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DOCÊNCIA EM SAÚDE NUTRIÇÃO CLÍNICA DE CÃES E GATOS 1 Copyright © Portal Educação 2013 – Portal Educação Todos os direitos reservados R: Sete de setembro, 1686 – Centro – CEP: 79002-130 Telematrículas e Teleatendimento: 0800 707 4520 Internacional: +55 (67) 3303-4520 atendimento@portaleducacao.com.br – Campo Grande-MS Endereço Internet: http://www.portaleducacao.com.br Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - Brasil Triagem Organização LTDA ME Bibliotecário responsável: Rodrigo Pereira CRB 1/2167 Portal Educação P842n Nutrição clínica de cães e gatos / Portal Educação. - Campo Grande: Portal Educação, 2013. 116p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-8241-442-2 1. Nutrição animal. 2. Nutrição – Cães e gatos. I. Portal Educação. II. Título. CDD 636.0852 2 SUMÁRIO 1 ALTERAÇÕES DIGESTIVAS E DOENÇAS DO TRATO GASTROINTESTINAL ..................... 4 1.1 ALTERAÇÕES DIGESTIVAS ..................................................................................................... 5 1.2 DOENÇAS DO TRATO GASTROINTESTINAL .......................................................................... 8 1.2.1 Gastrite ....................................................................................................................................... 8 1.2.2 Gastroenterites Agudas .............................................................................................................. 9 1.2.3 Doenças do Intestino Grosso .................................................................................................... 11 2 HEPATOPATIAS E INSUFICIÊNCIA HEPÁTICA ..................................................................... 13 3 PANCREATITE E INSUFICIÊNCIA PANCREÁTICA EXÓCRINA ............................................ 24 4 CÁLCULOS DENTÁRIOS ......................................................................................................... 29 5 INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA (IRC) ................................................................................ 34 5.1 PROTEÍNA ................................................................................................................................ 37 5.2 CETOANÁLOGOS..................................................................................................................... 40 5.3 ENERGIA .................................................................................................................................. 41 5.4 LIPÍDEOS .................................................................................................................................. 41 5.5 FÓSFORO ................................................................................................................................. 42 5.6 SÓDIO E POTÁSSIO ................................................................................................................ 43 5.7 VITAMINAS ............................................................................................................................... 44 5.7.1 Uso de Alimentos Funcionais .................................................................................................... 44 6 UROLITÍASES E DOENÇA DO TRATO URINÁRIO INFERIOR DOS FELINOS (DTUIF) ....... 51 7 CARDIOPATIAS E INSUFICIÊNCIA CARDÍACA ..................................................................... 55 8 MANEJO NUTRICIONAL DAS DERMATOPATIAS ................................................................. 59 8.1 PROTEÍNAS .............................................................................................................................. 61 8.1.1 Proteínas e Hipersensibilidade Alimentar .................................................................................. 61 8.1.2 Tratamento ................................................................................................................................ 71 3 8.2 LIPÍDEOS E ÁCIDOS GRAXOS ................................................................................................ 72 8.3 MINERAIS ................................................................................................................................. 74 8.4 VITAMINAS ............................................................................................................................... 76 9 DIABETES MELLITUS .............................................................................................................. 78 REFERÊNCIAS ................................................................................................................................... 85 4 1 ALTERAÇÕES DIGESTIVAS E DOENÇAS DO TRATO GASTROINTESTINAL INTRODUÇÃO Nos últimos anos, a clínica e a cirurgia de pequenos animais vem se especializando. Atualmente, é comum encontrarmos veterinários que trabalham com ortopedia, cardiologia, oncologia, nefrologia ou endocrinologia. O espaço para esse crescimento é resultado direto do estreitamento da relação entre homens e animais que tem levado as pessoas a tratarem seus cães e gatos como membros da família, querendo garantir a eles melhor qualidade de vida e maior longevidade. Neste cenário, a nutrição assume grande importância. Não só por ser essencial ao suporte de algumas patologias crônicas que acometem os animais de companhia, mas também porque quando inadequada ao longo da vida, pode levar ao aparecimento de certas doenças, como a obesidade. Além disso, em situações de pacientes em estado crítico ou convalescente, o suporte nutricional é fundamental à melhora do estado geral do animal e em muitas situações o manejo dietético é a principal medida terapêutica. O restabelecimento da alimentação em pacientes anoréxicos com a utilização de nutrição enteral ou parenteral diminui a taxa de óbitos e diminui o período de internação de animais doentes. Dessa forma, entender como a alimentação e a nutrição de cães e gatos podem ser manejadas ao longo da vida do indivíduo a fim de evitar doenças e auxiliar no tratamento de doenças crônicas é fundamental para garantir maior expectativa de vida e recuperação aos pacientes veterinários. O curso está dividido em quatro módulos. No primeiro, estudaremos as patologias relacionadas ao trato gastrointestinal e glândulas anexas, tais como alterações digestivas relacionadas ao alimento (intolerância alimentar), doenças hepatobiliares e insuficiência hepática, pancreatite e insuficiência pancreática exócrina e cálculos dentários. No segundo, abordaremos as patologias relacionadas aos rins e ao coração, como a insuficiência renal crônica, as urolitíases e a doença cardíaca. No terceiro módulo, abordaremos o diabetes mellitus, além das dermatoses responsivas a nutrição e a hipersensibilidade alimentar. No quarto e último módulo, falaremos sobre as principais doenças causadas pela malnutrição na atualidade: a obesidade e as doenças esqueléticas, como as osteocondroses, 5 osteocondrites e displasias. Além disso, abordaremos o suporte nutricional de pacientes críticos a partir da nutrição enteral e parenteral. Dessa forma, fecharemos o estudo das principaisafecções que necessitam de manejo na clínica de cães e gatos, possibilitando o entendimento da nutrição como medida terapêutica ou como suporte nutricional auxiliar em cada caso específico. 1.1 ALTERAÇÕES DIGESTIVAS As causas das alterações digestivas são as mais diversas. Assim, doenças parasitárias, infecciosas, bem como desordens metabólicas e nutricionais podem levar às desordens do sistema digestório. Em relação à nutrição, alterações gastrointestinais podem ocorrer simplesmente em razão do manejo alimentar errado ou relacionar-se à quantidade e qualidade de determinadas matérias-primas assim como seu processamento (SAAD et al., 2004). As dietas têm um papel extremamente importante na função do trato gastrointestinal e a manipulação da composição destas é uma ferramenta terapêutica importante (GUILFORD, 1994). Uma dieta pode conter toxinas, alérgenos, excessos ou deficiências de nutrientes. Tem um efeito direto na fisiologia intestinal, afetando a motilidade, taxa de renovação celular, microbiota bacteriana, produção de enzimas e amônia e conteúdo de ácidos graxos voláteis. Em humanos têm-se relacionado o efeito da dieta na incidência do câncer de cólon. Em cães e gatos, ainda não há estudos que comprovem essa relação (CHANDLER, 2002). Assim, a utilização de medicamentos antes da correção da dieta pode resultar em prejuízo na resolução dos sintomas e até mesmo na piora da enfermidade. Muitas patologias do trato gastrointestinal podem e devem ser tratadas apenas dieteticamente. A manifestação mais comum dentre as alterações digestivas é a diarreia. A diarreia é definida como a passagem de fezes amolecidas, semiformadas ou líquidas com frequência de evacuação aumentada e que pode acontecer em virtude de uma série de mecanismos patogênicos; especialmente a retenção osmótica de água dentro do lúmen intestinal, hipersecreção de íons com acompanhamento de líquidos, exsudação de proteínas séricas e tissulares e desordens de motilidade (PAPASOULIOTIS e GRUFFYDD-JONES, 1996). 