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Análise do filme Babel (2006) sob a ótica dos Estudos Culturais

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Universidade Federal do Sul da Bahia 
Instituto de Humanidades, Artes e Ciências – IHAC 
C.C. Introdução aos Estudos Culturais 
Kaire Alves Santos 
 
 
 
Análise do filme Babel (2006) sob a ótica dos Estudos Culturais 
O filme “Babel” (2006), realizado sob a direção Alejandro González Iñárritu, é uma 
narrativa não linear que traz uma temática dramática que expõe a fragilidade das nossas ações 
cotidianas. Com uma clara alusão a história bíblica da Torre de Babel
1
, o filme, que é uma 
síntese da globalização, aponta para o cerne da questão: a falta de comunicação. Num mundo 
em que se prega o mito da aldeia global, a comunicação se mostra falha, ocasionando vários 
incidentes ao longo do filme. Na história, dois irmãos, Ahmed e Youssef, manejam um rifle 
dado pelo pai para proteger a pequena criação de cabras da família quando um acidente 
acontece: um tiro atinge um ônibus repleto de turistas que atravessava a região montanhosa, 
ferindo Susan. 
 
A partir desse ponto, o filme mostra como este caso afeta a vida de pessoas em vários 
pontos diferentes do mundo: nos Estados Unidos, onde Richard e Susan deixaram seus filhos 
aos cuidados da babá mexicana; no Japão, onde um homem tenta superar a morte trágica de 
sua mulher juntamente com sua filha surda; no México, para onde a babá acaba levando as 
crianças; e no Marrocos, onde a polícia passa a procurar suspeitos de um ato terrorista. Apesar 
da ineficácia da comunicação ser o ponto chave que explica os incidentes, o filme mostra que 
os obstáculos de comunicação não são as línguas, mas sim os preconceitos. O preconceito do 
terrorismo (quando Susan é baleada, todos pensam que foi um ato terrorista); o preconceito da 
raça (a polícia americana x imigrantes mexicanos); o fato de Chieko ser surda, o que a faz se 
sentir excluída. Esse preconceito mostrado põe em cheque a fábula criada pelo fenômeno da 
globalização que prega a diminuição das distâncias que possibilita a troca harmoniosa entre 
culturas ao invés de um choque catastrófico entre elas. 
 
Essa fantasia é desmistificada por Milton Santos em “Por uma outra globalização: do 
pensamento único à consciência universal” (2013). Logo na introdução, Santos faz 
considerações acerca do progresso das ciências e da velocidade das mudanças ocorridas no 
 
1
 Segundo a narrativa da Bíblia, a torre de Babel foi construída pelos homens com o objetivo de chegar aos céus, 
para estarem mais próximos de Deus. Este não gostou da ideia e proibiu a sua construção. Assim, resolveu 
confundir as línguas dos homens. Estes deixaram de se compreender entre si, pois cada povo passou a usar 
palavras diferentes, fazendo com que a construção da torre fosse abandonada e os homens se separassem, com 
cada povo indo viver na sua própria terra. 
Universidade Federal do Sul da Bahia 
Instituto de Humanidades, Artes e Ciências – IHAC 
C.C. Introdução aos Estudos Culturais 
Kaire Alves Santos 
 
mundo, e estabelece um marco na estruturação do que poderia ser uma percepção do mundo 
global ao observar que: 
 
 De fato, se desejamos escapar à crença de que esse mundo assim 
apresentado é verdadeiro, e não queremos admitir a permanência de sua 
percepção enganosa, devemos considerar a existência de pelo menos três 
mundos num só. O primeiro seria o mundo tal como nos fazem vê-lo: a 
globalização como fábula; o segundo seria o mundo tal como ele é: a 
globalização como perversidade; e o terceiro, o mundo como ele pode ser: 
uma outra globalização. (p.18) 
 
