

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