6 A diarreia pode ou não possuir odor forte, algumas vezes pútrido, com ou sem sangue e/ou muco. Essas perdas anormais de água e eletrólitos podem levar à desidratação e até mesmo à morte (SAAD et al., 2004). As desordens nutricionais normalmente causam diarreias do tipo osmótica, causando distensão abdominal, desconforto e cólicas, fezes fétidas e ácidas, com osmolaridade elevada, pH abaixo de 5 e presença de substâncias redutoras (SILVA, 2008). Segundo SAAD et al. (2004), do ponto de vista dietético, as principais causas das alterações digestivas são: fatores relacionados às matérias-primas (tal como a digestibilidade, a granulometria, a presença de fatores antinutricionais), ao processamento dos alimentos e ao manejo alimentar (mudanças bruscas de dieta ou excesso de alimentação). Em relação às matérias-primas, pode-se dizer que se os nutrientes são inadequados para a digestão no estômago e no intestino delgado, podem alcançar o intestino grosso, e dependendo do tempo de retenção, sofrer fermentação microbiana com produção de gases e Ácidos Graxos Voláteis (AGV). A produção elevada de AGV, particularmente o butírico, é responsável pelo aumento da concentração osmótica e irritação da mucosa. Além disso, o excesso de nutrientes favorece o crescimento de bactérias indesejáveis com produção de toxinas. O excesso de carboidratos levará a uma sobrecarga enzimática, e sobrepassagem ao intestino grosso com fermentação, especialmente por processamento inadequado e a baixa qualidade das proteínas pode levar a distúrbios intestinais, sendo que as escleroproteínas podem passar para o intestino grosso sem sofrer hidrólise e servir como substrato para bactérias da microbiota, acarretando problemas (SAAD et al., 2004). A granulometria das matérias-primas é definida como o tamanho das partículas dos ingredientes pós-moagem e é expressa na unidade de DGM (diâmetro geométrico médio). É uma variável importante, pois além de afetar o processamento industrial, influi na digestibilidade e qualidade de fezes dos animais de companhia. Hilcko (2008) ao trabalhar com quatro granulometrias (468, 476, 499 e 588μm) para rações de cães descobriu que as de menor tamanho apresentaram melhores resultados quanto à qualidade das fezes dos animais. Já os fatores antinutricionais presentes em alguns alimentos, tal como a teobromina do chocolate e o n-propil dissulfito da cebola podem levar à diarreia. A teobromina é uma metilxantina que presente em quantidades elevadas gera intoxicações. Embora não seja um quadro clínico habitual, quando ocorre pode levar a morte. Isto acontece porque o cão apresenta sensibilidade maior a esse componente já que a taxa de metabolização da teobromina é baixa, o que aumenta a sua vida média na circulação sanguínea e nos tecidos. Dentre os sintomas dessa 7 intoxicação destacam-se a diarreia, vômitos, falta de ar, inquietude, aumento da diurese e tremores musculares. Por sua vez, grandes quantidades de cebola podem ser tóxicas em razão da presença do n-propil dissulfito, uma substância que pode levar a formação de corpúsculo de Heinz nos glóbulos vermelhos circulantes, com desenvolvimento de anemia hemolítica. Vômitos e diarreias ocorrem imediatamente e os demais sintomas podem aparecer até quatro dias após a ingestão (CASE et al., 1998). Alimentos úmidos ou secos podem alterar a utilização dos nutrientes pelo intestino delgado. A extrusão, processamento industrial utilizado para a fabricação de alimentos secos e que envolve cozimento em condições de umidade e pressão, melhora a digestibilidade do amido, em razão do processo de gelatinização. O amido cru tem baixo aproveitamento em função de sua conformação que apresenta pontes de hidrogênio que estabilizam a estrutura interna do grânulo dificultando a ação de enzimas digestivas. Com o aquecimento, ocorre o rompimento dessas ligações e a temperatura em que isso acontece é específica para cada tipo de amido e a forma de seu grânulo. À medida que o aquecimento prossegue, com quantidades suficientes de água, além do rompimento das pontes de hidrogênio, há uma desestruturação da região cristalina com a inclusão de água entre as moléculas fazendo o grânulo modificar sua forma física, mas sem ruptura. Dessa forma passam a se rearranjar em uma forma mais filamentosa, formando um gel, o que torna as moléculas mais digestíveis. No entanto, durante o esfriamento pode ocorrer a retrogradação, que se caracteriza pela expulsão de água com agregação das moléculas de amido e formação de duplas hélices cristalinas, estabilizadas por pontes de hidrogênio, o que dificulta o acesso das enzimas digestivas (LARA, 2005). Com os alimentos úmidos podem ocorrer reações de Maillard (ligação entre a carboxila terminal de um carboidrato e o grupo γ-amino livre do aminoácido, que torna os dois nutrientes indisponíveis e descaracterizados) (SAAD et al., 2004). E em relação ao manejo alimentar é necessário realizar as mudanças de dieta de forma gradativa, com a finalidade de evitar a ocorrência de diarreias e distúrbios digestivos, especialmente em períodos críticos como a desmama. Deve-se impedir também o excesso de consumo que pode ocasionar alterações digestivas por sobrecarga. 8 1.2 DOENÇAS DO TRATO GASTROINTESTINAL Diversas afecções podem acometer o sistema digestório, dentre elas as gastrites, enterites, colites, etc. O manejo dietético das doenças gastrointestinais é extremamente importante no tratamento dessas patologias. A seguir veremos a sintomatologia e o suporte nutricional para cada uma delas. 1.2.1 GastriteA mucosa do estômago normalmente atua como uma barreira de defesa efetiva contra a acidez, bactérias e mudanças na temperatura por meio de secreções, células e sangue. As secreções gástricas funcionam como a primeira linha de defesa e incluem ácido, muco e bicarbonato, além de substâncias antibacterianas. O epitélio gástrico serve como uma barreira e é rapidamente restituído após a injúria e, a microvascularização é responsiva a secreções hormonais e sinais inflamatórios. Este suprimento sanguíneo é fundamental na manutenção da integridade da mucosa gástrica, bem como na eliminação de substâncias nocivas e na renovação epitelial. Macrófagos, mastócitos, neutrófilos, plaquetas e células endoteliais coordenam a resposta inflamatória gástrica quando ocorre a estimulação antigênica, levando a liberação de mediadores inflamatórios e substâncias vasoativas. A esfoliação da superfície das células epiteliais gástricas e a ruptura da barreira mucosa resultam na difusão do ácido clorídrico, pepsina e lípase. Esta cascata estimula posteriormente a secreção de mais ácido clorídrico e dano da mucosa, aumentando a permeabilidade da membrana e alterando o fluxo de sangue microvascular. A contínua relação entre isquemia e inflamação resulta em erosão gástrica, ulceração, hipóxia, hemorragia, edema e necrose (WEBB e TWEDT, 2003). Poucas informações estão disponíveis acerca do manejo nutricional das doenças gástricas. Pequenas refeições fornecidas várias vezes ao dia têm um efeito benéfico no alívio dos sintomas, mas não levam a recuperação da mucosa. Dietas líquidas aceleram o esvaziamento gástrico reduzindo a secreção de ácido clorídrico, assim como a diminuição no conteúdo de proteína da dieta. O esvaziamento é prejudicado pelo uso de dietas hiperosmolares 9 e alta gordura e dessa forma os primeiros dias de terapia devem conter pouca gordura, a terapia deve ser isosmótica, mas não pode ser mantida por longos períodos em razão de sua baixa densidade energética (GUILFORD, 1994). Um dos sintomas gastrointestinais relacionados à ingestão de alimentos são as alergias alimentares. O prurido mais que a gastrite é o sinal mais comum de alergia alimentar, e o estômago não é a porção do trato gastrointestinal mais comumente afetada. De fato, os sintomas gastrointestinais podem estar presentes em somente 10-15% dos casos de alergia canina, embora mais que 50% dos sintomas gastrointestinais possam responder a manipulação dietética da fonte de proteína. Mas, reações podem acontecer. A fisiopatologia da reação alérgica é complexa e não totalmente entendida. A resposta adversa pode envolver reações de hipersensibilidade imediata, retardada ou mista, bem como células inflamatórias e mediadores. O tecido linfoide associado ao intestino pode apresentar material intacto ao sistema imune do hospedeiro por meio de células especializadas na apresentação de antígenos, células M e macrófagos. (WEBB e TWEDT, 2003). A produção de IgA pelas células B, anticorpos IgE, células T helper, eosinófilos e mastócitos estão localizados na lâmina própria do trato digestivo como potenciais contribuintes da resposta antígeno digerida. Histamina, serotonina, polipeptídeo intestinal vasoativo, proteinases, prostaglandinas, leucotrienos e interleucinas são apenas uma parte dos mediadores inflamatórios liberados pela complexa relação de vários tipos celulares presentes (WEBB e TWEDT, 2003). Além disso, pode existir a intolerância alimentar que é uma idiossincrasia não imune, fisiológica, metabólica ou tóxica para um determinado ingrediente. Os sintomas da intolerância podem mimetizar qualquer reação gastrointestinal anormal; dessa forma é uma condição particular para diagnóstico. A intolerância pode ser o resultado de uma deficiência em uma enzima digestiva específica, como por exemplo, a intolerância a lactose secundária a deficiência de lactase (WEBB e TWEDT, 2003). 