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A Floresta - Aleksandr Ostrovski

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1 
Aleksandr Ostróvski 
 
 
 
 
 
A FLORESTA 
 
Comédia em cinco actos 
 2 
Algumas notas dos tradutores: 
 
Nechiaslívtsev e Chiaslívtsev são dois apelidos com significado: 
respectivamente «Desgraçado» e «Feliz». Como entram nas falas, a partir do III Acto, e 
não apenas nas indicações de cena, terão de ser traduzidos para a compreensão do texto 
por parte do espectador. Propomos Guennádi Malfadado e Arkádi Venturoso. Além de 
nos parecer que soam bem foneticamente, o Malfadado é uma espécie de D. Quixote, e 
cremos que os espanhóis também lhe chamam «o Malfadado». O Venturoso também 
soa como personagem de comédia do teatro antigo, achamos nós. Mas o Luís Miguel 
decidirá e talvez encontre melhor. 
 
Mantemos as formas russas «mujique» (camponês) e «verstá» ( cerca de um 
quilómetro). Poderão ser actualizadas, evidentemente. 
 
 3 
PRIMEIRO ACTO 
 
 
Raíssa Pávlovna Gurmíjskaia, viúva, de cinquenta e poucos anos, muito rica, 
veste-se modestamente, quase de luto; anda permanentemente com uma caixa de 
trabalho nas mãos. 
Aksínia Danílovna (Aksiúcha), sua parente afastada, rapariga pobre dos seus 
vinte anos, vestida com asseio mas pobremente, um pouco melhor do que uma criada. 
Evguéni Apollónitch Milónov, de cerca de quarenta e cinco anos, penteado liso, 
vestido com esmero, gravata cor-de-rosa. 
Uar Kirílitch Bodáev, cerca de sessenta anos, oficial de cavalaria na reserva, 
cabelo grisalho, curto, bigode e suíças grandes, de sobrecasaca preta toda abotoada até 
ao pescoço, com cruzes e medalhas no peito à maneira militar, com um bordão na mão, 
um pouco surdo. 
(Milónov e Bodáev são vizinhos ricos de Gurmíjskaia). 
Ivan Petróvitch Vosmibrátov, comerciante, com negócios ligados às florestas. 
Piotr, seu filho. 
Aleksei Serguéevitch Bulánov, jovem com o curso incompleto do liceu. 
Karp, lacaio de Gurmíjskaia. 
Ulita, despenseira. 
 
Herdade de Gurmíjskaia, a cerca de cinco verstás do centro distrital. Sala 
grande. Em frente, duas portas: uma de saída, outra para a sala de jantar; à direita do 
público, uma janela e uma porta que dão para o jardim; à esquerda, duas portas: uma 
dá para os quartos, a outra para o corredor. Móveis antigos, caros, espelhos de três 
faces, flores, junto à janela uma mesinha de trabalho, à esquerda uma mesa redonda e 
várias cadeiras. 
 
 
CENA 1 
 
Karp está à porta do jardim, entra Aksiúcha. 
 
 4 
Aksiúcha – Raíssa Pávlovna não me chamou? 
Karp – Chamou sim senhora, só que entretanto chegaram os convidados e ela 
está no jardim. 
Aksiúcha (tirando uma carta do bolso) – Ouve lá, Karp Savélitch, tu não 
poderias…? 
Karp – Sim, menina… 
Aksiúcha – … entregá-la? Tu sabes a quem. 
Karp – Mas como, ó menina? Agora já parece inconveniente. Verdade ou não, 
mas a sua tia quer que a menina case com o jovem senhor. 
Aksiúcha – Está bem, esquece. (Vira-se para a janela.) 
Karp – Vá lá, eu faço. Se é para a menina, por que não… (Pega na carta.) 
Aksiúcha (olhando pela janela) – Raíssa Pávlovna vendeu a floresta? 
Karp – Vendeu, ao Ivan Petróvitch. Vendemos tudo, mas para quê? 
Aksiúcha – Ela não quer deixá-lo aos herdeiros; o dinheiro, esse, pode dá-lo a 
estranhos. 
Karp – É um supor. Está complicado. 
Aksiúcha – Dizem que esse dinheiro é para o dote, o meu. 
Karp – Pois ainda bem, graças a Deus! 
Aksiúcha (muito séria) – Que Deus não o permita, Karp Savélitch! 
Karp – A menina é que sabe. O que eu quero dizer é que vale mais ser para o 
dote do que ir parar onde pára o outro todo. 
Aksiúcha – O outro todo… mas onde é que vai parar o outro todo? 
Karp – Ora bem, estas coisas não são para a menina compreender, e nem a 
minha língua se atreve a dizê-las. Vem aí o Aleksei Serguéevitch. (Afasta-se da porta.) 
 
Aksiúcha olha pela janela. Entra Bulánov. 
 
 
CENA 2 
 
Aksiúcha, Bulánov, Karp, depois Ulita. 
 
Bulánov (para Karp) – Então, fizeste-me os cigarros? 
Karp – Não senhor. 
 5 
Bulánov – Mas porquê? Se eu te mandei!? 
Karp – Mandou, e depois? Sabe se eu tive tempo? 
Bulánov – Aqui todos pensais muito apenas em vós. É isso. Vou queixar-me à 
Raíssa Pávlovna. 
Karp – Isso é que não vai; o senhor até tem medo de fumar à frente dela. 
Bulánov – Medo… Quero isso feito! Não to vou dizer dez vezes! (Vê Aksiúcha, 
aproxima-se dela e, num gesto desembaraçado, põe-lhe a mão no ombro.) 
Aksiúcha (virando-se rapidamente) – O que é isso? Está doido? 
Bulánov (ressentido) – Ah!! Perdão! Por que se arma em duquesa, minha linda? 
Aksiúcha (quase a chorar) – Por que me ofende? Não lhe fiz mal nenhum. Eu 
sou aqui algum brinquedo para todos? Também sou um ser humano, como o senhor. 
Bulánov (com indiferença) – Não, oiça: a menina agrada-me, a sério. 
Aksiúcha – Ah, e o que é que isso me interessa? Que direito tem de me tocar? 
Bulánov – Tão zangada, sempre, mas porquê? Olha o grande problema! Que não 
lhe toque! Não posso tocar no que é meu? Quem mo pode proibir? 
Aksiúcha (severamente) – Seu? E se não for, se não for para si? Então, como é? 
Bulánov – Caprichos, caprichos! Estou farto. Estraga tudo. 
Aksiúcha – Estrago o quê? 
Bulánov – O quê… Então não sabe? Mas olhe que é verdade: Raíssa Pávlovna 
tem o desejo de nos casar. Ora, um desejo da Raíssa Pávlovna… 
Aksiúcha – É para cumprir? 
Bulánov – Obviamente. Somos pobres, eu e a menina… Fico à espera que me 
corram daqui? Não, obrigado. Para onde vou? Outra vez para casa da mãezinha? Toda a 
vida às sopas de alguém? 
Karp – Mais baixo, senhor! Vem aí a Ulita. 
 
Entra Ulita e procura qualquer coisa. 
 
O que deseja daqui? 
Ulita – Parece que me esqueci… 
Karp – Não se esqueceu de nada, não vale a pena. Tem o seu departamento, e 
nós não vamos para lá. 
 
Ulita sai. 
 6 
 
Ora toma, é assim mesmo!... Maldita mulher! 
Bulánov – O interesse é claro; não é difícil perceber. 
Aksiúcha – Percebo. 
Bulánov – Então não precisa de ser tão relutante. Está a armar-se em inacessível 
à frente de quem? Raíssa Pávlovna promete muito dinheiro; que mais quer? Devia dar 
graças a Deus. 
Aksiúcha – Há coisas que se compram com dinheiro, há outras que não se 
compram. 
Bulánov (sorrindo com desprezo) – Ora, filosofias! (Sério.) Quanto a dinheiro, a 
menina não percebe nada, é por isso que fala assim. Nunca passou por necessidades, 
pois não? Pois agora tem uma vida bonita à sua frente… Por dinheiro há quem venda a 
alma ao Diabo, e você não o quer nem dado! 
 
Aparece Ulita. 
 
Karp – Por que anda aqui a cirandar para trás e para a frente? Ninguém precisa 
aqui de si! Isto aqui são salas limpas. 
Ulita – Não se pode entrar ou quê? 
Karp – Você não tem sossego, mulher? Corre por aí como um gato maluco. 
Venha quando a chamarem. 
 
Ulita sai. 
 
Aksiúcha – Ninguém pode amar à força, Aleksei Serguéevitch. 
Bulánov – Fique descansada, eu consigo sempre o que quero; de mim não se 
esquiva. Aliás, não encontra cá melhor do que eu. 
Aksiúcha (baixinho) – Está muito enganado. Se eu quiser procurar, encontro, ou 
talvez até já tenha encontrado. (Para Karp): Se Raíssa Pávlovna perguntar por mim, diz 
que estou no meu quarto. (Sai.) 
 
 
 
 
 7 
 
CENA 3 
 
Bulánov e Karp. 
 
Karp (aproximando-se de Bulánov) – Ah, meu senhor! 
Bulánov – O que é, Karp? 
Karp – O senhor ainda é muito jovem. 
Bulánov – Pois sou. 
Karp – O que não é nada bom. 
Bulánov – O que posso fazer? 
Karp – Não é bom para si… Mas tem de fazer um esforço… 
Bulánov – Fazer ou não fazer um esforço, não é por isso que fico mais velho 
num instante: acabei de sair do liceu. 
Karp– Qual liceu! Há quem nunca tenha posto os pés num liceu e seja esperto. 
Bulánov – Esperto em que sentido? 
Karp – Esperto em tudo, mas principalmente no que está quase à mão. 
 
Ulita chega do corredor. 
 
Outra vez? Irra! Daqui para fora, mulher maldita! 
Ulita (desaparecendo) – Malcriadão! 
Bulánov (pensativo) – Achas?... E então? 
Karp – Então! Por que é que incomoda a menina? Que vantagem é que isso tem? 
Bulánov – Bom, mas… 
Karp – Tenha cuidado, meu senhor: não é por acaso que a Ulita anda a rastejar 
por aqui, não tarda a denunciá-lo. E a senhora, acha que ela vai gostar? É que ainda 
ninguém sabe o que a senhora quer de si. Ela é a senhora, muito bem, mas o feitio dela 
não deixa de ser feminino: nunca se sabe o que lhe vai na cabeça. Ora uma coisa, ora 
outra; a cabeça dela muda sete vezes, e não é por semana, mas por dia. O senhor, por 
exemplo, diz: casar; mas se calhar mandam-no fazer outra coisa qualquer! O senhor não 
é dono da sua vontade; trouxeram-no para aqui para lhe darem de comer, já que a sua 
mãezinha é necessitada… Mas o senhor já tem pretensões… Não, em vez disso tem de 
olhar a senhora nos olhos. 
 8 
Bulánov – Nos olhos? 
Karp – Exactamente. Nos olhos, sempre, porque o senhor depende dela… 
Depois, pelo que ela diz, ou de outra maneira qualquer, logo perceberá… Ela aí vem. 
(Sai.) 
 
Bulánov ajeita o cabelo e retorce o bigode. 
Entram Gurmíjskaia, Milónov e Bodáev. 
 
 
CENA 4 
 
Gurmíjskaia, Milónov, Bodáev e Bulánov. 
 
