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18749 - O Segredo das Cartas (PDF)

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Prévia do material em texto

Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
Aviso Legal - Social DRM
http://www.bookess.com/
Atenção!
Esta obra foi adquirida por Brenda Cristina Rodrigues Oliveira , cujo número
da identidade é 18151515, no dia 20/08/2018 às 16:26:00.
É vedado qualquer tipo de distribuição ou comercialização desde documento,
executando-se ao mesmo as responsabilidades implícitas por lei em caso de
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Desejamos a você uma ótima leitura!
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
das
O Segredo
Cartas
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
2015, Bookess Editora
Revisão TexTual
Guilherme Peixoto
Gabriella Regina
PRojeTo GRáfico
Ana Paula Agostini
caPa
Ana Paula Agostini
Editora Bookess
Rua Lauro Linhares, 1281, Sala 04 - 88036-003
Florianópolis - SC
A Editora Bookess é responsável pelos serviços de capa, revisão e 
diagramação deste livro. Entretanto, o conteúdo desta obra é de 
responsabilidade exclusiva do autor. 
Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida, sejam quais forem os 
meios empregados, sem a permissão por escrito, do Autor. 
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
 (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
 Belo, Warley
 O segredo das cartas / Warley Belo. -- 
 Florianópolis, SC : Bookess, 2015.
 ISBN 978-85-448-0123-9
 1. Crimes (Direito penal) 2. Direito penal - 
 Brasil - Casos 3. Julgamento 4. Justiça 
 5. Processo penal I. Título.
 
15-02681 CDU-343(81)
 Índices para catálogo sistemático:
 1. Brasil : Casos criminais : Direito penal 
 343(81)
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
2015, Bookess Editora
das
O Segredo
Cartas
Warley Belo
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
Aos Professores da Faculdade de Direito Kennedy de Belo Horizonte 
que pacientemente ouviram esta história dezenas de vezes na Sala dos 
Professores, me incentivaram a escrevê-la e aqui faço o registro nominal, 
conforme prometido “com afeto e carinho”:
Professoras: Bárbara Carolina Mendes, Cristiane Helena Cabral, 
Lucélia Sena, Margareth de Abreu, Maria Cristina Dias 
Nascimento, Mariana Swerts, Renata Paula de Oliveira, 
Silvana Fortes, Sílvia Portilho e Tatiana Boueri.
Professores: Alex Cabral, Claudiney Dulim, Dalvo Leal Rocha, Evaristo 
de Magalhães, Filipe Bezerra, Hellom Lopes, Herzio 
Mansur, James Ladeia, Jânio Donato, João Salvador dos 
Reis, Joel Moreira Filho, Nelson Garcia, Renato Braga 
Bicalho, René Vial e TOSTES, Otávio.
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
Conhece-se a verdade muito mais pelos atos do que pelas palavras.
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
Sumário
Deus perdoa . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
Lobo em pele de cordeiro . . . . . . . . . . . 19
Vestido de verde e amarelo . . . . . . . . . . . 25
Coffebrainstorm . . . . . . . . . . . . . . . . 29
As cartas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
Incidente de uniformização . . . . . . . . . . . 35
O julgamento do incidente . . . . . . . . . . . 39
Para Brasília e avante . . . . . . . . . . . . . . 43
Resiliência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
A visita . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
Tempus fugit . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
A justificação . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
Homem de pouca fé . . . . . . . . . . . . . . 63
O segredo das cartas . . . . . . . . . . . . . . 71
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
11Deus perdoa
Marcamos reunião às três horas da tarde no saguão principal do fórum Lafayette. Meu escritório ficava longe do centro de Belo Horizonte e eu tinha uma 
audiência mais cedo. Acabaria por resolver dois assuntos no 
mesmo lugar. Nos dias atuais, é necessário ser dinâmico. Tam-
bém facilitaria a vida de Vinícius Baía e Floriano que não se-
riam obrigados a se deslocar para uma região da Capital que 
lhes era desconhecida.
Era novembro e, naquela tarde, chovia copiosamente. Lá 
dentro fazia um calor abafado, mas que permitia vestir terno 
de maneira confortável.
No horário marcado, avistei meu amigo juiz-forano Vi-
nícius Baía que traria e apresentaria o novo cliente, Floriano 
Monforte. O advogado anterior havia falecido e, por isso, ne-
cessitava de um novo defensor para tocar a causa.
Vinícius Baía estava, como sempre, vestido despojada-
mente. Ambos tinham vindo de carro, naquele dia, de Juiz de 
Fora e apresentavam um certo ar de cansaço. Floriano Mon-
forte, entretanto, trajava um terno preto um tanto amarrotado 
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
12
e os cabelos estavam desalinhados, provavelmente por ter via-
jado com as janelas do carro abertas.
Baía havia me relatado o caso por alto. Era sério. Floria-
no estava condenado a doze anos e seis meses de prisão e o 
TJMG já havia confirmado em grau de apelação a sentença 
condenatória. Faltava muito pouco para a execução da pena. 
Não chegou a antecipar-me o caso em seus pormenores, mas 
sabia que era uma acusação de pedofilia. Um caso sempre 
é um caso, mas esse, se por um lado me atiçava a curiosida-
de porque o advogado falecido era muito renomado em Belo 
Horizonte, por outro, repelia-o por ser um crime tão grave. 
Querendo ou não, o fato de ser escolhido para substituir um 
grande advogado é sempre um privilégio. Esse já era um alen-
to positivo que me fazia ver o caso com bons olhos, apesar da 
natural relutância preconceituosa que nutria em defender acu-
sados daquele crime. Também significava um alívio para mim, 
porque se um advogado de renome como o que sucederia não 
havia conseguido absolver o réu, quem seria eu a substituí-lo, 
já no apagar das luzes, para reverter uma duríssima condena-
ção de doze anos e seis meses de reclusão? Não teria nada a 
perder; já o Floriano…
Cumprimentamo-nos efusivamente. Abraçou-me. Já ha-
via alguns meses que não encontrava meu amigo Baía, que 
havia conhecido quando eu fora coordenador do curso de 
pós-graduação em ciências criminais da UFJF, onde ministrei 
aulas. Mais um ponto favorável: significava que teria deixado 
boa impressão no colega, já que no curso também ministra-
vam aulas outros advogados criminalistas, apesar de existi-
rem competentíssimos criminalistas em Juiz de Fora. Talvez 
o fato de Floriano ser Defensor Público ali, oficiando, tenha 
pesado na escolha de um advogado “de fora”, ou mesmo por-
que o processo já estivesse na Capital, em grau de recurso, 
onde seria mais seguro ter um advogado local para acompa-
nhar. De qualquer modo, uma responsabilidade a mais para 
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
13
mim, já que uma intervenção mal sucedida no caso poderia 
significar também uma baixa em dupla fronte: na advocacia 
e na docência. 
Apresentou-me o Floriano. Baixa estatura, quase desapa-
recido entre o meu amigo e eu, apesar de não sermos muito 
altos. Estava nervoso e ansioso para iniciar a conversa, o que é 
um pouco ruim porque é sempre bom que a primeira conversa 
se alongue um pouco, ainda mais num caso daqueles, que já 
imaginava complexo. Quando me cumprimentou, percebi que 
suas mãos estavam trêmulas. Mas o que mais me chamou a 
atençãofoi aquela áurea que possuía de condenado. Pode até 
ser que eu tenha criado uma imagem do réu condenado, mas a 
verdade é que o homem ali em minha frente não só tinha cara 
de condenado, como exarava um sentido de alma aprisionada, 
profunda e escura, talvez sinal de muito sofrimento agrilhoado 
sem ter por onde escoar. Não é muito difícil imaginar o que 
pesa sob o semblante e alma de qualquer ser uma sentença 
criminal de doze anos e seis meses de reclusão. Aquele ali não 
me deixava dúvidas: era um homem condenado. Lia-se em seu 
rosto, percebia-se o peso no seu andar, sobre seus ombros, o 
olhar profundo, a dor incessante, as noites mal-dormidas dos 
últimos anos e, já adianto, também dos próximos.
Feitas as apresentações de praxe, propus irmos a uma ca-
feteria ali perto para conversarmos mais confortavelmente so-
bre o caso. Baía, muito delicadamente, preferiu não ir. Sabia 
que o caso era de revelar intimidades. Pegamos um táxi bem 
em frente ao fórum e para lá nos dirigimos. Sentamos um de 
frente ao outro. Olhos nos olhos e o senhor que ali estava, após 
pedir um café cada um, começou a relatar sua sina. O caso era 
de que havia sido condenado por abusar sexualmente de sua 
própria filha, que contava à época, com seis anos de idade. 
A pedofilia. Esses casos são realmente terríveis. Devo 
confessar que tenho pouca resistência para esse tipo de proces-
so. Tenho consciência da minha obrigação profissional, mas 
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
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crime contra crianças me deixa um pouco abalado. Desde 
sempre aprendemos que o dever do advogado é defender o di-
reito e não o crime. Evidentemente que não se pode compac-
tuar com abuso sexual de nenhuma espécie, muito menos de 
um pai contra a própria filha, mas no caso era eu o advogado 
de defesa e precisaria me concentrar nesse mister procurando o 
melhor a se fazer. Ouvi a sua versão e fiquei temeroso quando 
o mesmo me confidenciou que a criança era quem o acusava. 
Havia feito a acusação na polícia e em juízo com acompa-
nhamento de psicólogos e assistentes sociais. Esses casos são 
complicados. A palavra da vítima, nesses crimes chamados de 
crimes entre quatro paredes, normalmente, põe termo definiti-
vo. Isto quer dizer que a palavra da vítima tem peso relevante 
e suficiente para uma condenação. Bastasse uma prostituta 
acusando-o, uma mulher de rua desconhecida e ensandecida, 
que mesmo assim teria graves e sérios problemas com a acusa-
ção leviana; mas a própria filha, criança de seis anos a acusar-
lhe de maneira peremptória de que foi vítima de abuso… Era 
causa perdida; condenado ficaria. 