1.2.2 Gastroenterites Agudas 10 As gastroenterites agudas podem ser definidas como a inflamação do sistema gastrointestinal com a manifestação de sinais e sintomas, tais como diarreia, náusea, vômito, desconforto abdominal e cólica intestinal. Podem ter causa viral (figura 1), bacteriana, parasitária ou não infecciosa. Diversos fatores podem influenciar no seu aparecimento e o curso clínico da doença é influenciado por diversos fatores, tais como a idade do animal, a dose do patógeno recebida, a composição da flora microbiana intestinal, as condições debilitantes e as infecções intercorrentes. Fig. 1- Partículas virais de agentes comuns em gastroenterites caninas. (A) Parvovírus; (B) Paramixovírus; (C) Rotavírus; (D) Coronavírus-like. FONTE: HOMEM et al., 1999. A C D B 11 As recomendações dietéticas para cães e gatos com esta patologia incluem jejum por 12 a 48 horas, seguida pela alimentação em pequenas quantidades de uma dieta leve dividida em três a quatro refeições diárias de três a sete dias. O jejum é extremamente importante para possibilitar a recuperação intestinal e tem sido considerado de primordial importância no tratamento da maioria dos problemas gastrointestinais. Uma teoria que justificaria o uso desta prática é que a alimentação de um animal neste quadro pode predispor a ocorrência de alergias alimentares, sendo a proteína da carne mais alergênica do que a do frango ou do queijo cottage. Em animais que apresentam diarreias agudas é importante que se faça a reidratação oral com sais inorgânicos, dextrose e aminoácidos (GUILFORD, 1994). 1.2.3 Doenças do Intestino Grosso As doenças do intestino grosso, mais especialmente a colite (figura 2), têm sido comumente vistas na prática da clínica de pequenos animais. Embora a colite tenha sido frequentemente diagnosticada em cães, o número de gatos apresentando esta patologia vem aumentando. Sua etiologia não está completamente elucidada, mas parece haver um consenso de que se trata de uma resposta imunomediada e que parasitas, bactérias e fatores dietéticos possam estar envolvidos. Em 10% dos cães que apresentam sintomas típicos de colite, nenhuma lesão patológica é identificada. Estes animais normalmente possuem diarreia associada com algum fator de estresse, sendo normalmente encontrada em cães de trabalho e naqueles altamente nervosos e excitáveis (SIMPSON, 1999). O manejo dietético das colites ainda permanece controverso, mas normalmente envolve o uso de dietas de eliminação e hipoalergênicas, bem como de fibras e relações adequadas de ácidos graxos das séries ômega 6 e 3. O fornecimento da dieta de eliminação tem como objetivo oferecer uma fonte de proteína nova a qual o animal nunca tenha sido exposto previamente, aliada a uma fonte adequada de carboidrato, tal como o arroz, já que a doença tem um fundo imunológico. As dietas de eliminação normalmente devem ser caseiras, ou seja, serem preparadas em casa pelo proprietário. Após o paciente ter respondido a dieta de eliminação, faz- se a reintrodução gradativa dos ingredientes suspeitos para observar se o cão ou gato reapresentam os sinais e sintomas da doença. Depois de identificado o ingrediente alergênico, é 12 importante que ele não seja mais fornecido aos animais e que então seja administrada uma dieta hipoalergênica (SIMPSON, 1999). Fig. 2 – Imagem colonoscópica de cólon felino com hiperemia e edema. Case et al. (1998) explicam que, por sua vez, as fibras moderadamente fermentáveis como a polpa de beterraba branca podem auxiliar no manejo nutricional porque selecionam bactérias benéficas do cólon (Lactobacillus e Bifidobacterium), protegendo contra a colonizaçãodas patogênicas (E. coli e C. perfringens). As bactérias benéficas ao fermentarem a fibra produzem ácidos graxos de cadeia curta (acético, propiônico e butírico) e o ácido butírico é uma importante fonte de energia para os colonócitos, o que pode levar ao aumento da massa (hipertrofia), e do fluxo sanguíneo na mucosa do cólon, bem como no número de colonócitos (hipertrofia), melhorando a absorção de água e sais minerais. Simpson (1999) afirma que, além disso, o uso de fibras estimula a produção de muco, reduz a severidade da colite e melhora a cicatrização após a injúria. Com relação aos ácidos graxos, o ômega 3 (alfalinolênico, eicosapentaenoico, docosahexaenoico) tem poder anti-inflamatório, porque gera eicosanoides das séries 3 e 5, não exercendo efeito dilatador e não facilitando a agregação de plaquetas, diferentemente dos ácidos da série ômega 6 (linoleico, araquidônico) que levam a formação de prostaglandinas, leucotrienos e tromboxanos das séries 2 e 4, potentes mediadores inflamatórios. Assim, estreitar a relação ω-6/ ω-3 é uma medida nutricional importante no manejo da colite (CASE et al., 1998). 13 2 HEPATOPATIAS E INSUFICIÊNCIA HEPÁTICA O fígado é a maior glândula do organismo animal e localiza-se na porção direita superior do abdome, sob o diafragma. Suas células são os hepatócitos, que se caracterizam por serem do tipo epitelial e por estarem organizadas em placas e, sua unidade estrutural, é o lóbulo hepático. Os hepatócitos estão dispostos nos lóbulos hepáticos, formando cordões ao redor da veia central. Entre os cordões hepáticos cursam os sinusoides, que são espaços forrados de endotélio análogos aos capilares em outros órgãos. Na periferia do lóbulo encontram-se as tríades porta, consistindo de uma veia porta, uma artéria hepática e um ducto biliar. O sangue da artéria hepática e da veia porta flui centralmente no sinusoide, enquanto a bile drena perifericamente para dentro dos dúctulos e finalmente para os ductos biliares na tríade porta. Os sinusoides são forrados com células endoteliais que têm capacidade fagocítica e são comumente conhecidas como células de Küpffer (SWENSON e REECE, 1996). Entre o endotélio sinosoidal e os hepatócitos está o espaço de Disse. O endotélio sinosoidal possui grandes poros que permitem a passagem irrestrita de albumina do plasma sinosoidal para o fluido extravascular que banha a superfície dos hepatócitos no espaço de Disse. Isto facilita a passagem de moléculas ligadas à albumina para dentro da célula hepática (SWENSON e REECE, 1996). Dentre as suas diversas funções podemos citar: destruição das hemácias (hemocaterese), emulsificação de gorduras (por secreção da bile), metabolismo de carboidratos, lipídeos e proteínas, síntese de proteínas do plasma, produção de precursores de plaquetas, conversão de amônia em ureia (figura 3), destoxificação de drogas e toxinas, entre outras. Em virtude dessa grande variedade de funções, o fígado é definido como o laboratório do organismo animal e a perda de sua funcionalidade é uma das mais difíceis de ser manejada dieteticamente. Por esse motivo, é um órgão que possui grande reserva funcional e os sinais de insuficiência hepática só ocorrem quando mais de 70% do fígado está lesionado. Além disso, uma acentuada regeneração é possível se a estrutura básica permanece intacta e se ocorrer adequado suprimento sanguíneo. É por isso, que a detecção da doença hepática é um dos maiores desafios do diagnóstico clínico. Vários sinais clínicos associados à lesão hepática são inespecíficos, incluindo desde anorexia, perda de peso até efusão abdominal, icterícia e coma hepático. 14 A gravidade dos sintomas não se correlaciona necessariamente com o prognóstico ou com o grau de lesão hepática. Por outro lado, pode não haver indícios da presença de distúrbios hepáticos, exceto pela realização de exames complementares. De modo geral, os principais objetivos da terapia da doença hepatobiliar em cães e gatos são: eliminar a causa desencadeante ou predisponente da doença hepática quando possível, estabelecer o tratamento de suporte para garantir condições ótimas a recuperação hepática e prevenir ou tratar as complicações da insuficiência hepática como encefalopatia, ascite, ulcerações gastrointestinais, coagolopatias, infecções e endotoxemia (FIORAVANTE, 2005). Como o papel regulador do fígado no metabolismo diminui com a insuficiência hepática, alguns nutrientes que normalmente não são essenciais (sintetizados, ativados ou estocados pelo órgão) podem tornar-se essenciais (CENTER, 1998). Em relação ao metabolismo de proteínas, o fígado é responsável pela síntese de aminoácidos e proteínas, estocagem e desaminação/transaminação de aminoácidos, reserva de proteína e síntese de purinas/pirimidinas. Já com os carboidratos, fazem a regulação da glicose sanguínea, reserva de glicogênio, além de participarem do metabolismo intermediário. No metabolismo de lipídeos atuam realizando a síntese de fosfolipídeos, colesterol, lipoproteínas e sais biliares, além de serem responsáveis pela oxidação de ácidos graxos. Já com as vitaminas, faz a estocagem das lipossolúveis (A, D, E, K), além de B12 e C, hidrolisa a D para a ativação renal e utiliza as do complexo B como cofatores. Quanto aos minerais estoca o ferro, o cobre, o zinco e o manganês (FIORAVANTE, 2005). Além disso, pela atividade hepática e renal se produz carnitina, nutriente necessário para a performance adequada dos músculos esqueléticos e do cardíaco, tecidos estes capazes de gerar energia própria pela utilização metabólica de ácidos graxos (PAROLIN et al., 2002). Moléculas de nutrientes provenientes da digestão, absorvidas nos enterócitos e conduzidas pela circulação portal, encontram no fígado um complexo laboratório de transformação, armazenagem e redistribuição dos metabólitos destinados à nutrição dos órgãos periféricos e à própria síntese macromolecular hepática. Assim, a adequada avaliação do estado nutricional em pacientes