Gurmíjskaia – Eu já lhes tinha dito, meus senhores, e agora repito: ninguém me 
compreende, absolutamente ninguém. Só o nosso governador e o padre Grigóri… 
Milónov – Eu também, Raíssa Pávlovna. 
Gurmíjskaia – Talvez. 
Milónov – Raíssa Pávlovna, acredite em mim, tudo o que há de belo e sublime… 
Gurmíjskaia – Acredito sinceramente. Sentem-se, meus senhores. 
Bodáev (pigarreando) – Estou pelos cabelos. 
Gurmíjskaia – Como? 
Bodáev (grosseiramente) – Nada. (Senta-se afastado.) 
Gurmíjskaia (reparando em Bulánov) – Alexis, Alexis! Está a sonhar? Meus 
senhores, apresento-lhes o jovem fidalgo Aleksei Serguéevitch Bulánov. 
 
Bulánov faz vénias. 
 
O destino dele é muito interessante, já lhes conto. Alexis, vá dar uma volta pelo 
jardim, meu amigo. 
 
Bulánov sai. Gurmíjskaia e Milónov sentam-se à mesa. 
 
Milónov – Pelos vistos é seu parente? 
 9 
Gurmíjskaia – Não, não é meu parente. Mas será que só os parentes têm direito à 
nossa compaixão? O nosso próximo é todos os homens. Será que eu vivo para mim, 
meus senhores? Tudo o que eu tenho, todo o meu dinheiro pertence aos pobres… 
 
Bodáev apura o ouvido com atenção. 
 
… sou apenas uma contabilista do meu dinheiro, já que o proprietário dele é qualquer 
pessoa pobre, qualquer desgraçado. 
Bodáev – Enquanto eu for vivo não pago um copeque; que penhorem a herdade. 
Gurmíjskaia – Não paga a quem? 
Bodáev – À administração rural, digo-lhe eu. 
Milónov – Ah, Uar Kirílitch, não estamos a falar da administração. 
Bodáev – Proveito nenhum, só nos sacam o dinheiro. 
Gurmíjskaia (alto) – Sente-se mais perto, o senhor aí não nos ouve. 
Bodáev – Pois não, não oiço. (Senta-se à mesa.) 
Gurmíjskaia – Pois aquele jovem, meus senhores, é filho de uma amiga minha. 
Encontrei-a no ano passado em Petersburgo. Dantes, há muito tempo, éramos como 
duas verdadeiras irmãs; mas depois separámo-nos: eu enviuvei, ela casou-se. Eu 
aconselhei-a a não o fazer, resultado da minha experiência de casada e do ódio que 
ganhara ao matrimónio. 
Bodáev – Ao matrimónio mas não aos homens, hã? 
Gurmíjskaia – Uar Kirílitch! 
Bodáev – Sei lá, estou só a perguntar. Há feitios e feitios. 
Gurmíjskaia (em tom de brincadeira) – Aos homens também, principalmente a 
homens como o senhor. 
Bodáev (soergue-se, apoiando-se no bordão, e faz uma vénia) – Agradeço do 
fundo da alma. 
Milónov – A Raíssa Pávlovna embeleza toda a nossa província com o rigor da 
sua vida. Com ela, a nossa atmosfera moral, se me permitem a expressão, está 
perfumada de virtudes. 
Bodáev – Uns seis anos atrás, quando corriam as vozes de que a senhora vinha 
viver cá para a sua herdade, todos nós ficámos com medo da sua virtude: as mulheres 
começaram a fazer as pazes com os maridos, os filhos com os pais; em muitas casas até 
se começou a falar mais baixo. 
 10 
Gurmíjskaia – Ironize à vontade. Acham que conquistei este respeito sem luta? 
Aliás, estamos a desviar-nos da conversa. Pois quando nos encontrámos em 
Petersburgo, havia muito que a minha amiga estava viúva e, é claro, muito arrependida 
por não ter dado ouvidos aos meus conselhos. Com as lágrimas nos olhos, apresentou-
me o seu filho único. O rapaz, como viram, já é crescido. 
Bodáev – Boa idade de ir para a tropa. 
Gurmíjskaia – Não julguem pelo aspecto físico. Coitado, ali onde o vêem tem 
uma saúde fraca, imaginem a desgraça! Foi por isso que se atrasou dos colegas e 
frequentava apenas o liceu, ainda por cima numa classe intermédia, se não me engano. 
Já tinha bigodinho e as ideias mudadas, as senhoras já começavam a interessar-se por 
ele, mas tinha de andar na escola com miúdos traquinas. Ora, isso humilhava-o muito, 
andava sozinho a vaguear pelas ruas desertas. 
Bodáev – Ou seja, pela Avenida Névski? 
Gurmíjskaia – Sofria, sofria ele e sofria a mãe; mas não tinha possibilidade de 
melhorar a situação. A propriedade dela estava completamente arruinada, o filho tinha 
de estudar para depois ajudar a mãe; mas já era tarde para estudar, já nem tinha vontade 
para isso. Agora, meus senhores, podem julgar-me como quiserem. É que eu resolvi 
fazer três benfeitorias de uma vez. 
Bodáev – Logo três? É curioso. 
Gurmíjskaia – Dar sossego à mãe, dar recursos ao filho e casar a minha 
sobrinha. 
Bodáev – Três, realmente. 
Gurmíjskaia – Convidei o jovem para passar cá o Verão; eles que se conheçam; 
depois caso-os e dou um bom dote à minha sobrinha. Pois bem, meus senhores, agora 
estou tranquila, já conhecem as minhas intenções. Embora eu esteja acima de todas as 
suspeitas, se aparecerem as más-línguas a badalar os senhores poderão explicar qual é a 
verdadeira situação. 
Milónov – Todo o belo e sublime será devidamente apreciado, Raíssa Pávlovna. 
Quem se atreveria… 
Bodáev – Por que não haveria de se atrever? Não se pode proibir, não há censura 
para isso. 
Gurmíjskaia – De resto, a opinião pública não me preocupa; quero fazer o bem e 
vou fazê-lo, os outros que digam o que quiserem. Meus senhores, ultimamente anda-me 
 11 
a atormentar um pressentimento qualquer, terrível, a ideia da morte próxima não me 
larga um instante. Meus senhores, vou morrer em breve, e olhem que até desejo a morte. 
Milónov – O quê? O que está a dizer? Viva! Viva! 
Gurmíjskaia – Não, não, não vale a pena pedir. 
Milónov – Porque haverá lágrimas, lágrimas amargas. 
Gurmíjskaia – Não, meus senhores, pode não ser hoje nem amanhã, mas vou 
morrer muito em breve. Tenho de cumprir o meu dever relativamente aos herdeiros. 
Ajudem-me, aconselhem-me, meus senhores. 
Milónov – Excelente, excelente. 
Gurmíjskaia – Só tenho um parente próximo, o sobrinho do meu marido. Quanto 
à minha sobrinha, tenho a esperança de lhe organizar a vida antes de morrer. O 
sobrinho, há quinze anos que não o vejo nem tenho notícias dele; mas sei que está vivo. 
Espero que nada me impeça de fazer dele o único herdeiro. 
Milónov – Suponho que não. 
Bodáev – Que dúvidas pode haver? 
Gurmíjskaia – Obrigada. Também penso assim. O sobrinho não se esquece de 
mim, manda-me prendas todos os anos, só que não escreve. Eu não sei onde ele está 
nem para onde lhe poderia escrever; ainda por cima, devo-lhe dinheiro. Um senhor que 
deviadinheiro ao pai dele veio pagar-me essa dívida antiga; o montante não é grande, 
mesmo assim incomoda-me. Tenho a sensação de que o sobrinho se esconde de mim; 
todas as prendas foram expedidas de vários cantos da Rússia: ora de Arkhânguelsk, ora 
de Astracã, ora de Kichiniov, ora de Irkutsk. 
Milónov – Mas qual é a ocupação dele? 
Gurmíjskaia – Não sei. Preparei-o para o serviço militar. O rapaz tinha quinze 
anos quando lhe morreu o pai e ficou sem meios, ou quase. Apesar de eu própria ser 
ainda jovem naquela altura, já tinha conceitos rigorosos da vida e educava-o de acordo o 
meu método. Prefiro uma educação severa, simples, o que se chama «por uns patacos»; 
não por avareza, não, mas por princípio. Tenho a certeza de que as pessoas simples e 
incultas têm uma vida mais feliz. 
Bodáev – E está enganada! Com uns patacos não se compra nada de jeito, e 
ainda menos a felicidade. 
Gurmíjskaia – Repare que ele não se queixa da educação que teve, até me 
agradece. Não sou contra a educação, meus senhores, mas também não sou a favor. A 
 12 
depravação reside nos dois extremos: na ignorância e no excesso de educação; os bons 
costumes estão no meio. 
Milónov – Excelente, excelente. 
Gurmíjskaia – Queria que o rapaz atravessasse sozinho a severa escola da vida; 
preparei-o para ser Junker e larguei-o na luta com os seus próprios meios. 
Bodáev – Assim dá menos preocupações. 
Gurmíjskaia – Às vezes mandava-lhe dinheiro, mas confesso que era pouco, 
muito pouco. 
Bodáev – E ele, evidentemente, começou a roubar. 
Gurmíjskaia – Está enganado. Vejam a carta que ele me escreveu. Trago sempre 
esta carta comigo. (Tira uma carta da caixa e entrega-a a Milónov.) Leia, Evguéni 
Apollónitch! 
Milónov (lê) – «Raíssa Pávlovna, minha tia e benfeitora: Escrevo esta carta nela 
expondo circunstanciadamente minha vida amargurada plena de necessidade mas longe 
de desespero. Oh, destino, destino! Sob o sufocamento de minha ignorância, vexado 
perante o paralelo de meus camaradas, prevejo o malogro da minha carreira no sentido 
de algo almejar.» 
Bodáev – Até ver, há aí pouca coisa digna de louvor, quer para si, quer para ele. 
Gurmíjskaia – Oiçam mais. 
Milónov – «Mas não me atemorizo porém! Defronte de mim vislumbro a fama, 
a fama! Embora o frágil óbolo da vossa parte me haja lançado por mais de uma vez à 
beira da indigência e da perdição, osculo vossa mãozinha. Desde os verdes anos da 
minha adolescência e até à minha actual maturidade, vinha eu desconhecendo minha 
vocação; hoje, porém, tudo se abriu para mim defronte dos meus olhos.» 
Bodáev – Então não tem vergonha de que o seu sobrinho, um fidalgo, escreva 
como o filho de um soldado? 
Gurmíjskaia – Não interessa o estilo. Para mim, está escrito maravilhosamente, 
vejo que há aqui um sentimento imaculado. 
 
Entra Karp. 
 
Karp – Chegou Ivan Petróvitch Vosmibrátov, com o filho. 
Gurmíjskaia – Peço desculpa, meus senhores, vou receber um mujique na vossa 
presença. 
 13 
Bodáev – Cuidado com esse, é um grande malandro. 
Gurmíjskaia – Para já, é muito bom pai de família; é isso o importante. 
Bodáev – Até pode ser bom pai de família, mas para aldrabar é que não há pai 
para ele. 
Gurmíjskaia – Não acredito, não, não é possível. 
Milónov – Parece que estamos combinados, eu e a senhora: eu próprio sou um 
ardente defensor dos pais de família e das relações familiares. Uar Kirílitch, quando foi 
que as pessoas foram felizes? Sob as copas das árvores. Que lástima termo-nos afastado 
da simplicidade primitiva, que pena terem acabado as nossas relações e medidas 
paternais em relação aos nossos irmãos menores! O rigor no trato e o amor na alma… a 
elegância harmoniosa que há nisso! Agora apareceu a lei e, juntamente com ela, veio a 
frieza; dizem que antigamente havia arbitrariedade; pois, mas também calor humano. 
Tantas leis para quê? Para que é necessário regulamentar as relações? Que as 
regulamente o coração. Que cada qual tenha a consciência do seu dever! A lei está 
escrita na alma das pessoas. 
Bodáev – Isso era bom, mas tinha de haver menos aldrabões, porque de facto 
eles são demais. 
Gurmíjskaia (para Karp) – Vai buscar o Ivan Petróvitch! 
 