Sem ler os autos, antecipava-lhe o que já sabia: o caso era 
gravíssimo. Talvez estivesse em seus últimos dias de liberdade. 
O advogado não deve mentir para o cliente, ainda mais na 
seara criminal. Não se brinca com a liberdade de ninguém. 
Também não podemos antecipar a condenação ou “jogar a 
toalha” antes do gongo final, mas o caso parecia realmente 
perdido. Não quis fixar os honorários, queria ver os autos an-
tes e confirmar toda a acusação, os fundamentos da sentença 
e do acórdão. Os autos estavam ali perto da cafeteria, no Tri-
bunal de Justiça, mas ainda não possuía o substabelecimento 
do escritório do antigo advogado e se tratava de causa em se-
gredo de justiça. Não poderia simplesmente chegar no balcão 
para fazer um estudo. 
Por outro lado, o caso era urgente. Poderíamos ter a ex-
pedição de um mandado de prisão a qualquer instante. Pedi 
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
15
o substabelecimento para aquela mesma tarde para evitar al-
gum problema ético, mas, como era uma solicitação de urgên-
cia, providenciei ali mesmo uma procuração para tirar cópia 
dos autos. Estava apreensivo com a possibilidade de algum 
prazo correndo e queria, o quanto antes, saber dos fundamen-
tos e em que pé estava o andamento. Já havia conversado o 
suficiente com o Floriano e o mesmo jurara inocência. Quanto 
antes ir ao Tribunal seria melhor. O mesmo quis me acompa-
nhar, mas achei melhor não. Iria lhe telefonar no mesmo dia, 
se houvesse algo de maior urgência e relevância. A procura-
ção me bastava naquele momento. Despedi-me na porta da 
cafeteria. Não sei o porquê, mas fingi que não vi quando o 
mesmo me estendeu a mão.
Aquela chuva me fazia pensar em cobrar um pouco mais 
os honorários imaginados. Molharam-me todo o sapato e meu 
terno. Cheguei ao Tribunal e pedi para ver os autos. Tive sor-
te, os autos estavam na secretaria. Mostrei a procuração. Não 
cheguei a protocolar naquele momento, também não pediram 
para protocolar. Talvez estivesse demonstrando um pouco de 
apreensão. O processo já contava com quatro volumes e qua-
se três mil folhas. No fim, o pedido de dia para julgamento 
dos Embargos Infringentes de uma Apelação. O julgamento 
deveria ser marcado em poucos dias, talvez não demoraria 
nem uma semana. O julgamento não ocorrera, mas a discus-
são dos Embargos era muito limitada. Até que o Tribunal 
confirmasse a data de julgamento, teria tempo mais do que 
suficiente para destrinchar e entender aquele caso a tempo de 
produzir sustentação oral, seja para que fim fosse. 
A curiosidade era tamanha, entretanto, que folheei os 
autos. Passei os olhos na sentença, no acórdão da Apelação. 
Só com aquela leitura superficial, percebi que o caso era real-
mente de condenação. O mesmo jurara inocência olhando 
em meus olhos. Natural. Talvez ninguém fosse capaz, em sã 
consciência, de admitir um ato dessa verve. Não é problema 
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
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meu. Não sou padre e nem psicólogo. Sou advogado e preciso 
confiar no que Floriano diz, mesmo que, naquele caso, me 
parecesse uma mentira indefensável. Precisaria ler os autos 
com mais calma. Despedi-me da escrevente, dirigi-me à sala 
da OAB onde requisitei a cópia integral dos autos. Estariam 
à disposição no outro dia. Peguei um táxi de volta ao estacio-
namento perto do fórum e de lá para a faculdade onde minis-
traria aula até às dez e meia da noite. Não liguei para Floriano, 
mas durante a aula fiquei o imaginando a me aguardar. O 
caso não saía da minha cabeça, fiquei impressionado. Perceba 
que é quase uma exigência a todo advogado desligar-se dos 
seus processos enquanto fora do escritório ou do fórum. Não 
é possível ficar se martirizando continuamente com os casos, 
nem mesmo aqueles já passados. Um dos mandamentos do ad-
vogado é esquecer. Mas o rosto e o peso daquele homem con-
denado, a sua mão esticada pretendendo me cumprimentar, o 
meu ato de desprezo pelo seu gesto amistoso, já me demons-
trava que nada ia bem. Eu, o advogado dele, o único talvez 
que estivesse ou deveria estar incondicionalmente ao seu lado, 
sentado ali no último degrau da sociedade, no degrau dos 
condenados, eu mesmo não conseguia creditar-lhe a verdade. 
A sua versão partia de uma vingança que a mãe, dona Lucília 
Monforte, lhe armara em consequência de brigas conjugais, 
colocando na cabeça da menina o abuso sexual do pai, como 
forma de vingança. Não que esses casos de alienação parental 
não sejam comuns. São bastante. Alie-se também o fato da 
muito corrente falsa memória cognitiva de que se tem notícias 
vivamente, pois as crianças podem fantasiar sugestionadas por 
alguém. Mas, naquele caso, os autos demonstravam que tais 
probabilidades eram mínimas. 
Além do grande período de tempo em que a criança 
mantinha seu discurso, houve um acompanhamento de per-
to de psicólogos dentro da técnica de depoimento sem dano 
que, mesmo não sendo perfeito e infalível, diminuía a quase 
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
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zero as chances de tais alegações naquele momento. O pior de 
tudo, entretanto, partia da minha própria percepção de que o 
Floriano seria culpado. Tinha cara de culpado, agia como cul-
pado. Por mais que se dê aulascriticando a tese de Lombroso, 
estava ali um exemplar atávico. Talvez por isso a forte cena 
de não querer cumprimentá-lo me atordoava constantemente. 
Senti nojo de tocar naquelas mãos de um homem condenado 
por abusar de sua própria filha. Mãos sujas que não se lim-
pariam com água e sabão, e que me produziram asco. Ser 
advogado não é ser amigo do cliente, basta ser diligente e 
técnico. Aqui nesta vida se faz e, muitas vezes, se paga; e digo 
mais, o preço a se pagar por uma condenação dessas em nos-
sos fétidos presídios é alto demais. Estupro da própria filha? 
Num presídio brasileiro? Não é preciso saber muito, apenas o 
suficiente para desejar a morte mais rápida e indolor possível. 
Talvez um envenenamento por estricnina no último instante 
de liberdade fosse ato suficiente, altivo e menos danoso. Se 
houvesse que se ver com Deus, tanto melhor, como disse Car-
nelutti: Deus perdoa, os homens não.
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
19Lobo em pele de cordeiro
No outro dia, uma sexta-feira, fui novamente ao Tribu-nal para buscar a cópia dos autos. Teria o final de semana para fazer o estudo do caso e dar o primeiro 
“diagnóstico” ao Floriano, o que incluiria a fixação dos hono-
rários. Naquela tarde, o calor estava terrível e o peso dos autos 
me fazia suar mais do que o normal. Pressentia, entretanto, 
que havia mais gente suando pelo processo e não por esforço 
físico, mas por aflição. Andava pela calçada e olhava os autos 
debaixo dos meus barcos. Vidas que iam balançando sob a 
minha guarda rua à fora. 
Ao chegar no escritório, comecei a folhear despreocu-
padamente os autos. É mania proceder assim, ver o prédio 
todo antes de se inteirar dos cômodos, dos andares. E se a 
primeira impressão foi muito negativa, agora a situação ga-
nhava contornos trágicos para qualquer pretensão de defesa. 
Havia várias fotos de uma filmagem. Floriano aparecia com a 
mão em sua genitália, sob o short, enquanto sua filha, Celina, 
brincava à sua frente assistindo TV. Em outra cena, pareceria 
que o mesmo acariciava as nádegas da criança. O DVD estava 
nos autos com a gravação completa. Resolvi começar por ali. 
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
20
Nos pouco mais de doze minutos de gravação, o que se viu foi 
exatamente o que fora descrito nas fotos. O réu com a mão 
em sua genitália e depois dando um tapinha nas nádegas da 
criança. A maldade ali só existia na cabeça de quem assistiu 
e chegou à conclusão de abuso sexual apressadamente. É ab-
solutamente incrível pensar que uma “coçada no saco” possa 
revelar todo um sadismo pedófilo, assim como um tapinha no 
bumbum da infante atendesse a escusos desejos sexuais. Per-
versão pedófila de quem acusa. Entretanto, passado o arroubo 
de que as provas do DVD eram fraquíssimas e — de fato — na 
sentença o juízo monocrático assim se referiu, o fato é que os 
outros elementos dos autos eram terrivelmente desfavoráveis 
a qualquer pretensão absolutória. Assim, o DVD e as fotos 
decorrentes, que foram produzidas a mando de dona Lucília, 
esposa à época de Floriano, através de uma firma de detetives 
que plantou a câmera em um ursinho de pelúcia, elevava-se 
de um nada jurídico à concepção de “veementes indícios de 
materialidade” no subjetivismo ativista de hoje em dia. 
Esses indícios de materialidade, cuja representação dou-
trinal é mais inocente do que ir comprar rocambole em Lagoa 
Dourada, no contexto dos autos representavam uma avalan-
che, o ponto fulcral, a imagem do abuso revelada porque se 
casava em harmonia com as declarações da criança. É claro 
que estamos no campo das provas subjetivas porque aquele 
comportamento era totalmente comum a qualquer homem e 
pai, afinal de contas, não houve filmagem propriamente dita 
do abuso sexual, mas poderia se inferir daquele comporta-
mento outros mais gravosos, que dariam conta às outras pro-
vas e o cerco se fecharia. E que outras provas eram essas?
