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Currículos e Programas Professor conteudista: Nonato Assis de Miranda Sumário Currículos e Programas Unidade I 1 CURRÍCULOS: CONCEITOS E TEORIAS ........................................................................................................1 1.1 O que se entende por currículos? .....................................................................................................1 2 TEORIAS DE CURRÍCULO .............................................................................................................................. 10 2.1 Teoria tradicional .................................................................................................................................. 13 2.2 Teorias críticas ...................................................................................................................................... 15 2.3 Teorias pós-críticas .............................................................................................................................. 24 Unidade II 3 O CURRÍCULO NO BRASIL ............................................................................................................................ 29 3.1 Os Parâmetros Curriculares Nacionais ......................................................................................... 35 4 O CURRÍCULO COMPARADO ...................................................................................................................... 37 4.1 O currículo no continente americano ......................................................................................... 38 4.2 O currículo no continente europeu .............................................................................................. 46 4.3 O currículo na Oceania ...................................................................................................................... 52 4.4 O currículo no continente africano .............................................................................................. 53 4.5 O currículo no continente asiático ............................................................................................... 59 1 CURRÍCULOS E PROGRAMAS Re vi sã o: N íz ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 03 /1 0 Unidade I 5 10 15 20 1 CURRÍCULOS: CONCEITOS E TEORIAS Faz-se necessário nos entender alguns conceitos inerentes ao assunto a ser estudado. Vale ressaltar que apesar de o termo currículo ser encontrado em registros do século XVII, as discussões a seu respeito, pelo menos numa perspectiva mais crítica, datam do início do século XX, em especial, nos Estados Unidos cujo conceito, grosso modo, está relacionado a um projeto de controle do ensino e da aprendizagem, ou seja, da atividade prática da escola. Não obstante, em um primeiro momento, o currículo envolvia uma associação entre o conceito de ordem e método, caracterizando-se como um instrumento facilitador da administração escolar, mas sofreu muitas modificações nos últimos anos tendo em vista as diferentes correntes de estudos que passaram a pesquisar o assunto. Diante disso, propomos, para esta unidade de estudo, um resgate do conceito do termo currículo e, depois, uma análise das teorias curriculares. 1.1 O que se entende por currículos? Você pode estar se perguntando se a discussão sobre currículos não seria um assunto a ser tratado nos cursos de gestão de pessoas. E mais, por que o curso de Pedagogia traz uma discussão dessa natureza? Ou ainda, afinal, o que discute essa disciplina? 2 Unidade I Re vi sã o: N íz ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 03 /1 0 Se você tem essas dúvidas, cremos que serão bastante enriquecedoras para a compressão do texto e o sucesso na disciplina. Portanto, vamos à busca de respostas às suas prováveis indagações. A priori, vale dizer que o currículo, pelo menos o que vamos estudar no curso de pedagogia, tem múltiplos conceitos e significados. Em função disso, você perceberá que é um assunto bastante interessante e que nos ajuda na compreensão da dinâmica da escola com relação, entre outros aspectos, àqueles que tratam dos conteúdos, métodos, processo ensino- aprendizagem e avaliação. Considerando-se que nossa disciplina é intitulada Currículos e Programas, entendemos que é necessário compreender seu conceito e propósitos tal qual ela nos apresenta, ou seja, de forma composta. Por outro lado, acreditamos que, para analisar a relação existente entre os dois termos, seria prudente, primeiro, compreender o significado de cada um dos vocábulos, para depois, justificarmos a junção. Para explicitarmos o conceito de currículo, podemos recorrer a vários autores que discutem o assunto. Entretanto, tendo em vista a diversidade de sentidos, talvez isso possa causar certa dificuldade para a compreensão de seu significado. Diante disso, apontamos algumas pistas para a elucidação de seu conceito. Mas como fazer isso? Podemos nos valer de alguns recursos, tais como: recorrer ao léxico ou realizar um levantamento bibliográfico, pois são as formas mais comuns de pesquisas quando buscamos respostas para algo que desconhecemos do ponto de vista acadêmico-científico. Nesse caso, optamos pelas duas formas. Portando, dialogaremos com os dicionários e os estudiosos que tratam do assunto ao mesmo tempo. 5 10 15 20 25 30 3 CURRÍCULOS E PROGRAMAS Re vi sã o: N íz ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 03 /1 0 Nestes termos, iniciada a busca ao léxico, mais precisamente, ao dicionário Houaiss da língua portuguesa, verificamos que o currículo é definido nesse livro como “programação de um curso ou de matéria a ser examinada”. Conforme se observa, trata-se de um significado bastante simples de ser compreendido, mas é evidente que não podemos ficar somente com esse, precisamos de outros. Afinal, dissemos, no início do texto, que o currículo tem muitos significados e é partir dessa premissa que pretendemos excursionar por eles. Mas, como estamos, nesse momento, nos recorrendo ao léxico, antes de prosseguirmos, cabe aqui um questionamento: desde quando o termo currículo é dicionarizado? Esse fato não é recente. Ao contrário, data de 1633 quando o termo currículo aparece, pela primeira vez, no Oxford English Dictionary e é utilizado para designar um plano estruturado de estudos numa escola ou universidade (Pacheco, 2005), portanto