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Capítulo publicado na Série “Manuais de Especialização: Fisioterapia Hospitalar” - Hospital Israelita Albert Einstein Autor: Guilherme Herrera Fisiologia e fisiopatologia do controle motor O ato de se mover envolve inúmeros sistemas do nosso corpo que atuam de forma interdependente. Para que ocorra o movimento eficiente, além da participação do sistema nervoso, necessitamos do bom funcionamento dos sistemas musculoesquelético, cardiorrespiratório e endócrino. Devido à alta complexidade de cada um dos sistemas e suas interações, este capítulo não tem a pretensão de esgotar os assuntos relacionados ao controle motor, mas explanar sobre aspectos importantes do sistema neurológico que podem auxiliar o leitor no entendimento de mecanismos fundamentais que nortearão o raciocínio clínico. Nos tempos atuais é imperativo que o profissional da saúde seja capaz de compreender profundamente os processos fisiológicos e fisiopatológicos relacionados ao organismo humano. É por meio deles que somos capazes de identificar as disfunções e definir qual estratégia terapêutica é a mais satisfatória para a recuperação do paciente. Ao considerarmos uma pessoa inserida em um determinado contexto e prestes a realizar uma tarefa especifica, mesmo antes de iniciar qualquer tipo de movimento, vários subsistemas neurais já estão em funcionamento. As informações provenientes dos órgãos sensoriais especiais (visão e audição), e do sistema sensorial geral (tato, pressão, propriocepção consciente e inconsciente), são integradas à função cognitiva (atenção, intenção, memória, senso crítico e raciocínio) para uma análise da relação entre o indivíduo, a tarefa e o ambiente externo. Tomemos como exemplo o ato de beber água. O posicionamento corporal, bem como o posicionamento do copo, suas dimensões, o material com que é composto e a quantidade de líquido, são informações que permitem estimar os movimentos do membro superior, proximais e distais, e a força que deve ser empregada para a realização da tarefa. Esta análise é necessária para que o córtex motor seja capaz de programar o impulso correto permitindo que o indivíduo tenha êxito na execução. Partindo da premissa que as estruturas encefálicas são interdependentes e se interrelacionam com extrema precisão, torna-se evidente que apenas o ato de pensar em realizar o movimento já é capaz de promover a plasticidade neural e favorecer o aperfeiçoamento/recuperação do ato motor 1. O uso da prática mental vem crescendo no universo da reabilitação motora 2. Estudos científicos relatam que a prática física associada à prática mental promove benefícios significativos. Isto indica que o encéfalo é capaz de processar aspectos particulares de um movimento antes de executá-lo. Esta informação nos chama a atenção à importância do planejamento para a melhora do desempenho motor. Uma situação, muito comum no ambiente hospitalar, está relacionada aos pacientes em fase aguda da lesão encefálica. Mesmo nestas condições é possível utilizar a estratégia da prática mental durante o movimento realizado pelo terapeuta com objetivo de estimular precocemente o local da lesão 3,4. Nos indivíduos hígidos após a integração de diversas áreas encefálicas o impulso é gerado no córtex motor primário onde estão os corpos celulares dos neurônios motores superiores (NMS). Os axônios do NMS têm trajeto descendente, convergindo para a cápsula interna onde formam um feixe que descende até a altura do bulbo. Cerca de 90% das fibras cruzam para o lado oposto na decussação das pirâmides. Após o cruzamento, as fibras descendem pelo funículo lateral da medula, formando o trato córticoespinal lateral (TCEL). Na medula, a substância branca se localiza na periferia, tendo suas fibras disposição longitudinal, enquanto que, a substância cinzenta permanece na região central, com as fibras em disposição transversal. A substância cinzenta é dividida funcionalmente em cornos, posterior (sensitivo) e anterior (motor). O terminal do axônio do NMS faz sinapse com o corpo celular do neurônio motor inferior (NMI) que se localiza no corno anterior da medula. Enquanto o NMS tem todo o seu trajeto dentro do sistema nervoso central (SNC), o NMI tem seu corpo celular no corno anterior da medula sendo que seu axônio deixa o SNC e por meio do nervo periférico alcança o músculo. A união entre os terminais dos axônios dos NMIs e o músculo recebe o nome de junção neuromuscular (JNM). A JNM é