Não havia dúvidas de que o mais doloroso de todo o pro-
cesso fosse realmente o relato da criança. Imaginem uma crian-
ça de seis anos em uma delegacia de polícia para acusar o pró-
prio pai de abuso sexual. O procedimento de depoimento sem 
dano ameniza, mas não exime de dor. E a criança prestou as 
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
21
declarações, com sua linguagem, de forma coesa, não só na po-
lícia, mas perante o próprio juiz. Relatou que o pai a mandava 
fazer sexo oral no mesmo enquanto ele lhe acariciava as partes 
íntimas. Uma declaração de uma criança é sempre muito peri-
gosa por causa das fantasias, possibilidades de influência, e etc., 
como já o dissemos, e deve ser sempre levado com parcimônia 
e elencado em conjunto com os outros elementos dos autos, e 
aí a foto com o pai dando um tapinha no bumbum da criança 
ganhava outros contornos. As fotos em si nada revelaram, mas, 
em conjunto com a declaração da criança, era o que faltava 
para fazer um conjunto probatório coeso. As declarações de 
dona Lucília, que agora já não estava mais acompanhada por 
detetives particulares, mas por advogados assistentes da acusa-
ção, revelavam comportamentos estranhos do réu como ir dor-
mir na cama da filha ou uma vez que o mesmo levou para seu 
quarto um bichinho de pelúcia da filha, e que teria ejaculado 
no mesmo do que foi acusado de se utilizar do brinquedo para 
auxílio em sua masturbação. Foi feita perícia no brinquedo e 
a mancha esbranquiçada não era sêmen. Todos esses compor-
tamentos foram referendados também pela tia da vítima, dona 
Alda, e por um primo, Márcio. 
Nos interrogatórios do réu, o mesmo sempre negava com 
veemência qualquer tipo de comportamento abusivo contra 
sua filha. Sempre o disse inocente em todos os interrogatórios. 
Entretanto, no mundo do direito, somos treinados para des-
confiar, para por à prova a alegação de inocência, para cruzar 
as informações porque, desde sempre, o réu tem o direito de 
mentir e muitas vezes mente e ninguém gosta de ser enganado, 
muito menos se é investigado por um suposto crime. 
Veja bem: se é direito do réu mentir, por que falaria a 
verdade? Pressupõem-se na mais das vezes que o réu é um mitô-
mano porque se é acusado muito provavelmente é culpado, até 
que se prove o contrário. E deste pensamento em pensamento, 
passando pela polícia e depois pelo Ministério Público, muitos 
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
22
inocentes são processados e outros tantos condenados. Uma coi-
sa é o que diz a lei, outra situação é a realidade do fórum.
E a troco de quê a própria filha viria com uma história 
dessas? Qual a sua motivação de mentir? Um ato monstruoso 
desses, vindo de uma criança de seis anos de idade? Foi exata-
mente esta pergunta que o delegado fez ao indiciado e o mes-
mo respondera-lhe que seria por desavenças entre o casal, mas 
não soube precisar concretamente quais seriam essas desaven-
ças, ficou em construções ora abstratas, ora sem importância 
alguma. Construía seu álibi? Não. Na verdade, para todos os 
efeitos, aquilo ali soava como uma confissão de culpa. Antes 
tivesse alegado loucura de dona Lucília, já que seria suficiente 
para se criar um contexto de dúvida e alienação parental, mas 
“desavenças que não sabe citar” é, realmente, uma pá de cal. 
Nem precisaria ir mais longe nos estudos dos autos. 
De qualquer maneira, prossigamos, porque se o réu se 
diz inocente apesar das declarações, do vídeo e da foto e, ain-
da de seu tosco interrogatório, há algo a se perquirir, a se 
indagar, a procurar uma nulidade gravíssima. Entretanto, na 
sequência, quando se imaginava que não haveria como piorar 
mais sua situação, veio o depoimento de um primo da vítima, 
Márcio, que, ao dormir na casa de sua tia, e passando à noite 
pelo corredor do apartamento, de frente à sala da TV, viuFloriano guardando seu órgão genital na cueca e a filha sobre 
seu colo limpando uma baba que escorria sobre seu rosto. Se 
havia, então, alguma dúvida sobre o comportamento doentio 
do réu, agora, parecia irrefutável. 
Lembrei-me novamente de não tê-lo cumprimentado na 
saída da cafeteria, das suas juras de inocência. As cenas me 
produziram ânsias de vômito. Não que me deixei enganar, 
mas é que preferia ter encontrado um inocente nos autos, e 
o que encontrei foi um perverso pedófilo e mitômano que, 
apesar de se saber culpado, tentava angariar esse advogado 
para o seu lado negro. É o tipo de processo em que eu falo de 
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
23
condenação absoluta, irrefutável. A palavra do réu não pode-
ria mesmo valer muito; ou melhor, nada valia frente àquelas 
provas robustas. 
E havia mais: não acabou. No decorrer dos depoimentos e 
declarações que se seguiram e foram confirmadas em juízo, ha-
via a empregada doméstica, senhora Rosália Belém, que havia 
presenciado o réu dando uma passada de mão no bumbum da 
criança, a exemplo do que havia sido filmado, o que reforçaria 
o indício elevando-o quase a uma prova irrefutável. E, por fim, 
a irmã da esposa, tia da vítima, dona Alda, que atestara o estra-
nho comportamento do cunhado, assim como o equilíbrio de 
mulher e esposa dona Lucília. Por conta do réu, suas testemu-
nhas, que nada viram ou ouviram sobre o fato principal, repor-
taram esparsas passagens de discussões conjugais, nada graves 
ao ponto de produzir uma alienação daquela magnitude e gra-
vidade. No mais, foram, como se diz na prática, testemunhas de 
canonização, a elogiarem o comportamento social e emocional 
do réu, o que naquelas alturas só serviriam para demonstrar 
um caráter frio a esconder vileza. 
Veja bem, era um caso perdido. A sentença apoiou-se 
exatamente nestas provas e “indícios” suficientes para a con-
denação, sem dúvidas. Visto por outro ângulo, não havia o 
menor subsídio para uma absolvição. Doze anos e seis meses a 
condenação, ainda dentro do razoável. Mas chamava atenção 
a parte da sentença onde o juiz praticamente prestava teste-
munho sobre a veracidade da declaração da criança, que fora 
acompanhada por psicólogo e lhe relatara de maneira que en-
tendia e sentia verídica o abuso sexual. O juiz disse na senten-
ça que viu sinceridade e sofrimento nos olhos daquela criança 
que ali estava à sua frente, sem chances de ter sido instruída. 
Conhecia aquele juiz, Dr. Leni Belchior. Havia sido meu 
primeiro coordenador, anos atrás, na mesma Faculdade de Di-
reito onde lecionava na pós-graduação. Homem correto, cal-
mo, simples e educado, de fala mansa. Convidava-me sempre 
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
24
que ia lá lecionar para almoçar após as aulas. Não possuía 
vaidade do cargo, não era de fazer “justiçamento”. Era aberto 
ao diálogo e bem quisto pelos colegas advogados daquela co-
marca, inclusive do próprio réu e também por mim. 
Por parte do juiz, portanto, não poderia criar suspeitas 
no que dizia, não teria escamoteado, procurado fundamen-
tar ainda mais sua sentença numa verdade judicial absoluta. 
Se não conhecesse o Dr. Belchior, talvez duvidaria daquela 
sinceridade toda, mas aquele sentenciante não faria isso. Sua 
preocupação era ser justo e não punir a todo o custo quem 
lhe parasse na frente. A cada vez que ia avançando no estudo 
do processo, mais me encolhia na cadeira, mais pressentia a 
culpa do réu. O réu, que era pessoa queridíssima naquela co-
marca, viu-se condenado por um crime tão abjeto. Ele era tão 
querido que nada menos do que quatro promotores de justiça 
recusaram deliberadamente a denunciá-lo alegando amizade 
com o mesmo. Não só recusaram a denunciá-lo, como foram 
suas testemunhas de antecedentes. Realmente, neste particu-
lar, os autos deixaram claro que o réu era uma excelente pes-
soa e profissional, motivos entretanto insuficientes para qual-
quer benefício; antes pelo contrário, seria um lobo em pele de 
cordeiro, concluiria a sentença. 
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
25Vestido de verde e 
amarelo
Terminados meus estudos sobre o processo e com a con-clusão já devidamente formada, qual seja, seria ques-tão de mês, talvez dias para a prisão de Floriano. Com 
isso em mente, entrei em contato para nos encontrarmos. 
Chuva fina, mas tempo quente deixando um mormaço 
no ar aliviado por rajadas constantes de vento fresco fazia 
daquela segunda-feira um dia aprazível, não fosse o fato de 
me considerar Hermes a conduzir aquela alma para o reino 
de Hades. Como de costume, reuniões à tarde, já que cedo mi-
nistrava aulas. Lá fomos nós com os autos debaixo do braço, 
novamente, a nos encontrarmos na cafeteria predileta. Fixaria 
os honorários e, se não aceitasse, já lhe passaria ali mesmo as 
cópias dos autos e passar bem. 
Ia observando o movimento da cidade. As pessoas an-
dando na rua, apressadas. E eu sem nenhuma pressa aparente, 
preocupado com o meu café. Mas se engana quem pensa que 
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
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tomar um café seja um tempo perdido, pois para além da 
necessidade de dar um tempo nas atividades do dia, ali, na-
quelas cadeiras ao som de invariáveis notas de jazz, o cheiro 
intenso do pó de café e o barulho de conversas que se entre-
cortam inteligíveis, já vislumbrei muitas respostas jurídicas. É 
o que eu denomino de coffee-brainstorm. Mais do que nunca, 
precisaria de um.
Quando cheguei, bem adiantado do horário previsto, já 
que no fórum havia somente uma vista, fui surpreendido com 
a presença do Floriano que ali já se encontrava. O meu coffee
-brainstorm ficaria para depois. Fitei-o antes de cumprimentá-lo 
como quem diz saber bem sê-lo culpado. A áurea de condena-
do permanecia densa. Os ombros lhe pesavam, a angústia lhe 
transparecia nas olheiras escuras, retrato de noites mal dor-
midas que se perpetuariam. Sentei-me sem cerimônias, soltei 
os autos pesadamente sobre a mesa. Fez um grande estrondo, 
quase derrubei a xícara sobre a mesa. Havia calculado mal 
a distância de soltá-los e acabei por chamar atenção dos vi-
zinhos da mesa que se entreolharam por um instante e logo 
voltaram ao bate-papo. 