Essa perversidade fica evidente ao analisar como foram os encontros nada amigáveis 
entre ocidente e oriente ao longo do tempo. O choque entre civilizações foi impactante o 
suficiente para que, por séculos, os dois lados se desenvolvessem de maneiras totalmente 
opostas. Desde o primeiro embate, nenhuma atitude compreensiva foi tomada, apesar das 
incontáveis e notáveis contribuições ao Ocidente nas áreas da filosofia, da literatura e da 
ciência, tornando as diferenças extremas. Edward Said, em seu ensaio “Orientalismo: o 
oriente como invenção do ocidente” (1978) denuncia essa relação eurocêntrica, explicando 
como funcionou essa construção dos lados através da diferenciação do outro: 
 
 A relação entre o Ocidente e o Oriente é urna relação de dominação, de 
graus variados de urna complexa hegemonia, e é indicada com total 
precisão no título do clássico de K. M. Panikkar, Asia and Western 
dominance [A dominaciio ocidental na Asia].' O Oriente foi orientalizado 
não só porque se descobriu que ele era "oriental" em todos aqueles aspectos 
considerados como lugares comuns por um europeu médio do século XIX, 
mas também porque podia ser - isto é, permitia ser - feito oriental. Há 
muito pouca anuência, por exemplo, no fato de que o encontro de Flaubert 
com urna cortesã egípcia tenha produzido um modelo amplamente influente 
da mulher oriental; ela nunca falou de si mesma, nunca representou suas 
emoções, presença ou história. Ele falou por ela e a representou. (p. 18) 
 
Com o Norte sendo colocado como ideal, o Ocidente se torna uma entidade, como 
colocado por Samuel P. Huntington em “O Choque de Civilizações e a Recomposição da 
Ordem Mundial” (1997): 
 
 A bifurcação cultural da divisão do mundo tem utilidade ainda menor. Em algum 
nível, o Ocidente é uma entidade. O que, entretanto, as sociedades não-ocidentais 
tem em comum além do fato de que são não-ocidentais? As civilizações japonesa, 
chinesa, hindu, muçulmana e africana pouco compartilham em termos de religião, 
estrutura social, instituições, valores predominantes. A unidade do não-ocidente e 
a dicotomia Leste-Oeste são mitos criados pelo Ocidente. Esses mitos sofrem os 
defeitos do orientalismo, acertadamente criticado por Edward Said por promover 
“a diferença entre o conhecido (Europa, o Ocidente, ‘nós’) e o estranho (o Oriente, 
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o Leste, ‘eles’)” e por pressupor a superioridade inerente do primeiro sobre o 
segundo. (p. 34) 
 
Em outras palavras, é a afirmação realizada por si mesmo ao se diferir do outro. Para 
se definir, é necessário que haja uma oposição em relação ao outro. Os extremos mantém o 
orientalismo. No filme, a Susan passa a negar tudo que lhe é oferecido, mesmo com sua vida 
correndo risco, por uma visão não irreal, mas também não aprofundada, em relação ao lugar 
visitado. O acidente logo toma grandes proporções, o que faz com que haja falta de 
comprometimento da investigação, que logo trata o caso como um ataque terrorista, e 
apurações são realizados de maneira equivocada. A pressão exercida por um casal de um país 
que, apesar de não ter um histórico direto na colonização de boa parte do Oriente, é 
fortemente visado pelo mundo, faz com que o outro lado da história seja totalmente ignorado. 
O que se espera é a punição por algo que todos pensam que realmente aconteceu, quando o 
caso é claramente um acidente. 
 