formada pelo terminal do axônio (elemento pré- sináptico) que contém vesículas impregnadas de acetilcolina, pela fenda sináptica por onde transitam os neurotransmissores e outras moléculas, e pela membrana muscular (elemento pós-sináptico) onde se localizam os receptores específicos para acetilcolina. Para que haja a excitação da membrana muscular, é preciso que o NMI seja estimulado e à medida que o potencial de ação chega aos terminais do axônio, ocorre a abertura dos canais de cálcio (Ca++). Com o influxo de íons Ca++ nos terminais dos axônios, as vesículas de acetilcolina se aderem com maior velocidade à membrana do terminal e liberam o neurotransmissor aumentando sua concentração na fenda sináptica. A ocupação dos receptores específicos para a acetilcolina promove a geração do potencial de ação que irá se propagar por toda a superfície muscular e, por meio dos túbulos T, alcançará o retículo sarcoplasmático. O retículo sarcoplasmático é uma organela que armazena íons Ca++ e quando estimulado libera altas concentrações deste íon no citoplasma da célula muscular, condição essencial para a contração muscular 5,6,7. O sarcômero é a unidade contrátil do músculo e é formado por duas bandas Z interligadas por filamentos de actina e miosina. Os filamentos de miosina localizam-se na região central dos sarcômeros e possuem as pontes cruzadas que interagem com os filamentos de actina. Em repouso, os filamentos de actina, juntamente com as moléculas de troponina e tropomiosina, formam um complexo que encobre os sítios ativos, impedindo a ligação com as pontes cruzadas do filamento de miosina. À medida que os íons Ca++ são liberados do retículo sarcoplasmático e entram em contato com o complexo actina-troponina-tropomiosina, há uma alteração na disposição destas estruturas, permitindo o descobrimento do sítio ativo e, consequentemente, a interação com as cabeças das pontes cruzadas. Logo que ocorre a ligação, há produção de energia e as cabeças das pontes cruzadas se flexionam no sentido medial e promovem a aproximação das bandas Z 5,6,7. Mecanismos de ativação da unidade motora para aumento da força muscular A unidade funcional do movimento é a unidade motora (UM) que é formada por um motoneurônio alfa e as fibras musculares inervadas por ele. A depender da função muscular a UM pode variar em tamanho de acordo com a sua função. Os movimentos oculares, devido a alta precisão, são realizados por unidades motoras pequenas, enquanto que a extensão da perna ocorre por ativação de grandes unidades motoras, responsáveis pela geração de força muscular. Uma vez que nosso corpo é composto basicamente por dois tipos de fibras musculares, tônicas e fásicas, e que o motoneurônio é quem determina as características da fibra muscular, pode-se concluir que existem unidades funcionais tônicas e fásicas. A seguir revisaremos como as características estruturais de cada uma das unidades motoras são capazes de influenciar o grau de força muscular. As UM tônicas são compostas por motoneurônios alfa tônicos (Mαt) que possuem corpos celulares menores e axônios delgados. A principal característica desta estrutura nervosa é que ela tem baixo limiar de disparo, o que significaque impulsos de baixa intensidade são capazes de ativá-la. Suas fibras musculares são tônicas, do tipo I, apresentam densa rede de capilares (vermelhas), pois utilizam o oxigênio no processo de geração de energia (oxidativas), e têm como principal característica a resistência à fadiga. As UM fásicas são compostas por motoneurônios alfa fásicos (Mαf), que possuem corpos celulares maiores e axônios calibrosos. A principal característica desta estrutura nervosa é que ela tem alto limiar de disparo, o que significa que apenas impulsos de alta intensidade são capazes de ativá-la. Suas fibras musculares são fásicas, tipo II, com baixa densidade capilar (brancas), pois utilizam o glicogênio para geração de energia (glicolíticas), geram muita potência, porém são fadigáveis 8. Muitas vezes, de forma equivocada, a capacidade de gerar força muscular é associada ao músculo e, principalmente as suas dimensões (área de secção transversa), no entanto, a força muscular é determinada pelo córtex motor primário. Ao analisarmos a ação de um mesmo indivíduo que hora segura um livro e hora segura uma caixa cheia de livros, concluímos que a força gerada pelo bíceps braquial foi diferente nas duas tarefas e quem determinou esta diferença foi o córtex motor após análise das informações