Fiquei constrangido, pedi desculpas ao Floriano e, como 
alguém que virasse a página de um livro, pedi um café. Era o 
que me restava. Alertei-o de que não lhe trazia boas notícias; 
relatei os autos, como se ele nunca os tivesse lido. Adverti-o de 
que em dias seria marcado seu derradeiro julgamento dos Em-
bargos Infringentes e que deveria produzir sustentação oral, 
apesar de mínimas as chances de vitória. Olhava-me conster-
nado entre longos períodos de tempo fitando a xícara de café 
já vazia em sua frente. 
A lógica da sentença, os testemunhos, as declarações, a 
confirmação do acórdão, a perda de chances para Brasília e 
a limitada discussão dos Embargos. Tudo uníssono, concate-
nado. Nem uma falha, nem uma nulidade. Uma condenação 
perfeita. 
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
27
A tudo me ouvia. Atônito, deixou de resistir à acusação, 
como um peixe fisgado que deixa de se debater para que o 
anzol não mais se encaixe inexoravelmente. Negava os fatos, 
entretanto, jurava inocência. À essa altura da conversa já me 
convencia de que, inocente ou culpado, pouco me importava. 
Percebera que seria irrelevante. Dizer-se inocente, mesmo que 
não o fosse, não era problema meu, era dele. O meu problema 
era saber o que se poderia trabalhar em prol daquele conde-
nado, já no apagar das luzes processuais, e o que via era uma 
sustentação oral de poucos minutos com uma derrota pré-de-
terminada. 
É bom que se diga que houve a apelação ao Tribunal 
que, por unanimidade, confirmou os termos da sentença apro-
fundando nos laudos psicológicos juntados que atestavam a 
veracidade dasdeclarações da criança. 
Entretanto, por uma questiúncula jurídica, uma discus-
são que não poderia trazer a absolvição, mas benefícios fu-
turos na execução, deixara uma porta aberta ao antigo ad-
vogado para opor este outro recurso chamado de Embargos 
Infringentes, já que um, dos três Desembargadores, entendera 
que o crime não seria hediondo. Ocorreu que, no decorrer do 
processo, houve uma modificação importante na legislação 
penal, como dói acontecer entre nós, que gerou dúvidas de 
interpretação. Daí os Embargos do antigo advogado já faleci-
do. Assim, encontrava-se o processo, por um fio de cabelo a 
segurar a espada de Dâmocles sobre a cabeça do condenado 
e iria estraçalhar-lhe a vida por completo. Seja no aspecto de 
liberdade, seja no aspecto financeiro ou profissional ou fami-
liar ou moral. Um zumbi se tornaria ao lembrar da vida que 
outrora lhe vestiu.
Fui bem sincero. Não haveria muito que se fazer. Já não 
se poderiam apresentar novas provas; as provas dos autos, por 
sua vez, lhe eram amplamente contrárias. A discussão se o 
crime seria ou não hediondo, apesar do voto vencido, era na-
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
28
timorto, pois as instâncias superiores já haviam pacificado o 
entendimento em sentido contrário às suas pretensões. Uma 
tragédia em termos de esperança. O que se poderia fazer seria 
uma sustentação oral e, depois, segurar o processo em suas 
lides próprias o maior tempo possível, mas isso não chegaria 
sequer a alguns meses, não arriscaria nem mesmo um ano 
de prazo. O seu desespero foi sendo substituído por um fio 
de lucidez e me disse que, com a condenação, seu cargo de 
Defensor Público seria perdido. De fato, um dos efeitos da 
condenação explícito na sentença e confirmado no acórdão 
era a destituição do cargo público. Confidenciou-me então 
que precisaria de pouco mais de oito anos de prazo para se 
aposentar. Meu trabalho, portanto, se resumiria a lutar ensan-
decidamente para lhe alcançar aposentadoria e, depois, abrir 
outro campo de batalha para assegurar aquele benefício, o 
que mais não me competiria. 
A dificuldade era latente, mas não havia outro benefício 
mais concreto a se buscar ou outra saída; nem para mim e 
muito menos para ele. Apresentei o contrato de honorários. 
Assinou sem discutir cláusulas ou valores. Ele se despediu de 
mim e disse que iria caminhando a pé até a rodoviária, onde 
voltaria para Juiz de Fora. Percebi que ia caminhando na chu-
va, pouco se importando que se molhasse. Ali ia um homem 
condenado pela justiça brasileira, prestes a descer aos umbrais 
vestido de verde e amarelo.
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
29Coffee-brainstorm
Com a desculpa de que a chuva apertou, fiquei na ca-feteria. Havia pedido um expresso acompanhado de água gasosa. Prefiro água gasosa porque aumentava 
a sensibilidade das papilas gustativas, que possibilitava sentir 
melhor o gosto do café. Mas só passei mesmo a tomar água 
gasosa a partir de uma viagem que fiz ao Rio de Janeiro e um 
garçom de um bar havia confidenciado que, muitas vezes, os 
proprietários reutilizavam as garrafinhas de água natural va-
zias enchendo-as com água de torneira e revendendo-as. Para 
reforçar o golpe, lançavam uma ou duas gotinhas de cola se-
ca-rápido na tampinha para dar aquele clique ao abrir. Como 
mineiro e advogado, nunca mais comprei água sem ser gasosa. 
Essa seria mais difícil de ser substituída. 
De qualquer modo, ao folhear novamente o acórdão, já 
pensando na sustentação oral que veria promover, uma frase 
final daquela decisão me fez secar a boca. “Expeça-se man-
dado de prisão”. Sim. O acórdão mandava expedir imediata-
mente o mandado de prisão. No meio de tantos detalhes de 
mérito no processo e no limiar de mais um julgamento, só 
então havia atentado para o iminente risco de prisão. Teori-
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
30
camente, antes mesmo do julgamento dos Embargos, poderia 
lhe ser expedido o mandado. Estava livre por uma mera ques-
tão burocrática. Uma vez preso, a luta processual se resumiria 
à busca de sua aposentadoria, naquele momento algo pura-
mente fantasioso. 
Bebi toda a água que meava o copo. Olhei para o salão 
da cafeteria, as luzes amarelas, observei o movimento frenéti-
co da rua. Do outro lado, uma boutique de bolsas e mulheres 
parando para admirá-las em tempo curto porque a chuva caía 
sem cessar. O tempo fugia. Sem mais, voltei à sentença e nela 
estava disposto “expeça-se o mandado de prisão após o trân-
sito em julgado”. No mínimo uma abertura para se discutir 
aquela expedição imediata do mandado exarada no acórdão 
em contradição com o disposto na sentença. 
Minha primeira tarefa para manter Floriano solto até o 
deslindar do processo havia sido traçada. Pedi a conta, mas 
não foi necessário pagar, Floriano havia se antecipado e deixa-
do tudo pago. Não havia percebido a gentileza. 
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
31As cartas
Ocompromisso do advogado não é com a justiça, é com o cliente. Não há nada que prenda o advogado à jus-tiça; inclusive, o advogado está impossibilitado de pe-
dir a condenação do cliente, e seria considerado uma defesa 
inexistente. Está claro, pois que o advogado precisa lutar com 
todas as argumentações e instrumentos para favorecer o clien-
te, e só assim se pode alcançar a justiça. 
E foi com este espírito que liguei para Floriano, já no 
outro dia, advertindo-o da necessidade urgente de se impe-
trar um habeas corpus perante o STJ em Brasília para mantê-lo 
em liberdade. Foi, então, que me disse que existia algo que 
não havia dito ainda, mas que talvez fosse importante. No dia 
anterior, quando nos encontramos, havia lhe pedido para me 
dizer qualquer coisa que tivesse ligação com o seu processo. 
Mesmo que para ele isso não fosse importante, mesmo que 
lhe fosse insignificante. Se tivesse uma única ligação com o 
processo, com as pessoas envolvidas, sua filha, esposa ou as 
testemunhas, ele deveria me contar porque poderia lhe ser útil. 
Então disse que sua filha, Celina, lhe mandava sempre cartas 
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
32
de Natal e de Dia dos Pais e que me enviaria num pacote na-
quele mesmo dia. 
Perguntei se havia algo relacionado com o caso, uma 
confissão, um pedido de desculpas, mas não havia nada de 
especial nas cartas; eram apenas cartas de uma filha para um 
pai e que ele guardara ao longo dos quatro anos passados 
desde que perdera contato com a sua própria filha em decor-
rência deste processo. 
Frente à agonia de querer logo produzir o habeas corpus, 
não dei muita atenção, apenas procurava seu aval da minha 
primeira investida prática como procurador. Fiz o habeas corpus 
também ancorado na legislação referente à Defensoria Públi-
ca, que vinha ao encontro de meus interesses em mantê-lo 
solto até o trânsito final. Para minha surpresa e satisfação, em 
rápidos dois dias obtivemos a liminar do habeas corpus assegu-
rando-lhe a liberdade até o trânsito em julgado. A primeira 
vitória. Floriano ficou efusivo, não era para menos. Nesse in-
terregno, as referidas cartas chegaram. Abria-as e comecei a 
lê-las. Datadas desde o fatídico assunto noticiado na denúncia, 
as cartas de Celina demonstravam toda a pureza e singeleza 
de uma criança. Uma a uma, fui lendo-as e imaginando o 
quão inocente era aquela filha que, mesmo abusada pelo pai, 
ainda encontrava forças para lhe mandar cartas. 
A advocacia provoca-nos fortes emoções. Quase todos os 
dias nos sentimos como em uma montanha-russa de sentimen-
tos, ora bons, ora ruins e, naquele instante, lá pela décima-
quinta cartinha de Celina para Floriano aberta, sobressaiu-me 
que aquelas palavras, aqueles desenhos não seriam atitudes 
de uma criança violentada pelo pai e que há anos não o via. 