Esse receio com o outro é demonstrado pela Susan inúmeras vezes. Num momento, se 
nega a beber uma coca-cola, suspeitando que houvesse algo que a prejudicasse, e o tempo 
todo passa a sensação de incômodo por estar ali. Por mais que a relação turbulenta com o 
marido- por conta da perda de um filho - seja o foco do momento, é perceptível o desconforto 
em estar num lugar que julga não ser seguro. Susan leva os próprios talheres, e impede o 
marido de tomar a coca com o gelo, justificando não saber qual tipo de água é servida ali. 
Apesar de parecer uma espécie de segunda lua-de-mel, não há calmariae diversão para Susan. 
Diante do desespero do incidente, espera-se que a situação mude, ou que se abrande, 
mas o preconceito não muda. Ao ser levada para receber atendimento numa vila próxima, os 
turistas demonstram total falta de empatia com ela e respeito com os moradores do local, seja 
os vendo como nada ou como seres perigosos. A localidade tem sua rotina modificada pela 
atenção dada a norte-americana, com solicitações de tratamentos que as pessoas dali não, 
mesmo que precisem. Resta a Susan o atendimento de um veterinário, mas não sem a garantia 
de que um tratamento melhor chagaria – é explicito o que lhe dá esse passe especial; mesmo 
assim, pela dificuldade de acesso ao local já esquecido pelas autoridades, restam os métodos 
“primitivos” para o tratamento. Num dado momento, após o procedimento cru, a senhora da 
casa oferece a Susan um fumo para que ela se acalme, mostrando como algo simples e 
milenar é totalmente eficaz. As pessoas se viram como podem há milênios. Conhecimentos 
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empíricos importam, e fazem a diferença, mas a vila deve logo ser esquecida novamente, 
servindo apenas como ponto de salvação para quem o mundo está olhando e se preocupando. 
 
Aliado a isso, temos a precariedade dos meios de comunicação que faz com que os 
garotos, que não comunicaram ao pai sobre o acidente, não se dessem conta de que o ataque 
terrorista retratado na rádio referia-se ao acidente provocado por eles – tardiamente 
descoberto. A mídia também tem culpa no processo: a utilização do sensacionalismo para 
narrar o caso fez com que a polícia local se perdesse em meio ao caos. Santos (2013, p.40) 
alerta para o perigo dos meios de comunicação quando diz que “falsificam-se os eventos, já 
que não é propriamente o fato que a mídia nos dá, mas uma interpretação […]”. 
 
Ao descobrirem o guia de caça a quem, inicialmente, a arma pertencia, a abordagem 
foi extremamente abusiva. A investigação da polícia japonesa era necessária para validar a 
história do guia, mas se perdeu por questões pessoais – no meio da busca, a polícia japonesa 
lidava com um homem ocupado e enlutado, e uma filha que não conseguia se comunicar com 
os outros da maneira convencional. De um modo geral, a tortura buscava a confissão de um 
ataque terrorista, não a versão de um acidente provocado por duas crianças – uma verdade que 
não seria levada em consideração graças ao sensacionalismo da mídia e os preconceitos 
existentes do “lado de cá”. 
 
Outro ponto interessante de se observar como as autoridades locais não exercem seu 
poder ao serem colocados diante do poder da nacionalidade. Um dos policiais, ao tratar um 
dos seus, é totalmente agressivo. Mesmo com o torturado explicando a história, não há crença 
no que é dito, já que outra história foi criada para que explicasse o acidente. Porém, ao se 
deparar com o personagem Richard, mesmo estando numa posição acima do norte-americano, 
visto sua profissão, ele é desacatado, mas nada diz; apenas abaixa a cabeça e escuta. Parece 
algo irrelevante, mas diz muito sobre as relações de poder existente entre esses territórios. A 
soberania só serve a alguns, e o orientalismo influencia isso, como mostrado por Said (1978): 
 
 Neste ponto eu chego ao terceiro sentido do orientalismo, que é algo mais 
histórica e materialmente definido que qualquer dos outros dois. Tomando 
o final do século XVII como um ponto de partida muito grosseiramente 
definido, o orientalismo pode ser discutido e analisado como a instituição 
organizada para negociar com o Oriente - negociar com ele fazendo 
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declarações a seu respeito, autorizando opiniões sobre ele, descrevendo-o, 
colonizando-o, governando-o: em resumo, o orientalismo como um estilo 
ocidental para dominar, reestruturar e ter autoridade sobre o Oriente. (p.15) 
 