o termo é relativamente similar a alguns dos conceitos utilizados na atualidade. Contudo, vale destacar que a dicionarização do currículo não significa sua gênese na educação. Recorrendo à literatura especializada que trata do assunto, verificamos que, (...) por volta da metade do século XIX, o uso comum da palavra, significando apenas um curso de estudos, estava mais ou menos estabelecido e era aplicado rotineiramente não só às disciplinas estudadas nas escolas politécnicas e nas universidades, mas também aos níveis pré-universitários de instrução (Jackson, 1992, p. 5, apud Pacheco, p. 29). Frente ao exposto, nota-se que dois séculos após o processo de dicionarização de currículo, é possível observar que o termo foi se expandindo na área da educação. Por outro lado, sabemos 5 10 15 20 25 30 4 Unidade I Re vi sã o: N íz ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 03 /1 0 que a educação sistematizada é anterior a esse período e aí podemos questionar se na antiguidade clássica, por exemplo, tínhamos ou não, um currículo escolar. De acordo com Pacheco (2005), embora se localize, por vezes, a origem do termo nesse período, o certo é que a realidade escolar sempre coexistiu com a realidade curricular, principalmentequando a escola se institucionalizou numa construção cultural com fins socioeconômicos. Não obstante, ainda valendo-se das contribuições do autor, verificamos que a palavra currículo é de origem recente e aparece com o significado de organização do ensino, querendo dizer o mesmo que disciplina e que foi relativamente bem assimilado pelas pessoas. Pois bem, agora que sabemos um pouco mais sobre a origem do currículo, vamos continuar nossa pesquisa em busca de significados. Do ponto de vista etimológico, por sua vez, o termo currículo vem da palavra latina Scurrere que corresponde a correr, e refere-se a curso, à carreira, a um percurso que deve ser realizado. Portanto, quando elaboramos um curriculum vitae, por exemplo, apresentamos, conforme sugere Libâneo (2004, p. 169), nossa “carreira da vida”, nosso “percurso de vida”. Por outro lado, na perspectiva do senso comum, ainda predomina a ideia de currículo como o conjunto das disciplinas que o aluno deve percorrer, ou seja, o plano de estudos ou a matriz curricular, a fim de obter uma titulação, um diploma (Libâneo, 2004). Frente ao exposto, percebemos que não há nada de tão complexo no processo de conceituação do currículo, entretanto, analisá-lo apenas na perspectiva lexical e etimológica talvez seja uma visão reducionista e não é o que propomos e, muito provavelmente, também não seja o que 5 10 15 20 25 30 5 CURRÍCULOS E PROGRAMAS Re vi sã o: N íz ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 03 /1 0 vocês esperam. Portanto, buscamos outros significados para ampliar nossa análise. A pesquisa bibliográfica nos mostra que significados mais ampliados acerca do currículo surgiram somente no início do século XX, identificando, segundo Libâneo (2004, p. 169), “quase sempre o conjunto de saberes e/ou experiências que alunos precisam adquirir e/ou vivenciar em função de sua formação”. Grosso modo, podemos afirmar que uma vez dentro do campo pedagógico, apesar das diversas definições que o termo currículo recebeu ao longo da história da educação, tradicionalmente, passou a significar uma relação de disciplinas com seu corpo de conhecimento organizado numa sequência lógica, com o respectivo tempo de cada uma, ou seja, matriz curricular. Esta conotação, quando analisada na perspectiva da dicionarização do termo currículo, guarda estreita relação com “plano de estudos”, neste caso, tratado como conjunto de matérias a serem ensinadas em cada curso ou série e o tempo reservado a cada uma. Não obstante, os significados e sentidos de currículo são muitos, posto que segundo Schmidt (2003), se quisermos, podemos listar aproximadamente cinquenta definições para o currículo sendo que cada uma com uma diferente conotação, pois há, na literatura, dados disponíveis para isso. Mas não é o que pretendemos, pois acabaríamos criando uma teia de significados que em nada contribuiria para a nossa reflexão. Frente ao exposto, depreendemos que as concepções, significados e funções do termo currículo são variadas e diferentes e nos levar a crer que não existe uma definição certa, nem tão pouco, a mais reconhecida ou a mais atual, pois ao decidirmos por uma delas, estaríamos definindo por uma determinada concepção, que inclui compromissos sociais e políticos (Schmidt, 2003). 5 10 15 20 25 30 6 Unidade I Re vi sã o: N íz ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 03 /1 0 Não obstante, considerando-se que as principais contribuições sobre a conceituação do currículo datam do início do século XX, pelo menos enquanto teoria, entendemos, assim como inúmeros pesquisadores da área, que a publicação do livro The Curriculum1 em 1918, nos Estados Unidos, por Franklin John Bobbitt representa um marco no processo de teorização do currículo. Mas, o que esse autor pensa sobre o assunto? Para Bobbitt (1918), apud Pacheco (2005), o currículo é todo leque de experiências, sejam estas dirigidas ou não, que visam o desdobramento das capacidades do indivíduo; ou é a série de experiências instrutivas conscientemente dirigidas que as escolas usam para completar e aperfeiçoar o desdobramento. Conforme podemos observar, Bobbitt definiu o currículo como conjunto ou série de coisas que as crianças e os jovens devem fazer e experimentar a fim de desenvolver habilidades que os capacitem a decidir assuntos na vida adulta. A partir dessa definição, fica evidente que a educação, na visão de Bobbitt, é essencialmente para a vida adulta, não para a vida infantil. Portanto, sua responsabilidade fundamental é preparar para os cinquenta anos de vida adulta e não para os vinte anos de infância e adolescência (Pacheco, 2005). Não há um conceito único do termo currículo, nem podemos escolher um, pois estaríamos assumindo uma posição política e ideológica. Todavia, concordamos com Libâneo (2004), poderíamos ficar com duas definições que apesar de serem pontuais nos ajudam a compreender melhor o significado do termo, pois de um jeito ou de outro se complementam. 1O currículo. 