portadores de hepatopatias crônicas permite diagnosticar importantes 15 desvios e a aplicação de medidas de correção capazes de melhorar o prognóstico (PAROLIN et al., 2002). Para tanto, a primeira distinção a ser realizada é que tipo de doença hepática o animal possui. A maioria das anormalidades do fígado não está associada à encefalopatia hepática (que é o acúmulo de amônia no sangue) e esta ocorreria quando o órgão não é mais capaz de sintetizar ureia. O ciclo da ureia é composto por cinco enzimas (carbamoil fosfato sintetase-I, ornitina transcarbamilase, argininosuccinato sintetase, argininosuccinato-liase e arginase), mas uma série de outras proteínas como glutaminase hepática, N-acetilglutamato sintetase, transportadoras mitocondriais de ornitina/citrulina e transportadoras mitocondriais de aspartato/glutamato são necessárias para o adequado funcionamento do ciclo (MORRIS, 2002). A amônia absorvida ao chegar ao fígado pela veia porta reage com o gás carbônico (CO2) e forma o carbamoil fosfato, a partir da ação da enzima carbamoil fosfato sintetase. Os geradores primários de íons amônio mitocondriais são a glutamato-desidrogenase e a glutaminase. A carbamoil fosfato sintetase I requer N-acetilglutamato para sua atividade. O N- acetilglutamato é sintetizado em quantidades maiores quando estão presentes quantidades mais elevadas de aminoácidos, fornecendo assim um sinal para iniciar a síntese de ureia durante o excesso de aminoácidos. O grupo carbamil é transferido do carbamoil fosfato para a ornitina, formando a citrulina, numa reação catalisada pela ornitina-transcarbamilase nas mitocôndrias. Após o transporteda citrulina ao citossol, a arginino-succinato sintetase catalisa a condensação do aspartato com a citrulina para produzir o argininossuccinato. Esta síntese é regida pela clivagem do ATP em ADP (adenosina difosfato) e pirofosfato inorgânico (PPi) e pela subsequente hidrólise de PPi em dois Pi. A argininosuccinase rompe então o argininossuccinato em fumarato e arginina. Esta última é rompida hidroliticamente pela arginase para formar ureia e ornitina, completando o ciclo (SWENSON e REECE, 1996). Em um algumas doenças hepáticas, essas reações não ocorrem levando ao acúmulo da amônia no sangue. A amônia, que é tóxica, atravessa a barreira hematoencefálica gerando uma série de sintomas nervosos, que em grau avançado culminam com coma e morte. A manifestação neurológica mais comum é a diminuição da atividade mental e da responsividade. Outros sintomas incluem demência, convulsões, letargia, alterações de comportamento 16 (agressividade ou histeria), incoordenação locomotora, marcha obstinada, anorexia, êmese, diarreia e hipersalivação, principalmente em gatos (DUARTE e USHIKOSHI, 2005). O agravamento da insuficiência hepática é caracterizado pela menor metabolização dos aminoácidos aromáticos e sulfurados, cujos produtos (neurotransmissores e mercaptanas) precipitariam os sintomas neurológicos da encefalopatia hepática. As mercaptanas são produtos da metabolização da metionina pelas bactérias intestinais), enquanto o acúmulo, no cérebro, de neurotransmissores verdadeiros (serotonina) ou falsos (tiramina e octopamina), é consequência da maior passagem de seus precursores (triptofano e fenilalanina) pela barreira hematoencefálica. Contribui para esse transporte a diminuição dos níveis plasmáticos dos aminoácidos de cadeia ramificada (leucina, isoleucina e valina), provocada tanto pela subnutrição proteica (como pelo hiperinsulinismo, comum nos pacientes cirróticos, que promove maior captação dos aminoácidos de cadeia ramificada - AACR) pelo músculo, reduzindo suas concentrações plasmáticas. Com isso, há menor competição dos AACR com o triptofano para entrada no cérebro, aumentando a produção de serotonina cerebral. Ao contrário, níveis aumentados de corticosteroides, por promoverem a proteólise, aumentam a concentração plasmática dos aminoácidos aromáticos, cuja captação cerebral vai depender da gravidade da doença. Além da insuficiência hepática e da proteólise muscular, a oferta de triptofano livre ao cérebro depende da sua ligação à albumina, seu principal transportador plasmático. Assim, apesar da hipoalbuminemia ser coerente com o grau de insuficiência hepática, o deslocamento do triptofano pode ocorrer em qualquer nível albuminêmico pelos ácidos graxos livres oriundos da lipólise periférica. Na insuficiência hepática, a lipólise pode ocorrer em função dos níveis elevados dos hormônios contrarreguladores (catecolaminas, cortisol e glucagon), dos quais a hiperglucagonemia é consequência do estímulo direto da amônia nas células alfapancreáticas. A dificuldade hepática na metabolização da amônia em ureia e a alteração dos seus níveis no sangue e urina são indicadores mais precoces da insuficiência hepática. Esta hiperamoniemia é considerada a causa principal de encefalopatia hepática em aproximadamente 90% dos casos. As alterações dos aminoácidos sulfurados também são características da doença hepática 17 crônica. As causas são primárias as deficiências de enzimas como a cistationina sintetase, como secundárias às deficiências das vitaminas hidrossolúveis B12, B6 e folato, havendo em ambas acúmulo de homocisteína. Por fim, apesar da menor imunocompetência, a imunidade humoral desses pacientes é caracterizada pelo aumento das imunoglobulinas séricas principalmente das classes IgG e IgA, e diminuição das frações C3 e C4 do sistema complemento (MAIO et al., 2000). As principais doenças hepáticas que acometem cães e gatos estão demonstradas no quadro 1. QUADRO 1- DOENÇAS HEPATOBILIARES COMUNS EM CÃES E GATOS FONTE: Adaptado de CENTER, 1998. O reconhecimento de qual doença hepática acomete o animal e se ela causa ou não encefalopatia hepática é um ponto-chave no manejo dietético, já que a abordagem delas é extremamente distinta. Isto porque ao mesmo tempo em que ocorre a desaminação de aminoácidos proveniente da massa muscular para serem utilizados como fonte de energia (já que o animal 18 normalmente apresenta anorexia, culminando com a utilização de reservas musculares, o que causa hiperamonemia que sobrecarrega o órgão), pode haver deficiência na síntese de proteínas. Assim, dentre as principais alterações metabólicas que ocorrem nas doenças hepáticas podem ser citadas: a Desnutrição Proteico-Calórica (DPC) com depleção de glicogênio hepático e muscular em razão da alteração em sua síntese, diminuindo a oxidação de glicose e aumentando a mobilização de gordura caracterizada por depleção dos estoques de gordura e/ou massa muscular, menor metabolização dos aminoácidos aromáticos e sulfurados, dificuldade hepática na conversão da amônia em ureia e a alteração dos seus níveis no sangue e urina. Desse modo, a oxidação de glicose está diminuída, o que aumenta a dependência à gordura como substrato energético (MAIO et al., 2000). Considerando-se todas as alterações metabólicas que acometem os animais com insuficiência hepática, a primeira medida a ser adotada quanto ao manejo dietético é o fornecimento adequado de calorias. O aporte calórico, especialmente de origem não proteica, é importante para impedir a mobilização de aminoácidos como fonte energética, evitando ou diminuindo o processo de gliconeogênese hepática (BRUNETTO et al., 2007). Ácidos graxos do tecido adiposo também são mobilizados quando a necessidade energética não é atendida e os de cadeia curta podem piorar os sinais de encefalopatia hepática já que na insuficiência se acumulam no sangue porque a sua remoção é ineficiente (FIORAVANTE, 2005). As dietas devem apresentar alta densidade energética para atender as necessidades calóricas e para diminuir o volume de alimento a ser fornecido. As exigências de manutenção podem ser estimadas pela equação 110-130 x (peso corporal)0,75 kcal por dia para cães e 60-70 Kcal por kg de peso corporal para gatos. Dietas em que 30 a 50% das calorias sejam provenientes das gorduras são bem toleradas por cães hepatopatas, com exceção dos casos que apresentem esteatorreia ou hiperlipidemia (BRUNETTO et al., 2007). As gorduras são necessárias para garantir a palatabilidade, a densidade calórica, a absorção de vitaminas lipossolúveis e o aporte de ácidos graxos essenciais. 