Karp sai. Entram Vosmibrátov e Piotr. 
 
 
CENA 5 
 
Gurmíjskaia, Milónov, Bodáev, Vosmibrátov, Piotr. 
 
Gurmíjskaia – Senta-te, Ivan Petróvitch! 
Vosmibrátov (faz vénias e senta-se) – Senta-te, Piotr! 
 
Piotr senta-se junto à porta, na beirinha da cadeira. 
 
Milónov – Quer que leia até ao fim? 
Gurmíjskaia – Leia, pode ser na presença dele. 
 14 
Milónov (lê) - «Pobreza, és incompreensível! Obrigado, obrigado, minha 
senhora. Dentro em breve meu nome se cobrirá de imortalidade e, conjuntamente com 
ele, também vosso nome jamais perecerá para descendentes, filhos e netos… Grato vos 
sou, uma vez mais e por tudo, por tudo. Seu sobrinho, obediente servidor, filho da 
natureza, criado pelas desgraças, Gurmíjski.» 
Gurmíjskaia (pegando na carta) – Obrigada, Evguéni Apollónitch! Vamos 
perguntar ao homem simples, ele nos dirá a verdade. Ivan Petróvitch, esta carta está 
bem escrita? 
Vosmibrátov – Uma categoria! Se um requerimento fosse esgalhado assim, nada 
melhor. 
Milónov – Mas esta carta já tem doze anos; como estará agora o seu sobrinho e a 
sua grande fama? 
Gurmíjskaia – Já lhe disse que não sei. 
Bodáev – Vamos lá ver se ele a espanta. 
Gurmíjskaia – Seja como for, orgulho-me desta carta e agrada-me muito 
encontrar gratidão nas pessoas. Gosto muito dele, a verdade seja dita. Meus senhores, 
convido-os a almoçarem comigo depois de amanhã. Espero que não se recusem a 
assinar o meu testamento? Acho que já estará pronto; de qualquer maneira, serão bem-
vindos. 
Bodáev – De acordo. 
Milónov – Acredite: tudo o que é belo e sublime… 
Gurmíjskaia – É evidente que, se me julgarem com rigor, tenho alguma culpa 
para com o herdeiro; é que já vendi uma parte da propriedade. 
Vosmibrátov – E bastante grande, minha senhora; sobretudo quando vivia nas 
capitais. 
Gurmíjskaia – Sou muito generosa na ajuda que presto aos outros. Para ajudar o 
meu próximo não poupo nada. 
Vosmibrátov – Pois é. Ora, nem que fosse em seu proveito próprio; é dona dos 
seus bens, somos todos filhos de Deus. 
Gurmíjskaia – Mas já vai em sete anos que o meu modo de vida é outro. 
Vosmibrátov – Certo e sabido que assim é; não correm famas de qualquer coisa 
e tal… A senhora leva uma vida regular. 
Gurmíjskaia – Ah, já antes levava… mas não se trata disso. O que eu quero dizer 
é que agora sou muito poupada. 
 15 
Bodáev – Peço desculpa! Não me refiro a si! Por isso não se zangue, por favor! 
Mas o certo é que aqui, no nosso meio, muitas herdades foram de facto arruinadas 
completamente pelas mulheres. Quando é o homem a esbanjar o dinheiro, há sempre 
algum sentido por trás; ora, a estupidez feminina não tem medida. Se a mulher precisa 
de oferecer um roupão ao amante é capaz de vender o grão fora de época, e quase de 
graça; se o amante precisa de um chapéuzinho com borla, ela vende a madeira para 
construção, preciosa, ao primeiro vigarista que lhe aparecer. 
Vosmibrátov – Nesse particular, vossa alta senhoria tem toda a razão. Quando se 
deixa a raça fêmea à vontade, acaba tudo mal. 
Bodáev – Achas? 
Milónov (para Vosmibrátov) – Ah, Vânia, Vânia, que grosseirão tu me saíste! 
Vosmibrátov – Falo no geral, meu senhor. 
Milónov – Mesmo assim, amigo Vânia, tens de ter cuidado… Além disso estás 
equivocado; não é por culpa das senhoras que as propriedades estão arruinadas, mas 
porque há demasiada liberdade. 
Bodáev – Qual liberdade? Onde? 
Milónov – Ah, Uar Kirílitch, eu também sou pela liberdade; também sou contra 
as medidasrestritivas… É claro que para o povo, para os moralmente imaturos há uma 
necessidade… Mas tem de concordar que podemos chegar a um ponto tal! Os 
comerciantes vão à falência, os fidalgos arruínam-se… Tem de concordar que é 
necessária legislação para limitar as despesas de cada pessoa, determinar uma norma 
com base nas ordens sociais, nas classes, nos cargos. 
Bodáev – Muito bem, apresente o seu projecto! Estamos agora na época dos 
projectos, toda a gente os apresenta. Fique descansado que ninguém se vai espantar, há 
projectos ainda mais imbecis. 
 
Levanta-se. Milónov também. Fazem vénias. Vosmibrátov e Piotr levantam-se. 
 
Gurmíjskaia (despedindo-se deles) – Meus senhores, até depois de amanhã, fico 
à vossa espera. 
 
Milónov e Bodáev saem. 
 
 
 16 
CENA 6 
 
Gurmíjskaia, Vosmibrátov, Piotr. 
 
Gurmíjskaia – Senta-te, Ivan Petróvitch! 
Vosmibrátov (sentando-se) – Senta-te, Piotr! 
 
Piotr senta-se. 
 
Mandou-me chamar, minha senhora? 
Gurmíjskaia – Sim, preciso muito de falar contigo. Trouxeste dinheiro? 
Vosmibrátov – Não senhora, é que não trouxe mesmo. Mas, se precisar, amanhã 
já lho trago. 
Gurmíjskaia – Traz, por favor. Não queres um copinho de vodca? 
Vosmibrátov – Por amor de Deus! Não são horas para isso… e nós também… 
somos filhos de gente. 
Gurmíjskaia – Traz tudo então, como tínhamos combinado. 
Vosmibrátov – Às suas ordens. 
Gurmíjskaia – Não me lembro, parece que… 
Vosmibrátov – Fique descansada. 
Gurmíjskaia – Parece que são mil e quinhentos. (Procurando na caixa.) Onde 
foi que eu meti o papel? Será que o perdi? Não o encontro. 
Vosmibrátov – Procure melhor, minha senhora. 
Gurmíjskaia – Em todo o caso, este dinheiro não chega para mim. Não queres 
comprar mais um terreno com floresta? 
Vosmibrátov – Então venda a floresta toda! Para que a quer?... É que a floresta 
só dá canseiras, minha senhora; os campónios roubam… e depois, vá-se lá entrar em 
litígio com eles… A floresta é muito perto da cidade, qualquer vagabundo, qualquer 
fugido procura abrigo lá, e a criadagem, esse mulherio… Vêm com a desculpa de que se 
interessam pelas bagas e pelos cogumelos, mas o que resulta daquilo é uma coisa muito 
pouco semelhante. 
Gurmíjskaia – Não, agora não vendo a floresta toda; o que é uma propriedade 
sem a floresta? É feio. Talvez mais tarde… Compra-me agora aquela parte mais perto 
da cidade. 
 17 
Vosmibrátov – Não tenho agora dinheiro à larga, mas posso comprar se me fizer 
um preço jeitoso. Pois, e ainda tenho em vista mais uma mercadoria sua. 
Gurmíjskaia – Não compreendo 
Vosmibrátov – A senhora tem uma parente pobre, uma rapariga sem meios… 
Gurmíjskaia – E depois? 
Vosmibrátov – O meu rapaz deitou-lhe o olho não sei onde, ou então viu-a aqui. 
 
Piotr levanta-se. 
 
Gurmíjskaia – Ele? 
Vosmibrátov – Pois, o Piotr. O rapaz é um cordeiro, que lho digo eu. Ele é tão 
estúpido e fracalhote que ela lhe caiu no goto, não sei. É bem certo que nós não valemos 
nada, mas se Deus ajudasse, a senhora dava uma florestazita em proveito dele, no valor 
de quatro mil rublos, vá lá digamos, e isso para nós já chega. Então, por bondade da 
senhora, o rapaz assentava na vida e andava pr’a frente. 
Gurmíjskaia – Agradeço muito; mas desculpai lá, meus amigos! Ela já tem um 
noivo, que vive em minha casa. Talvez na cidade digam uns disparates quaisquer, mas 
ficai a saber que ele é mesmo noivo dela. 
Vosmibrátov (para Piotr) – Ouviste? Vê lá o que andas a fazer! Obrigas o teu 
pai a fazer figura de asno. Anda lá que eu já te ensaio! 
Gurmíjskaia – Não penseis que vos desprezo. Para ela, o teu filho até era um 
bom partido. E se ela agora tem um noivo fidalgo, isso até é um grande favor para ela, a 
rapariga não merece este noivo. 
Vosmibrátov – Compreendemos, minha senhora. 
Gurmíjskaia – Portanto, é definitivo e não se fala mais nisto. Agora, a floresta. 
Compra, Ivan Petróvitch! 
Vosmibrátov – Não disponho de liquidez, não posso. 
Gurmíjskaia – Não pode ser. 
Vosmibrátov – Ainda se não pedisse muito, talvez. 
Gurmíjskaia – Quanto darias por ela? 
Vosmibrátov – Quinhentos rublos, chega? 
Gurmíjskaia – O quê? Mas o quê? Mil e quinhentos pela outra e agora só dás 
quinhentos por esta? Mas esta é maior e melhor. 
 18 
Vosmibrátov – Tem razão. Desculpe! Falei mecanicalmente, sem pensar; além 
disso também não estou para tratar disso agora. Diga o seu preço. 
Gurmíjskaia – Pelo menos dois mil. Já me propuseram este preço. 
Vosmibrátov – Oiça então o meu conselho: venda. 
Gurmíjskaia – Ouve, não quero ofender-te. 
Vosmibrátov – Muito agradecido pelo que me toca; mas tenho de lhe dizer: para 
mim não serve. 
Gurmíjskaia – Ivan Petróvitch, tem vergonha na cara! Sou uma mulher 
desprotegida. É pecado ofender uma órfã como eu. Não te esqueças de Deus. 
Vosmibrátov – Nós, minha senhora, se nos esquecermos de Deus, nosso criador 
misericordioso, então é que ficamos perdidos. Porque sem Deus não somos nada, é o 
nosso único amparo. 
Gurmíjskaia – Assim está bem. Agora tens de ver que eu preciso do dinheiro 
para fazer uma boa acção. A rapariga é casadoira e não tem grande cabeça, e eu gostava 
de a casar e arrumar antes da minha morte. O que será dela, sem protecção, quando eu 
morrer? Hoje em dia, já se sabe como são as pessoas! Tu próprio és pai, podes avaliar, 
também tens uma filha, gostavas que ela… 
Vosmibrátov – Ai, se alguma vez essa galdéria… 
Gurmíjskaia – Ivan Petróvitch, que linguagem é essa! Sabes bem que eu não 
gosto. Ouve então! Como é para ti, abato quinhentos rublos, deixo-ta por mil e 
quinhentos. 
Vosmibrátov – Assim não me dá vantagem nenhuma. 
Gurmíjskaia – Então não é preciso dizer mais nada. E tu devias ter vergonha. 
Vosmibrátov – É carote, mas está bem. (Abana a mão.) Mas é só porque já 
fizemos negócio antes. 
Gurmíjskaia – Só que preciso do dinheiro já para amanhã. 
Vosmibrátov – Trago-lho sem falta, ainda há-de estar a dormir e já cá está a 
bagalhoça. Prepare lá então o papel, para não se incomodar de manhã, espete lá que pela 
floresta vendida para corte, nos termos tais e tais, recebeu o pagamento íntegro e 
completo. 
Gurmíjskaia – Trazes então os três mil certos? 
Vosmibrátov – Trazemos o que tem de ser trazido. Do anterior já a senhora tem 
o recibo; mas deste, francamente, até me dá ganas de não lho passar. A senhora não 
acredita na nossa palavra, por cada ninharia quer papeluchos e recibos; ora bem, que 
 19 
razões tem para duvidar? Sou analfabeto, às vezes nem sei o que está escrito nos papéis. 
Ando sempre com o rapaz atrás para assinar. Até logo então, com sua licença. 
Gurmíjskaia – Até logo! 
 