Já vi muitos casos que bonspais não recebiam cartas com 
tanta demonstração de apreço e carinho. Numa das cartas, 
a criança jurava saudades, noutra um desenho com o sol, as 
nuvens, um jardim, ela, o pai e um cachorrinho. Em muitas 
das cartas pude perceber lágrimas secas. Algumas estavam 
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
33
amassadas como que por raiva. Num dos envelopes havia um 
caderninho feito por ela, uma colagem em referência ao Dia 
dos Pais. Na capa, estava escrito “papai, te amo”, dentro oito 
páginas com colagens, desenhos coloridos feitos pela criança, 
representando o pai e ela dentro de um grande coração, e na 
última folha uma dezena de beijos feitos com algum tipo de 
tinta ou batom escrito com letra mal formada: “eu beijos te 
amo”. Imagino ainda como essa criança deve ter lutado, exi-
gido, chorado, gritado para a mãe, dona Lucília, enviasse-as 
ao pai. Anos a fio, sem contato, nem ao menos telefonemas 
porque proibido pela dona Lucília e aquela criança mandava 
incessantemente aquelas cartas. Uma a uma, fui abrindo-as e 
colocando-as sobre a minha mesa. Fiquei de pé, e fui tomado 
de uma vertigem e um gosto de fel na boca. Atônito, inferi: 
aquele pai não violentara sua filha. Eu havia me enganado, 
miseravelmente.
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
35Incidente de 
uniformização
Infelizmente, na altura do processo, as cartas não poderiam ser mais juntadas aos autos para influenciar os Desembarga-dores. Também é verdade que seriam insuficientes para ab-
solvê-lo frente às provas já apresentadas pela acusação. Mas ali 
estava o que procurava para ter a minha consciência tranquila 
de que não advogava para um crápula, um doente pedófilo. O 
que aquelas cartas significavam eu sabia em meu âmago, e era 
um grande amor recíproco entre o pai e a filha. O que estava 
por trás das cartas, talvez ninguém nunca saberia. O porquê da-
quela acusação tão grave feita pela filha? A mãe, dona Lucília, 
me parecera sempre ponderada em seus dizeres nos autos e não 
apresentava motivos para uma alienação parental.
De qualquer maneira, com a liminar obtida no STJ, Flo-
riano tinha a liberdade assegurada até o trânsito. Nesse tempo 
poderia analisar mais friamente o delicado processo e galgar-
lhe melhor sorte.
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
36
Mas, presumivelmente, faltavam poucos dias para o jul-
gamento dos Embargos Infringentes que sepultariam a derrota 
de Floriano. Dali para frente, somente através de um temerário 
Recurso Extraordinário para o Supremo ou um insustentável 
Recurso Especial para o STJ. É bom que se alerte que não have-
ria mais outra discussão a ser levada a Brasília a não ser aquela 
pontuada nos Embargos Infringentes, pois para todas as outras 
questões já se consumara o trânsito em julgado definitivo, ten-
do em vista que o advogado anterior não havia manejado os 
eventuais recursos cabíveis à época da publicação do acórdão. 
E a questão dos Embargos estava sedimentada. O cerco estava 
fechado com um espaço mínimo de movimentação. Se fosse o 
caso, deveria o antigo advogado, em concomitância com os Em-
bargos Infringentes — naquela época da oposição — ter também 
manejado, no mesmo início de prazo, os Recursos Extraordiná-
rio e o Especial. Não o fez. Paciência. 
As outras questões pré-questionadas se encontravam im-
possibilitadas de serem discutidas. Só havia mesmo de mais pal-
pável um Recurso Especial para Brasília decidir o que, de tudo, 
estava mais do que decidido se seria ou não caso de considerar 
aquele crime de atentado violento ao pudor — hoje, estupro — 
como hediondo. Forçar a subida de um recurso desse jaez po-
deria até mesmo ser considerado protelatório, tendo em vista a 
passividade que se formava naquela superior instância. Todavia, 
tendo sido contratado para postergar o mal maior, qual seja, a 
prisão e a eventual perda da aposentadoria, não me restavam 
outras opções a não ser trabalhar neste sentido. 
Em análise mais aprofundada, pude observar que, se em 
Brasília a questão se encontrava definitivamente resolvida, o 
mesmo não se dava nos tribunais estaduais. Em alguns, inclusi-
ve, com ferrenhos adeptos da não-hediondez do velho crime de 
atentado violento ao pudor sem violência física. Isso me moti-
vou a percorrer os registros do próprio TJMG e a fazer acurada 
pesquisa de como pensavam cada um dos Desembargadores. 
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
37
Minha consternação e ao mesmo tempo sorte ao saber 
que, por outra composição de desembargadores da mesma 
Câmara julgadora, Floriano sairia vitorioso, porque existiam 
julgadores com precedentes nesse sentido; ou seja, Floriano 
poderia ter vencido por maioria de votos e seu crime poderia 
ter sido considerado comum e não hediondo, o que lhe rende-
ria benefícios na execução da pena. 
Seria uma sorte, mas também um azar, porque se não 
houvesse a derrota, não seria possível os Embargos Infringen-
tes e muito menos seria possível levar a discussão até Brasília; 
o que, de todo modo, o favoreceria pelo tempo que ficasse 
solto. É aquele assunto de que há vitórias que são derrotas e 
vice-versa. No caso, foi uma sorte Floriano ter perdido. Per-
dendo, ganhava tempo e isso era o que interessava naquela 
altura do processo. De qualquer forma, dos Desembargadores 
criminais, a ampla maioria, mais de 2/3, já havia se pronuncia-
do pela hediondez do crime naqueles moldes, ou seja, contra 
a tese benéfica a Floriano. Faltava saber os outros Desembar-
gadores o que pensavam, e não havia outro caminho a não ser 
um Incidente de Uniformização Jurisprudencial. Seria a forma 
cabível e correta de provocar o Tribunal a se pronunciar, paci-
ficando definitivamente a Corte no assunto. 
Em outra pesquisa, pude comprovar que esse meu inci-
dente seria o primeiro no TJMG e, dos males o menor, se per-
desse ficaria como estava; se ganhasse, Floriano em pouco mais 
de dois anos poderia obter algum benefício da execução penal. 
Mas o que mais me motivou naquele momento, a manejar o 
incidente legal e pertinente para todos os jurisdicionados minei-
ros, era o tempo que tal procedimento levaria até ser concluído. 
Um, dois, talvez três anos. Com a publicação da designação 
de data para a sessão de julgamento, restavam-me quatro dias 
e não tinha tempo a perder. Tal incidente no TJMG teria um 
nível alto de dificuldade e qualquer erro poria tudo a perder, 
porque levar a questão à Brasília estava cada vez mais difícil. 
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
38
Concentrei-me nesse mister, e tive que abdicar dos outros 
afazeres do escritório e em dois dias a peça estava pronta. 
Protocolada, foi aceita quase que de imediato tendo o julga-
mento dos Embargos sido suspenso. Com a liminar obtida em 
Brasília e com o trâmite do incidente em curso, Floriano, que 
estava prestes a ser preso por um crime hediondo, teria uma 
sobrevida de anos de liberdade.
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
39O julgamento do 
incidente
Eassim o foi. De desembargador em desembargador, pas-sando por todos, mesmo aqueles que não militavam na seara penal, foram estudando e preparando a decisão 
para o dia do julgamento. Após todo esse trâmite, os autos 
foram ao Ministério Público para parecer e, na sequência, foi 
designado o dia para o julgamento. Seria uma decisão que afe-
taria todo o estado de Minas Gerais. No caso, minha respon-
sabilidade ia para além do meu próprio cliente. Preparei-me 
de maneira pormenorizada. Dos desembargadores criminais, 
sabia de cor o que pensavam sobre a questão, como funda-
mentavam as decisões e, entre eles, minha derrota era mais 
do que provável, porque já sabia de antemão que mais de 
2/3 deles estavam contra a minha tese; ou seja, declarariam o 
crime como hediondo. 
Meu discurso,então, deveria voltar-se para os outros de-
sembargadores que não atuavam na seara penal. Por mais in-
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
40
congruente que assim seja, é norma do regimento interno que 
todos os desembargadores, que atuem na área criminal ou 
não, julguem o Incidente de Uniformização. E a questão era 
difícil porque, para bom entendedor, defender a ideia de que 
um crime daqueles era não-hediondo, para além das filigra-
nas jurídicas, era subjetiva e politicamente difícil. Recorde-se 
de que a decisão seria para todo o Estado e não só para meu 
cliente, que se entendia inocente, mas que estava sendo pro-
cessado por aquele crime. 
Data e hora marcados, Floriano avisado do julgamento, 
foi-me dada a palavra já no início da sessão. Somente eu de 
advogado inscrito naquele dia, onde toda a Corte iria delibe-
rar questões relevantes que afetavam a todo o Tribunal. Esta-
vam ali reunidos todos os desembargadores e, por mais que 
se façam sustentações orais nos Tribunais, é sempre um misto 
de emoção e adrenalina subir à tribuna. Na sala principal de 
julgamento, onde tudo era mais pomposo e maior a gravidade 
do assunto, impunha-se por suas cores próprias a sustentação 
oral. Desenhava-se como um verdadeiro desafio. Subindo à 
tribuna, ia observando os desembargadores, enquanto me 
preparava vestindo a beca. Uns estavam curiosos, outros re-
torciam as faces deixando transparecer antecipadamente o 
seu julgamento. 
Estava prestes a iniciar a sustentação e meu nervosismo 
era o combustível alimentador da acuidade mental. Minhas 
mãos estavam firmes, mas gélidas. Iniciei o discurso, combati 
o bom combate, mas há questões jurídicas que são mais do 
que simples discussões legais, expandem-se para além da lei, 
para além do direito e invadem posições políticas e ideológicas. 
Aliás, essa distinção é complexa, de toda forma, foi o que se 
sucedera. Por maioria de votos, Floriano perdia aquela bata-
lha, mas não perdia a guerra, acreditava. A derrota soava-me 
relativa, porque o incidente havia demorado quase dois anos 
para seu trâmite. Após a publicação do acórdão do incidente, 
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
41
a Câmara deveria obrigatoriamente aplicar aquela decisão no 
julgamento dos Embargos Infringentes. Num todo, teria pouco 
mais de dois meses para manejar outro recurso para Brasília, 
cujas chances de vitória também seriam mínimas. 
