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Equilíbrio Ácido-básico(2)

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Regulação do Equilíbrio Ácido-Básico
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Quando falamos em regulação do equilíbrio ácido-básico, referimo-nos, na verdade, à regulação da concentração do íon-hi-drogênio nos líquidos corporais. A concentração do íon hidrogênio em diferentes soluções pode variar desde menos 10-14 Eq/1 até mais de 10º, o que significa uma variação total de mais de um quatrilhão de vezes. Numa base logarítmica, a concentração de íon hidrogênio no organismo humano situa-se aproximada​mente a meia distância entre esses dois extremos.
Bastam ligeiras alterações da concentração do íon hidrogênio em relação ao seu valor normal para ocasionar alterações pronunciadas na velocidade das reações químicas nas células, sendo algumas deprimidas, enquanto outras são aceleradas. Por essa razão, a regulação da concentração de íon-hidrogênio constitui um dos aspectos mais importantes da homeostasia. Mais tarde, neste capítulo, serão considerados os efeitos das altas concentrações de íons hidrogênio (acidose) ou de suas baixas concentrações (alcalose) sobre o organismo. Em geral, quando uma pessoa fica acidótica, ela tem probabilidade de morrer em estado de coma; quando se torna alcalótica, pode morrer de tetania ou de convulsões.
 Ácidos e bases — definições e significados
O ácido é definido como a molécula ou íon passível de atuar como doador de próíons. A base é definida como a molécula ou íon que pode funcionar como aceptor de prótons. Se lembrarmos que um próton é, na verdade, um íon hidrogênio, podemos enunciar essas definições como se segue.
O ácido é a molécula ou íon capaz de contribuir com um íon hidrogênio para a solução. Assim, o HCÍ ioniza-se na água, formando íons hidrogênio e íons cloreto; por conseguinte, esse ácido é denominado ácido hidroclórico, ou clorídrico. De forma semelhante, o H2CO3 se ioniza na água para formar H+ ou HCO3 contribuindo também com íons hidrogênio para a solução; esse ácido é conhecido como ácido carbônico. Outros ácidos importantes do organismo são o ácido acético, o fosfato ácido de sódio, o ácido úrico, o ácido acetoacético etc.
A base é a molécula ou íon que irá se combinar com íons hidrogênio para removê-los da solução. Por exemplo, o íon bicarbonato, HCO3 é uma base, visto poder combinar-se com íons hidrogênio para formar H2CO3. De forma semelhante, HPO4 é uma base, visto que pode combi​nar-se com íons hidrogênio para formar H2PO4 As proteínas do organismo também funcionam como bases, uma vez que certos aminoácidos nas moléculas protéicas atuam como íons negativos que se ligam rapidamente a excesso de íons hidrogênio. De fato, a hemoglobina, nos eritrócitos, e as outras proteínas, nas demais células do organismo, estão entre as bases mais importantes do corpo. Em geral, certas moléculas, como o bicarbonato de sódio e o fosfato de sódio, também são denominadas bases. Entretanto, os íons negativos dessas moléculas são realmente as bases verdadeiras, de acordo com a definição mais utilizada do termo "base".
�Por fim, é preciso compreender a relação existente entre uma "base" e um "álcali". Um álcali é a combinação de um dos metais alcalinos — sódio, potássio etc. — com um íon altamente básico, como o fonhidroxila (OH- ). As porções básicas dessas moléculas reagem vigorosamente com os íons hidrogênio para removê-los das soluções e, por conseguinte, são bases típicas. Como os álcalis são bem conhecidos, o termo álcali é quase sempre utilizado como sinônimo para o termo base. E, por razões semelhantes, o termo "alcalose" é empregado para referir-se ao oposto da "acidose", isto é, a remoção excessiva de íons hidrogênio da solução, em contraste com o acréscimo excessivo de íons hidrogênio (acidose).
Ácidos e bases fortes e fracos. Um ácido forte é aquele que possui tendência muito forte a dissociar-se em íons e, portanto, a liberar seu íon hidrogênio na solução. Um exemplo típico é o ácido clorídrico. Por outro lado, os ácidos que liberam íons hidrogênio com menor intensidade são denominados ácidos fracos. Como exemplos, destacam-se o ácido carbônico e o fosfato ácido de sódio. Uma base forte é aquela que reage intensamente com íons hidrogênio, removendo-os com extrema avidez da solução. Um exemplo típico é o íon hidroxila (OH"). Uma base fraca típica é o íon bicarbonato (HCO3), devido à sua ligação muito fraca a íons hidrogênio.
A maioria dos ácidos e das bases envolvidos na regulação normal do equilíbrio ácido-básico do organismo consiste em ácidos e bases fracos, dos quais os mais importantes são o ácido carbônico e a base bicarbonato.