19 Os carboidratos devem ser de alta digestibilidade, de modo que nada alcance o cólon, onde a fermentação bacteriana ocorre, sendo arroz cozido a fonte ideal (FIORAVANTE, 2005). Fibras, como a lactulose são frequentemente empregadas no tratamento de animais com insuficiência hepática. A lactulose é uma forma isomérica da lactose com uma molécula desta unida a uma frutose pela ligação beta 1,4. Pesquisas in vitro têm demonstrado que ela é prontamente fermentada por Bifidobacterium e por Lactobacillus, mas também pelo Clostridium perfringens, Escherichia coli e Bacteroides sp. Essa fermentação leva à diminuição do pH, com consequente redução das concentrações sanguíneas de amônia, já que o baixo pH intraluminal favorece a conversão de amônia a amônio (ZENTEK et al., 2002). Além disso, ela diminui a produção de ureia pelo aumento da excreção de nitrogênio fecal e diminuição da síntese desta pelas bactérias da microbiota, já que a lactulose seleciona os microrganismos benéficos(WEBER, 1997). Outras fibras solúveis também podem ser utilizadas para a obtenção desse mesmo efeito. Por sua vez, as fibras insolúveis regulam o trânsito intestinal, que estimula o reflexo de defecação e eliminação de toxinas encefalogênicas produzidas no intestino grosso distal, além de aumentar a excreção fecal de ácidos biliares, incluindo o ácido quenodeoxicólico e mudança na relação de ácidos biliares como resultado da síntese aumentada de ácido tri-hidroxibiliares, mas podem diminuir a absorção de ácido ursodeoxicólico, que é utilizado na terapia. Outros efeitos adversos incluem a promoção da saciedade que interfere com a digestão e a absorção de nutrientes. O efeito tardio está relacionado ao contato mucosa-nutriente, o espessamento da camada mucosa, o que prejudica a absorção de carboidratos, redução na concentração de amilases e proteases e quelação de micronutrientes importantes. A digestão e absorção de açúcares, gorduras, aminoácidos e certas vitaminas (como a B12) podem ser reduzidas. Em gatos, pode ocorrer a absorção prejudicada de taurina (CENTER, 1998). Em relação à proteína, as necessidades podem estar aumentadas na doença hepática para garantir o retorno da concentração plasmática normal de albumina. Porém, a tolerância aos excessos de proteína está diminuída em razão do decréscimo na capacidade do fígado de metabolizar e excretar os produtos nitrogenados (FIORAVANTE, 2005). Em afecções acompanhadas por inflamação e regeneração tissular recomenda-se uma leve suplementação de proteína. Pacientes com insuficiência hepática crônica são 20 hipermetabólicos e os que apresentam lesão hepática inflamatória ou necrose necessitam de mais nitrogênio e energia. Para estes casos, recomenda-se a ingestão diária de 2-3 g de proteína por kg de peso corporal para cães e 5 g de Proteína por Kg de peso corporal para gatos. A qualidade e a digestibilidade da proteína é extremamente relevante, sendo recomendadas fontes como o ovo e o leite. A restrição somente está recomendada para animais com sinais de encefalopatia hepática (EH). Entretanto, a maioria dos cães e gatos com hepatopatias não apresentam quadro de EH, que ocorre mais comumente nos desvios porto- sistêmicos, insuficiência hepática aguda e na cirrose. Pacientes com sinais de EH parecem responder de forma positiva a utilização de 15-20% da matéria seca para cães e 25-30% da matéria seca para gatos (BRUNETTO et al., 2007). Em relação aos micronutrientes, atenção especial deve ser dada à suplementação de algumas vitaminas lipossolúveis e hidrossolúveis, inclusive a C. A vitamina E (400-600 UI/dia) é recomendada para prover proteção contra radicais livres produzidos pela injúria oxidativa e principalmente em situações de colestase e doenças do armazenamento de cobre. O paciente deve receber suplementação com vitaminas hidrossolúveis B1 e B12 (o dobro da dose de manutenção, por via parenteral). Não é necessária a suplementação das vitaminas A e D, pois não há evidência de que animais com doença hepática apresentem depleção dessas vitaminas. Deficiência de vitamina K pode ocorrer em desordens colestáticas, sendo recomendada sua suplementação (0,5-1,0 mg/kg, subcutâneo, a cada 12 horas) (BRUNETTO et al., 2007). Quanto aos minerais, cobre e zinco precisam ser monitorados. Entre os mecanismos que levam à insuficiência de zinco estão a anorexia e o consumo de uma dieta restrita em proteína, prejuízo da absorção intestinal associada à síntese de metalotioneína citocina induzida, hipertensão portal, ligação e transporte de zinco alterado com perdas urinárias. Como o zinco compete com o cobre pela absorção, a suplementação desse mineral na dieta pode ser utilizada em casos de desordens de acúmulo de cobre hepático que ocorre em algumas raças, tal como o Bedlington Terrier (CENTER, 1998). Deve-se citar também a ocorrência da lipidose hepática idiopática felina, uma doença causada pelo acúmulo excessivo de triglicerídeos nas células hepáticas, que pode culminar, em último caso, com a incapacidade funcional do fígado. Tende a ocorrer em gatos obesos de idade média, especialmente fêmeas, e se desenvolve após anorexia parcial ou total decorrente de estresse. Vômitos e diarreias, acompanhadas de aumento nas concentrações de enzimas 21 hepáticas, bilirrubina, nitrogênio ureico do sangue e em alguns casos de amônio são sinais e sintomas dessa patologia (CASE et al., 1998). Nesse caso, uma dieta com teores reduzidos de gordura e a suplementação de L- carnitina podem ser indicadas. A L-carnitina é sintetizada no fígado a partir da lisina, da metionina e da trimetil-lisina liberadas no turnover proteico. Em diversas espécies, tem sido provado que ela pode reduzir o acúmulo de massa gorda e aumentar a massa magra. Em gatos, também demonstrou um efeito protetor contra a cetose, exercendo um papel fundamental no metabolismo de proteína durante o jejum prolongado o que indica que a sua suplementação seria indicada em dietas específicas para animais castrados ou obesos que são mais susceptíveis à anorexia e correm maiores riscos de desenvolverem a lipidose hepática (BLANCHARD et al., 2002). De acordo com Center (1998), a suplementação de taurina em razão da perda nos ácidos biliares e na urina também é indicada, assim como de vitaminas hidrossolúveis, especialmente a tiamina, a vitamina E e a K1. Em muitos casos, a nutrição enteral ou parental torna-se necessária, pois o animal se recusará a se alimentar. As principais medidas nutricionais a serem adotadas nas doenças hepatobiliares estão sumarizadas no quadro 2. QUADRO 2 - CONSIDERAÇÕES NO SUPORTE NUTRICIONAL DE ANIMAIS COM DOENÇAS HEPATOBILIARES 1) Fornecimento de energia adequada. 2) Fornecimento de proteína adequada: EVITAR o balanço de nitrogênio negativo. Quantidade e qualidade adequada segundo a doença hepática. Evitar restrição dietética inadequada. Otimizar individualmente o balanço de nitrogênio. 22 Prejuízo da condição corporal do paciente: peso, massa muscular, pelagem, comportamento e nível de atividade. Mensurações: albumina sérica, creatinina, alfa-globulina, fibrinogênio plasmático. 3) Fornecimento de nutrientes essenciais. Aminoácidos essenciais, ácidos graxos. Micronutrientes: por exemplo, zinco, L-carnitina. Vitaminas hidrossolúveis, vitamina K e vitamina E. 4) Dieta de alta palatabilidade. 5) Fácil preparação (se caseira). Estimular a colaboração do proprietário. 6) Refeições mais frequentes. Maximizar a ingestão de energia. Otimizar a assimilação de nutrientes. Prolongar o intervalo pós prandial. 23 7) Se houver ascite/edema. Restrição de sódio. Tratamentos adjuvantes: diuréticos (espirolactona e furosemida). 8) Tratamentos adjuvantes. Aumento da tolerância a proteína: lactulose, metronidazole, neomicina e fibra dietética. Condições complicadoras: parasitismo entérico, infecções, ulcerações. Controle da doença hepática. Biopsia para diagnóstico definitivo. Tratamentos definitivos. Drogas anti-inflamatórias. Imunomoduladores. Drogas antifibróticas. Antimicrobianos. FONTE: Adaptado de CENTER (1998). 24 3 PANCREATITE E INSUFICIÊNCIA PANCREÁTICA EXÓCRINA O pâncreas tem o formato semelhante ao da letra V, consistindo em dois longos lobos estreitos (direito e esquerdo), que se unem em um pequeno corpo central em um ângulo agudo caudalmente ao piloro. Relaciona-se dorsalmente com a superfície visceraldo fígado e caudalmente com a superfície ventral do rim, estando lateral ao cólon ascendente e dorsal ao intestino delgado. Encontra-se estreitamento associado ao estômago, fígado, duodeno, jejuno, íleo, ceco, rim direito, veia cava caudal, aorta e ducto biliar comum. A constituição do pâncreas se dá por tecido exócrino e endócrino. O tecido endócrino corresponde às ilhotas de Langerhans e representa 1 a 2 % da glândula, já o tecido exócrino é constituído pelas células acinares, e seus vasos e nervos associados e representam mais de 98 % do parênquima pancreático (SILVA, 2006). Do ponto de vista funcional, desempenha um papel importante na digestão dos nutrientes, por meio da secreção de enzimas luminais que participam ativamente da digestão de carboidratos, gorduras e proteínas. Além disso, ele realiza a secreção de bicarbonato, a fim de neutralizar o pH do conteúdo gástrico que flui para o interior do duodeno. Sua unidade funcional é o pâncreon (figura 3), cujos ácinos são esferas piramidais apontadas para um lúmen central. Cada ácino é drenado por um dúctulo, cujas células mais proximais são chamadas centroacinares (SWENSON e REECE, 1996). As células acinares são especializadas na síntese, armazenamento e secreção de enzimas digestivas, conhecendo-se 13 tipos diferentes, podendo todas elas ser produzidas na mesma célula: 5 enzimas proteolíticas (tripsinogênio, quimotripsinogênio, proelastase, procarboxipeptidase A, procarboxipeptidase B), 1 amilolítica (a-amilase), 3 lipolíticas (Lipase, Profosfolipase A2, Carboxilesterase), 2 nucleases (DNAse, RNAse), 1 procolipase e 1 inibidora da tripsina (GODINHO, 2008). Já as células do ducto proximal e centro acinares são ricas em bicarbonato. O cloreto e o bicarbonato trocam-se passivamente entre o plasma e o fluido do ducto (SWENSON e REECE, 1996). 