5 10 15 20 25 30 7 CURRÍCULOS E PROGRAMAS Re vi sã o: N íz ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 03 /1 0 Portanto, o currículo é a ligação entre a cultura e a sociedade exterior à escola e à educação; entre o conhecimento e cultura herdados e a aprendizagem dos alunos; entre a teoria (ideias, suposições e aspirações) e a prática possível, dadas determinadas condições. (Sacristán, 1989, p. 22 apud Libâneo, 2004, p. 170). Ademais, o currículo não é um conceito, mas uma construção cultural. Isto é, não se trata de um conceito abstrato que tenha algum tipo de existência fora e previamente à experiência humana. É, antes, um modo de organizar uma série de práticas educativas (Grundy, 1987, p. 5, apud Sacristán, 2000, p. 14). Observamos no primeiro caso que o currículo é visto como a concretização do posicionamento da escola em face da cultura produzida pela sociedade. A esse respeito, Libâneo (2004) entende que existe ensino porque há uma cultura, e o currículo é a seleção e organização dessa cultura. Portanto, para Gimeno Sacristán, o papel social da escola se realiza por meio do currículo. A segunda opção complementa a primeira, pois o currículo é visto como uma construção cultural que orienta as práticas educativas realizadas na escola a partir do que é produzido na sociedade levando a crer que o currículo não é neutro, ao contrário, tem uma intencionalidade muito bem definida. Diante disso, Libâneo (2004) afirma que, quando os professores e a equipe escolar planejam o currículo, eles realizam uma escolha para responder a essas indagações: 5 10 15 20 25 30 8 Unidade I Re vi sã o: N íz ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 03 /1 0 • O que nossos alunos precisam aprender? • Para que aprender? • Em função de que aprender? Parafraseando o autor, entendemos que há aí uma espécie de diálogo com a sociedade e entre a própria equipe de professores, sobre o que de fato é relevante que os alunos aprendam em função de suas necessidades pessoais e das necessidades e exigências de interesses em jogo na sociedade. Conforme se vê, o currículo é intencional, pois é orientado em função de objetivos e das ações, ou seja, conhecimentos, procedimentos, valores, formas de gestão, de avaliação etc. e se torna real a partir do trabalho dos professores a partir de determinadas condições previstas pela organização escolar, tendo em vista a qualidade do processo de ensino e da aprendizagem. Portanto não é de um todo autônomo, mas construído socialmente em função de objetivos e interesses. Umavez demonstrado que o conceito de currículo não é único, ao contrário, é multifacetado, vamos falar um pouco dos programas. Na perspectiva do senso comum, em geral, o termo em questão é identificado a programa de ensino. Mas por que isso acontece? Talvez porque muitas vezes o currículo é empregado para considerar as orientações e sugestões programáticas das diferentes disciplinas e aí acabam tendo uma visão reducionista acerca de seu significado. Não obstante, entendemos que esse ponto de vista está relacionado à perspectiva tradicional e tecnicista que teve seu apogeu nos anos setenta e foi representado, principalmente, por autores como Sperb e Tyler, cuja ênfase dada ao currículo era a de programa escolar. Nesse caso, o currículo era visto como uma questão eminentemente técnica, dissociada da 5 10 15 20 25 30 9 CURRÍCULOS E PROGRAMAS Re vi sã o: N íz ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 03 /1 0 conjuntura social e centralizada nos conteúdos formais e no como fazer. Grosso modo, podemos dizer que há autores que entendem que os programas não são o currículo, mas instrumentos do currículo, entre outros instrumentos, tendo portanto, uma função instrumental. Nesse contexto, o programa só serve como meio para que as aprendizagens ocorram, sendo que aquilo que define o currículo são as aprendizagens que se visam. Por outro lado, Schubert (1986), citado por Gimeno Sacristán (1998, p. 14), na tentativa de compreender o termo currículo, faz referência a algumas imagens que o conceito lhe traz a mente e que, por sua vez, carregam algumas conotações diferentes às propostas por autores, como Roldão, também citada por Sacristán. A seguir, listamos algumas imagens relacionadas ao currículo para que possamos construir nossas próprias imagens: • currículo como conjunto de conhecimentos ou matérias a serem superadas pelos alunos dentro de um ciclo − nível educativo ou modalidade de ensino; • currículo como programa de atividades planejadas, devidamente sequencializadas, ordenadas metodologicamente, tal como se mostram num manual ou num guia do professor; • currículo como resultados pretendidos da aprendizagem; • currículo como concretização do plano reprodutor para a escola de determinada sociedade, contendo conhecimentos, valores e atitudes; • currículo como experiência recriada nos alunos por meio da qual podem desenvolver-se; • currículo como tarefa e habilidade a serem dominadas − como é o caso da formação profissional; 5 10 15 20 25 30 10 Unidade I Re vi sã o: N íz ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 03 /1 0 • currículo como programa que proporciona conteúdos e valores para que os alunos melhorem a sociedade em relação à reconstrução social da mesma. Notamos que há uma diversidade de sentidos muito grande e qualquer tentativa de escolher uma ou outra implica tomar posição. A partir das contribuições dos diversos especialistas que discutem o currículo, percebemos que os programas fazem parte do currículo e não podem ser vistos de forma eminentemente técnica e neutra, pois todo fazer tem uma intenção e se os programas são um meio para que a aprendizagem ocorra, assim como o currículo, também têm uma função social. Portanto, currículos e programas representam uma relação indissociável que auxilia selecionar, organizar e socializar criticamente o conhecimento escolar e extra-escolar, afinal, o currículo, na contemporaneidade, não se reduz ao conhecimento que é ministrado no ambiente escolar. Agora que conhecemos um pouco mais sobre currículos e sua relação com os programas, vamos ver o que alguns estudiosos que ficaram conhecidos como críticos do currículo pensam sobre o assunto. Para tanto, analisaremos, no próximo tópico, as teorias curriculares. 2 TEORIAS DE CURRÍCULO Para começar nosso diálogo acerca das teorias curriculares, recorremos a Tomaz Tadeu da Silva2 (2000, p. 11) que propõe uma série de indagações sobre o currículo, conforme seguem: • O que é uma teoria de currículo? • Quando se pode dizer que se tem uma “teoria do currículo”? 