Concentração de íons hidrogênio e pH dos líquidos corporais normais, bem como na acidose e na alcalose. A concentração dos íons hidrogênio no líquido extracelular é normalmente regu​lada no valor constante de cerca de 4 x 10-8 Eq/1; este valor pode variar desde apenas 1 x 10-8 até 1,6 x 10-7 sem causar morte.
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Com base nesses valores, torna-se evidente que a expressão da concentração de íons hidrogênio em termos de sua concentração real é um procedimento incomodo. Por isso, o símbolo pH passou a ser utilizado para expressar a concentração; o pH está relacionado à concentração real de íons hidrogênio pela seguinte fórmula (quando a concentração de H+ é expressa em equivalentes por litro):
pH - log
(1)
= -log cone. H+
conC. H+
A partir desta equação, verifica-se que valor baixo do pH corresponde à concentração elevada de íons hidrogênio; esta situação é denominada acidose. Por outro lado, valor alto do pH corresponde à concentração baixa de íons hidrogênio, sendo o processo denominado alcalose.
O pH normal do sangue arterial é de 7,4, enquanto o pH do sangue venoso e dos líquidos intersticiais é de cerca de 7,35,
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devido às quantidades adicionais de dióxido de carbono que formam ácido carbônico nesses líquidos.
Como o pH normal do sangue arterial é de 7,4, considera-se a presença de acidose na pessoa toda vez que o pH for inferior a esse valor; considera-se a presença de alcalose quando o valor do pH for superior a 7,4. O limite inferior compatível com a vida de uma pessoa durante algumas horas é de cerca de 6,8, enquanto o limite superior é de cerca de 8,0.
pH intracelular. Com base em medidas indiretas, verificou-se que o pH intracelular costuma variar entre 6,0 e 7,4 nas diferentes células, talvez com media de 7,0. A intensidade rápida do metabo​lismo nas células aumenta a velocidade de formação de ácido, sobretudo de ácido carbônico (H2CO3) e, conseqüentemente, reduz o pH. Além disso, o fluxo sanguíneo reduzido para qualquer tecido determina o acúmulo de ácido e a diminuição do pH.
 DEFESA CONTRA ALTERAÇÕES NA CONCENTRAÇÃO DE ÍONS HIDROGÊNIO
Para impedir o desenvolvimento de acidose ou de alcalose, o organismo dispõe de diversos sistemas especiais de controle: (1) Todos os líquidos corporais possuem sistemas tampões ácido-básicos que imediatamente se combinam com qualquer ácido ou base, impedindo assim a ocorrência de mudanças excessivas da concentração de íons-hidrogênio. (2) Se a concentração de íons-hidrogênio sofrer alguma alteração detectável, o centro respiratório é imediatamente estimulado para alterar a freqüência respiratória. Em conseqüência, a velocidade de remoção do dióxido de carbono dos líquidos corporais é automaticamente modificada; por razões que serão explicadas adiante, esse processo permite a normalização da concentração de íons-hidrogênio. (3) Quando a concentração de íons-hidrogênio afasta-se do normal, os rins ex​cretam urina ácida ou alcalina, ajudando, assim, a reajustar e a normalizar a concentração de íons hidrogênio dos líquidos corporais.
Os sistemas tampões podem atuar dentro de fração de segun​do para impedir a ocorrência de alterações excessivas na concentração de íons-hidrogênio. Por outro lado, são necessários 1 a 12 minutos para que o sistema respiratório possa fazer ajustes agudos e outro dia ou mais para efetuar ajustes adicionais crônicos. Por fim, os rins, apesar de constituírem o mais potente de todos os sistemas de regulação ácido-básica, necessitam de muitas horas a váriosdias para reajustar a concentração de íons hidrogênio.
 FUNÇÃO DOS TAMPÕES ÁCIDO-BÁSICOS
O tampão ácido-básico é a solução de dois ou mais compostos químicos que impede a ocorrência de alterações pronunciadas da concentração de íons-hidrogênio quando se acrescenta ácido ou base à solução. Por exemplo, se forem adicionadas apenas algumas gotas de ácido clorídrico concentrado a um recipiente com água pura, o pH da água poderá cair imediatamente de seu valor neutro de 7,0 para 1,0. Todavia, na presença de um sistema tampão satisfatório, o ácido clorídrico combina-se instantaneamente com o tampão, e o pH só diminui ligeiramente. Talvez a melhor maneira de explicar a ação de um tampão ácido-básico seja considerar um verdadeiro sistema tampão simples, como o tampão bicarbonato, que é de suma importância na regulação do equilíbrio ácido-básico do organismo.