geradas pelo sistema sensitivo e função cognitiva. A estrutura muscular é apenas o resultado de uma adaptação periférica às exigências do SNC. Antes que ocorram as alterações estruturais no próprio músculo têm lugar as modificações das sinapses do córtex motor primário, com a criação de novas conexões sinápticas, e a potencialização das já existentes. Existem dois mecanismos de ativação da UM para aumento da força muscular, que são controlados pelo córtex motor 5,6,7. O primeiro, denominado de sequência ordenada de ativação leva em consideração o limiar de disparo da UM e é determinado pela intensidade do estímulo descendente. Isto significa que impulsos de baixa intensidade são capazes de ativar apenas as unidades motoras tônicas, enquanto que os de alta intensidade ativam ambas as unidades. Este mecanismo é uma forma muito inteligente do sistema nervoso central de evitar a fadiga precoce, pois as primeiras fibras ativadas serão sempre as resistentes à fadiga. À medida que há a necessidade de produção de mais força, aumenta-se a intensidade do impulso que parte do córtex motor e, consequentemente, o recrutamento das unidades motoras. O segundo, denominado de aumento da freqüência de disparo depende da freqüência com que o estímulo parte do córtex motor. O potencial de repouso da membrana do neurônio é de cerca de -70mv, quando ocorre a despolarização, a voltagem é alterada para +50mv, mas logo em seguida ocorre a repolarização e o retorno para a voltagem inicial. Com o aumento da freqüência de disparo, há a diminuição do tempo entre os estímulos, o que impede a repolarização completa do motoneurônio fazendo com que seja ativado mais vezes no mesmo intervalo de tempo, auxiliando na produção de mais força. A compreensão destes dois mecanismos contribuirá para o entendimento de algumas condições patológicas e as possíveis intervenções terapêuticas. Interação entre sistema motor e sensitivo Como destacado anteriormente os sistemas, sensitivo e motor, são interdependentes, no entanto, frequentemente com finalidade didática, seus estudos são fragmentados e cada sistema é abordado individualmente. A interação mais simples entre estes dois sistemas é representada pelo arco reflexo fásico (AR). As estruturas que compõem o AR são: fuso neuromuscular, neurônio sensitivo, motoneurônio α e fibras musculares. O fuso neuromuscular (FNM) envolvido neste reflexo é denominado de fuso de aglomerado nuclear. É formado por duas regiões polares com características contráteis (fibras intrafusais), e uma região equatorial sensível à velocidade do estiramento. Ao percutirmos o ligamento patelar, por exemplo, este é estirado rapidamente e o mesmo ocorre com as fibras musculares (fibras extrafusais). Como os FNM têm disposição paralela às fibras musculares, também são alongados passivamente. Com a região central tensionada há a geração de informações sensitivas que são captadas pelas terminações sensitivas primárias e enviadas, através dos neurônios sensitivos do tipo Ia, ao corno posterior da medula. Assim que chegam à medula os neurônios sensitivos fazem sinapse direta e ativam os Mαf que estimulam o músculo promovendo a contração reflexa. É importante destacar que o reflexo de estiramento fásico não possui nenhuma propriedade terapêutica ou funcional. O teste do arco reflexo tem como única função direcionar a avaliação neurológica e auxiliar na elaboração de hipóteses diagnósticas. A interação plena entre os sistemas, motor e sensitivo, ocorre quando as informações, captadas na periferia (exteroceptivas) e no interior do nosso corpo (proprioceptivas), são enviadas à medula e integradas nos centros superiores para, então, poderem influenciar a elaboração do estímulo motor adequado. As informações de dor, temperatura e tato grosseiro, são captadas por receptores especializados (terminações nervosas livres, terminação de Ruffini e os corpúsculos de Merkel, Pacini e Meissner) e enviadas ao SNC pelo neurônio de primeira ordem que trafega pelo nervo periférico, raiz dorsal e corno posterior. No corno posterior ocorre a primeira sinapse e, então, o neurônio de segunda ordem cruza no mesmo nível para o lado oposto e ascende até o tálamo formando o trato espinotalâmico (TET). No tálamo está localizado o neurônio de terceira ordem que transmite a informação consciente ao córtex sensitivo 5,7,9. As informações proprioceptivas conscientes trafegam por uma via composta por três neurônios. O neurônio de primeira ordem transporta a informação