25 Fig. 3 – Unidade functional do pancreas: o Pâncreon FONTE: Swenson e Reece, 1996. Por tratar-se de um órgão que realiza a secreção de substâncias que atuam diretamente na digestão de nutrientes, o pâncreas precisa prevenir-se contra a autodigestão. Assim, dentre os fatores protetores estão: a secreção de enzimas como proenzimas (zimógenos); a presença de inibidores enzimáticos no parênquima do órgão (inibidor da tripsina secretória pancreática e a 1-antitripsina) e na circulação (1-antitripsina e f-acroglobulinas); a separação física por meio do empacotamento dos zimógenos nos grânulos ligados à membrana no interior das células acinares, distante do local de liberação das enteroquinases, o que evita a liberação prematura das enzimas; o bloqueio do fluxo do conteúdo duodenal pelos esfíncteres musculares nos ductos pancreáticos e a secreção de muco pelas células de Gobet que servem como barreira protetora contra o refluxo de bicarbonato e a degradação do epitélio ductal pelas glândulas. A secreção de enzimas (lípases, amilases, proteases), eletrólitos e água está sob controle do sistema nervoso autônomo, bem como dos hormônios gastrintestinais, colecistocinina (CCK) e secretina. A secretina é liberada em resposta ao ácido que perfunde o duodeno e a colecistocinina em resposta à presença de proteína e gordura no duodeno. O efeito destas sobre o pâncreas é o de aumentar a secreção de água e bicarbonato e a secreção enzimática, respectivamente, e tem efeito sinérgico (SILVA, 2006). 26 Em razão de todas as funções que o pâncreas exerce, o desenvolvimento da pancreatite aguda e da insuficiência pancreática exócrina interfere de forma marcante nos processos absortivos e de digestão, com diminuição da ingestão calórica e aumento da atividade metabólica, o que gera deficiências nutricionais se o animal não for tratado prontamente. A pancreatite aguda é uma doença de etiologia não totalmente conhecida e que seria resultado de um complexo processo de estímulos cruzados e aditivos que envolve três fases: a agressão, a ativação intrapancreática do tripsinogênio e de zimógenos e a progressão e exportação do processo inflamatório. Uma vez ocorrida a ativação intracelular de tripsina que supere os mecanismos protetores, ou quando estes são deficientes, desencadeia-se uma cascata de ativação de zimógenos que levam à destruição da célula acinar e extensão do processo de autodigestão intra e peripancreática. O balanço entre as proteases ativadas e as inibidoras determina o curso da doença (GODINHO, 2008). Segundo Hess et al. (1999), dentre os fatores de risco para o desenvolvimento da pancreatite em cães podem ser citados: idade (acomete na maioria animais de meia idade e idosos); sobrepeso e obesidade; doenças (diabetes mellitus, hiperadrenocorticismo, hipotireoidismo, doença do trato gastrointestinal e epilepsia aumentam o risco); raça (Yorkshire Terrier são mais acometidos e Labrador e Poodle miniatura, menos); e castração (animais castrados são mais susceptíveis). Dietas com alto teor de gordura, hiperestimulação e isquemia pancreática também podem predispor a ocorrência de pancreatite (SILVA, 2006). Já a insuficiência pancreática exócrina caracteriza-se por sintomas relacionados à maldigestão dos nutrientes com perda de peso, deficiências nutricionais, esteatorreia, etc. As suas várias causas podem estar associadas a mudanças de pH gastrointestinais, metabolismo de ácidos biliares, esvaziamento gástrico e motilidade intestinal. O manejo nutricional adequado é fundamental para garantir o sucesso da terapia (BRUNO et al., 1995). Diversas alterações metabólicas ocorrem durante as pancreatites. No metabolismo da glicose acontece um aumento da demanda energética, com maior gliconeogênese endógena como resultado da resposta metabólica. As necessidades metabólicas de glicose podem ser supridas parcialmente por meio da gliconeogênese intrínseca advinda do catabolismo proteico. A administração de glicose em excesso pode ser prejudicial aos pacientes, por causa da lipogênese e da reciclagem de glicose. Além disso, pode ocorrer hiperglicemia associada a infecções, complicações metabólicas e prejuízo na secreção de insulina. Com relação ao metabolismo de proteínas observa-se um balanço nitrogenado negativo, sendo que a perda de 27 proteína deve ser minimizada e o turnover aumentado, compensado (MEIER e BEGLINGER, 2006). Quanto ao metabolismo de lipídeos, pode ser encontrada hiperlipidemia, hipercolesterolemia e hipertrigliceridemia. A verificação de um plasma turbidamente leitoso em um animal que não está se alimentando por algum tempo sugere lipemia. Esta suspeita pode ser confirmada pelo exame microscópico dos eritrócitos tratados com o novo azul de metileno (SILVA, 2006). Com relação aos minerais, estudos revelam redução de até 50% na absorção intestinal de zinco em pacientes humanos. Além disso, houve uma elevação de duas a quatro vezes na excreção urinária desse mineral (DUTTA et al., 1998). Por sua vez, as vitaminas lipossolúveis têm sua absorção diminuída em razão da severa e prolongada esteatorreia. A depleção de vitamina E, por exemplo, tem sido quimicamente documentada pelos baixos níveis séricos desta, aumento da hemólise pelo peróxido de hidrogênio, creatinúria e uma leve diminuição na sobrevivência das células vermelhas. Nas hidrossolúveis, tem sido observada a redução da absorção de vitamina B12 (TAUBIN e SPIRO, 1973). Assim, o principal objetivo no manejo nutricional das doenças pancreáticas é suprir as necessidades nutricionais aumentadas pela maior demanda metabólica sem estimular a secreção e exacerbar a autodigestão que caracteriza essa condição (ABOU-ASSI et al., 2001). Até recentemente, acreditava-se que a nutrição enteral administrada oralmente ou por tubostinha um impacto negativo sobre o desenvolvimento da pancreatite em razão do estímulo das secreções exócrinas e por esse motivo o manejo nutricional dessa doença foi esquecido durante um longo período. Assim, a nutrição parenteral passou a ser adotada. No entanto, a nutrição parenteral poderia resultar em uma rápida e severa atrofia de tecido linfoide associado ao intestino, aumentando a translocação bacteriana. Além disso, poderia causar um prejuízo na função de linfócitos B e T, alterando a quimiotaxia, prejudicando a fagocitose e a imunidade contra fungos e bactérias. Mas, embora a nutrição parenteral esteja associada a prejuízos na imunidade inata e adquirida, predispondo os pacientes aos riscos de infecção, ela também induz a uma maior resposta proinflamatória, levando a maiores concentrações de interleucina 6 e 8, fator de necrose tumoral alfa e proteína C-reativa quando comparada a dieta enteral (MARIK e ZALOGA, 28 2004). Assim, outros trabalhos têm sugerido que em virtude dos altos custos da nutrição parenteral total, bem como a possibilidade desta causar septicemia, o uso de dietas enterais pela utilização de tubos nasojejunais em humanos, seria mais seguro e ao mesmo tempo mais efetivo na redução da resposta inflamatória sistêmica. No entanto, a patofisiologia dessas observações merece ser totalmente explicada (ABOU-ASSI et al., 2001). De forma geral, no manejo nutricional da pancreatite e da insuficiência pancreática exócrina, deve-se utilizar alimentos de alta digestibilidade, proteínas de alto valor biológico, com teores reduzidos de gordura e baixos teores de fibra. O uso de substâncias probióticas no alimento enteral que em algumas pesquisas demonstrou ser desfavorável, não apresentou prejuízos em um estudo realizado por Pezzili e Fantini (2006). 4 CÁLCULOS DENTÁRIOS Segundo Pinto (2007), a doença periodontal é uma das afecções mais encontradas na prática clínica de pequenos animais, acometendo cerca de 80-85% dos cães e gatos. Antigamente, muitas dessas doenças passavam despercebidas ou eram tratadas de forma incorreta, e a extração surgia como medida de escolha para a resolução dos problemas dentários. No entanto, com a evolução da medicina veterinária e especialmente da odontologia em pequenos animais, não só o tratamento (a partir da remoção periódica da placa), como também medidas preventivas surgiram e passaram a ser adotadas como rotina na prática clínica. Anatomicamente, o dente é constituído de coroa e raiz. Cada dente possui uma coroa relativamente curta e um bloco bem marcado. A região do dente entre a raiz e a coroa denomina-se colo (PINTO, 2007). As estruturas histológicas básicas do dente simples são: esmalte, dentina, polpa e cemento, que estão dispostos num padrão definido. O esmalte ou revestimento externo do dente é uma substância branca, calcificada, muito resistente que possui um alto conteúdo mineral; a dentina, que forma a maior parte do 29 dente, situa-se imediatamente abaixo do esmalte, separando esta estrutura da cavidade da polpa; a câmara ou polpa constitui o único tecido não calcificado do dente (tecido conjuntivo mole), localiza-se na porção central e contém vasos sanguíneos e nervos; o cemento é um tecido ósseo, amarelado e menos brilhante que o esmalte; o ligamento periodontal, une o dente, através do cemento, ao osso alveolar; e a gengiva se compõe de um epitélio pavimentoso estratificado ceratinizado resistente, sendo dividida nas porções fixa e marginal: a primeira, firmemente aderida ao periósteo subjacente e a segunda, pouco espessa, circunda o dente coronalmente. Entre a gengiva e o dente, existe o sulco gengival, e sua profundidade constitui um importante parâmetro clínico no diagnóstico de periodontopatias (PINTO, 2007). Os tecidos gengivais começam a responder dentro de 2-4 dias ao acúmulo de placa bacteriana com uma vasculite exsudativa que corresponde ao que se denomina lesão inicial. Esta resposta, que inclui a perda de colágeno perivascular, em uma reação semelhante ao que se observa na maioria dos tecidos que sofrem uma injúria