Vosmibrátov e Piotr saem. Entra Karp. 
 
 
CENA 7 
 
Gurmíjskaia, Karp, depois Aksiúcha e Ulita. 
 
Karp – A senhora mandou chamar a menina, pois ela já está ali à espera. 
Gurmíjskaia – Manda-a entrar! 
 
Karp sai. 
 
Garota manhosa e atrevida! Não tem gratidão nenhuma e não faz o mínimo 
esforço para agradar. É o meu castigo. 
 
Entra Aksiúcha. 
 
Aksiúcha (com os olhos baixos, fala baixinho) – O que deseja a senhora? 
Gurmíjskaia – Suponho que sabes por que razão eu trouxe para cá o Aleksei 
Serguéevitch? 
Aksiúcha – Sei. 
Gurmíjskaia – Então faz o favor de não imaginar que és qualquer coisa 
importante. Olha que é só uma suposição. Às tantas ainda te enternecias e depois ficavas 
desiludida (ri-se) e eu tinha pena de ti. 
Aksiúcha – Por que razão havia de me enternecer? 
Gurmíjskaia – Ah, meu Deus! Não será um óptimo partido para ti? Ainda 
pergunta! Mas primeiro vou ver se mereces. Eu própria digo a toda a gente que ele é o 
teu noivo, e os outros que o entendam assim; mas aindavou pensar, ouviste? Vou 
pensar. 
 
 20 
Entra Ulita. 
 
Aksiúcha – Valia a pena perguntar também a mim. 
Gurmíjskaia – Eu é que sei quando é preciso perguntar-te alguma coisa; não me 
queiras ensinar. Mas agora quero que toda a gente o considere teu noivo, preciso disso. 
Mas Deus te livre de te armares em coquete com ele ou de te permitires um atrevimento 
qualquer! 
Aksiúcha – Qual atrevimento? O que quer dizer com isso? 
Gurmíjskaia – Não me digas que ousas ofender-te! Essa era boa! Fica sabendo, 
alminha, que eu tenho o direito de pensar de ti tudo o que me apetecer. És uma rapariga 
reles, andavas de trenó com os garotos da rua. 
Aksiúcha – Não passava a vida a andar de trenó, desde os seis anos que ajudava 
a minha mãe no trabalho, dia e noite; nos feriados é que andava de trenó com os 
rapazes, é verdade. É claro, não tinha brinquedos nem bonecas. Mas desde os dez anos 
que vivo em sua casa e tenho sempre à frente dos olhos um exemplo… 
Gurmíjskaia – As más inclinações costumam enraizar-se desde a infância. Por 
isso, minha cara, desculpa lá se eu te trago sob um controlo apertado. (Rindo.) Embora 
ele seja teu noivo, estão verdes, as uvas. 
Aksiúcha – Noivo! Quem quer um noivo desses? 
Gurmíjskaia – Isso está acima do teu entendimento. 
Aksiúcha – Bonito não é, inteligente também não. 
Gurmíjskaia – Disparate! És parva, porque ele é inteligente, bonito e culto. Ora 
vejam só! Dizes isso por pirraça. Não és cega. Queres é irritar-me. 
Aksiúcha – Mas o que é que isso lhe importa, a si? 
Gurmíjskaia – O que é que me importa? É a minha escolha, o meu gosto. Tem 
havido senhoras melhores do que tu, da sociedade, que se sentem atraídas por ele. 
Aksiúcha – O que não as honra muito. 
Gurmíjskaia – Ah, ah! Olha quem fala! O que é que tu entendes da honra ou da 
desonra? 
Aksiúcha – Sou uma moça reles, não sou uma senhora da sociedade, mas esta 
sua jóia a mim é que não seduzirá. 
Gurmíjskaia – Mas eu ordeno-te. 
Aksiúcha – Não me caso com ele; para que é então esta comédia? 
 21 
Gurmíjskaia – Comédia! Como te atreves? Nem que seja uma comédia, como 
sou eu que te alimento e te visto, obrigo-te a entrar na comédia. Não tens o direito de 
saber as minhas intenções: quero assim, e pronto. Ele é o noivo, tu és a noiva… só que 
ficas no teu quarto sob vigilância. É esta a minha vontade! 
Aksiúcha (olhando-a nos olhos) – Mais nada? 
Gurmíjskaia – Mais nada, podes ir! 
 
Aksiúcha sai. 
 
Espera lá que ainda vais ver! Outras melhores do que tu dançaram ao compasso 
da minha música. 
 
 
CENA 8 
 
Gurmíjskaia e Ulita 
 
Gurmíjskaia – Vem cá! 
Ulita – O que manda, minha senhora? 
Gurmíjskaia – Vem aqui para mais perto, senta-te e ouve! 
Ulita (aproxima-se e senta-se no chão) – Sou toda ouvidos, minha senhora. 
Gurmíjskaia – Acho que me conheces bem, não conheces? Sabes com que rigor 
eu controlo a minha casa, não sabes? 
Ulita – Sei. Como é que não havia de saber? 
Gurmíjskaia – Não acredito na Aksiúcha, é uma sonsa. Ela está muitas vezes 
com o Aleksei Serguéevitch; não quero que ela tome liberdades com ele. Na minha 
presença não se atreve, evidentemente, mas eu nem sempre estou onde eles estão: 
podem encontrar-se no jardim ou dentro de casa sem eu ver. É por isso que eu te peço, 
não, que eu te mando… 
Ulita – Percebo, minha senhora, percebo. Deixe que lhe beije a mãozinha! (Beija 
a mão de Gurmíjskaia.) Compreendo-a, e compreendo-a tão bem que é um espanto. Há 
muito que ando atrás deles como uma sombra, não os deixo dar um passo sozinhos; 
onde eles estão, estou eu também. 
 22 
Gurmíjskaia (pensando um pouco) – Por isso é que eu gosto de ti, pela tua 
perspicácia. 
Ulita – Perspicácia, minha senhora, perspicácia. Ainda ontem rasguei às tiras o 
meu vestidinho todo, a rastejar no meio dos arbustos, piquei-me toda nas urtigas, 
sempre a espiar a conversa deles. 
Gurmíjskaia – Rasgaste o vestido? Não há azar, não poupes na roupa, eu tenho 
muitos vestidos; ofereço-te um bom vestido para substituíres o teu. 
Ulita (com ar de mistério) – Há pouco encontraram-se aqui. 
Gurmíjskaia – E então, como é que foi? 
Ulita – Esse parvalhão do Karp só estorva; mas consegui descobrir umas 
coisinhas. 
Gurmíjskaia – Descobriste o quê? 
Ulita – Ela muito meiguinha; e ele… como quem (faz um gesto com a mão) diz 
que não, não quero. 
Gurmíjskaia – Sim?... Tens a certeza? (Olha-a nos olhos.) 
Ulita – E até parece que fez assim (faz um gesto)… 
Gurmíjskaia – Não me digas! 
Ulita – Como se… vê-se que ele até nem está muito… nem por isso… 
Gurmíjskaia – Acho que estás a mentir. 
Ulita – Não, minha senhora, tenho bom olho para essas coisas… Como se ele 
tivesse outra coisa qualquer na cabeça… 
Gurmíjskaia – O que ele tem na cabeça não podes tu saber. Estás a ir longe 
demais. 
Ulita – Eu empenho-me bastante… 
Gurmíjskaia – Com todo o teu empenho não entras na cabeça dos outros, 
portanto não tens nada que dizer disparates. 
 
Pausa 
 
Ulita, eu e tu somos da mesma idade… 
Ulita – Eu sou mais velha, minha senhora. 
Gurmíjskaia – Deixa-te disso, não é preciso… Eu sei, e tu sabes tão bem como 
eu, que somos da mesma idade. 
 23 
Ulita – Palavra de honra, minha senhora, parece-me sempre que… E para que é 
preciso estar a contar os anos, somos ambas órfãs, viúvas inconsoláveis… 
Gurmíjskaia – Não és tão inconsolável como isso. Já não te lembras como era? 
O que eu fiz contigo, tentei a bem e a mal, e não dava resultado nenhum. 
Ulita – É verdade, minha senhora, com certeza; mas há muito que isso acabou. 
Nos últimos seis anos, em que a própria senhora vive nesta calma… 
Gurmíjskaia – Pois, mas olha que não vejo nada… 
Ulita – Raios me partam se eu… 
Gurmíjskaia – Ouve, Ulita! Diz-me, mas com sinceridade… Quando calha veres 
um jovem bonito… não sentes qualquer coisa?... Ou, digamos, não te passa pela cabeça 
que seria bom apaixonares-te ainda… 
Ulita – O quê? Eu, uma velha? Já me esqueci dessas coisas, já passou tudo ao 
esquecimento. 
Gurmíjskaia – Ora, mas que velha és tu? Não, a sério, conta lá! 
Ulita – Já que a senhora manda… 
Gurmíjskaia – Sim, mando. 
Ulita – Talvez quando sonho (com ternura)… pois, às vezes acontece assim 
como uma nuvem, uma coisa assim. 
Gurmíjskaia (pensativa) – Sai daqui, sua nojenta! 
 
Ulita levanta-se, afasta-se e olha de esguelha. 
 
(Gurmíjskaia levanta-se e vai até à janela.) O rapaz não é nada feio! 
Impressionou-me logo à primeira vista, foi agradável. Ah, que alma jovem eu ainda 
tenho! Parece que sou capaz de me apaixonar até aos setenta anos… Se não fosse esta 
minha sensatez… Ele não está a ver… (Faz um gesto com a mão.) Ah, é um bonitão!... 
Sim, as regras severas significam muito na vida. (Vira-se e vê Ulita.) Ainda aí estás? Vá 
lá; em vez de um vestido, levas dois. 
 
Saem. 
 24 
SEGUNDO ACTO 
 
 
Aksiúcha. 
Piotr. 
Terionka, pequeno criado de Vosmibrátov. 
Guennádi Malfadado 
 Viajantes que caminham a pé. 
Arkádi Venturoso 
 
Floresta; dois caminhos pouco largos partem dos lados opostos do fundo do 
palco e juntam-se perto do proscénio sob o ângulo (???). Neste ponto há um poste 
pintado, onde estão pregadas duas tabuletas com indicações; na da direita: «Direcção 
cidade de Kalínov»; na da esquerda: «Direcção Penki, herdade da Srª Gurmíjskaia» 
Junto ao poste há um cepo largo e baixinho; por trás do poste, no triângulo entre os 
caminhos, há arbustos baixos, nunca ultrapassando a estatura humana, no lugar da 
antiga área florestal já cortada. Ocaso. 
 
 
CENA 1 
 
Aksiúcha sai da floresta à esquerda e senta-seno cepo; Piotr sai da floresta à 
direita; depois aparece o rapazinho. 
 
Piotr (alto) – Terionka! 
 
Aparece o rapazinho. 
 
Trepa àquela árvore, a do lado, e fica a vigiar o caminho… E vê lá não 
adormeças, senão ainda alguém te caça em vez da ave. Ouviste? 
Terionka (tímido) – Ouvi. 
 25 
Piotr – Se avistares o meu pai, atira-te logo da árvore como uma pedra e corre 
para aqui. (Dá meia-volta ao rapazinho e dá-lhe uma palmada na nuca.) Vai. 
 