2 Tomaz Tadeu da Silva é Ph.D pela Stanford University (1984). Atualmente é professor colaborador do Programa em Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Seu último trabalho publicado (2007) é a tradução da Ética, de Spinoza (Autêntica). Publicou mais de 30 artigos em periódicos especializados, 30 capítulos de livros e 25 livros. Atua na área de educação, com ênfase em teoria do currículo. 5 10 15 20 25 11 CURRÍCULOS E PROGRAMAS Re vi sã o: N íz ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 03 /1 0 • Onde começa a teoria e como se desenvolve a história das teorias do currículo? • O que distingue uma “teoria do currículo” da teoria educacional mais ampla? • Quais são as principais teorias do currículo? • O que distingue as teorias tradicionais das teorias críticas do currículo? • E o que distingue as teorias críticas do currículo das teorias pós-críticas? A partir destas indagações, percebemos que o assunto é um tanto complexo e não podemos nos ater ao senso comum. Portanto, faremos uma viagem na história do currículo na busca respostas que nortearão nossas discussões. Grosso modo, o currículo escolar pode ser analisado a partir de dois grandes eixos: as concepções tradicionais ou conservadoras e as concepções críticas. Diante desta afirmação surge um questionamento: qual a origem de cada uma delas? Verificamos que ambas originaram nos Estados Unidos e tanto as visões conservadoras como as críticas influenciaram sobremaneira o campo no Brasil e por isso as estudaremos. Entretanto, como Silva (2000) propõe uma abordagem mais detalhada acerca das teorias, basearemos em sua proposta. Em primeiro lugar, conforme ressalta o autor, precisamos saber o que é uma teoria, pois, em geral, “está implícita, na noção de teoria, a suposição de que a teoria ‘descobre’, e que há uma correspondência entre a ‘teoria e a ‘realidade’” (Silva, 2000, p. 11). Em termos mais específicos, nos valendo das contribuições do autor, podemos dizer que a teoria é uma representação, 5 10 15 20 25 30 12 Unidade I Re vi sã o: N íz ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 03 /1 0 uma imagem, um reflexo, um signo de uma realidade que – cronologicamente, ontologicamente – a precede. Mas, como estamos interessados em estudar as teorias curriculares, vamos nos ater ao fato de que uma teoria de currículo começaria por supor que existe, segundo Silva (2004, p. 11), “lá fora, esperando para ser descoberta, descrita e explicada, uma coisa chamada currículo”. Portanto, o currículo seria o objeto que precederia a teoria, a qual só entraria em cena para descobri-lo, descrevê-lo, explicá-lo, conforme pretendemos. Não obstante, a questão central que deve servir de pano de fundo para qualquer teoria do currículo é a de saber qual conhecimento deve ser ensinado. Ou seja, mais especificamente, temos como questão central: o quê? Entretanto, entendemos que não é só isso, pois na atualidade, o porquê faz parte de um conjunto de reflexões e práticas vivenciadas na escola, portanto não pode ser preterido. Diante disso, Silva (2000) propõe a divisão das teorias em três grandes áreas, a saber: • teorias tradicionais: ensino, aprendizagem, avaliação, metodologia, didática, organização, planejamento, eficiência, objetivos; • teorias críticas: ideologia, reprodução cultural e social, poder, classe social, capitalismo, relações sociais de produção, conscientização, emancipação e libertação, currículo oculto,resistência; • teorias pós-críticas: identidade, alteridade, diferença, subjetividade, significação e discurso, saber-poder, representação, cultura, gênero, raça, etnia, sexualidade, multiculturalismo. 5 10 15 20 25 30 13 CURRÍCULOS E PROGRAMAS Re vi sã o: N íz ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 03 /1 0 Apresentadas as três grandes áreas, se é que podem ser dividi- las dessa forma, pois não conseguimos imaginar o currículo de forma fragmentada. Entretanto, como essa discussão não cabe aqui, pelo menos nesse momento, vamos tentar explicitá-las para que possamos compreendê-las melhor. 2.1 Teoria tradicional A partir dessa abordagem, percebemos que ela procura ser neutra, tendo como principal foco a identificação dos objetivos da educação escolarizada com vistas a formar o trabalhador especializado ou proporcionar uma educação geral, acadêmica, à população. Silva (2000) explica que essa teoria teve como principal representante Bobbit, que escreveu sobre o currículo em um momento, no qual, diversas forças políticas, econômicas e culturais procuravam envolver a educação de massas para garantir que sua ideologia fosse garantida. Sua proposta era que a escola funcionasse como uma empresa comercial ou industrial. Segundo Silva (2000, p. 23), [...] de acordo com Bobbit, o sistema educacional deveria começar por estabelecer de forma precisa quais são seus objetivos. Esses objetivos, por sua vez deveriam se basear num exame daquelas habilidades necessárias para exercer com eficiência as ocupações profissionais da vida adulta. Conforme se observa, o modelo curricular de Bobbit estava focado na teoria da administração científica, proposta por Frederick W.Taylor, e tinha como palavra-chave a eficiência. Nestes termos, o currículo era uma questão de organização e ocorria de forma mecânica e burocrática. Desta forma, a tarefa dos especialistas em currículo consistia em fazer um levantamento das habilidades, em desenvolver currículos que permitissem que essas habilidades fossem desenvolvidas e, finalmente, em planejar e elaborar instrumentos de medição para dizer com precisão se elas foram aprendidas. Estas ideias 5 10 15 20 25 30 14 Unidade I Re vi sã o: N íz ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 03 /1 0 influenciaram muito a educação nos Estados Unidos até os anos oitenta. Mas não foi somente lá, pois foram marcantes em muitos países, inclusive no Brasil. Não obstante, segundo Silva (2000, p. 23), bem antes de Bobbitt, Dewey ter escrito, em 1902, um livro que tinha a palavra ‘currículo’ no título, ou seja, The Child and the curriculum3. Vale dizer que Dewey, assim como Kilpatrick, era representante da teoria progressivista cuja concepção de currículo, nesse caso, parte da totalidade de experiências vivenciadas pela criança, sob a orientação da escola, levando em conta e valorizando os interesses do aluno. Ao contrário das teorias tradicionais, as teorias progressivistas começaram