pode ser uma consequência da síntese e liberação de substâncias quimiotáticas pelos microrganismos da placa. Dentro de 4-10 dias, uma lesão inicial se desenvolve, com infiltração de linfócitos e outras células mononucleares, alteração dos fibroblastos e perda contínua de tecido conjuntivo. Posteriormente, dentro de duas a 3 semanas, começam a predominar as células plasmáticas na ausência de perda óssea significativa. Este tipo de lesão pode permanecer assim por anos ou décadas, ou tornar-se destrutiva de forma progressiva. Com o avanço da lesão, as células plasmáticas continuam a predominar, embora a perda de osso alveolar e ligamento periodontal, e a perda das características da arquitetura também sejam importantes características (PAGE e SCHROEDER, 1979). Após a formação da placa supragengival, uma microbiota subgengival variada e formada especialmente por bactérias gram-negativas, anaeróbias, incluindo algumas espécies móveis começa a se estabelecer. A adesão bacteriana ocorre por mecanismos específicos, com a participação de receptores localizados na superfície dos dentes, no epitélio do sulco gengival ou em outras bactérias que se aderem a essas superfícies. A formação desses biofilmes bacterianos, com a interação entre os microrganismos, desempenha um papel importante na sobrevivência dessas espécies, já que uma determinada bactéria pode produzir fatores de crescimento ou facilitar a adesão de outra. Outras relações são antagônicas em razão da 30 competição por nutrientes, por sítios de ligação ou ainda pela secreção de substâncias que inibem o crescimento bacteriano (LOVEGROVE, 2004). Em um trabalho realizado por Isogai et al. (1989), Bacteroides asaccharolyticus foi a espécie encontrada em maior proporção nas amostras de placas bacterianas em cães sem raça definida. Já na raça Beagle, a espécie predominante foi Fusobacterium nucleatum. Com o aumento da concentração de bactérias anaeróbias gram-negativas, as proporções de Streptococcus, Enterococcus e Staphylococcus diminuem nos animais com doença periodontal. A microbiota presente na saliva de animais saudáveis é distinta, mas também difere em cães de acordo com a raça. Enterococcus, Lactobacillus, Eubacterium e Bacteroides (especialmente, B. asaccharolyticus) estão presentes em maior concentração em cães Beagle quando comparados com os animais sem raça definida, enquanto que Fusobacterium e Enterobacteriaceae e leveduras estão em menores proporções. Nesse estudo, concluiu-se que as espécies B. asaccharolyticus e F. nucleatum são os patógenos mais comuns e que contribuem para o desenvolvimento da inflamação da gengiva em cães. Em gatos, uma foi pesquisa realizada por Mallonne et al. (1988) para correlacionar escores de gengivite com a prevalência de diversas espécies bacterianas, apontou que o mais alto escore gengival esteve associado à presença de bactérias gram-negativas. Os microrganismos mais comuns foram as do gênero Bacteroides e Peptostreptococcus anaerobius. A Pasteurella multocida foi isolada da saliva de gatos, mas teve sua concentração diminuída com o agravamento da doença periodontal. Além da perda dos dentes, essas bactérias podem estar associadas a infecções, podendo causar inclusive doenças cardíacas e pneumonias. Isto porque, a invasão das células epiteliais e do tecido conectivo da boca pelos patógenos, com a inflamação e destruição de tecidos faz com que as bactérias, bem como os produtos por ela sintetizados cheguem à circulação. As bactérias, então, podem aderir-se às válvulas cardíacasou aos pulmões causando endocardites ou pneumonias (MEYER e FIVES-TAYLOR, 1998; DEBOWES, 1998). A relação entre periodontite e doença cardíaca está demonstrada na figura 4. 31 Fig. 4 – Mecanismo da endocardite infecciosa causada por placa bacteriana. FONTE: Adaptado de Meyer e Fives-Taylor (1998). A idade é extremamente importante no desenvolvimento dessa patologia. O índice oral, uma medida que corresponde à soma de escores (de 0 a 6, onde 0 significa ótima e 6, péssima condição) para a presença de linfoadenopatia, depósito de placas ou sinais de doença periodontal, de acordo com a idade desses animais. Para gatos, os resultados foram os seguintes: 0,122; 0,712; 1,870 e 3,148 para animais com menos de 8 meses, de 8 meses a 3 anos, de 3 a 9 anos e acima de nove anos, respectivamente. Já os cães, apresentaram valores de 0,126; 0,615; 1,684 e 3,148 sob as mesmas condições (GAWOR et al., 2006). Assim, com o aumento da longevidade dos animais de companhia, a prevenção torna- se uma medida importante. Neste contexto, o manejo nutricional assume lugar de destaque já que o tipo de alimento (seco ou úmido) e o uso de aditivos (como os fosfatos) incluídos neste alimento podem auxiliar na prevenção, evitando a formação de cálculos. Gawor et al. (2006) ao avaliarem a ocorrência de doenças orais com o avançar da idade em cães e gatos alimentados com dietas duras ou macias observaram que cerca 18,1, 55,7 e 22,2% dos animais que receberam alimento com maior grau de dureza apresentavam linfoadenopatia, depósito de placas ou sinais de doença periodontal, respectivamente. Por outro lado, esses números se elevaram para 45,2, 82,8 e 54,7% nos cães alimentados com dietas 32 macias. Em gatos, as porcentagens foram de 19,2, 54 e 30% de linfoadenopatia, depósito de placas e sinais de doença periodontal para os animais que receberam ração dura e 29,6, 71,7 e 44,9% para gatos alimentados com dieta macia. Em cães, o número foi de 1,24 para o alimento duro e 2,37 para o macio; em gatos, de 1,38 e 2,12, respectivamente. Além da textura da dieta, o formato e a inclusão de fosfatos desempenham importante papel na prevenção de cálculos em cães e gatos. Stookey et al. (1996) conduziram um estudo para verificar o efeito da utilização de biscoitos com ou sem cobertura de 0,6% de hexametafosfato de sódio na formação de cálculos dentais. Após a profilaxia inicial, o ensaio foi conduzido por cerca de quatro semanas e observou-se que quando comparado ao esquema de alimentação sem o oferecimento de biscoito àqueles que não possuíam a cobertura não se mostraram efetivos. No entanto, a adição de hexametafosfato reduziu em 46% a formação destes. Por sua vez, Hennet et al. (2007) verificaram que o aumento no tamanho do croquete em até 50% e a cobertura destes com tripolifosfato de sódio, um outro tipo de fosfato, reduziram em 42 e 55% a formação de cálculos, respectivamente. A redução também esteve associada à localização dos dentes, sendo que a atuação desses aditivos foi mais pronunciada nos dentes pré-molares quando comparados aos incisivos e caninos. Pinto (2007) estudou o efeito da utilização desses dois tipos de fosfato (o tripolifosfato e o hexametafosfato) incluído na massa ou na cobertura de alimentos completos destinados a cães. Verificou-se com este trabalho que o hexametafosfato de sódio mostrou-se superior ao tripolifosfato de sódio na redução do acúmulo de cálculo dentário, e que as diferentes formas de inclusão não alteraram sua eficácia. A inclusão desse aditivo no alimento é uma medida prática para a prevenção de cálculos nos animais domésticos e já vem sendo utilizada com frequência pela indústria de alimentos comerciais. 5 INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA (IRC) Dentre as principais funções dos rins podemos citar a excreção dos produtos residuais do metabolismo, a regulação do volume e da composição do líquido extracelular, a secreção de hormônios (que participam na regulagem da função sistêmica e renal, da produção de células 33 vermelhas e do metabolismo de cálcio, fósforo e ossos) e a hidrólise de pequenos peptídeos (que conserva aminoácidos, destoxifica peptídeos tóxicos e regula níveis plasmáticos efetivos de hormônios peptídicos). Suas unidades estruturais são os néfrons e cada um deles constitui-se de um glomérulo e de um sistema de ductos dentro dos quais se realiza a reabsorção e a excreção. O glomérulo é um novelo de capilares onde se filtram os produtos indesejados e os eletrólitos do sangue. Os túbulos se originam na base dos glomérulos e reabsorvem de forma seletiva muitos dos componentes do sangue presentes no filtrado. Quando o filtrado alcança a parte final do túbulo, contém apenas aqueles compostos que deverão ser excretados como resíduos na urina. O fluxo sanguíneo renal é alto e aproximadamente a quarta parte do débito cardíaco é filtrada a cada minuto. O sangue para os néfrons é fornecido pelos ramos das artérias interlobulares. A arteríola aferente o conduz para o glomérulo e a eferente, para o exterior. O sangue que deixa o glomérulo é redistribuído em outro leito capilar, conhecido como capilares peritubulares que perfundem os túbulos do néfron Os vasos retos são os ramos capilares para a medula a partir dos capilares peritubulares e são associados aos néfrons das alças longas. Após a perfusão dos rins, o sangue retorna à veia cava caudal pelas veias renais, e os produtos indesejados do catabolismo proteico, como a ureia, a creatinina, o ácido úrico e o amônio são excretados via urina (SWENSON e REECE, 1996; CASE et al., 1998). Em razão dessas importantes funções, o comprometimento da função renal conduz a uma série de complicações graves para o organismo. A insuficiência inicia-se com a perda de nefróns funcionais: atrofia e fibrose glomerular, de túbulos e tecidos peritubulares. Na fase inicial, ocorre um aumento na taxa de filtração