O rapazinho afasta-se. 
 
Mais depressa, amigo, rápido! 
 
O rapazinho vai para a floresta. 
 
Aksiúcha (aproximando-se de Piotr) – Olá, Pétia! 
Piotr (beijando-a) – Olá, como vai tudo? 
Aksiúcha – Na mesma, um pouquinho pior. 
Piotr – Ora, ouvi dizer que muito melhor. 
Aksiúcha – O que estás para aí a inventar? 
Piotr – Vai casar-se com um nobre? Ainda bem; se calhar fala várias línguas. Ou 
ainda melhor, veste sobretudos curtos, nada que se compare connosco. 
Aksiúcha (tapando-lhe a boca) – Deixa-te disso, deixa! Sabes bem que nunca 
vai acontecer, por que te armas então em ressentido? 
Piotr – Como é que não vai acontecer se ainda há pouco a sua tia… 
Aksiúcha – Não te preocupes, não te preocupes! 
Piotr – Nesse caso, diz directamente: a quem pertences tu? A ti própria ou ao 
outro? 
Aksiúcha – A mim própria, amor, a mim própria. E também me parece que não 
me vão obrigar. Há ali mais qualquer coisa por trás. 
Piotr – Para disfarçar? 
Aksiúcha – Acho que sim. 
Piotr – O que eu sofri há pouco. O meu pai ainda chegou a tentar, disse uma 
palavrinha à senhora a teu respeito, mas ela respondeu-lhe de caras: «tem noivo». Então, 
enquanto estavam a falar, era como se eu estivesse dentro de água a ferver todo 
escaldado. Depois daquilo, o paizinho ainda falou duas horas sem parar, sempre a 
descompor-me; descansava um pouco, logo voltava à carga. Tu, dizia-me ele, obrigaste-
me a fazer figura de parvo à frente da senhora. 
Aksiúcha – Ela ficaria feliz se pudesse desfazer-se de mim, mas tem pena do 
dinheiro. O teu pai continua a insistir no dote? 
 26 
Piotr – Menos de três mil não aceita. «Se não lhe sacar três mil por ti, diz ele, 
nem vale a pena alimentar-te. Tenho de te casar por dinheiro, nem que seja com uma 
cabra, diz ele.» 
Aksiúcha – Nada a fazer, não tenho onde arranjar os três mil. Ora, perguntas-me 
tu a quem pertenço… e tu, a quem pertences? A ti próprio? 
Piotr – Não, não me pertenço, nem vale a pena falar nisso! Sou um forçado, com 
as grilhetas nos pés e nas mãos para sempre. 
Aksiúcha – Por que estás tão triste, por que não me acarinhas? 
Piotr – Como queres que esteja alegre? Ando aqui pela floresta a olhar para as 
árvores, à procura de um galho mais sólido. Acho que tu também não és mais feliz do 
que eu. 
Aksiúcha – Nem triste nem feliz, há muito que ando adormecida. Mas esquece a 
desgraça agora, enquanto estou contigo! 
Piotr – Tens razão, mas a alegria continua a ser escassa. 
Aksiúcha – Ah, seu parvinho! Como é que a alegria pode ser pouca se há uma 
rapariga que gosta de ti! 
Piotr – E por que havia de não gostar? Não sou nenhum tártaro infiel. Além 
disso, o que é que as raparigas têm mais para fazer? Só amar. É esta a vossa obrigação. 
Aksiúcha (zangada) – Ai sim? Então vai-te embora. 
Piotr – Não tens nada que te zangar! É como se eu tivesse um cravo espetado na 
cabeça: já vai no terceiro dia que penso, penso, e os miolos não inventam nada; nem 
assim nem assado… 
Aksiúcha (ainda ressentida) – Andas a pensar em quê? Pensavas antes em mim; 
é preciso pensar. 
Piotr – É em ti que penso. Há duas coisas: a primeira é que não dou tréguas ao 
meu paizinho. Por exemplo, se ele hoje me descompuser outra vez, amanhã volto ao 
mesmo. E se ele amanhã, digamos, me bater por causa disso, depois de amanhã volto ao 
mesmo; e vai ser assim até ele se fartar de me dar porrada. E não se vai passar um dia 
sem isso. Das duas, uma: ou ele me mata com uma paulada, ou faz o que eu peço; pelo 
menos haverá um desfecho qualquer. 
Aksiúcha (depois de pensar) – E qual é a outra coisa? 
Piotr – A outra vai ser mais curiosa. Tenho trezentos rublos meus; e se meter a 
mão na escrivaninha do meu pai, haverá dinheiro à vontade. 
Aksiúcha – E depois? 
 27 
Piotr – E depois, adeus desgraça! Sentamo-nos numa troika e «ei, cavalinhos 
lindos!» Chegamos ao Volga… xô! Barco a vapor, veloz pelo rio abaixo, ninguém o 
acompanha pela margem. Um dia em Kazan, outro dia em Samara, o terceiro em 
Sarátov; viver com tudo o que alma deseja; não nos importa que seja caro. 
Aksiúcha – E se encontras alguém conhecido? 
Piotr – Aperto um olho, fico zarolho, ninguém me reconhece. Posso andar assim 
três dias seguidos. Aconteceu uma vez, eu já te conto. O paizinho mandou-me a Níjni 
Nóvgorod tratar de um negócio, e tinha de ser rápido. Mas em Níjni encontrei uns 
amigos, desafiaram-me a ir com eles a Liskovo. Fiquei na dúvida. Se em minha casa 
soubessem, ai de mim! Então vesti o cafetã de outro, pus uma ligadura na cara, e aí vou 
eu. No vapor encontro um conhecido do meu pai, mas não me escondo dele, ando por 
ali à vontade, e ele a olhar. De repente vem ter comigo. «Donde vem?», pergunta ele. 
«De Míchkino», digo-lhe eu, que é um sítio onde nunca estive. «Parece que o conheço», 
diz ele. «É possível», digo eu, e passo. Ele aproximou-se mais uma vez, já era a terceira, 
sempre a querer saber. Fiquei fulo. «A sua cara a mim também não me é estranha», 
digo-lhe eu, «por acaso não estivemos juntos na prisão de Kazan?» E na presença de 
toda aquela gente. O homem ficou sem saber como negar; para ele foi como um tiro de 
espingarda. Então, se encontrarmos alguém, não há problema! 
Aksiúcha – E quando o dinheiro acabar, como vai ser? 
Piotr – Isso ainda não planeei bem. Ou voltamos para pedir perdão, ou 
encontramos uma escarpa bem alta e onde a água seja funda e rodopie em funil, e 
deitamo-nos para lá a nadar como nadam os machados. Ainda é preciso pensar… 
Aksiúcha – Não, Pétia, escolhe antes a primeira solução. 
Piotr – Portanto, assediar o meu pai, é isso? 
Aksiúcha – Sim. Bem, se não der… vamos pensar. Amanhã vai lá ao nosso 
jardim, o mais tarde possível, lá em casa deitam-se cedo. 
Piotr – Combinado. 
 
Entra o rapazinho a correr. 
 
O que é? 
Terionka – O seu paizinho. (Foge.) 
Piotr (apressado) – Então ficamos assim. Eu vou a correr! Até logo! 
 
 28 
Beijam-se e vai cada qual para seu lado. 
 
 
CENA 2 
 
Do fundo do palco, da direita, aparece Guennádi Malfadado. Tem cerca de 35 
anos mas, pela cara, parece muito mais velho; cabelo escuro, grande bigode. Os traços 
do rosto são bruscos, profundos e muito dinâmicos, vestígios de uma vida inquieta e 
intemperada. Veste sobretudo comprido e largo de brim, na cabeça tem um chapéu 
cinzento de abas largas, muito gasto, as botas são à russa, grandes, na mão traz um 
cajado nodoso e grosso, às costas transporta uma pequena mala, do tipo mochila, com 
correias. Está visivelmente cansado, pára muitas vezes, suspira e lança olhares 
sombrios de soslaio. Ao mesmo tempo, aparece do outro lado Arkádi Venturoso; já 
passa dos 40 anos, a sua cara parece maquilhada de carmesim, o cabelo tem o aspecto 
de pêlo coçado, o bigode e a pêra são finos, ralos, de cor ruivo-acinzentada, o olhar é 
rápido, exprimindo ironia e timidez ao mesmo tempo. Traz gravata azul-clara, casaco 
curtinho, calças justas também curtas, botas coloridas de cano curto, na cabeça usa um 
boné infantil – tudo muito usado; sobre o ombro leva um sobretudo leve de lustrina 
pendurado num varapau juntamente com uma trouxa feita de um lenço colorido. Está 
cansado e a arfar, com um sorriso que não dá para se perceber se está triste ou alegre.Aproximam-se um do outro. 
 