a se delinear a partir do século XVIII e se constituíram como tentativa de buscar respostas aos problemas socioeconômicos advindos dos processos de urbanização e industrialização ocorridos nos Estados Unidos no final do século XIX e início do século XX. A escola, nesse contexto, era vista como a instituição responsável pela compensação dos problemas da sociedade mais ampla. O foco do currículo foi deslocado do conteúdo para a forma, ou seja, a preocupação foi centrada na organização das atividades, com base nas experiências, diferenças individuais e interesses da criança. Entretanto, segundo Silva (2000), a influência de Dewey não refletiu da mesma forma que a de Bobbitt na formação do currículo como campo de estudos que por sua vez teve seu modelo de currículo consolidado com a publicação do livro de Ralph Tyler, em 1949. Conforme se observa, no início do século XX tivemos dois modelos de currículo surgindo em um mesmo local e período. Assim, podemos questionar: será que havia algo incomum entre os modelos? A resposta é sim, pois tanto o modelo de Bobbitt e Tyler quanto o de Dewey, constituíram, de certa forma, uma 3 A criança e o currículo. 5 10 15 20 25 30 15 CURRÍCULOS E PROGRAMAS Re vi sã o: N íz ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 03 /1 0 reação ao currículo clássico, humanista, que havia dominado a educação secundária desde sua institucionalização. E o que era o modelo clássico? Trata-se de um currículo que era herdeiro das chamadas “artes liberais” que, vindo da Antiguidade Clássica, se estabeleceram na educação universitária da Idade Média e do Renascimento, na forma dos chamados trivium, ou seja, gramática, retórica, dialética e quadrivium: astronomia, geometria, música e aritmética. Cada um dos modelos curriculares contemporâneos (o tecnocrata e o progressista) ataca o modelo humanista de um jeito ou de outro (Silva, 2000). O tecnocrata destacava a abstração e a suposta inutilidade – para a vida moderna e para as atividades laborais – das habilidades e conhecimentos cultivados pelo currículo clássico. Já o modelo progressista entendia que o currículo clássico distanciava dos interesses e das experiências das crianças e dos jovens. Por fim, ressaltamos que o currículo está intimamente relacionado ao contexto e com isso, os modelos tradicionais e o progressista, por sua vez, assim como o humanista,4 foram contestados a partir dos anos setenta. 2.2 Teorias críticas Para situar melhor nesta discussão, salientamos que a teoria crítica em seu sentido mais formal e usual remonta a um período anterior ao surgimento das teorias curriculares críticas. Ela surgiu na Alemanha a partir dos estudos de autores que faziam parte da Escola de Frankfurt, tais como: Adorno, Horkeimer, Marcuse e Benjamim. A princípio, a teoria crítica faz uma análise minuciosa das relações de cultura e política cultural de massas no capitalismo e, posteriormente, suas analises vão para além do capitalismo e suas formas, pois se aproximam dos 4 O currículo humanista foi contestado tanto pelo currículo progressista quanto pelo currículo tradicional no início do século XX. 5 10 15 20 25 30 16 Unidade I Re vi sã o: N íz ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 03 /1 0 aspectos cognitivos e do conhecimento técnico como formas de dominação. No que se refere às suas finalidades, em termos mais específicos, podemos dizer que as teorias críticas surgiram em oposição às teorias tradicionais e se preocuparam em desenvolver conceitos que permitissem compreender, com base em uma análise marxista, o que o currículo faz. Portanto, “efetuam uma completa inversão nos fundamentos das teorias tradicionais” (Silva, 2000, p. 29). Uma característica importante das teorias críticas do currículo e que, a nosso ver deve ser destacado, é que no desenvolvimento de seus conceitos, existiu uma ligação entre educação e ideologia. Nestes termos, verificamos que vários pensadores elaboraram teorias que foram identificadas como críticas e, embora tivessem uma linha semelhante de pensamento, apresentavam suas individualidades. Mas afinal, quais são as contribuições dessas teorias e quando elas surgiram? No que diz respeito às suas contribuições, a literatura mostra que o mérito dessas teorias está principalmente em realizar uma inversão nos fundamentos das teorias tradicionais (Silva, 2000) sendo que isso acontece porque elas invertem as perspectivas colocadas pelos enfoques tradicionais ao efetuarem os necessários questionamentos com relação à formação social dominante. Quanto à sua origem, entendemosque não podemos dizer que houve uma data específica para o fato, mas sim, um período de transição que, por sua vez, veio acompanhado de uma série de movimentos sociais e culturais que caracterizaram os anos sessenta em todo o mundo, surgindo, portanto as primeiras teorizações questionando o pensamento e a estrutura educacional tradicionais, em específico, aqui, as concepções sobre o currículo. 5 10 15 20 25 30 17 CURRÍCULOS E PROGRAMAS Re vi sã o: N íz ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 03 /1 0 Grosso modo, podemos dizer que as críticas advindas dos movimentos sociais expressavam a insatisfação com a escola seletiva e excludente, despreocupada com o processo de aprendizagem dos alunos e esvaziada de conteúdos com significados vitais. Diante disso, podemos questionar o que esses movimentos sociais tinham a ver com a questão curricular. Valendo-se de sua não neutralidade, podemos afirmar que os movimentos que eclodiram nos anos sessenta articularam algumas experiências alternativas de currículo que, historicamente, representaram outra possibilidade de pensar e fazer uma escola, mas não como estava e sim uma escola inclusiva e que atendesse aos interesses das classes menos favorecidas. Na década seguinte (1970) surgiram várias publicações sobre o assunto sendo que para exemplificar o exposto, recorremos a uma cronologia feita por Tomaz Tadeu da Silva (2000, p. 30) quando apresenta alguns marcos fundamentais tanto da teoria educacional crítica mais geral quanto da teoria crítica sobre o currículo, conforme segue: • 1970 – Paulo Freire: Pedagogia do oprimido. • 1970 – Louis Althusser: A ideologia e os aparelhos ideológicos do estado. • 1971 – Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron: A reprodução. • 1971 – Baudelot e Establet: L’école capitaliste en France. • 1971 – Basil Bernstein: Class, Codes and Control, vol. 1. • 1971– Michael Young: Knowledge and Control: New Directions for the Sociology of Education. • 1976 – Samuel Bowles e Herbert Gintis: Schooling in Capitalist America. 