captada pelos mecanoceptores, musculares e articulares, até o corno posterior da medula e ascende homolateralmente pelo funículo posterior, formando os fascículos grácil e cuneiforme, e faz sinapse nos núcleos do grácil e do cuneiforme localizados no bulbo. O neurônio de segunda ordem cruza a linha média (lemnisco medial) e leva a informação para o tálamo contralateral que é responsável por tornar consciente o estímulo sensitivo. Do tálamo o neurônio de terceira ordem leva a informação para seu destino final, o córtex sensitivo localizado no giro pós-central 5,7,9. As informações proprioceptivas inconscientes são geradas nos fusos neuromusculares e são enviadas ao cerebelo 5,7,9. Já discorremos sobre a participação do fuso neuromuscular no AR e como observado, a informação é gerada de forma passiva e permanece em nível segmentar. No entanto, existe um mecanismo controlado pelo córtex motor que promove a participação ativa do fuso neuromuscular. O mecanismo de co-ativação α,γ ocorre apenas nos movimentos voluntários e automáticos e tem importância crítica nos processos de aprendizagem motora. As características estruturais e funcionais de cada motoneurônio definem este mecanismo. Os motoneurônios α apresentam corpos celulares maiores e axônios bem mais calibrosos, bastante mielinizados, o que confere maior velocidade de condução dos estímulos. Inervam as fibras extrafusais e, portanto, quando ativados geram contração muscular. Os motoneurônios γ apresentam corpos celulares menores e axônios delgados, pouco mielinizados, conduzem os estímulos mais lentamente. Inervam as fibras intrafusais do receptor proprioceptivo e, portanto, quando ativados geram informações sensitivas. O impulso enviado pelo NMS ativa simultaneamente os motoneurônios α e γ. Devido às diferenças estruturais entre os motoneurônios, o estímulo carreadopelo α chega primeiro ao seu destino e inicia a contração muscular. Como a região central do fuso neuromuscular é sensível ao estiramento, à medida que inicia-se a contração das fibras extrafusais, há a aproximação passiva das regiões polares o que torna a região equatorial frouxa e desativada. No entanto, após milissegundos do início da contração muscular, chega o estímulo carreado pelo γ que promove a contração das fibras intrafusais, e assim, mesmo com os pólos aproximados, a região equatorial é tensionada. A informação gerada pela participação do γ é enviada à medula, via nervo periférico e raiz posterior, mas diferente do AR, ascende pelos tratos espinocerebelares, anterior e posterior, e suprem o cerebelo de informações proprioceptivas inconscientes, as quais serão integradas e utilizadas para a parametrização do movimento. Funciona como mecanismo de retroalimentação, fornecendo, ao encéfalo, informações fundamentais para possíveis ajustes (figura 1). Quando o córtex motor envia o estímulo para a ativação da unidade motora, simultaneamente, por uma via denominada córticopontocerebelar, informa ao cerebelo as características do impulso descendente 9. O estímulo que prosseguiu pelo trato córticoespinhal lateral, ao chegar no corno anterior promove a co-ativação α,γ. Assim, dá-se início ao movimento planejado e as informações sensitivas relacionadas a este movimento. Estas informações sensitivas são enviadas ao cerebelo que será capaz de comparar o que havia sido planejado, com aquilo que efetivamente está sendo executado. Caso o cerebelo detecte discrepâncias entre as duas informações ele automaticamente influencia o córtex motor que é capaz de redefinir o impulso para a efetividade da ação. A compreensão deste mecanismo reforça a necessidade de intervenções terapêuticas, principalmente, ativas ou automáticas, para que ocorra a otimização dos processos de recuperação funcional. Como se pôde perceber o cerebelo tem importante função no controle do movimento. Por meio dos pedúnculos cerebelares (inferior, médio e superior) as aferências chegam de diferentes partes do encéfalo e da medula espinhal. A partir dos seus núcleos profundos (fastigial, globoso, emboliforme e denteado) suas eferências são enviadas para diferentes sistemas motores. Funcionalmente, é dividido em três regiões distintas: o vestibulocerebelo recebe informações dos canais semicirculares e órgãos otolíticos, e regula os movimentos oculares e o equilíbrio postural; o espinocerebelo recebe informações somatossensoriais da medula, e atua no controle dos movimentos do eixo do corpo; o cerebrocerebelo recebe impulsos