Guennádi Malfadado (soturno) – Arkachka! 
Arkádi Venturoso – Sou eu, Guennádi Demiánitch. Eu próprio. 
Guennádi Malfadado – Para onde vais e donde vens? 
Arkádi Venturoso – Venho de Vólogda e vou para Kertch, Guennádi 
Demiánitch. E vossemecê? 
Guennádi Malfadado – De Kertch, e vou para Vólogda. Vais a pé? 
Arkádi Venturoso – A butes, Guennádi Demiánitch. (Em tom semibajulador, 
semi-irónico.) E vossemecê, Guennádi Demiánitch? 
Guennádi Malfadado (em voz de baixo espesso) – De coche. (Com ardor.) Não 
vês? Por que perguntas? Asno! 
Arkádi Venturoso (timidamente) – Não foi por mal… 
Guennádi Malfadado – Sentemo-nos, Arkádi! 
 29 
Arkádi Venturoso – Onde? 
Guennádi Malfadado (apontando para o cepo) – Eu aqui, e tu onde quiseres. 
(Senta-se, tira a mala das costas e põe-a ao lado.) 
Arkádi Venturoso – Que mochila é esta? 
Guennádi Malfadado – Uma coisa excelente. Eu próprio a costurei para a 
viagem. É leve e cabe cá muita coisa. 
Arkádi Venturoso (senta-se no chão ao pé do cepo) – Feliz de quem tem o que 
pôr dentro da mala. O que tem lá dentro? 
Guennádi Malfadado – Um par de fatos, meu amigo, e dos bons, feitos por um 
judeu de Poltava. Por altura do Santo Elias, naquela feira, depois do espectáculo da 
minha homenagem, mandei fazer muita roupa para mim. Também cá tenho um chapéu 
de pasta, sim, meu amigo, duas perucas, e uma boa pistola, que ganhei às cartas a um 
circassiano, em Piatigorsk. O gatilho está estragado, quando passar por Tula mando-o 
consertar. É pena não ter uma casaca; tinha uma mas troquei-a pelo trajo de Hamlet, em 
Kichiniov. 
Arkádi Venturoso – E para que precisaria vossemecê de casaca? 
Guennádi Malfadado – Ah, Arkachka, como continuas a ser tão estúpido! 
Digamos que chego agora a Kostromá, ou a Iaroslavl, ou a Vólogda, ou a Tver, e 
arranjo lugar num elenco… Tenho ou não tenho de me apresentar ao governador, ao 
chefe da polícia, de fazer visitas na cidade? Os cómicos não fazem visitas porque são 
palhaços, mas os trágicos são do género humano, meu amigo. E tu, o que levas na 
trouxa? 
Arkádi Venturoso – A biblioteca. 
Guennádi Malfadado – Grande? 
Arkádi Venturoso – Umas trinta peças, e cadernos de música. 
Guennádi Malfadado (em voz de baixo) – Tens dramas, Arkádi? 
Arkádi Venturoso – Só dois, o resto são vaudevilles. 
Guennádi Malfadado – Para que carregas com essa porcaria? 
Arkádi Venturoso – Vale dinheiro. Tenho também pequenos adereços, 
condecorações… 
Guennádi Malfadado – Então… «granjeaste» isso tudo, foi? 
Arkádi Venturoso – E não o considero um pecado, com os ordenados em atraso. 
Guennádi Malfadado – Então e a roupa, onde a tens? 
Arkádi Venturoso – Só o que tenho vestido, há muito que não há mais nada. 
 30 
Guennádi Malfadado – E no Inverno? 
Arkádi Venturoso – Gastei a minha roupa toda, Guennádi Demiánitch. É bem 
verdade que, numa viagem comprida, as coisas se tornam difíceis; mas onde há pobreza 
há engenho. Quando me transportavam para Arkhânguelsk, enrolavam-me num tapete 
grande. Chegávamos a uma estação de muda, desenrolavam-me; antes de nos metermos 
noutro carro, enrolavam-me outra vez. 
Guennádi Malfadado – E viajavas quentinho? 
Arkádi Venturoso – Não era mau, cheguei são e salvo, apesar de a temperatura 
descer aos trinta graus negativos. O caminho de Inverno é pelo rio Dviná, e entre as 
margens há muito vento norte a soprar de frente. Então o senhor vai a Vólogda? Mas o 
elenco não está lá. 
Guennádi Malfadado – E tu a Kertch, não é? Pois em Kertch também não há 
elenco nenhum, meu amigo. 
Arkádi Venturoso – Nada a fazer, Guennádi Demiánitch, de lá sigo para 
Stávropol ou para Tiflis, é perto. 
Guennádi Malfadado – Encontrámo-nos pela última vez em Krementchug, não 
foi? 
Arkádi Venturoso – Em Krementchug, é verdade. 
Guennádi Malfadado – Fazias lá papéis de amante; e o que fizeste depois, meu 
amigo? 
Arkádi Venturoso – Passei a cómico. Mas os cómicos multiplicaram-se demais; 
está tudo ocupado pela gente culta: ex-funcionários, ex-oficiais, ex-universitários… 
todo o bicho careta quer pisar o palco. Fazem-nos a vida negra. Depois, de cómico 
passei a ponto. Isto não está fácil para uma alma sublime, pois não, Guennádi 
Demiánitch? Ponto! 
Guennádi Malfadado (com um suspiro) – É onde vamos cair todos, amigo 
Arkádi. 
Arkádi Venturoso – O único caminho que tínhamos, Guennádi Demiánitch, e até 
esse nos roubam. 
Guennádi Malfadado – Porque é fácil; fazer palhaçadas não é uma grande arte. 
Agora um papel trágico, alto lá! Não há ninguém. 
Arkádi Venturoso – Mas digo-lhe que essa gente culta não trabalha bem, 
Guennádi Demiánitch, não consegue. 
Guennádi Malfadado – Pois não. Qual quê! Farelório! 
 31 
Arkádi Venturoso – Ouropel. 
Guennádi Malfadado – Ouropel, sim, meu amigo. E as encenações? Olha que até 
nas capitais. Vi com os meus próprios olhos: o amante é tenor, o raisonneur é tenor, o 
cómico também é tenor; (em voz de baixo) por consequência, não há fundamento na 
peça. Nem quis ver, saí. Para que deixaste crescer a pêra? 
Arkádi Venturoso – Por que não? 
Guennádi Malfadado – É feio. Tu não és russo, porventura? Que porcaria! 
Detesto. Rapa isso, ou então deixa crescer a barba toda. 
Arkádi Venturoso – Já tentei a barba, mas não resulta. 
Guennádi Malfadado – O quê? Mas que despautério é esse? 
Arkádi Venturoso – Em vez de pêlos crescem-me umas peninhas, Guennádi 
Demiánitch. 
Guennádi Malfadado – Humm! Penas… Dizes cada atoarda! Rapa isso, estás a 
ouvir? Olha que senão, se eu te apanho em má hora… com essa tua pêra… cuidado! 
Arkádi Venturoso (timidamente) – Eu rapo-a, sim senhor. 
Guennádi Malfadado – Pois eu, amigo Arkachka, foi lá para as bandas do sul 
que me achei mal. 
Arkádi Venturoso – O que aconteceu, Guennádi Demiánitch? 
Guennádi Malfadado – É o meu génio. Conheces-me bem: sou um leão. 
Abomino a pulhice, é essa a minha desgraça. Fiquei de mal com todos os empresários. 
Muita falta de respeito, meu amigo, muitas intrigas: eles não dão valor à arte, são 
mesquinhos. Quero tentar aqui, no vosso norte. 
Arkádi Venturoso – Mas aqui é a mesma coisa, Guennádi Demiánitch, 
vossemecê também não se vai amoldar. Eu, por exemplo, não consegui nada. Também. 
Guennádi Malfadado – Também!... dizes tu… Não queiras comparar-te comigo. 
Arkádi Venturoso (ressentido) – O meu feitio é melhor do que o seu, sou mais 
pacato. 
Guennádi Malfadado (com ameaça) – O quêêê? 
Arkádi Venturoso (afastando-se) – Mas… Guennádi Demiánitch! Eu sou pacato, 
pacato… Não agrido ninguém. 
Guennádi Malfadado – Tu é que levaste então aquela sova valente, quem quis 
esmurrar-te, esmurrou. Ah, ah, ah! É sempre assim: há quem leve e há quem bata. Não 
sei o que é melhor: cada qual com seu gosto. E ainda ousas… 
 32 
Arkádi Venturoso (afastando-se) – Eu não ouso nada, vossemecê é que disse que 
não se tinha acomodado. 
Guennádi Malfadado – Eu não me acomodei?... E a ti, de que cidade o 
governador te expulsou? Vá, diz lá! 
Arkádi Venturoso – Dizer o quê? São mexericos… Expulsou… Mas expulsou 
porquê, como? 
Guennádi Malfadado – Como? Eu ouvi contar como foi, eu sei como foi, meu 
amigo. Por três vezes te escorraçaram da cidade; deitavam-te fora por umas portas, 
entravas por outras. Até que o governador perdeu finalmente a paciência: dai-lhe um 
tiro se ele volta mais uma vez, à minha responsabilidade. 
Arkádi Venturoso – Ora essa, um tiro! Acha que se pode dar assim um tiro? 
Guennádi Malfadado – Pois, disparar não dispararam, mas foste corrido pelos 
cossacos, com os azorragues, durante quatro verstás. 
Arkádi Venturoso – Quatro não, menos. 
Guennádi Malfadado – Basta, Arkádi! Não me irrites, amigo! (Autoritariamente)Põe-te a mexer daqui! (Levanta-se.) 
Arkádi Venturoso – Muito bem, Guennádi Demiánitch. (Levanta-se.) 
Guennádi Malfadado – Pois é, amigo Arkádi, rompi com o teatro; e já tenho 
pena. Que actor eu era, que actor! Meu Deus, que actor! 
Arkádi Venturoso (timidamente) – Muito bom? 
Guennádi Malfadado – Tão bom que… Mas para que te digo eu isto? O que 
podes tu compreender? A minha última actuação foi em Lebedian, fiz o papel de 
Belisário, e o próprio Nikolai Ribakov assistiu. Acabo a última cena, saio para os 
bastidores. Está lá o Nikolai Ribakov. Põe-me a mão no ombro, assim… (Põe, com toda 
a força, a mão no ombro de Arkádi Venturoso.) 
Arkádi Venturoso (encolhendo-se com o golpe) – Ai, Guennádi Demiánitch, 
paizinho, tenha piedade. Não me mate. Está-me a meter medo, juro por Deus. 
Guennádi Malfadado – Não é nada, amigo, eu tenho cuidado, é apenas para 
exemplificar… (Volta a pôr a mão.) 
Arkádi Venturoso – Por amor de Deus, tenho medo! Largue-me! Já uma vez me 
mataram assim. 
Guennádi Malfadado (agarra-o pelo colarinho) – Quem? Como foi? 
Arkádi Venturoso (encolhendo-se) – O Bitchóvkin. Ele fazia de Liapunov, e eu 
de Fidler. Ele já tinha planeado aquilo nos ensaios. Dizia-me ele: «Ouve, Arkacha, 
 33 
atiro-te pela janela, e vai ser assim: com esta mão levanto-te pelos colarinhos, e com 
esta empurro. Era assim que fazia o Karatíguin», disse ele. Pedi, supliquei, rojei-me aos 
pés dele. «Alminha, não me mate, meu querido!» «Não tenhas medo, Arkachka, não 
tenhas medo!» Começou o espectáculo, chegou a nossa cena; o público recebe-o com 
aplausos; eu bem via que lhe tremiam os lábios, e até as bochechas, e que tinha os olhos 
raiados de sangue. «Ponham algum cobertor debaixo da janela para este parvo, senão 
ainda o mato realmente.» Era o meu fim. Nem me lembro como balbuciei o meu papel, 
ele avança para mim, com um esgar desumano na cara, uma autêntica fera; agarra-me 
pelos colarinhos com a mão esquerda, levanta-me ao ar e, com a direita, dá-me uma 
punhada na nuca com toda a força… Fiquei mais morto que vivo, Guennádi 
Demiánitch, voei pela janela fora umas três braças, arrombei a porta do camarim das 
senhoras. Os trágicos é que a levam boa! Por causa dessa cena chamaram-no ao palco 
trinta vezes, o público por pouco não deitava o teatro abaixo, ao passo que eu podia 
ficar aleijado para o resto da vida, mas Deus é misericordioso… Largue-me, Guennádi 
Demiánitch! 
Guennádi Malfadado (continuando a agarrá-lo pelos colarinhos) – Grande 
efeito! Não vou esquecê-lo. (Depois de pensar um pouco.) Espera! Como é que foi? 
Vou experimentar. 
Arkádi Venturoso (caindo de joelhos) – Por amor de Deus, Guennádi 
Demiánitch!... 
Guennádi Malfadado (largando-o) – Está bem, vai… Fica para a próxima. Ora 
bem, então ele pôs-me a mão no ombro. «Tu e eu… – disse ele – quando morrermos, 
disse ele…» (Tapa a cara com as mãos e chora. Limpa as lágrimas.) Foi muito 
lisonjeiro. (Com perfeita indiferença.) Tens tabaco? 
Arkádi Venturoso – Qual tabaco, por amor de Deus! Nem uma migalha. 
Guennádi Malfadado – Como é que podes viajar sem te proveres de tabaco? 
Asno. 
Arkádi Venturoso – Mas vossemecê também não tem. 
Guennádi Malfadado - «Vossemecê também não tem!» Como te atreves a dizê-
lo? Tinha um tabaco que tu nunca cheiraste, tabaco de Odessa, da melhor qualidade, 
mas já acabou. 
Arkádi Venturoso – O meu também acabou. 
Guennádi Malfadado – E que dinheiro tens tu? 
 34 
Arkádi Venturoso – Quanto a dinheiro, nunca tive muito, mas agora estou sem 
cheta. 
Guennádi Malfadado – Como é que podes viajar sem dinheiro? Sem tabaco e 
sem dinheiro. Esquisito! 
Arkádi Venturoso – Assim é melhor, ninguém me assalta. Além disso, qual é a 
diferença entre não ter dinheiro no mesmo sítio e não ter dinheiro a viajar? 
Guennádi Malfadado – Bem, digamos que até Vorónej chegas com os 
peregrinos, e dão-te a comida por amor de Cristo, mas a seguir? Vais pelas terras dos 
cossacos da velha crença? Lá não dão pão aos fumadores, nem por dinheiro, quanto 
mais de graça. Não tens aspecto de bom cristão, mas queres ir pelas povoações deles: as 
mulheres cossacas vão tomar-te pelo Diabo, vão assustar as crianças contigo. 
Arkádi Venturoso – Será que deseja emprestar-me algum, Guennádi 
Demiánitch? Hoje em dia, verdade seja dita, só os trágicos é que têm alma. O falecido 
Kornéli, por exemplo, nunca recusava nada a um camarada, partilhava com ele até à 
última coisinha. Devia ser um exemplo para todos os trágicos. 
Guennádi Malfadado – Não te atrevas a dizer-me essas coisas! Também tenho 
uma alma generosa; mas dinheiro é que não te dou, mal chega para mim. Ora, quanto à 
compaixão, sim, terei compaixão por ti, amigo Arkachka. Não tens família ou 
conhecidos por aqui perto? 
Arkádi Venturoso – Não tenho, e mesmo que tivesse não me dariam dinheiro. 
Guennádi Malfadado – Não se trata de dinheiro! Mas é bom descansar depois da 
viagem, comer uns bolinhos caseiros, beber um licorzinho. Meu amigo, como é que tu 
podes viver sem família nem conhecidos? Que espécie de homem és tu? 
Arkádi Venturoso – Vossemecê também não os tem. 
Guennádi Malfadado – Até tenho, mas queria passar-lhes ao lado, sou 
demasiado orgulhoso. Bem… estou a ver que tenho mesmo de os visitar. 
Arkádi Venturoso – Mas olhe, Guennádi Demiánitch, nós nem em casa da 
família não somos nada felizes. Somos uma gente livre, estroina… não há nada mais 
querido para nós do que a taberna. Já vivi em casa da família, sei como é. Tenho um tio 
que é lojista num centro distrital, a quinhentas verstás daqui, e já vivi hospedado em 
casa dele; ora bem, se não fugisse de lá… 
Guennádi Malfadado – Se não fugisses de lá o quê? 
Arkádi Venturoso – Seria mau. Oiça, já lhe conto. Andava há três meses aos 
papéis, estava farto; vou visitar o meu tio, pensei. Lá fui. Durante um grande bocado 
 35 
não me mandaram entrar, sempre a espreitarem pela porta, umas vezes uma cara, outras 
vezes outra. Por fim lá saiu o próprio. «Que é que queres?», disse ele. «Vim fazer-lhe 
uma visita, meu tio.» «Significa portanto que já acabaste com as tuas asneiras?» 
«Acabei, meu tio.» «Está bem, tens aqui um cubículo – diz ele –, podes viver em minha 
casa, mas primeiro tens de passar pelos banhos.» Então lá comecei a viver em casa 
deles. Levantam-se às quatro da manhã, almoçam às dez; deitam-se um pouco depois 
das sete; ao almoço e ao jantar bebe-se vodca à vontade, depois do almoço – sesta. E 
toda a gente calada, Guennádi Demiánitch, como os mortos. O meu tio enfia-se na loja 
desde manhã; a minha tia passa o dia a beber chá e a suspirar. Olha para mim, faz «ah!» 
e diz: «Homem desgraçado, carrasco da tua alma!» E não há mais conversa. «Não serão 
horas de jantares, carrasco da tua alma? E depois vai dormir.» 
Guennádi Malfadado – E o que querias tu de melhor? 
Arkádi Venturoso – É verdade, já me tinha recomposto e começava a engordar, 
mas um dia, ao almoço, passou-me pela cabeça: não seria melhor enforcar-me? Sacudi a 
cabeça para afastar essa ideia mas, passado um pouco, apareceu outra vez, e à noite 
outra vez. Não-não, pensei, a coisa está má, e de noite fugi pela janela. Gente da nossa 
laia, em casa dos familiares, é assim. 
Guennádi Malfadado – Também não me agrada muito ir lá, mas, francamente, 
estou cansado, e até Ríbinsk ainda é uma semana de viagem, e não se sabe se haverá 
trabalho. Se encontrássemos uma actriz dramática, jovem, boa… 
Arkádi Venturoso – Pois, então não haveria problema, podíamos avançar 
sozinhos… não é difícil arranjar outros actores. Organizávamos uma bela companhia… 
eu na bilheteira… 
Guennádi Malfadado – O que nos falta é uma coisa pequena, uma actriz. 
Arkádi Venturoso – Agora não as há em lado nenhum. 
Guennádi Malfadado– Mas tu sabes o que é uma actriz dramática? Saberás tu, 
Arkachka, de que actriz eu necessito? Preciso de alma, meu amigo, de vida, de fogo. 
Arkádi Venturoso – Pois, mas o fogo não vamos encontrá-lo nem com uma 
candeia à luz do dia. 
Guennádi Malfadado – Não ouses zombar quando eu falo a sério. Vocês, os 
actores de vaudeville, só têm palhaçadas na mente e nem uma migalha de sentimento. 
Uma actriz é a mulher que, por amor, se atira ao lago. E não acreditarei antes de ver isso 
com os meus próprios olhos. Salvo-a das águas, e então acreditarei. Pois bem, nada a 
fazer, vamos. 
 36 
Arkádi Venturoso – Onde? 
Guennádi Malfadado – Não tens nada com isso. Há quinze anos que lá não vou, 
mas eu praticamente nasci aqui. Infância, inocentes brincadeiras, pombais e etc., tudo 
isso me perdura na memória. (Baixa a cabeça.) Ora bem, e por que razão ela não me 
receberia? É já uma velha, terá pelo menos cinquenta anos, mesmo pelas contas 
femininas. Nunca me esqueci dela, mandei-lhe presentes muitas vezes. De Karassubazar 
mandei-lhe chinelos tártaros; de Irkutsk mandei-lhe salmão congelado; de Tiflis, uma 
turquesa; de Irbit, chá em barra; de Novotcherkassk mandei-lhe esturjão fumado; de 
Ekaterinburgo, um rosário de malaquite… e nem consigo lembrar-me de tudo. É claro 
que seria melhor chegarmos de coche à porta dela; os criados a correrem ao nosso 
encontro… Mas não, cá vamos nós a pé, esfarrapados. (Limpa as lágrimas.) Tenho 
orgulho, Arkádi, orgulho. (Lança a mala para as costas.) Vamos, Arkádi, haverá 
também um cantinho para ti. 
Arkádi Venturoso – Mas onde, Guennádi Demiánitch? 
Guennádi Malfadado – Onde? (Aponta para o poste.) Lê! 
Arkádi Venturoso (lê) – Direcção Penki, herdade da senhora Gurmíjskaia. 
Guennádi Malfadado – É para lá que me leva o meu desgraçado destino. Dá-me 
a tua mão, camarada. 
 