Liguei para Floriano do próprio Tribunal e expus o su-
cedido esperado, inclusive a passagem de um desembargador 
que havia se pronunciado no sentido de que se fosse por esco-
lha dele, os estupradores seriam capados. Tal afirmação, vin-
da de um desembargador, frente aos pares, foi uma avalanche 
para mim. Aquelas palavras quase me derrubaram da tribuna 
porque não se esperava palavras assim de quem tem a respon-
sabilidade de ser imparcial. Mas compreendemos. A justiça é 
feita de homens e homens são passionais, mormente frente a 
crime tão abjeto. Eu também, mesmo como defensor, já tivera 
meu pré-julgamento contra o réu, mas as cartas me puseram 
uma dúvida razoável e desta dúvida me conduzira à certeza 
de que havia algo a mais e que o réu era inocente, por mais 
condenado que estivesse. Após terminar a sustentação, ainda 
na tribuna e com os desembargadores julgando o caso, lem-
bro-me de ter sido cumprimentado por um juiz, meu ex-colega 
de cátedra na Faculdade de Direito da Universidade de Itaúna 
onde ministramos aulas juntos. Tive receio de estender-lhe a 
mão, o que não tardou, pois a mesma pareceria de mármore, 
nem tanto pela branquidão que aparentava em si, mas pela 
frieza que encerrava.
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
43Para Brasília e 
avante
Pois bem. Nessa altura dos acontecimentos, o prezado leitor deve ter se dado conta de que muitos anos se passaram. Como de fato, entendia que meu papel como advogado es-
tava sendo bem cumprido. Margeava um milagre a permanência 
do réu solto. Faltava pouco tempo para ingressar com o pedido 
de aposentadoria. De alguns dias de liberdade, Floriano obtivera 
anos, mas apesar de entendê-lo definitivamente condenado pela 
Justiça, sabia-o inocente, ainda não compreendera as tramas que 
moviam aquela criança, agora pré-adolescente, a fazer uma acu-
sação contra seu próprio pai, alijando-a do convívio paterno. De 
toda sorte, indefectível atuação não trouxera qualquer lampejo 
de luz à absolvição. Foi publicada a decisão dos Embargos Infrin-
gentes, finalmente, e em novo contato com Floriano acordamos 
de levar o caso a Brasília, mesmo que não houvesse razoável 
chance de vitória, que naquele instante nem mais me preocupava. 
“Não tenho outra escolha”, disse-me consternado. 
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
44
Dentro do prazo e atendidas as prescrições legais ineren-
tes à causa natimorta, procedi à feitura e protocolo do Recurso 
Especial para o STJ. A discussão pré-questionada nos embar-
gados permanecia a mesma, apesar de entender menor agora 
qualquer chance de vitória. Como já dito, qualquer outra ques-
tão estava impossibilitada de ser levada àquele superior soda-
lício. Restou-me o fio de caminho, cujo resultado já previa e 
era desfavorável ao Floriano. Com um recurso desses, é difícil 
precisar o tempo que Floriano ganharia de liberdade já que a 
liminar obtida em Brasília no habeas corpus já estava sedimenta-
da, confirmada que fora no julgamento do remédio. Sem ris-
cos, pois, de Floriano ser preso. Passaram-se quarenta dias e o 
TJMG não admitiu o recurso. Estava bem feito e tecnicamente 
era viável, mas a questão de fundo já se encontrava pacificada 
e foi por este motivo, em duas linhas, que me foi negado o 
seguimento de um recurso com mais de trinta folhas. O cerco 
apertava contra Floriano, dentro deste labirinto de recursos es-
tava em um beco sem saída e sem chances de voltar. Talvez não 
houvesse nem mais dois meses de liberdade para Floriano. A 
questão se apresentava cristalina, o que me desmotivou a apre-
sentar outros recursos, não fosse a insistência do réu. Para aque-
la delicada situação, interpus um agravo de instrumento para 
rediscutir os pálidos fundamentos da não admissibilidade do 
recurso. O recurso estava prestes a ser declarado como protela-
tório e eu receberia uma multa por manejá-lo; advertido disso, 
Floriano se predispôs a arcar com a multa, já que lutaria até as 
últimas forças pela sua liberdade e sua inocência. Compreendi 
e, como defensor de seus interesses, fazia de tudo o melhor para 
alcançar um dia a mais que fosse por sua liberdade por mais 
que explicasse que o caso era mesmo de se resignar e aguardar 
a execução derradeira. Foi só aí, quando já se apagavam as 
luzes do palco, já abaixava a guarda e entregaria os pontos, que 
ocorreu algo que mudaria todo o deslinde processual e traria 
uma reviravolta fantástica e inimaginável ao caso.
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45Resiliência 
Resiliência: mais do que ter a capacidade de retornar ao seu status quo ante, é a capacidade de se adequar, resistir às pressões e voltar ao equilíbrio inicial. Tal não foi ou-
tra a minha postura quando Floriano me ligou para avisar que 
a testemunha Márcio, que o vira guardando o pênis e a Celina 
a limpar-se babujada no rosto, o primo da vítima, estava sen-
do processado em Salvador por crime de estupro de um outro 
primo. Até então, tal fato por si só também seria incapaz de 
modificar o terrível quadro que Floriano se encontrava, a não 
ser pelo fato de tal processo ter desencadeado em Celina, ago-
ra já com quatorze anos de idade, uma recaída de consciência 
a apontar o primo Márcio como sendo também seu algoz es-
tuprador! Não só a estuprara, como também a ameaçara de 
matar seus pais se revelasse toda a verdade. À época, em suaescola, surgiram suspeitas da professora do abuso e tal fato 
havia sido comunicado à dona Lucília, que expusera à toda 
família e assim chegara ao conhecimento do primo. A meni-
na, ameaçada pelo primo e com medo da morte de seus pais, 
passou a fazer tal acusação contra seu próprio pai a mando do 
primo Márcio e de sua tia Alda, mãe deste primo, que passou 
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
46
a participar das investidas contra Celina. A menina não pre-
tendia prejudicar seu pai, mas protegê-lo de seu doente primo. 
Por várias e repetidas vezes foi seviciada. Por vários e 
repetidos anos acusou seu pai, desde o primeiro contato que 
teve com o psicólogo da família até a sua última declaração 
em juízo. Martirizava-se para proteger seu pai. Os psicólogos 
perceberam tudo, conseguiram extrair tudo da criança, exce-
to o fato do estupro não ter sido produzido pelo seu pai, mas 
pelo seu primo Márcio. Alda, irmã de dona Lucília, ajudou 
de maneira decisiva a implantar a falsa memória na menina 
e a influenciar dona Lucília contra Floriano. Até então, o ca-
samento ia muito bem, o que teria gerado ciúmes em Alda 
pela felicidade conjugal da irmã. Em conversas secretas com 
a criança, Alda reforçava as ameaças de morte contra o pai e 
afirmava que nada de ruim aconteceria ao mesmo, já que era 
defensor público. Se falasse, entretanto, que era Márcio seu 
algoz, esse seria preso e se vingaria matando seu pai. 
Depois, vim a saber que essa tia teve também problemas 
de abuso sexual, inclusive havia fortes suspeitas de que a mesma 
abusara do próprio filho, que reproduzia, em sequência, mesmo 
maior de idade, as violências perpetradas contra si. Alda, então, 
seria sua cúmplice e também causa de seu comportamento. 
Uma cadeia de comportamentos doentios que poderia 
chegar sabe-se lá onde, já que tão longe tinha ido. Não que 
todo pedófilo tenha sido vítima de abusos e nem que toda pes-
soa vítima de abuso tenha tendência a ser pedófilo. Não é isso 
que se está a dizer. Mas me pareceu claro, no caso específico, 
que havia uma boa influência neste comportamento de Már-
cio por ter sido vítima de abusos por sua própria mãe, Alda. 
Era o que corria em forma de boatos na família. 
Não me compete aqui traçar o perfil psicológico de um 
pedófilo ou suas motivações; para mim, bastava saber dos fatos 
e ter a consciência de que Márcio era o pedófilo da vítima e 
continuava em seu comportamento doentio pela família à fora. 
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47
Celina, agora adolescente, recobriu os sentidos, confessou para 
dona Lucília e essa ligou para Floriano, que tudo me repassou. 
Era outubro e do telefone de meu escritório, ao escutar 
tal informação, simplesmente deixei-me recair pesadamente 
na cadeira, dando a impressão que viraria de costas no chão, 
a exemplo de como o meu juízo virava. Expirei todo o ar num 
misto de alívio e preocupação. Fiquei por um tempo mudo ao 
telefone, tentando entender e ligar tudo o que ocorrera ao lon-
go daqueles anos; percorria mentalmente as provas do proces-
so, o depoimento de Márcio, de como detalhou as minúcias 
da baba na boca de Celina, o detalhe de Floriano guardando 
o órgão genital, isso tudo visto num relance, em um passar de 
olhos, à noite, no corredor do apartamento. Muita informação, 
muitos detalhes, para uma vista de relance. Mentia descara-
damente para sedimentar a condenação de Floriano e eu não 
pude perceber aquele falso depoimento, talvez pela grande 
impressão que me produzira. Tentava encontrar um erro na-
quela crucial informação e por onde imaginasse, a revelação 
surgia cristalina como uma peça de quebra-cabeça faltante 
que agora se completava. Encaixava-se perfeitamente a fazer 
mudar todo o enredo daquela tragédia familiar. Mas como 
advogado, fui obrigado a desacreditar, a por à prova o que 
tão surpreendentemente me chegava aos ouvidos. Poderia ter 
outros móveis por trás daquela revelação, como o medo da 
família perder a pensão alimentícia, não sei; era uma hipótese, 
já que o pai seria desligado do serviço público. O que não 
poderia era mover o mundo para desconstituir a condenação 
e, ao final, descobrir que tudo era mais uma mentira. 