 
Em “A identidade cultural na pós-modernidade” (2005) Stuart Hall aborda, entre 
várias questões, como uma sociedade estabelece uma identidade para si e, a partir dessa 
definição, passa a encarar o outro como estranho, se sentindo ameaçada quando há a inserção 
de outra identidade cultural. Com a identidade de um local sendo colocada como frágil diante 
de algo considerado sem controle (seja o modo de vida dos marroquinos ou a cultura 
mexicana nos EUA), percebe-se a fragilidade em torno do ideal multiculturalista, já que esse 
encontro de civilizações gera mais conflitos do que uma troca sensata entre culturas. 
 
Ao observamos como funciona a vida dos marroquinos, numa visão subjetiva, fica o 
questionamento a respeito da qualidade de vida dos personagens. O filme tem início com a 
parte árabe, mostrando um homem andando pela área desértica marroquina, nos inserindo a 
uma pequena parte do que seria a vida de quem mora ali. A ideia inicial sobre a paisagem é a 
de como é difícil viver ali, de maneira isolada, sem muitos meios de sobrevivência, e é aí que 
a caça é inserida na trama. Para o japonês, a prática é um hobby; para os marroquinos 
apresentados na história é um meio de subexistência; e, num olhar de quem vive em um local 
onde ela não é necessária, pode ser vista como algo primitivo e, por tanto, selvagem. Desse 
modo, não é impossível que a atividade caracterize os personagens como selvagens também. 
Mesmo assim, ao final do filme, quando chega o helicóptero para buscar Susan, Richard 
oferece dinheiro para o guia, que não aceita. Não importa os nossos julgamentos a respeito 
dos outros quando a realidade é completamente diferente do que pensamos. Negar o que 
achamos ser essencial no mundo nos faz repensar os pré-conceitos adquiridos sobre o modo 
de vida deles. 
 
Chieko vive num país extremamente moderno, que por séculos se manteve longe da 
colonização europeia e norte-americana. Tal como a distância do Japão, a inserção da garota 
surda torna a história da menina uma das mais distantes em relação às outras. Porém, 
voltamos a questão da comunicação que não é realizada como devia. Filha de Yasujiro, o 
responsável por presentear o marroquino com o rifle, ela vive os conflitos de ser uma 
adolescente que perde a mãe de uma maneira trágica, causando uma relação distante com o 
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pai. Apesar de ser surda, ela possui uma vida normal, tendo conflitos quando se relaciona com 
os outros. Por mais cheio que seja o espaço, ela se sente só. Talvez o problema a ser 
apresentado aqui, além da distância psicológica da Chiek com os que a rodeia, é mostrar como 
as situações vividas por adolescentes sejam a mesma em todo o lugar do mundo – o Yussef 
também tem a sexualidade explorada ao se interessar pela Zohra. Mesmo assim, é clara a 
diferença com a qual os adultos lidam com isso em diferentes partes do mundo. 
 
O discurso eurocêntrico, colonialista, imperialista e racista também se faz presente no 
caso que introduz o México – e aqui o filme toma um caráter pessoal por ser uma visão de 
dois mexicanos (o diretor Alejandro González Iñárritu e o roteirista Guillermo Arriaga). 
Durante o acidente, os filhos de Richard e Susan estão sob os cuidados de Amélia, que espera 
a volta dos patrões para que possa sair do serviço e ir ao casamento do filho – evento já 
anunciado e programado. Porém, por conta do acontecido, ela não tem com quem deixar as 
crianças - nem a família da patroa serve comosuporte para o momento - fazendo com que 
Amélia resolva levar as crianças com ela. Nesse ponto nota-se que Amélia fala em espanhol 
com as crianças, e elas entendem perfeitamente, respondendo em inglês. Mais uma vez é 
mostrado que a língua, apesar de diferente, não é o que ocasiona os grandes incidentes, e 
mostra o quão natural é a relação das crianças norte-americanas com latinos – principalmente 
mexicanos. 
 