Saem lentamente. 
 37 
TERCEIRO ACTO 
 
 
Gurmíjskaia. 
Bulánov. 
Guennádi Malfadado. 
Arkádi Venturoso. 
Vosmibrátov. 
Piotr. 
Karp. 
 
Velho e espesso jardim; à esquerda do público, o terraço baixo da casa 
senhorial, cheio de flores; o terraço tem uma escada de três ou quatro degraus. 
 
CENA 1 
 
Gurmíjskaia no terraço. Bulánov no jardim. 
 
Bulánov (ao ver Gurmíjskaia, ajuda-a a descer e beija-lhe a mão) – Bom dia, 
Raíssa Pávlovna! 
Gurmíjskaia – Viva, meu amigo! 
Bulánov (atencioso) – Como vai de saúde? 
Gurmíjskaia – Obrigada, meu caro. Estou bem, hoje sinto-me 
extraordinariamente fresca, apesar de ter dormido mal esta noite. Uma inquietação 
qualquer, uns sonhos desagradáveis. Acreditas em sonhos? 
Bulánov – Como posso não acreditar? Olhe, se tivesse estudado mais talvez não 
acreditasse. (Sorrindo com maldade.) Não acabei o curso, mas não sou desleixado, lavo-
me todos os dias e acredito nos sonhos. 
Gurmíjskaia – Há sonhos que não saem da nossa cabeça durante o dia inteiro. 
Bulánov – Com que sonhou então, Raíssa Pávlovna? 
Gurmíjskaia – Ora ora, não te vou dizer tudo. 
Bulánov – Desculpe! 
 38 
Gurmíjskaia – Não tens culpa nenhuma. Há sonhos que te posso contar, mas este 
não. 
Bulánov – Por que não? 
Gurmíjskaia – Porque, muitas vezes, contar os sonhos é a mesma coisa que 
revelar os pensamentos ou os desejos mais secretos; então, nem sempre é conveniente: 
sou mulher, tu és homem. 
Bulánov – Pois sou, e depois? 
Gurmíjskaia – Ena, que ingenuidade incrível. Está bem, sonhei contigo. 
Bulánov – Comigo? É um grande prazer para mim. 
Gurmíjskaia – É mesmo? 
Bulánov – Significa que a senhora pensou em mim quando se deitava. 
Gurmíjskaia – Olha só! E estás muito contente com isso? 
Bulánov – É natural que esteja, como posso não estar? Ando sempre com medo 
que a senhora se zangue comigo e me mande voltar para casa da mãezinha. 
Gurmíjskaia – Ah, isto é cómico! Por que haveria de me zangar contigo? 
Coitadinho, tens medo de mim? 
Bulánov – Pudera! Dizem que a senhora é muito rigorosa. 
Gurmíjskaia – Ainda bem que o dizem. Mas contigo nunca serei rigorosa, meu 
amigo: a pior coisa para ti é teres medo de mim. 
Bulánov – De acordo. Se eu soubesse… 
Gurmíjskaia – O quê? 
Bulánov – Como lhe agradar. 
Gurmíjskaia – Adivinha. 
Bulánov- Não é fácil. Nem eu tenho cabeça para isso. 
Gurmíjskaia – E tens cabeça para quê? 
Bulánov – Para tudo o que me mandarem fazer; e também para gerir a herdade, 
os mujiques. Se houvesse servos da gleba, não encontraria melhor administrador do que 
eu; não importa que eu ainda seja novo. 
Gurmíjskaia – Ah, este sonho! Não me sai da cabeça! 
Bulánov – O que a preocupa tanto? 
Gurmíjskaia – É bastante difícil de explicar; mas contigo posso falar 
abertamente; vejo que me és abnegado. É o seguinte: tenho um sobrinho. 
Bulánov – Sim, eu sei. A senhora gosta muito dele e está sempre a falar nisso. 
 39 
Gurmíjskaia – Meu amigo, às vezes dizemos uma coisa e pensamos outra. Para 
que havia de explicar os meus sentimentos a qualquer um? Tenho a obrigação de gostar 
dele como parente, por isso digo que gosto. 
Bulánov – Mas na verdade não gosta? 
Gurmíjskaia – Não é que não goste mas… como te hei-de dizer… ele agora é um 
estorvo. Estou tão calma, já planeei tão bem como utilizar a minha fortuna… e se ele 
aparece de repente. Como posso excluí-lo? Tenho de lhe dar também uma parte, mas 
nesse caso terei de a tirar àquele de quem gosto… 
Bulánov – Então, não lhe dê nada. 
Gurmíjskaia – É impossível. Por que lhe hei-de recusar alguma coisa se ele é 
respeitoso e se porta bem? Além disso tenho tomado uma atitude que agora me impede 
de excluir o meu parente. Como é que vai ser agora, se ele aparecer aí sem recursos? 
Tenho de o sustentar; se calhar vai querer hospedar-se cá em casa. Não posso pô-lo na 
rua. 
Bulánov – Encarregue-me disso, eu corro com ele. 
Gurmíjskaia (assustada) – Ah, Deus te livre disso! Tem cuidado contigo! Escuta 
lá o que eu vi no sonho: que ele veio e te matou à pistola à frente dos meus olhos. 
Bulánov – A mim? Isso é o que ainda vamos ver. Não pense nele, Raíssa 
Pávlovna, senão vai andar sempre a sonhar com ele. 
Gurmíjskaia – Até agora tem sido muito sensato, esteve quinze anos sem 
aparecer aqui. Gostaria muito, mas muito, que se passassem outros quinze anos assim. 
Bulánov – Então, Raíssa Pávlovna, esqueça e não fale nele, senão, Deus nos 
valha, ainda entra por aqui dentro a má sorte. 
Gurmíjskaia – Lagarto, lagarto, lagarto! 
 