pelos néfrons funcionais para manter a homeostasia, onde pode ocorrer a perda de até 67% da função renal, mas sem sintomatologia. Posteriormente, observa-se um aumento na pressão intraglomerular, com esclerose e contínua lesão dos néfrons restantes, resultando na perda do balanço e aparecimento de sintomas digestivos e urinários, que se tornam severos. Com a perda de 67 a 75% da taxa de filtração glomerular, poliúria e polidipsia aparecem, quando a insuficiência chega a 75 a 90%, o acúmulo de catabólitos de nitrogênio determina o aparecimento de sinais sistêmicos, tais como, anorexia, perda de peso, sinais de apatia, vômito e diarreia. Quando a função é inferior a 10% e a uremia está associada a sinais neurológicos (encefalopatia) e o animal está normalmente em estágio terminal. Quando a insuficiência se estabelece, os rins iniciarão uma série de adaptações, como resposta ao prejuízo da função. Os néfrons intactos passarão a se hipertrofiar, aumentando a 34 sua taxa de filtração e pressão. Essas adaptações somadas à hipertensão sistêmica e a hiperfosfatemia provenientes da diminuição da função constituem um círculo vicioso que contribui para a injúria renal (figura 1) (BROWN et al., 1998). FIGURA 5 – Patogênese da Doença e da Insuficiência Renal. FONTE: Adaptado de Brown et al. (1998). Os principais sintomas da insuficiência renal são: poliúria, polidipsia, polaquiúria, diarreia, vômitos, úlceras e erosões nas mucosas orais, anorexia, perda de peso, anemia, osteodistrofia renal e transtornos neurológicos (CASE et al., 1998). A poliúria acontece pela diminuição na capacidade de reabsorção dos néfrons, o que leva a polidipsia compensatória. O acúmulo dos compostos nitrogenados no sangue (azotemia)pode ocasionar neuropatia. A ureia não é o verdadeiro responsável por essa toxicidade, mas sua alta concentração serve como indicativo para outros compostos, como o mioinositol que é 35 bastante deletério para as células da raiz dorsal, diminuindo a condução nervosa. O paratormônio (PTH), que tem a sua concentração aumentada na insuficiência renal em razão do excesso de fósforo, induz ao hiperparatireoidismo secundário renal, com a ocorrência de osteodistrofias. O PTH parece contribuir também para a anemia em razão da inibição de precursores da eritropoiese na medula óssea, além de causar intoxicação ao miocárdio, possivelmente pelo aumento da concentração de cálcio. Ainda em relação à anemia, a elevação sérica do fosfato eleva o 2,3 difosfoglicerato dos eritrócitos que diminui a afinidade da hemoglobina pelo oxigênio e aumenta a transferência de oxigênio para os tecidos, reduzindo a hipóxia tecidual que poderia estimular a produção de hemácias. No entanto, a baixa produção de eritropoetina pelos rins é ainda a causa principal da anemia nesta patologia. Dentre os sintomas gastrointestinais, as lesões e erosões bucais são causadas pela excreção de ureia para o interior da cavidade oral, que é transformada em amônia pelas bactérias da microbiota oral, lesando a mucosa. Há também nos animais doentes, o hálito urêmico característico. Os vômitos são possivelmente provenientes do estímulo da zona de disparo aos quimiorreceptores. Pericardites, comuns em humanos são raras em cães, mas complicações respiratórias como o edema pulmonar brando pode acontecer em função da hipertensão que ativa o sistema renina-angiotensinogênio, expandindo o volume plasmático e ativando o sistema nervoso simpático. Por fim, alterações metabólicas podem ocorrer já que a uremia está associada à resistência periférica e à hiperglicemia branda do jejum. O aumento da concentração plasmática de insulina pode provocar o aumento da síntese de lipoproteínas, diminuindo a eliminação de triglicerídeos do sangue. O rim é o principal local de catabolismo do glucagon, e na uremia há o aumento deste no plasma, o que contribui para o equilíbrio negativo do nitrogênio e o catabolismo tecidual. As concentrações de T3 diminuem em razão do comprometimento da conversão periférica de T4 em T3. A insuficiência na reabsorção de bicarbonato e a redução da produção de amônia resultam em uma menor quantidade de ácido eliminada, causando acidose metabólica (MACIEL, 2001). Tendo em vista todas as alterações causadas pela insuficiência renal, o manejo dessa patologia é fundamental para o sucesso da terapia. E os principais objetivos da dieta nessa condição são maximizar a longevidade e a qualidade de vida por meio da ingestão de quantidades adequadas de energia e nutrientes, limitando a manifestação de sintomas clínicos e 36 a progressão da doença (BROWN et al., 1998). Energia, proteína, lipídeos e minerais como o fósforo e sódio devem ser corretamente manejados para atingir tais metas. 5.1 PROTEÍNA A proteína é um dos nutrientes mais discutidos na nutrição de animais de companhia. As altas concentrações desse nutriente nos alimentos comerciais e a prevalência de doenças renais em animais idosos levam ao debate sobre se o seu consumo em excesso poderia predispor à ocorrência de danos renais pela sobrecarga desse órgão, causada pelo aumento crônico da pressão glomerular e pela hiperfiltração. Na determinação da exigência proteica e aminoacídica de uma determinada espécie é importante considerar a natureza e a extensão da adaptação ao metabolismo do nitrogênio e dos aminoácidos. Por exemplo, os ratos conseguem regular ou diminuir as enzimas do catabolismo do nitrogênio para manter o balanço nitrogenado quando a dieta contém entre 4 a 5% de EM como proteína. Embora não haja informação detalhada para cães e gatos, sabe-se que nenhuma das duas espécies consegue regular tão eficazmente as enzimas catabólicas de nitrogênio como os ratos, havendo por isso dificuldade na sua conservação. Para dispor e conservar o nitrogênio, essas adaptações envolvem a superativação ou a inativação de todas as enzimas do ciclo da ureia, da alanina transferase e do aspartato aminotransferase (NATIONAL RESEARCH COUNCIL, 2006). Um gato em crescimento utiliza cerca de 60% de sua necessidade para a manutenção de tecidos e apenas 40% para o crescimento, diferentemente da maioria das outras espécies, como os cães, que usam 35% para a manutenção e 65% para o crescimento (CASE et al., 1998). Assim, os felinos em manutenção, após adaptação, oxidam toda a proteína da dieta tanto em níveis adequados (350g/Kg) quanto em níveis elevados (520g/Kg) de proteína bruta. Sugere-se que a concentração do substrato, as mudanças da concentração de ornitina e a enzima carbamoil fosfato sintase aliada ao aumento no tamanho do fígado (que aumentam a concentração de enzimas do catabolismo de nitrogênio), são suficientes para promover uma completa oxidação de quantidades relativamente altas de proteína dietética. Assim, há falta de habilidade dos gatos em manter o balanço nitrogenado na mesma concentração dietética mínima 37 como os cães e estes possuem menor habilidade quando comparado aos ratos (NATIONAL RESEARCH COUNCIL, 2006). As exigências para cães e gatos vêm sendo alteradas ao longo dos anos. Para cães filhotes, as necessidades de proteína bruta, como porcentagem da energia, sugeridas pelo NRC em 1953, 1962, 1972 a 1974 e 1985 são, respectivamente, 200, 220, 220 e 95 a 115 g/kg na dieta. Há um consenso geral na recomendação da exigência de proteína bruta ao longo das décadas, exceto em 1985, em que houve a soma dos aminoácidos sugeridos, incluindo os aminoácidos não essenciais (NATIONAL RESEARCH COUNCIL, 2006). A utilização dessa somatória fez com que a recomendação em 1985 (aproximadamente 11,4% da EM) fosse cerca da metade daquela sugerida pela edição anterior. Como ela baseava-se em dietas purificadas, que dificultava a interpretação e aplicação desses dados na formulação de rações comerciais, muitos fabricantes passaram a utilizar as recomendações de 1974. Quando a Association of American Feed Control Officials (AAFCO) surgiu, em 1992, ela recomendou cerca de 22% da energia metabolizável advinda da proteína bruta em alimentos contendo cerca de 3500 kcal EM/Kg para cães (CASE et al., 1998). Atualmente, os valores recomendados para cães saudáveis são 22 e 18% para animais em crescimento e manutenção em dietas com 3500 kg de EM/kg, respectivamente. E para gatos hígidos, as necessidades mínimas são 30 e 26% para crescimento e manutenção, em dietas contendo 4000 Kcal/kg de energia metabolizável (AAFCO, 2007). A relação entre a proteína dietética com a função renal é estudada há mais de 50 anos. Em 1923, Addis e Drury foram os primeiros a observarem a associação entre níveis de proteína dietética e taxas de excreção renal de ureia. Mais tarde, observou-se que em cães as altas ingestões de proteína levariam a excreções elevadas de ureia e creatinina e que essas elevações eram causadas pelo aumento da taxa de filtração glomerular. Estudos epidemiológicos realizados em seres humanos mostraram que há uma associação positiva entre o consumo de proteína animal e o declínio da função renal, em pacientes com lesões renais preexistentes. Em cães, hipertrofia renal por elevadas ingestões de proteína também poderia ocorrer e isso levou a especulações sobre suas ações deletérias sobre os rins. Nesse caso, uma combinação de interações hormonais e alterações renais poderiam explicar a hiperfiltração induzida pela proteína. O aumento na secreção de glucagon e o AMPc, em resposta à administração
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