 SISTEMA TAMPÃO BICARBONATO
O sistema tampão bicarbonato típico consiste numa mistura de ácido carbônico (H2CO3) e de bicarbonato de sódio (NaHCO3)
�na mesma solução. Em primeiro lugar, é preciso assinalar que o ácido carbônico é um ácido muito fraco, visto que seu grau de dissociação em íons hidrogênio e íons bicarbonato é pequeno em comparação com o de diversos outros ácidos.
Quando um ácido forte, como o ácido clorídrico, é acrescentando à solução tampão de bicarbonato, ocorre a seguinte reação:
(2)
HCI + NaHCO3 -► H2CO3 + NaCL
Com base nesta equação, verifica-se que o ácido clorídrico forte é convertido em ácido carbônico muito fraco. Por conseguinte, a adição de HCI reduz apenas ligeiramente o pH da solução.
Vejamos agora o que acontece quando uma base forte, como o hidróxido de sódio, é acrescentada a uma solução tampão con​tendo ácido carbônico. Ocorre a seguinte reação:
(3)
NaOH + H2CO2 -> NaHCO3 + H2O
Esta equação mostra que o íon hidroxila do hidróxico de sódio combina-se com o íon hidrogênio do ácido carbônico para formar água, enquanto o outro produto formado é bicarbonato de sódio. O resultado final consiste na troca da base forte NaOH pela base fraca NaHCO3.
Dinâmica quantitativa dos sistemas tampões
Dissociação do ácido carbônico. Todos os ácidos são ionizados em certo grau, e a percentagem de ionização é conhecida como grau de dissociação. A equação 4 ilustra a relação reversível entre o ácido carbônico não-dissociado e os dois íons que ele forma, H+ e HCO3.
(4)
 H2CO3 H+ HCO3
Existe uma lei físico-química que se aplica à dissociação de todas as moléculas; quando aplicada especificamente ao ácido carbônico, ela é expressa pela seguinte fórmula:
(5)
 H+ x HCO3 
 H2CO3
Esta fórmula estabelece que, em qualquer solução de ácido carbônico, a concentração de íons hidrogênio multiplicada pela concentração de íons bicarbonato e dividida pela concentração das moléculas não-disso-ciadas de ácido carbônico é igual a uma constante, K'.
Todavia, é quase impossível medir a concentração do ácido carbônico não-dissociado em solução, visto que ele também se dissocia rapidamente em CO2 dissolvido e H2O, bem como em Hf e HCO,. Por outro lado, a concentração de dióxido de carbono dissolvido é facilmente medi​da; e, como a quantidade de ácido carbônico não-dissociado é propor​cional à de dióxido de carbono dissolvido, a equação 5 também pode ser expressa da seguinte maneira:
(6)
H+ x HCO3 = K
CO2
A única diferença real entre as duas fórmulas acima é que a constante K é aproximadamente 1/400 vezes a constante K', visto que a relação de proporcionalidade entre o ácido carbônico e o dióxido de carbono é de 1 paTa 400.
A fórmula 6 pode ser modificada na seguinte forma:
H+ = K
CO2
 HCO3
Se tomarmos ologaritmo de cada termo da equação 7, obteremos a seguinte fórmula:
CO2 HCO3
(H)
logH+ = logK + log
�
 
Os sinais de log H+ e log K são mudados de positivos para negativos, e o dióxido de carbono e o bicarbonato são invertidos no último termo, que é o mesmo que mudar seu sinal, resultando na seguinte fórmula:
HCO3 CO,
(9)
-log H+ = -log K + log
Conforme assinalado antes neste capítulo -log H+ é igual ao pH da solução. De forma semelhante, -log K é denominado pK do tampão. Por conseguinte, esta fórmula ainda pode ser modificada para a seguinte:
HCO3 CO,
(10)
pH = pK + log
 Equação de Henderson-Hasselbalch. Para o sistema tampão de bicar​bonato, o pK é de 6,1, e a Equação 10 pode ser expressa da seguinte maneira:
(11)
Ph = 6,1 + log HCO3
 CO3
�
Fig. 30.1 "Curva de titulação" para o sistema tampão do bicar�
�
Esta é a chamada equação de Henderson-Hasselbalch, com a qual se pode calcular o pH de uma solução com razoável precisão, se forem conhecidas as concentrações molares de íons bicarbonato e do dióxido de carbono dissolvido. Se a concentração de bicarbonato for igual à concentração do dióxido de carbono dissolvido, o segundo membro da parte direita da equação passa a ser log de 1, que é igual a zero. Por conseguinte, para concentrações iguais, o pH da solução é igual ao pK.
A partir da equação de Henderson-Hasselbalch, pode-se constatar facilmente que aumento da concentração de íon bicarbonato determina elevação dopH, ou, em outras palavras, desloca o equilíbrio ácido-básico para o lado alcalino. Por outro lado, aumento da concentração de dióxido de carbono dissolvido diminui o pH ou desloca o equilíbrio ácido-básico para o lado ácido.