Entra Karp. 
 
 
CENA 2 
 
Gurmíjskaia, Bulánov, Karp. 
 
Karp – O samovar está pronto, minha senhora, pode vir tomar chá. 
Gurmíjskaia – Vamos, Alexis! 
 40 
Karp – Minha senhora, hoje de noite chegou o senhor. 
Gurmíjskaia – O senhor? Qual senhor? 
Karp – Guennádi Demiánitch. 
Gurmíjskaia (assustada) – O quê? Tu ouviste isto, Alexis? (Para Karp.) Onde 
está ele? 
Karp – Levei-o para o pavilhão, preparei lá uma cama para ele. O senhor disse 
que se tinha alojado na cidade, no hotel, e que deixara lá toda a bagagem e tinha vindo 
para aqui a pé, para dar um passeio. 
Gurmíjskaia – Não disse mais nada? 
Karp – Mais nada. Estava de mau-humor. 
Gurmíjskaia – Mau humor como? 
Karp – Assim meio absorto; suponho que era do cansaço da viagem. Mandou 
levar papel e tinta; andou a cirandar pelo pavilhão, a matutar; sentou-se à mesa, 
escreveu um bilhete e mandou que eu o entregasse à senhora. (Entrega o bilhete.) 
Gurmíjskaia – O que é isto? Uns versos quaisquer. (Lê.) 
 
Ó meu destino cruel! 
Cruel és, ó meu destino! 
Ah, só me resta morrer… 
 
O que é isto, Alexis? Não percebo. 
Bulánov – Se a senhora não compreende, como poderia eu? 
Gurmíjskaia (para Karp) – Ele está a dormir? 
Karp – Não, senhora. Levantou-se cedo e saiu, acho quefoi tomar banho. Hoje 
ainda não o vi. 
Gurmíjskaia – Pois bem, quando chegar pede-lhe que vá à sala de estar, tomar 
chá. 
Karp – Com certeza. (Sai.) 
Gurmíjskaia (encolhendo os ombros) – Depois disto, quem não acreditará em 
sonhos? Vamos, Alexis. 
 
Saem. 
 
 41 
Entram: Guennádi Malfadado, vestido com muita decência, com o chapéu de 
pasta na cabeça, e Arkádi Venturoso, vestido como antes. 
 
 
CENA 3 
 
Guennádi Malfadado, Arkádi Venturoso. 
 
Guennádi Malfadado – Ouve, Arkádi, a minha tia é uma senhora respeitável, 
rigorosa; não quero que ela saiba que eu sou actor, meu amigo, ainda por cima um actor 
provinciano. (Levanta o dedo.) Vê lá, não dês com a língua nos dentes; sou Guennádi 
Demiánitch Gurmíjski, capitão na reserva, ou major, como queiras; numa palavra, sou o 
senhor, e tu és o meu lacaio. 
Arkádi Venturoso – Lacaio? 
Guennádi Malfadado – Sim, lacaio, e está dito. Senão, como te poderia 
introduzir na sala de estar? Como te apresentaria à minha tia? É uma senhora piedosa, a 
casa é sossegada, uma casa decente… e de repente, imagina, essa tua fisionomia. Ora, a 
tua cara dá perfeitamente para lacaio, meu amigo. 
Arkádi Venturoso – Desculpe mas não! Isso ainda não está provado! 
Guennádi Malfadado – Não está provado o quê? 
Arkádi Venturoso – Relativamente à minha cara. 
Guennádi Malfadado – Está sim, amigo Arkádi, podes ter a certeza. 
Arkádi Venturoso – Mas como é possível… 
Guennádi Malfadado (com ameaça) – É assim, ouviste? Que mais queres? Vais 
comer bem e só me serves a mim. 
Guennádi Malfadado – Mas, Guennádi Demiánitch, e o meu orgulho? 
Guennádi Malfadado – Quero lá saber do teu orgulho. O próprio Martínov, um 
homem a quem tu nunca chegarás aos calcanhares, fazia papéis de lacaio, e agora vens 
tu com a vergonha! És um autêntico asno, meu amigo! 
Arkádi Venturoso – Mas isso era no palco. 
Guennádi Malfadado – Então, imagina que estás no palco. 
Arkádi Venturoso – Não, não quero. Essa é boa! Querias! Prefiro ir embora; 
também tenho o meu amor-próprio. 
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Guennádi Malfadado – Tens, eu sei que tens amor-próprio; mas passaporte, será 
que tens? 
Arkádi Venturoso – O que lhe importa a si o meu passaporte? 
Guennádi Malfadado – É simples: vai, vai-te embora, e depois logo vês. Basta-
me piscar um olho e vais preso sob escolta como vagabundo. Pensas que eu não sei que 
há já doze anos que andas sem passaporte? Em vez do passaporte tens no bolso um 
artigo do Notícias de Kursk a relatar que chegou à cidade o actor tal e que desempenhou 
o seu papel de maneira vergonhosa. É toda a tua identidade. Estás calado, hã? Pois é. 
Faz isso por mim, meu amigo. Pensa só quem está a pedir-te uma coisa dessas! Pela 
camaradagem, vá lá, pela nossa camaradagem! 
Arkádi Venturoso – Se é pela camaradagem, está bem. 
Guennádi Malfadado – Meu amigo, não penses que eu desprezo a minha 
condição. Mas seria inconveniente: a casa é assim, uma calmaria, uma decência. É que 
tu e eu somos pouco melhores do que diabos. Sabes muito bem: o jogral, do padre não é 
igual. Só uma coisa, vê lá, nada de brigas ou discussões, e também cuidado com os bens 
alheios, percebeste, Arkacha? Eu sei que vai ser difícil para ti, mas faz um esforço, 
comporta-te como um lacaio, um lacaio honesto. Para já, tira o chapéu e afasta-te de 
mim, vem aí alguém. 
 
Entra Karp. 
 
 
CENA 4 
 
Guennádi Malfadado, Arkádi Venturoso, Karp. 
 
Karp – Bom dia, meu senhor! Dormiu bem? 
Guennádi Malfadado – Bastante bem dormi, meu caro amigo. 
Karp – Parece que envelheceu muito, meu senhor. 
Guennádi Malfadado – É a vida, meu amigo. 
Karp – Compreendo, meu senhor, compreendo, é claro. E também o serviço… 
Guennádi Malfadado – Sim, meu amigo, o serviço… 
Karp – Essas campanhas… 
Guennádi Malfadado (com um suspiro) – Oh, as campanhas, as campanhas… 
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Karp – Sempre de um lado para o outro… 
Guennádi Malfadado – Sim, amigo, de um lado para o outro. E vocês, como 
passam por cá? 
Karp – Como havemos de passar, meu senhor! Vivemos na floresta, rezamos aos 
cepos, e mesmo isso com preguiça. Venha, meu senhor, faça o obséquio! A sua tia está 
à espera, à mesa do chá. 
Guennádi Malfadado (aproximando-se do terraço) – Ouve, Karp, não te 
esqueças do meu Arkacha, dá-lhe um chazinho, meu amigo! 
Karp – Sim, meu senhor, fique descansado. 
 
Guennádi Malfadado sai. 
 
Arkádi Venturoso – Ah, c’um raio, foi-se embora e deixou-me aqui com o servo. 
E este já está a querer meter conversa. 
Karp – Como se chama? 
Arkádi Venturoso – Sganarelle. 
Karp – Então é o quê? Estrangeiro ou quê? 
Arkádi Venturoso – Estrangeiro, sim. E vossemecê como se chama? 
Karp – Karp Savélitch. 
Arkádi Venturoso – Não pode ser. 
Karp – É verdade. 
Arkádi Venturoso – Mas é um peixe. 
Karp – Não, o peixe é «carpa». 
Arkádi Venturoso – Carpa, Karp, tanto faz. Valia mais chamar-se Barbo 
Savélitch. 
Karp – Não, como é possível? Quer chá? 
Arkádi Venturoso – Não. 
Karp – Como é que não? 
Arkádi Venturoso – Não, e pronto. 
Karp – Tem a certeza que não quer chá? 
Arkádi Venturoso – Tenho a certeza. 
Karp – Mas porquê? 
Arkádi Venturoso – Porque não. 
Karp – Não percebo. 
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Arkádi Venturoso – É simples. Depois do banho é melhor aquilo… 
Karp – Claro que é melhor… só que não há! 
Arkádi Venturoso – Tente arranjar alguma coisa, Salmão Savélitch! 
Karp – Não sou Salmão, sou Karp. Talvez peça à despenseira, não? 
Arkádi Venturoso – Peça, e traga aqui, ao nosso pavilhão! 
Karp – Por ser para o amigo, faço o possível. 
Arkádi Venturoso – Então faça, Esturjão Savélitch! (Faz uma vénia e sai.) 
Karp – Este palhaço! Donde foi que o trouxeram, em que terra o desencantaram? 
É de supor que veio de longe. Ora vejam lá que criado grave ele me saiu. Aliás, a 
cultura também faz diferença, não é como aqui… metidos na floresta, palavras para 
quê! 
 
Entram Vosmibrátov e Piotr 
 
 
CENA 5 
 
Karp, Vosmibrátov, Piotr. 
 
Karp – O que desejam vossemecês? 
Vosmibrátov – Há a tal necessidade de ver a senhora nossa, estimadíssimo. 
Karp – Esperem pela altura, quando forem chamados. 
Piotr – Temos um negócio para tratar, não percebes? 
Karp – Queremos lá saber dos vossos negócios! Agora não é possível! Estão a 
incomodar… 
Piotr – Vai lá, tenta anunciar-nos! 
Karp – Anunciar como? A senhora está ocupada com o coronel. Chegou o 
sobrinho dela. 
Vosmibrátov – Coronel? 
Karp – Evidentemente, o coronel… Há quinze anos que não se viam. 
Vosmibrátov – Fica cá muito tempo? 
Karp – Muito tempo o quê? Fica aqui para sempre. 
Vosmibrátov (depois de pensar) – É um patrão severo? 
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Karp – Evidentemente, o que é que você queria? Com aquela patente! Tenha 
isso em conta! 
Vosmibrátov (abanando a mão) – Está bem, já que é assim… Mas tu, de 
qualquer forma, quando for possível… (Sai, com Piotr atrás dele.) 
Karp – É para ver quem manda! 
 
De casa saem Guennádi Malfadado e Bulánov. Karp vai-se embora. 
 
 
CENA 6 
 
Guennádi Malfadado e Bulánov. 
 
Guennádi Malfadado – Que linda prima eu tenho, meu amigo! 
Bulánov – Sim, senhor. 
Guennádi Malfadado – Casa-te, amigo, casa-te! 
Bulánov – O senhor aprova? 
Guennádi Malfadado – Não tenho nada a ver com isso! O homem nasce, casa-se, 
morre; então, já que tem de ser, está bem assim. 
Bulánov – Gostava muito que o senhor ganhasse simpatia por mim. 
Guennádi Malfadado – Para que precisas da minha simpatia, jovem? Que 
proveito terás? 
Bulánov – É sempre bom. 
Guennádi Malfadado – Só se estiveres à espera da herança, hein? Espera, amigo, 
espera! Aliás, faz o seguinte: adula a minha tia, ela é rica. Tu és ainda muito jovem,

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