do córtex cerebral, e atua no planejamento do movimento e aprendizado de sequências complexas. Além de identificar discrepâncias entre o que é planejado e o que efetivamente é executado, auxilia na manutenção do tônus e participa das funções cognitivas 5,7,9. Os núcleos da base, juntamente com o cerebelo atuam como interface entre o sistema sensorial e as respostas motoras. Situados na região subcortical são compostos por uma complexa interação entre: corpo estriado (caudado, putâmen e núcleo acumbens), globo pálido (externo e interno), substância negra (parte compacta e parte reticulada) e núcleo subtalâmico. Exercem função essencial na execução dos movimentos voluntários. Recebem impulsos de diferentes regiões do córtex cerebral, integram e processam estas informações projetando-as para o tálamo que as retransmite para as áreas pré-frontal, pré-motora e motora. A seguir serão descritos, de forma sumária, alguns dos circuitos e neurotransmissores envolvidos no funcionamento dos núcleos da base. O corpo estriado é a via de entrada dos estímulos que chegam aos núcleos da base. As vias córticoestriatais são mediadas pelo glutamato (ácido glutâmico) que tem ação excitatória. Do corpo estriado partem projeções para o globo pálido e a substância negra (parte estriada). As vias estriatopalidais e estriatonigrais são influenciadas pelo GABA (ácido gama- aminobutírico), neurotransmissor de ação inibitória. O estriado também é influenciado pela parte compacta da susbtância negra, que produz dopamina. Este neurotransmissor tem ação inibitória agindo sobre os receptores dopaminérgicos do tipo D2, e excitatória sobre os do tipo D1 9. O núcleo subtalâmico recebe projeções inibitórias do globo pálido externo, mediadas pelo GABA, e projeta impulsos excitatórios para o globo pálido interno e substância negra (parte reticulada) mediados pelo glutamato 9,10,11. Tanto o globo pálido interno quanto a substância negra (parte reticulada) formam a via de saída das informações processadas nos núcleos da base que se destinam ao tálamo. As vias palidotalâmicas e nigrotalâmicas têm efeitos inibidores 7,9,10,11. O perfeito equilíbrio entre as propriedades inibitórias e excitatórias possibilita que os núcleos da base possam influenciar adequadamente a regulação do tônus e da postura, bem como a iniciação, o controle e a cessação dos movimentos automáticos. Não podemos nos esquecer ainda, que alguns circuitos dos núcleos da base originam-se nas regiões pré-frontal e límbica e, portanto, têm influência sobre a cognição, o humor e o comportamento 7,9,10,11. Organização somatotópica Penfield e Boldrey (1937) publicaram os resultados da estimulação elétrica do córtex motor primário revelando a existência de um homúnculo motor, onde a área reservada para cada segmento corporal é proporcional a sua habilidade 12. Nos dias atuais, este tema tem importância crítica nas associações com o aprendizado cognitivo-sensório-motor, e principalmente nas estratégias terapêuticas desenvolvidas para estimular o aperfeiçoamento ou a recuperação de um sistema lesado. Antigamente, a abordagem terapêutica de indivíduos com seqüela de AVE que apresentavam espasticidade dos grupos flexores de punho e dedos, baseava-se na estimulação dos músculos antagonistas. Acreditava-se que com os extensores “mais fortes” e a inibição recíproca dos músculos flexores, o indivíduo seria capaz de realizar a preensão de forma mais adequada. Atualmente, considerando a evolução das informações neurofisiológicas, este tipo de raciocínio não passa de um grande equívoco, pois com base na organização somatotópica a preensão apenas será melhorada se os flexores forem intensamente treinados, e alterações neuroplásticas ocorrerem em regiões específicas de cada uma das estruturas envolvidas na elaboração e execução desse ato. Todas as estruturas do SNC relacionadas ao ato motor têm em sua arquitetura representações dos segmentos corporais. Da mesma forma que existe o homúnculo motor, o homúnculo sensorial e o homúnculo cerebelar, outras estruturas como os núcleos da base, o núcleo rubro e a formação reticular, também mantém a mesma disposição. Todas estas estruturas se comunicam a partir de projeções de alta precisão topográfica 7. Em resumo, se o objetivo é realizar a flexão específica dos dedos, cada uma das áreas citadas anteriormente terá acionada apenas a região referente a este grupo muscular especificamente. Portanto, todo treinamento deve ser baseado em tarefas específicas, não