Pedi um tempo a Floriano, contendo toda a expectativa 
e turbilhão de pensamentos que pululavam à mente. Disse 
que lhe ligaria em breve. Percorri o site do STJ, a decisão do 
agravo de instrumento prestes a ser publicada, o que signifi-
caria, de novo, a prisão. Fiquei novamente atônito por não ter 
imaginado, como nos livros e filmes, que a testemunha-chave 
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
48
seria a culpada. Mas não haveria mais tempo para lamúrias. 
Nem eu e nem ninguém percebera aquela mentira. 
No outro dia, já tinha meu plano e ele se iniciava com 
uma visita pessoal urgente a Juiz de Fora. Não poderia haver 
erros e nem me deixaria influenciar pelo ineditismo dos fatos. 
Olhos nos olhos com a vítima seria capaz de perceber a even-
tual mentira e ter a serenidade suficiente para abrir um novo 
campo de batalha. 
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
49A visita
Era inverno, mas o tempo estava muito agradável naque-le mês e a imperiosa necessidade de ir a Juiz de Fora fizera nascer, como sempre deveria ser, a ideia de se 
unir o útil ao agradável. Marcaria a reunião para o sábado 
vindouro na parte da manhã e aproveitaria o final de semana 
com Renata, minha namorada, em Conceição do Ibitipoca, 
onde sabia da existência de um belo parque estadual. Saímos 
de Belo Horizonte antes do nascer do sol naquele sábado e 
fomos direto para o apartamento onde residia a jovem em 
Juiz de Fora. 
Encontrei-me antes no saguão do prédio, que tinha umas 
lojas com cabeleireiros, um restaurante e comércios do gênero, 
com Floriano e ele me confirmou todos os fatos. “É a verda-
de, doutor, a verdade está aparecendo!”. Ele resolveu não me 
acompanhar, ficaria me aguardando para o almoço na volta 
da conversa, muito compreensível. Renata estava impaciente 
com o fato de ter de ficar me esperando por não se sabe quan-
to tempo e, para evitar que meus planos fossem por água a 
baixo de ter um final de semana relaxante em Ibitipoca, acon-
selhei-a a retocar as unhas no salão de beleza do saguão do 
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
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prédio. Salão de beleza é um calmante natural para algumas 
mulheres. Era o caso. Fiz a sugestão e aguardei, apreensivo. 
Se ela gostasse da ideia, seria minha salvação, se não gostasse, 
adeus fim de semana. Por intervenção divina, achou que seria 
ótimo ir ao salão fazer as unhas para conhecer o parque. 
Seja lá qual foi a associação feita por ela, subi para o apar-
tamento e lá fui recebido pela dona Lucília. Estava com um 
semblante exausto e, na mão, um cigarro aceso, que certamen-
te não era o primeiro daquele dia. Uma senhora foi-me apresen-
tada, era Rosália Belém que prestara o depoimento de ter visto 
o réu passando a mão no bumbum da criança. Ela não mais 
trabalhava para a família, mesmo assim, consternada frente à 
situação, predispusera-se a colaborar. Sentei-me à mesa da sala 
e veio me ver, só então, Celina. Apesar da idade de adolescente, 
parecia ainda uma criança. Baixinha, com as bochechas rosa-
das e os olhos grandes, fitou-me com curiosidade e sentou-se à 
mesa, na minha frente. De pronto, pedi desculpas pelo o que 
haveria de perguntar e conversar porque seriam perguntas de 
foro íntimo que também a mim constrangeriam, mas não havia 
outro modo de forma que quanto mais direto fôssemos, mais 
rápido e menos constrangimento geraria. Ela aquiesceu deste 
procedimento na conversa. Dona Lucília pediu licença para fa-
zer um café, levando consigo Rosália que a tudo assistia de pé, 
deixando-se observar em seu vestido azul longo plissado, nada 
adequado para a ocasião. Mas entendi que aquelasenhora se-
xagenária, negra e encorpada reputara uma reunião solene e 
que deveria vestir-se apropriadamente, a intenção deveria ter 
sido essa. De qualquer modo, acompanhou D. Lucília à cozinha 
para deixar-nos, eu e Celina, a sós. 
Como é de costume, após algum tempo advogando, é 
sempre melhor deixar que a outra parte relate os fatos falando 
livremente e se vá apenas direcionando os relatos. Coloquei-me 
a todos ouvidos e pedi para que ela me contasse, desde o iní-
cio daquela tragédia, o que de fato sucedera. Entretanto, após 
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
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o “doutor, aconteceu que…”, ela desabou num choro incontido 
que nem água com açúcar, que dona Rosália prontamente lhe 
trouxe, e nem o tempo que ali permaneci tentando acalmá-la, 
serviu de solução. Todos estavam extremamente emocionados, 
inclusive dona Rosália com suas mãos trêmulas. Celina, cer-
tamente, não poderia passar ilesa sendo protagonista do em-
buste preparado pelo primo Márcio. Dona Lucília, também 
extremamente emocionada, só conseguia se referir ao evento 
com “aquele crápula, acabou com a minha família…” e mais 
choro e cigarro. Diante daquela cena, o máximo que pude fa-
zer foi perguntar se era verdade que fora Márcio o estuprador 
e se confirmava as ameaças. Dado que sim, dona Lucília, que 
saíra e voltara rapidamente da sala com o café nas mãos a me 
oferecer, ainda me confidenciou que a sua irmã Alda teria sido 
decisiva no seu convencimento de que seu ex-marido abusara 
de sua filha. Um enredo para Nelson Rodrigues nenhum botar 
defeito. Dona Rosália a tudo assistia constrangida, mas já re-
composta, era a melhor dentre as três emocionalmente, no que 
tomei a liberdade de ler o seu depoimento em juízo. Indagada 
se aquela passada de mão tinha conotação sexual como deixa-
ra transparecer em seu depoimento, a mesma afirmou que não, 
era um carinho normal de um pai para com uma filha, havia 
sido interpretada equivocadamente. 
Com aquela confirmação, e vendo o que se passava no 
seio daquele lar, já me dava por satisfeito, pois percebera que 
a verdadeira versão era realmente aquela a principiar um fe-
liz desfecho após quase década. Imaginei, entretanto, como 
seriam as duas, dona Lucília e Celina, relatando o grave fato 
ao juiz de direito, se apenas comigo na sala, em um sábado e 
vestido despojadamente, as mesmas não conseguiam formular 
mais do que pequenas frases e lamúrias. Numa sala de audiên-
cia, com todo o formalismo, certamente haveriam de se sair 
bem pior e, nesse caso, a chance que nascia de se “desconde-
nar” o réu entraria em colapso absoluto. Foi pensando nisto 
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
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que, ainda na sala, sugeri que ambas fossem a um cartório e 
fizessem uma declaração pública dos fatos. Disse que queria 
ler com calma e que os documentos serviriam para o futuro. 
Quando descemos, sacramentou-se minha certeza da inocên-
cia do réu ao ver a filha correndo em direção ao mesmo e 
abraçando-o e beijando-o efusivamente como se não existisse 
mais ninguém no mundo e fosse capaz de regatar todos os 
beijos e abraços que queria dar em seu pai e não pôde. Dona 
Lucília, constrangida ao meu lado, se culpava pela separação 
do que, em vão, dona Rosália tentava convencê-la do con-
trário. Estávamos num caminho seguro para reverter aquela 
condenação, mas isso ficaria para a vindoura semana já que o 
tempo urgia para a exploração do Parque do Ibitipoca. 
Renata presenciou a cena no saguão do prédio, ficou 
sem nada entender ainda mais quando disse que Celina não 
conseguira falar nada, mesmo tendo permanecido no aparta-
mento por mais de duas horas. De qualquer modo, a minha 
tática de usar o salão de beleza para deixá-la feliz tinha ido 
por água abaixo. A manicure arrancara-lhe um bife da cutí-
cula, segundo ela “monstruoso”, e seu humor estava pra lá de 
péssimo. Achei prudente agradecer e dispensar o almoço e ir 
correndo para a magia do Parque Estadual a fim de aplacar a 
ira de Renata. Ledo engano. 
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
53Tempus fugit
Já na segunda-feira recebi o telefonema de Juiz de Fora, da própria dona Lucília, relatando que, conforme havia pedi-do, tinha ido ao cartório e feito a declaração pública. Pedi 
para me enviar via fax os documentos e vieram todas as decla-
rações, inclusive de dona Rosália. Havia a retratação formal 
de Celina e de dona Lucília e a explicação da ex-empregada. 
Aquilo ali constituiria nova prova para o processo de Revisão 
Criminal, remédio para o caso. É claro que aqueles documen-
tos, por si sós, não seriam hábeis suficientes, haveria de propor 
antes uma Ação de Justificação para que as declarações fos-
sem colhidas sob o crivo do contraditório com a participação 
do Ministério Público. Aquelas declarações eram meu seguro 
de que a emoção não embargaria a completude dos fatos; dito 
de outra forma, já previa choro e emoção forte em audiência. 
Para que houvesse uma Ação de Justificação bem feita e, pos-
teriormente, uma vitoriosa ação de Revisão Criminal, deve-
ria, ainda, providenciar a cópia dos autos de Salvador onde 
Márcio estava sendo processado por crime análogo. Também 
haveria espaço para juntar as cartas que a filha durante todos 
aqueles anos mandava ao pai. 
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
54
O tempo urgia e enquanto pensava nos próximos passos, 
um olho ficaria no andamento processual em Brasília e o ou-
tro na Ação de Justificação. A qualquer momento, teríamos a 
decisão denegatória do Agravo de Instrumento com o trânsito 
e com este a prisão de Floriano. Uma prisão àquela altura 
dos acontecimentos era tudo o que não precisava. A história 
já corria à boca miúda por toda comarca de Juiz de Fora e 
uma prisão seria um coroamento da injustiça. Como o Poder 
Judiciário ainda nada sabia formalmente sobre as retratações, 
deveria providenciar subterfúgios para mantê-lo liberto. Entre 
esta ansiedade e o imperioso dever de acertar, tive que entrar 
em contato com um colega advogado em Salvador para que 
com a máxima urgência enviasse-me não só a cópia dos autos 
daquele processo de lá, mas também a autorização do juízo 
para fazer juntá-lo na minha Ação de Justificação. É que o pro-
cesso de lá, certamente, também estava em segredo de justiça 
e não correria o risco de criar um problema a mais, os que 
tinha já eram suficientes. 