5 10 15 20 25 30 18 Unidade I Re vi sã o: N íz ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 03 /1 0 • 1976 – William Pinar e Madeleine Grumet: Toward a Poor Curriculum. • 1979 – Michael Apple: Ideologia e currículo. A partir da teoria marxista, esses autores, com ênfases diversas, investigaram a estreita relação entre a educação e a produção e disseminação da ideologia, apontando a escola como um espaço de reprodução da sociedade capitalista. Dessa forma, entendemos que as contribuições desses autores, de uma forma ou de outra se enquadram em duas correntes teóricas que não se excluem, ao contrário, se complementam e são compreendidas como: • a sociologia do currículo, com origem nos Estados Unidos que se voltou para o exame das relações entre currículo e estrutura social, currículo e cultura, currículo e poder, currículo e ideologia, currículo e controle social etc. De acordo com Moreira e Silva (2001), nesse enfoque observava-se uma preocupação maior no sentido de entender a favor de quem o currículo trabalha e como fazê-lo trabalhar a favor dos grupos e classes oprimidas. Para tanto, discute-se o que contribui, tanto no currículo formal como no currículo em ação e no currículo oculto, para a reprodução de desigualdades sociais. A nova sociologia do currículo, com origem na Inglaterra, fortaleceu os elos entre as mudanças na sociologia e a difusão dos movimentos sociais em defesa dos direitos das mulheres, dos negros, dos homossexuais etc. Segundo Moreira e Silva (2001), os sociólogos voltaram-se, então, para o exame da relação entre conhecimento e ação e para a necessidade de eliminar do trabalho sociológico prevalecente seus aspectos patriarcais e sexistas. 5 10 15 20 25 30 19 CURRÍCULOS E PROGRAMAS Re vi sã o: N íz ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 03 /1 0 De acordo com Moreira (1990), a sociologia da educação difundiu-se e transformou-se, em decorrência de dois fatores. O primeiro fator foi a mudança ocorrida no curso de formação de professores, que passou de três para quatro anos, reservando- se este ano adicional para estudos pedagógicos. Tais estudos incluíram a sociologia da educação, o que aumentou a demanda e a formação de professores para ensiná-la. O segundo fator foi o fracasso das reformas e iniciativas educacionais promovidas pelo governo (educação compensatória, educação compreensiva, educação comunitária etc.) buscando reduzir as desigualdades. Tal fracasso lançou sérias dúvidas quanto à validade da fundamentação teórica dessas iniciativas – o funcionalismo. A tradição da aritmética política perdeu sua hegemonia e uma nova abordagem começou a emergir. Uma vez apresentada uma cronologia bem como um preâmbulo da sociologia do currículo e nova sociologia do currículo, propomos, a seguir, uma síntese das contribuições dos autores expoentes desse movimento: Paulo Freire Ao analisar a obra desse autor, percebemos que, embora não tenha elaborado uma teoria sobre currículo, acaba discutindo esta questão em suas pesquisas. Percebemos que sua análise está mais baseada na filosofia e voltada para o desenvolvimento da educação de adultos em países subordinados à ordem mundial. A crítica de Freire – pedagogia do oprimido – ao currículo está resumida no conceito de educação bancária, que concebe o conhecimento como constituído por informações e fatos a serem simplesmente transferidos do professor para o aluno, instituindo, assim, um ato de depósito bancário. Paulo Freire critica também que a educação se resume apenas em transmitir o conhecimento, e que o professor tem um papel ativo, enquanto o aluno, de recepção passiva. Portanto, o currículo está, na concepção do 5 10 15 20 25 30 20 Unidade I Re vi sã o: N íz ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 03 /1 0 autor, desligado da situação existencial das pessoas envolvidas no ato de conhecer (Hornburg e Silva, 2007). Louis Althusser Com relação esse filósofo francês, no dizer de Silva (2000), ele fez uma breve referência à educação em seus estudos, onde observamos que pontuou que a sociedade capitalista depende da reprodução de suas práticas econômicas para manter a sua ideologia. Além disso, sustentou que a escola é uma forma utilizada pelo capitalismo para manter sua ideologia, pois atinge toda a população por um período prolongado de tempo. Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron Esses sociólogos franceses fizeram uma crítica à educação na medida em que, entendiam que apesar de essa estar centrada na reprodução, se afastava da análise marxista em vários aspectos, ao oposto do que preconizavam as teorias críticas de currículo. Nesse contexto, esses autores viam o funcionamento da escola e da cultura por meio de metáforas econômicas. Com isso, “a cultura não dependia da economia, pois a cultura funciona como uma economia, como demonstra, por exemplo, a utilização de ‘capital cultural’” (Silva, 2000, p. 34). Nestes termos, valendo-se das contribuições desse autor, podemos verificar que para Bourdieu e Passeron, a dinâmica da reprodução social estaria centrada no processo de reprodução cultural, sendo que seria por meio da reprodução da cultura dominante que a reprodução mais ampla da sociedade ficaria garantida. Segundo Silva (2000), isso se explica ao considerarmos que a cultura que tem prestígio e valor social é justamente a cultura das classes dominantes: seus valores, seus gostos, seus costumes, seus hábitos etc. Portanto, na medida em que vale alguma coisa, ela se constituicomo capital cultural. Essa ideia 5 10 15 20 25 30 21 CURRÍCULOS E PROGRAMAS Re vi sã o: N íz ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 03 /1 0 permite a classe dominante definir sua cultura como a cultura, e assim pela imposição e ocultação, acaba por aparecer como algo natural, chamado por Bourdieu e Passeron de dupla violência do processo de dominação cultural. Mas, e a escola? Como ela fica nesse caso? Mais do que isso, e o currículo? Afinal estamos discutindo o currículo escolar! Na análise de Silva (2004), fica evidente que a escola não atua pela inculcação da cultura dominante às crianças e jovens das classes dominadas, mas, ao contrário, por um mecanismo que acaba