sendo possível a transferência de aprendizagem entre atividades distintas 1. Fisiopatologia do controle motor Durante a avaliação neurológica o examinador procura sinais e sintomas que possam caracterizar uma determinada doença. A seguir, discorreremos sobre a fisiopatologia de estruturas específicas do sistema nervoso. Lesão do cerebelo As pequenas lesões podem ser assintomáticas ou passageiras, em contrapartida, lesões extensas produzem disfunções graves. O comprometimento unilateral causa distúrbioshomolaterais. Devido a alta complexidade desta estrutura, sua lesão vem acompanhada de vários sinais e sintomas: tremor de intenção, dismetria, decomposição dos movimentos, disdiadococinesia, disartria e nistagmo. Pelo fato dos núcleos cerebelares produzirem intenso potencial excitatório em seus neurônios alvo, danos no núcleo interpósito reduzem a excitabilidade dos neurônios corticoespinhais e rubroespinhais, causando a hipotonia cerebelar 7,9,10,11. Lesão dos núcleos da base O comprometimento da delicada interação entre os núcleos da base promove o aparecimento de várias alterações que têm impacto devastador sobre a funcionalidade do paciente. Dependendo do local da lesão as síndromes clínicas terão características distintas. A doença de Parkinson, principal representante deste grupo, caracteriza-se por bradicinesia, rigidez (hipertonia plástica), tremor de repouso e instabilidade postural, e está relacionada ao déficit de dopamina por degeneração da substância negra (parte compacta) 10,11. A coréia e a atetose decorrem da disfunção estriatal que, como consequência, causa baixa das atividades gabaérgica e colinérgica, com preservação da ação dopaminérgica. O hemibalismo aparece devido ao comprometimento do núcleo subtalâmico. A distonia também tem sua origem no distúrbio do estriado, especificamente no putâmen. Lesão do córtex motor A grande maioria dos pacientes que procuram atendimento nos centros de reabilitação tem seqüelas decorrentes da lesão do córtex motor. Em 1988, Burke discorreu sobre os sinais e sintomas que decorrem da lesão desta estrutura classificando- os em dois grupos: dos sinais de liberação ou positivos (espasticidade, hiperreflexia e reflexos anormais) e dos sinais deficitários ou negativos (fraqueza e diminuição da destreza) 13. Mais antigamente, até a década de 80, acreditava-se que os sinais positivos eram os principais limitadores da função. É compreensível que os profissionais daquela época fizessem este tipo de relação considerando que, quando os pacientes eram encaminhados à reabilitação, já chegavam estavam na fase crônica da lesão com a instalação dos sinais positivos. A partir daí surgiram as terapias de inibição do tônus e dos reflexos anormais. Com o avanço das pesquisas científicas foi possível identificar os principais causadores dos déficits funcionais. Logo após a lesão do córtex motor tornam-se evidentes, no hemicorpo contralateral, os sinais negativos representados pela dificuldade que o paciente apresenta ao tentar se movimentar. Com o passar do tempo, devido às modificações compensatórias do SNC, têm lugar os sinais positivos. A seguir discorreremos sobre os mecanismos envolvidos em cada alteração. Dentre os sinais positivos, primeiramente abordaremos a espasticidade que tem como característica específica a resistência ao alongamento passivo rápido, e envolvimento dos músculos antigravitacionais. O córtex motor por meio das vias córticonucleares excita a atividade dos núcleos bulbares que por sua vez inibem os núcleos pontinos da formação reticular. Os núcleos pontinos são naturalmente excitadores da musculatura antigravitacional e, caso não estejam sob a influência modulatória do córtex motor, atuam de forma exacerbada 7. Há um delicado equilíbrio entre a ação do córtex e estes núcleos. Ao considerarmos a ativação do músculo bíceps braquial durante o ato de carregar uma caixa pesada, enquanto o córtex motor envia um impulso para ativação muscular (via TCEL), não há a necessidade dos núcleos pontinos serem inibidos, o que potencializa a flexão do antebraço. No entanto, caso seja importante a ativação dos extensores do antebraço, como para empurrar um carro, ao mesmo tempo em que o córtex motor ativa intensamente o tríceps braquial (via TCEL), por meio das vias corticonucleares, ativa também os núcleos bulbares que por sua vez inibem os núcleos pontinos, potencializando a extensão do antebraço. No caso de uma lesão do córtex motor, há um prejuízo