Prontamente, o colega se dirigiu ao foro soteropolitano 
e a douta juíza negou-lhe acesso exatamente por estar em 
segredo de Justiça. Foi uma decepção, mas estava correta a 
douta juíza baiana. Já que se tratavam de familiares, consegui 
o telefone do pai do menor violentado e, depois de alguma re-
lutância, consegui sua autorização por escrito para fazer nova 
investida frente aquele juízo para obter a cópia. Desfar-se-ia 
uma injustiça aqui em Minas e ajudaria na acusação em Sal-
vador, argumentei ao pai que, constrangido, aceitou ajudar. 
Com o pedido instruindo em mãos, o douto juízo baiano per-
mitiu não só a cópia como também autorizou sua utilização na 
Ação de Justificação Criminal. 
Posto assim, entedia presentes todos os elementos ne-
cessários para propor aquela ação. Estava firme nos trilhos 
rumo à absolvição. Fiz com esmero e capricho a referida 
ação. Protocolizei-a em Juiz de Fora, no foro condenatório 
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
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competente para a ação. Após alguns dias de aflição, recebi 
a publicação de que o juízo havia declinado da competência, 
o que me pareceu um ato de defesa, pois a vara condenatória 
era realmente a competente. De qualquer forma, não foi di-
fícil imaginar a situação do Dr. Belchior, ainda naquela vara. 
Reencontrar com quem havia condenado e cuja história já 
tomava cercanias para fora da própria comarca, dificultava-
lhe o múnus. Como não produziria nenhum tipo de prejuízoàs minhas pretensões e meu tempo para discutir questiún-
cula tão irrelevante era inexistente, não me opus. No novo 
juízo, foi designada audiência para depois de seis meses. Não 
haveria tempo hábil para manter Floriano solto, estava pen-
sando que não tardaria mais de mês a publicação da deci-
são do agravo de instrumento quando, quase que concomi-
tantemente, recebi a malsinada publicação de Brasília. Pedi 
intervenção do Floriano junto ao juízo, já que conhecia o 
defensor daquela vara e este defensor poderia antecipar-lhe 
a urgência do feito. 
O desespero tomou conta de toda aquela família destro-
çada por uma mente doentia. Floriano seria preso e se agra-
varia aquela miríade injustiça. É claro que não poderia ficar 
inerte e a única forma de retardar o trânsito seria agora mane-
jar um Agravo Interno. Um Agravo Interno no Agravo de Ins-
trumento de um Recurso Especial… O leitor, que não é afeito 
às práticas jurídicas, deve estar se perguntando até quando se 
pode recorrer, e a mesma pergunta me fazia e a resposta, inva-
riavelmente, até quando der para se fazer Justiça. No caso, cor-
ria-se um seríssimo risco do ministro do STJ entender como 
recurso protelatório e me fixar uma multa; já corria esse risco 
antes com o Agravo de Instrumento e, novamente, Floriano 
se pré-dispôs a assumir os riscos, pequenos naquela implicada 
situação. Não havia chances de vitória no Recurso Especial, 
nem no Agravo de Instrumento e muito menos no Agravo 
Interno. A questão punha a Lei contra o Direito e é outro man-
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
56
damento do advogado que se encontrarmos a Lei em oposição 
ao Direito, devemos lutar pelo Direito, o que fazia. 
Após uma semana, houve a atualização da movimenta-
ção com a designação da audiência de justificação para dali a 
três meses, mas naquela altura, o meu Agravo Interno já havia 
sido protocolado em Brasília, o recurso teria sido intempestivo 
se houvesse aguardado a decisão do juiz. Talvez o tempo do 
trâmite do Agravo Interno no STJ até a sua não-admissibilida-
de não fosse suficiente até a absolvição, mas era o que poderia 
fazer para manter Floriano solto. Milagrosamente, contra to-
das as minhas expectativas, entretanto, o Agravo Interno fora 
aceito. Com a liberdade de Floriano assegurada pelo habeas 
corpus e com o trâmite em curso do Agravo Interno, era, agora, 
aguardar a audiência de justificação. 
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
57A justificação
Os três meses se passaram rápido. A audiência no meio da semana forçou-me a ir de avião para realizá-la e vol-tar no mesmo dia para assumir outros compromissos 
inadiáveis em Belo Horizonte. No corredor do fórum, pude per-
ceber que a injusta condenação ganhava popularidade. Pude 
rever alguns conhecidos amigos, inclusive Vinícius Baía que se 
colocava à disposição para ajudar-me no que fosse necessário. 
Apesar de ser um novo ambiente, senti-me tranquilizado 
pela recepção e apreensivo pelo adiantar da hora. A audiência 
havia sido designada para as duas horas da tarde, já passa-
vam das duas e meia e o meirinho ainda não havia apregoa-
do ninguém, mesmo porque o juiz e o promotor ainda não 
tinham chegado. Com o voo marcado para as cinco horas da 
tarde e com compromisso em Belo Horizonte às sete da noite, 
com três pessoas para serem ouvidas, não é difícil imaginar 
meu desespero. E se o juiz faltasse? E se o promotor estivesse 
doente? Tudo isso passa pela cabeça quando se quer resolver 
rapidamente uma questão processual. E, invariavelmente, es-
sas intercorrências existem e as coisas podem piorar. É só ter 
imaginação. Mas não poderia ser naquele dia, naquela au-
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
58
diência. Isso não. Lutava com meus pensamentos buscando 
concentrar-me em um final feliz para aquela audiência. Floria-
no, dona Lucília, Celina e dona Rosália conversavam entre si, 
de vez em quando me perguntavam algo, respondia, mas não 
conseguia prestar atenção em mais nada. Havia instruído a 
todos, de como ocorreria a audiência, ou deveria ocorrer, mas 
não conseguia disfarçar a minha ansiedade olhando o relógio 
de minuto a minuto. Até que vi um senhor entrando apressa-
do e sem olhar para os lados na sala de audiências, ao que fui 
informado por Floriano tratar-se do juiz. “Antes tarde”, pensei. 
Na sequência, veio o promotor e não tardou o meirinho a fazer 
o pregão. Nem acabou de falar o nome de todos, já confirma-
va de pé a minha presença em sua frente. 
Ao entrar na sala de audiência, o clima era um tanto 
tenso. Um silêncio incomum para uma simples Ação de Jus-
tificação, mas compreensível por se tratar de um caso que 
envolvia uma tragédia familiar e, até onde estava, com um 
final tenebroso de desventura para todos. Apresentei-me, o 
juiz perguntou-me se viera de Belo Horizonte e respondi que 
sim e que havia ido a Juiz de Fora somente para aquela audiên-
cia e tinha voo às cinco da tarde. Acho que o juiz não gostou 
da informação, talvez transpareci impaciência, quando era só 
aflição. De qualquer modo, primeiro foi chamada a adolescen-
te. Ao se sentar na cadeira de frente ao juiz, Celina olhou para 
todo o ambiente e disse que estava sentada ali, mas preferia 
estar sentada no lugar do juiz, querendo fazer alguma referên-
cia à sua vontade de estudar direito e se tornar magistrada. 
Tinha se referido a este assunto no corredor, minutos antes, 
mas tinha uma vaga lembrança do que tinha falado. Meu ner-
vosismo com a hora impedia-me de lembrar de certos detalhes, 
mas a referência fazia certo sentido. 
Como ninguém da sala, a não ser eu, havia tomado parte 
da conversa que se dera no corredor, a frase ficou sem sentido 
o que fez com o que juiz desconversasse iniciando a sua inquiri-
Licenciado para Brenda Cristina Rodrigues Oliveira 
59
ção. O juiz perguntou-lhe o nome e, antes mesmo que pudesse 
responder, lágrimas romperam-lhe as faces. Foi um choro con-
tido, suficiente para aumentar o constrangimento naquela sala. 
O juiz passou-me a palavra num simples “pois, não, doutor”. 
Como previra, haveria dificuldades em conduzir as perguntas 
para a adolescente no que requeri a leitura da declaração feita 
no cartório de notas para que houvesse a confirmação. Infor-
mei as folhas, o juiz buscou nos autos, analisou o documento e 
pediu para que a escrevente lesse em voz alta, não sem antes ter 
consultado a promotora de justiça que a tudo aquiesceu depois 
também de averiguar detidamente o documento e ter pergun-
tado para Celina se ela tinha ido ao cartório fazer aquela decla-
ração. Com a afirmativa de Celina com a cabeça, procedeu-se 
a leitura. Metade do trabalho estava pronto. Após a leitura e 
sua confirmação integral, não houve nenhuma pergunta nem 
por mim, nem pela promotora e nem pelo juiz do que a meni-
na assinou a ata, levantou-se e saiu aliviada. Nesse momento, 
pude perceber que a promotora também se emocionara com a 
declaração e enxugava uma lágrima furtiva que teimava em es-
conder sob os óculos. Tanto quanto melhor. Apregoada, a dona 
Lucília, ao contrário da filha, pôs-se a falar desbragadamen-
te, antes mesmo do juiz perguntar-lhe algo. Acho que o maço 
de cigarro que fumara antes da audiência havia deixado dona 
Lucília elétrica. O juiz, então, olhando-me como quem pede 
socorro, perguntou se era o caso de ler também a declaração 
em cartório dela e, antes de responder, já localizara o documen-
to demonstrando ter conhecimento dos autos. Interrompi dona 
Lucília e disse que a escrevente lhe leria a declaração para que 
confirmasse ou não. Ao final, o Juiz inquiriu-a se era verdade o 
que ali constava. 
Dada a resposta afirmativa e não havendo perguntas, ia 
encerrando o ato quando a mesma quis, ainda, explicar como 
a sua irmã Alda teria lhe influenciado. Intervi. Não havia mais 
necessidade de nada, já era o suficiente.

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