por funcionar como instrumento de exclusão. Dessa forma, o currículo da escola estaria baseado na cultura dominante e as crianças das classes dominantes poderiam facilmente compreender o código, pois é natural a elas, mas o mesmo não acontece com as crianças das classes dominadas. Nesse caso, de acordo com Silva (2000, p. 35), esse “código funciona como uma linguagem estrangeira”, sendo, portanto incompreensível. Christian Baudelot e Roger Establet Esses autores, em sua obra A escola e o capitalismo na França, desenvolveram uma teoria sobre o funcionalismo dualista do sistema educacional. Sinalizaram que, longe de ser único ou homogêneo e de oferecer chances a todos, o sistema escolar é profundamente seletivo e gera a desigualdade na medida em que se assenta em duas redes bem estanques e pouco visíveis, ou seja, de um lado uma rede primária e profissionalizante destinada a fornecer uma mão de obra de execução e do outro, uma secundária e superior que prepara às funções de concepção e de comando. Basil Berstein De acordo com Silva (2000), esse autor elaborou sua teoria na linha sociológica, definindo que a educação formal encontra sua realização em três sistemas de mensagem: o 5 10 15 20 25 30 22 Unidade I Re vi sã o: N íz ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 03 /1 0 currículo a pedagogia e a avaliação. Diante disso, percebemos que Berstein entende que o currículo define o que conta como conhecimento válido, a pedagogia, por sua vez, define o que conta como transmissão válida do conhecimento sendo que a avaliação resgata o que conta como realização válida desse conhecimento. No dizer de Silva (2000), a preocupação de Basil Berstein estava centrada em dois pontos básicos, a saber: na organização estrutural do currículo e como, os diferentes tipos de organização estão ligados a princípios diferentes de poder e controle. Michael Young No dizer de Silva (2000), a proposta desse teórico é delinear as bases de uma sociologia do currículo, com o objetivo de destacar “[...] o caráter socialmente construído das formas de consciência e de conhecimento, bem como suas estreitas relações com estruturas sociais, institucionais e econômicas” (p. 66). Dessa forma, “[...] uma perspectiva curricular inspirada pelo programa da Nova Sociologia da Educação (NSE) buscaria construir um currículo que refletisse as tradições culturais e epistemológicas dos grupos subordinados e não apenas dos grupos dominantes” (p. 69). Samuel Bowles e Herbert Gintis Na obra A escola capitalista na América, esses autores introduziram o conceito de correspondência para estabelecer a natureza da conexão entre escola e produção. Nesse caso, percebemos a ênfase atribuída à aprendizagem, por meio da vivência das relações sociais da escola, das atitudes necessárias para se qualificar como um bom trabalho capitalista. Isso se deve ao fato de que: As relações sociais do local de trabalho capitalista exigem certas atitudes por parte do trabalhador: 5 10 15 20 25 30 23 CURRÍCULOS E PROGRAMAS Re vi sã o: N íz ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 03 /1 0 obediência a ordens, pontualidade, assiduidade, confiabilidade, no caso do trabalhador subordinado; capacidade de comandar, de formular planos, de se conduzir de forma autônoma, no caso dos trabalhadores situados nos níveis mais altos da escala ocupacional (Silva, 2000, p. 33). Nestes termos, observamos que a escola contribui para esse processo não propriamente através do conteúdo explícito de seu currículo, mas ao espelhar, no seu funcionamento, as relações sociais de trabalho. William Pinar e Madeleine Grumet Esses autores, em especial William Pinar, começaram a perceber que a compreensão do currículo como uma atividade meramente técnica e administrativa, como acontecia com os modelos de Bobbitt e Tyler, não se enquadrava muito bem com as teorias sociais. Diante disso, instituiram um movimento que ficou conhecido como “movimento de reconceptualização” que exprimia a insatisfação crescente de pessoas do campo do currículo com os parâmetros tecnocratas vigentes até então. Michael Apple Segundo Silva (2000), Apple vê o currículo em termos estruturais e relacionais. A partir da publicação de seu livro Ideologia e currículo (Estados Unidos, 1979), Apple sinaliza que o currículo está estreitamente relacionado às estruturas econômicas e sociais mais amplas. Nestes termos, fica evidente que o currículo não é um corpo neutro, inocente e desinteressado de conhecimentos. Desta forma, contrariamente ao que supõe o modelo de Tyler, o currículo não é organizado por um processo de seleção que recorre às fontes imparciais da filosofia ou dos valores supostamente consensuais da sociedade (Silva, 2000). Apple deixa claro que a questão não é saber qual conhecimento é verdadeiro, mas qual conhecimento é considerado verdadeiro. 5 10 15 20 25 30 24 Unidade I Re vi sã o: N íz ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 03 /1 0 Com isso, devemos preocupar com as formas pelas quais certos conhecimentos são considerados como legítimos, em detrimento de outros, vistos como ilegítimos ao contrário do que preconizavam os modelos tradicionais cujo conhecimento existente era tomado como dado e inquestionável. Por fim, recorremos a Pacheco (2005) que nos sinaliza que a complexidade dos estudos educacionais críticos, em que se reconhecem contradições, significa a existência de lutas por ideias e práticas associadas a uma problematização constante daquilo que fazemos e naquilo que pretendemos praticar. Portanto, não podemos esquecer que o currículo precisa ser visto mais do que nunca como um território contestado e as decisões sobre o que deve ser ensinado nas escolas e a forma de ensinar ainda criam um ambiente de conflito que merece uma atenção especial por parte de todos os atores envolvidos no contexto educacional. 2.3 Teorias pós-críticas Para a teoria pós-crítica, o currículo é uma prática discursiva que tem autoridade textual, tem uma natureza subjetiva e cultural, sendo que podemos ver isso na escola, por conta da diversidade, afinal nessa proposta são discutidos assuntos como: identidade, alteridade, diferença, subjetividade, significação e discurso, saber-poder, representação, cultura, gênero, raça, etnia, sexualidade e multiculturalismo (Silva, 2000). Portanto, parafraseando Hornburg e Silva (2007), podemos começar a falar sobre as teorias pós-críticas analisando o currículo multiculturalista, que destaca a diversidade de formas culturais do mundo contemporâneo. O multiculturalismo, mesmo sendo considerado estudo da antropologia, mostra que nenhuma cultura pode ser julgada superior à outra. Em relação ao currículo, o multiculturalismo aparece como movimento contra o currículo universitário tradicional que privilegiava a cultura branca, masculina, europeia e heterossexual, ou seja, acultura do grupo social dominante. 