contralateral tanto na ativação da unidade motora quanto na modulação dos núcleos da formação reticular. Na impossibilidade do córtex em gerar o controle motor adequado, a hiperatividade dos núcleos pontinos assume papel fundamental enviando impulsos aos músculos antigravitacionais. Portanto, a espasticidade é uma tentativa do SNC em manter algum grau de funcionalidade 13. É justamente a hiperatividade muscular que pode auxiliar o hemiparético a deambular, pois mesmo com dificuldade em movimentar o segmento parético na fase de balaço da marcha, permite que o indivíduo sustente peso na fase de apoio favorecendo a progressão do membro sadio. Portanto, em termos funcionais a espasticidade é preferível à flacidez. É importante lembrar que apesar da hiperatividade os músculos antigravitacionais perdem a capacidade de geração de força, pois os núcleos pontinos da formação reticular geram apenas estímulos de baixas freqüência e intensidade. Outra função do córtex é a modulação do arco reflexo por intermédio NMS o qual promove a inibição pré-sináptica, isto é, antes da passagem do estímulo do neurônio sensitivo para o NMI. Na lesão do córtex, há o prejuízo desta modulação e, como conseqüência, ocorre a hiperatividade do reflexo (hiperreflexia). Os reflexos anormais, como p.ex. o reflexo tônico cervical assimétrico (RTCA), são assim chamados por sua permanência em período do desenvolvimento onde já deveriam ter sido integrados. Os reflexos primitivos são considerados movimentos pré- funcionais e têm como função possibilitar vivências à criança em desenvolvimento. À medida que o córtex se matura globalmente estes reflexos são integrados e dão lugar à movimentação voluntária direcionada à exploração do meio. Se o córtex é lesionado, e a capacidade de gerar o movimento voluntário prejudicada, estes reflexos não podem ser integrados. Já os sinais negativos, mascarados pelos positivos em fase crônica da lesão, são os verdadeiros vilões do movimento voluntário 14. Uma vez que o córtex motor é o responsável por variar a intensidade e freqüência do impulso descendente de acordo com a tarefa e o contexto, nas lesões corticais esta capacidade está prejudicada ou abolida, comprometendo os mecanismos de ativação das UM para controle da força muscular 15,16. Na medida em que a quantidade de informações descendentes diminui, diminui também a capacidade de seletivar o movimento, e por isto diminui também a destreza muscular. Portanto, os sinais negativos são sempre prejudiciais para os pacientes e devem ser combatidos por arsenal terapêutico que apresente melhores evidências científicas. Já a abordagem dos sinais positivos depende de profissionais experientes capazes de identificar se as alterações presentes são boas ou ruins, optando por inibi-las ou permiti- las, dependendo das necessidades de cada paciente. Lesão do corpo celular do NMI O NMI ou motoneurônio α, é a via final comum de todas as informações que deixam o SNC e vão até o músculo: contração muscular voluntária ou automática, tônus, trofismo e contração reflexa. Na lesão do corpo celular do NMI estas informações estarão parcialmente ou totalmente comprometidas. Então, dá-se lugar aos sinais clínicos como: fraqueza ou paralisia, hipotonia ou atonia, hipotrofia ou atrofia, hiporreflexia ou arreflexia, todos dependendo da extensão da lesão 10,11. Outro sinal clínico importante é a fasciculação que ocorre em processos de denervação muscular. A fasciculação é caracterizada por contrações isoladas e desorganizadas de alguns feixes de fibras musculares 11. Quando ocorre a morte de um NMI suas fibras tornam-se denervadas e criam uma sensibilidade aumentadaà acetilcolina dando origem ao sinal clínico. A atrofia muscular espinhal progressiva (AMEP) é a principal representante deste grupo. Outra doença, erradicada em nosso país, que também acomete o corpo celular do NMI é a poliomielite. Atualmente nos deparamos com uma condição denominada síndrome pós-pólio. Além de outras alterações como dor, distúrbios psicológicos e do sono, e fadiga, o aumento fraqueza chama a atenção. Uma das teorias para explicar o aumento da fraqueza considera que em seguida ao processo de denervação, há a possibilidade de reinervação a partir de brotamentos colaterais dos neurônios vizinhos intactos. Sendo assim, as unidades motoras tornam-se maiores que originalmente e parte da força é recuperada seguindo um período de estabilidade até a fase adulta. Os seres humanos naturalmente perdem células nervosas