 O rito apresentado é bem característico da região, e algumas brincadeiras chegam a 
chocar as crianças. Num dado momento, o menino deixa escapar a opinião da mãe em relação 
aos mexicanos, e levanta outra questão: a mesma pessoa que diz que a nacionalidade da babá 
é inferior é a mesma que terceiriza a educação dos filhos com a mesma. Amélia criou os 
filhos dos outros, mas quem cuida dos seus? Além disso, mesmo tendo uma vida além do 
trabalho, o que é esperado é que ela permaneça no serviço, sendo sugerido que ela cancele o 
casamento, e que ele poderá pagar outro. Esse poder não difere muito da situação escravagista 
- antes, os negros, hoje, os latinos -, apenas tomando novas formas após o período pós-
colonial, e não é um erro pensar assim: 
 
 Não podemos pensar na descolonização como a conquista do poder sobre 
as fronteiras jurídico-políticas de um Estado, ou seja, como a aquisição de 
controlo sobre um único Estado-nação (Grosfoguel, 1996). A velha 
emancipação nacional e as estratégias socialistas de tomada do poder ao 
nível do Estado-nação não são suficientes, porque a colonialidade global 
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não é redutível à presença ou ausência de uma administração colonial nem 
às estruturas político econômicas do poder. Um dos mais poderosos mitos 
do século XX foi a noção de que a eliminação das administrações coloniais 
conduzia à descolonização do mundo, o que originou o mito de um mundo 
“pós-colonial”. As múltiplas e heterogêneas estruturas globais, implantadas 
durante um período de 450 anos, não se evaporaram juntamente com a 
descolonização jurídico-políticas da periferia ao longo dos últimos 50 anos. 
Continuamos a viver sob a mesma “matriz de poder colonial”. Com a 
descolonização jurídico- política saímos de um período de “colonialismo 
global” para entrar num período de “colonialidade global”. Embora as 
“administrações coloniais” tenham sido quase todas erradicadas e grande 
parte da periferia se tenha organizado politicamente em Estados 
independentes, os povos não-europeus continuam a viver sob a rude 
exploração e dominação europeia/euro-americana. As antigas hierarquias 
coloniais, agrupadas na relação europeias versus não-europeias, continuam 
arraigadas e enredadas na “divisão internacional do trabalho” e na 
acumulação do capital à escala mundial. (GROSFOGUEL, 2008, p. 126) 
 
O estranhamento também continua durante a realização do evento. No meio da 
comemoração, tiros são dados, mas parece não haver reação contrária a isso, com exceção da 
Amélia, que protege as crianças – o que não deveria ser estranho para eles ao ser observado 
como o país dos pequenos trata a questão do armamento. O que fica diante dessa troca de 
experiência é a inocência das crianças diante do mundo que as rodeia. Muitas das coisas 
causam escândalo inicialmente, mas não o suficiente para que as traumatizassem para o resto 
de suas vidas – como o preconceito que a mãe tem em relação ao outro e que é repassado para 
eles. 
 O problema tem início durante a volta. Santiago e Amélia são parados na fronteira dos 
EUA para prestar informações que os permitam ir para casa, mas não é o suficiente. Mesmo 
com a documentação em dia, e a revisão do carro não dando em nada, é solicitada uma carta 
de permissão dos pais, e o erro está presente aí: num primeiro momento, é compreensível que 
o policial queira prender Amelia e Santiago por conta da falta dessa autorização, porém, 
durante a ida, isso não foi questionado, e agora não faria muita diferença, já que elas estavam 
voltando para casa. Uma ligação poderia esclarecer toda a situação, porém, mais uma vez, a 
falha na fala é cometida. Santiago tenta uma conversa, mas o clima agressivo entre os países 
refletido nele e nos policiais através das provocações põe tudo a perder. Explicações, mais 
uma vez não são aceitas. 
 