5 10 15 20 25 30 25 CURRÍCULOS E PROGRAMAS Re vi sã o: N íz ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 03 /1 0 Com as teorias pós-críticas do currículo, percebemos que a análise do poder é ampliada para incluir os processos de dominação centrados na raça, na etnia, no gênero, na sexualidade, na cultura colonialista. Estas teorias rejeitam a ideia de consciência coerente e centrada, questionam a ideia de subjetividade dizendo que ela é social. Além do mais, não existe um processo de conscientização e libertação possível (Silva, 2000). Depreendemos, portanto, que o currículo dentro da visão pós-crítica deve possibilitar a ampliação do espaço político e social no interior da escola para discutir no coletivo o que significa uma boa sociedade e quais as melhores maneiras de alcançá-la. Nestes termos, indagamos que questões deveriam orientar um currículo na perspectiva das teorias pós-criticas? A título de sugestão, propomos as que seguem. • O que conta como conhecimento? • Como o currículo está implicado na formação da masculinidade? • Que conexões existem entre as formas como o currículo produz e reproduz a masculinidade e as formas de violência, controle e domínio que caracterizam o mundo social mais amplo? • Quais são os mecanismos de construção das identidades nacionais, raciais, étnicas? • Como a construção da identidade e da diferença está vinculada à relação de poder? • Como a identidade dominante tornou-se a referência invisível por meio da qual se constroem as outras identidades como subordinadas? 5 10 15 20 25 30 26 Unidade I Re vi sã o: N íz ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 03 /1 0 • Quais são os mecanismos institucionais responsáveis pela manutenção da posição subordinada de certos grupos étnicos e raciais? • O que torna algo pensável? • O que torna algo correto ou incorreto? • O que torna algo moral ou imoral? • O que torna algo normal ou anormal? • Onde, quando, por quem foram criados os conteúdos ensinados? • Em que medida o currículo é moldado pela visão colonial? • Porque trabalhamos com divisão rígida de disciplinas em vez de situações problemas? • Em que medida as definições de nacionalidade e “raça”, forjada no contexto da conquista e expansão colonial, continuam predominantes nos mecanismos de formação da identidade cultural e da subjetividade embutidos no currículo oficial? • De que forma as narrativas que constituem o núcleo do currículo contemporâneo continua celebrando a soberania do sujeito imperial europeu? • Como, nessas narrativas, são construídas concepções sobre “raça”, gênero e sexualidade que se combinam para marginalizar identidades que não se conformam às definições de identidade considerada normal? • Como as formas culturais que estão no centro da sociedade de consumo contemporânea expressam novas formas de imperialismo cultural? 5 10 15 20 25 27 CURRÍCULOS E PROGRAMAS Re vi sã o: N íz ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 03 /1 0 • Qual o papel dessas novas formas de imperialismo cultural na formação de uma identidade cultural hegemônica e uniforme? • Como o currículo, considerado como um local de conhecimento e poder, reflete e, ao mesmo tempo, questiona, formas culturais que podem ser vistas como manifestações de um poder neocolonial ou pós-colonial? • Quais conhecimentos são considerados válidos? Acreditamos que estes questionamentos são importantes para refletirmos sobre o assunto que não se esgota nele mesmo, pois eles nos ajudam a ampliar as discussões sobre o currículo na contemporaneidade. Não obstante, não podemos esquecer que eles não têm respostas, mas sugerem pistas para analisarmos o cotidiano escolar nos seus diferentes aspectos. Por outro lado, entendemos também que estes questionamentos são importantes para justificar o fato de que grande parte da produção que surgiu a partir da década de noventa foi influenciada pelo pensamento pós-moderno, com ênfase na análise da relação entre currículo e construção de identidades e subjetividades. Contatamos que esta linha de trabalho está presente nas produções de Giroux, McLaren, Cherryholmes e Popkewitz. Estes teóricos defendem que o currículo constrói identidades e subjetividades, uma vez que, junto com os conteúdos das disciplinas escolares, se adquirem, na escola, valores, pensamentos e perspectivas de uma determinada época ou sociedade. Por isso, os estudos sobre a cultura escolar, a cultura que a escola privilegia, as diferenças culturais dos grupos sociais e as relações entre esses elementos têm sido preocupações crescentes no campo curricular. Os estudos multiculturais enfatizam a necessidade de o currículo “dar voz” às culturas excluídas, “negadas ou silenciadas”. 5 10 15 20 25 30 28 Unidade I Re vi sã o: N íz ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 03 /1 0 Apenas para ilustrar, no estudo do currículo multicultural, destacam-se pesquisadores como: Sacristán, Giroux, Moreira, Silva, McLaren, Santomé. Verificamos também que as questões raciais e étnicas começaram a fazer parte das teorias pós-críticas do currículo quando a problemática da identidade étnica e racial se inseriu no bojo das análises e discussões. Tal fato aconteceu porque o currículo não pode se tornar multicultural apenas incluindo informações sobre outras culturas. Ainda sobre o assunto, precisamos considerar as diferenças étnicas e raciais como uma questão histórica e política. Não obstante, para uma análise mais contemplativa destes aspectos, é essencial, por meio do currículo, desconstruir o texto racial, questionar por que e como valores de certos grupos étnicos e raciais foram desconsiderados ou menosprezados no desenvolvimento cultural e histórico da humanidade e, pela organização do currículo, proporcionar os mesmos significados e valores a todos os grupos, sem supervalorização de um ou de outro (Hornburg & Silva, 2007). 5 10 15
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