durante o envelhecimento e, nos indivíduos com seqüela de poliomielite, a degeneração das UM gigantes causa o aumento da fraqueza muscular. Lesão do nervo perférico As neuropatias periféricas são doenças comuns e apresentam-se de formas variadas de acordo com a idade e as características de instalação dos sinais e sintomas (agudo ou incidioso), estruturas acometidas (bainha de mielina e/ou axônio), envolvimento de um ou mais nervos, de forma simétrica ou não. As mais conhecidas são a síndrome de Guilláin-Barré, a neuropatia diabética e a doença de Charcot-Marie-Tooth. Considerando que pelo nervo periférico trafegam os axônios dos neurônios motores e sensitivos, o quadro clínico caracteriza-se por: fraqueza muscular ou paralisia, hipotonia ou atonia, hipotrofia ou atrofia, hiporreflexia ou arreflexia, e hipoestesia ou anestesia, todos dependendo da extensão da lesão. As alterações têm início distal e evoluem para as porções proximais do segmento 10,11. Lesão da fibra muscular Nas doenças que acarretam a degeneração das fibras musculares, como as distrofias, perde-se o órgão efetor do movimento e com ele as informações relacionadas. Sendo assim, serão detectados sinais clínicos como: fraqueza ou paralisia, hipotonia ou atonia, hipotrofia ou atrofia, hiporreflexia ou arreflexia, todos dependendo da extensão da lesão. Estas alterações estão presentes globalmente, no entanto, tornam-se mais evidentes, em fase inicial da doença, nas articulações proximais. Isto ocorre, pois os músculos proximais são responsáveis por movimentar grandes segmentos corporais e para tanto, devem gerar mais força 10,11. Table 1. Fisiopatologia do sistema motor humano 1. Magill RA. Aprendizagem motora – conceitos e aplicações. 5º ed. São Paulo: Edgard Blucher; 2000. Local da lesão Núcleos da Base Cerebelo Córtex motor Corpo celular do NMI Nervo periférico Músculo Sinais e sintomas - bradicinesia - rigidez - instabilidade postural - Discinesias (tremor de repouso, coréia, atetose, hemibalismo, distonia) - tremor de intenção -dismetria - disdiadococinesia - decomposição dos movimentos - hipotonia Sinais negativos: - fraqueza - diminuição da destreza Sinais positivos: - espasticidade - hiperreflexia - reflexos anormais - fraqueza - hipo/atonia - hipo/atrofia - hipo/arreflexia - fasciculação - fraqueza - hipo/atonia - hipo/atrofia - hipo/arreflexia - hipo/anestesia - fraqueza - hipo/atonia - hipo/atrofia - hipo/arreflexia 2. Dickstein R, Deutsch JE. Motor imagery in physical therapist practice. Physical Therapy 2007;87(7): 942-953. 3. Liu KP et al. Mental imagery for promoting relearning for people after stroke: a randomized controlled trial. Arch Phys Med Rehabil 2004a;85(9): 1403-8. 4. Liu KP et al. Mental imagery for relearning of people after brain injury. Brain Inj 2004b; 18(11):1163-72. 5. Gyuton AC. Neurociência básica: anatomia e fisiologia. 2 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1993. 6. Lieber RL. Skeletal muscle structure, funcion and plasticity: the physiological basis of Rehabilitation. 2nd ed. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2002. 7. Kandel ER, Schwartz JH, Jessell TM. Princípios da Neurociência. 4º ed. São Paulo: Manole; 2003. 8. Astrand P, Rodhal K, Dahl HA, Stromme SB. Textbook of work physiology: Physiological bases of exercise. 4th ed. Chaimpaign: Human Kinetics; 2003. 9. Noback CR, Riggiero DA, Demarest RJ, Strominger NL. The human nervous system: structure and funcion. 6th ed. Totowa: Humana Press Inc; 2005. 10. Nitrini R. A neurologia que todo médico deve saber. 2º ed. São Paulo: Atheneu; 2008. 11. Campbell WW. DeJong, O exame neurológico. 6º ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2007. 12. Penfield W, Boldrey E. Somatic motor and sensory representation in the cerebral cortex of man as studied by electrical stimulation. Brain 1937;60:389–443. 13. Burke D. Spasticity as an adaptation to pyramidal tract injury. Adv Neurol 1988; 47: 401–423. 14. Shepherd R. Fisioterapia em pediatria. 3º ed. São Paulo: Santos; 2006. 15. Zajac FE. Coupling of recruitment order to the force produced by motor units: the “size principle hypothesis” revisited. In Gandevia SC, Enoka RM, McComas AJ, Stuart DG, Thomas CK. Fatigue, neural and muscular mechanisms. New York: Plenum Press: 1995. 16. Rose J, McGill KC. Neuromuscular activation and motor-unit firing characteristics in cerebral palsy. Dev Med Child Neurol 2005;47(5):329-36.
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