Após a fuga para o deserto, o desespero de Amélia com as crianças pelo isolamento da 
noite, e a busca por ajuda durante o amanhecer, a polícia a encontra. Durante a prisão, ao ser 
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informada do resgate das crianças, lhe é negado o direito de saber a respeito do bem estar 
deles, com o policial complementando que, apesar Amélia vê-los como seus filhos, eles não 
são. Mais uma vez é colocada em pauta a terceirização da educação dos filhos, e é 
acrescentada a questão de imigrantes ilegais. Ela vive há 16 anos nos Estados Unidos, mas o 
faz ilegalmente, o que causa da sua deportação definitiva. Não havia nem uma regularização 
da situação de Amélia; era como se todos esses anos não tivessem valido de nada. 
 
 
 
Ao final do filme, a família americana volta à sua vida normal, com o noticiário 
japonês fazendo o anúncio de que “os Americanos finalmente tiveram um final feliz, após 
cinco dias de frenéticas ligações e angústia”. Uma pequena parcela da América segue sendo 
salva, enquanto mexicanos e marroquinos tem o peso da lei sendo maior sobre eles. O 
responsável pela arma apenas esclarece não haver uma relação com o mercado negro, e segue 
com sua vida e suas dores, juntamente com sua filha. No fim, o filme mostra como a justiça e 
as relações de poder privilegiam alguns em detrimento de outros. Não há maniqueísmo na 
narrativa – até porque se fosse essa visão simplista, não haveria lamentações a respeito do fim 
dos irmãos marroquinos e a babá mexicana -, mas uma trama que usa da complexidade 
humana para lidar com situações que tomam proporções gigantescas por conta do contexto – 
no caso, a região onde acontecia. O mundo sem fronteiras é idealista, pois as limitações não 
são apenas geográficas, físicas. O preconceito é o que separa, e a custo de muitas vidas a 
família norte americana segue tendo seu final feliz. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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Kaire Alves Santos 
 
 
Referências 
 
IÑÁRRITU, Alejandro González. Babel. Produção de Paramount Pictures, Paramount Vantage, 
Anonymous Content, Zeta Film, Central Films e Media Rights Capital. Direção de Alejandro 
González Iñárritu. Roteiro de Guillermo Arriaga. França, EUA, México, 2006. DVD. 143 min. 
 
GROSFOGUEL, Ramón. Para descolonizar os estudos de economia política e os estudos pós-
coloniais: Transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialidade global - Revista Crítica de 
Ciências Sociais, 80, Março 2008: 115-147 
 
HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. 10ª edição. Rio de Janeiro: DP&A, 
2005 
 
HUNTINGTON, Samuel. P. O Choque de Civilizações e a Recomposição da Ordem Mundial. 
Tradução de M. H. C. Côrtes. Objetiva; 1997. 
 
JUNIOR; GOMES. Comunicação e estudos culturais / Itania Maria Mota Gomes, Jeder Janotti 
Junior (Organizadores). - Salvador : EDUFBA, 2011. 197 p. ISBN 978-85-232-0854-7 
 
MAIA, Antônio Alone. O Pós-colonial a partir de Stuart Hall, Ella Shohat e Chinua Achebe. 
Sankofa. Revista de História da África e de Estudos da DiásporaAfricana Ano VIII, NºXV, 
Agosto/2015 
 
SAID, Edward. Orientalismo: o oriente como invenção do ocidente / Edward. W. Said; 1978. 
Tradução Tomás Rosa Bueno. – São Paulo: Companhia das Letras, 1990. 
 
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 
23.ed.Rio de Janeiro, Pioneira, 2013.174 p. Inclui índice. ISBN 978-85-01-05878-2.

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