Mais tarde, neste capítulo, veremos que a concentração de dióxido de carbono dissolvido nos líquidos corporais pode ser modificada ao se aumentar ou diminuir a freqüência respiratória. Dessa maneira, o sistema respiratório pode modificar o pH dos líquidos corporais. Por outro lado, os rins são capazes de aumentar ou diminuir a concentração de íon bicarbonato nos líquidos corporais e, assim, aumentar ou diminuir o pH. Por conseguinte, esses dois mecanismos principais de regulação da concentração de íons hidrogênio operam principalmente ao alterar um dos dois elementos do sistema tampão de bicarbonato.
A "curva de titulação" do sistema tampão do bicarbonato. A Fig. 30.1 mostra as alterações do pH dos líquidos corporais quando a relação entre o íon bicarbonato e o dióxido de carbono se modifica. Quando as concentrações dos dois elementos do tampão são iguais, verificamos que o pH da solução é de 6,1, que é igual ao pK do sistema tampão bicarbonato. Quando se acrescenta uma base ao tampão, grande propor​ção do dióxido de carbono dissolvido é convertida em íons bicarbonato, com a conseqüente alteração da relação. Como resultado, o pH aumenta, conforme indicado pela inclinação.da curva para adiante. Por outro lado, quando se acrescenta ácido, grande proporção do íon bicarbonato é convertida em dióxido de carbono dissolvido, de modo que o pH cai, conforme ilustrado pela inclinação da curva para baixo.
Capacidade de tamponamento do sistema tampão bicarbonato. Obser​vando mais uma vez a Fig. 30.1, verificamos que, no ponto central da curva, a adição de pequenas quantidades de ácido ou de base causa variação mínima do pH. Todavia, em direção a cada extremidade da curva, a adição de uma pequena quantidade de ácido ou de base deter​mina alteração acentuada do pH. Por conseguinte, a denominada capaci​dade de tamponamento do sistema tampão é maior quando o pH é igual ao pK, que está exatamente no centro da curva. A capacidade de tampo​namento é ainda razoavelmente eficaz até que a proporção entre os elementos do sistema tampão atinja 8:1 ou 1:8; todavia, além desses limites, a capacidade de tamponamento diminui rapidamente. Quando todo o dióxido de carbono foi convertido em íons bicarbonato, ou quando todos os íons bicarbonato foram convertidos em dióxido de carbono, o sistema não apresenta mais qualquer capacidade de tamponamento.
O segundo fator que determina a capacidade de tamponamento é a concentração dos dois elementos da solução tampão, CO2 e HCO3. Obviamente, se as concentrações forem pequenas,a adição de apenas
pequena quantidade de ácido ou de base à solução irá modificar consideravelmente o pH. Por conseguinte, a capacidade de tamponamento de um tampão também é diretamente proporcional às concentrações das subs​tâncias do tampão.
 SISTEMAS TAMPÕES DOS LÍQUIDOS CORPORAIS
Os três principais sistemas tampões dos líquidos corporais são o tampão bicarbonato, que foi descrito acima, o tampão fosfato e o tampão de proteínas. Cada um deles exerce funções importantes de tamponamento em diferentes condições.
Sistema tampão bicarbonato. O sistema do bicarbonato não é um tampão muito potente por duas razões. Em primeiro lugar, o pH nos líquidos extracelulares é de cerca de 7,4, enquanto o pK do sistema tampão bicarbonato é de 6,1. Isso significa que, no tampão bicarbonato, a concentração dos íons bicarbonato é 20 vezes maior que a do dióxido de carbono dissolvido. Por esse motivo, o sistema opera em trecho de sua curva de tampona​mento onde a capacidade de tamponamento é baixa. Em segundo lugar, as concentrações dos dois elementos do sistema bicarbo​nato, CO2 e HCO3, não são grandes.
Contudo, apesar do fato de o sistema tampão bicarbonato não ser especialmente potente, ele é realmente mais importante do que todos os outros no organismo, visto que a concentração de cada um dos dois componentes do sistema bicarbonato pode ser regulada: o dióxido de carbono, pelo sistema respiratório, e o íon bicarbonato, pelos rins. Como conseqüência, o pH do sangue pode ser deslocado para cima ou para baixo pelos sistemas de regulação respiratório e renal.
Sistema tampão fosfato. O sistema tampão fosfato atua de maneira quase idêntica à do bicarbonato; todavia, é composto pelos dois seguintes elementos: H2PO4 e HPO4. Quando se acrescenta ácido forte, como o ácido clorídrico, à mistura dessas duas substâncias, ocorre a seguinte reação:
(12)
HC1 + Na2HPO4 -» NaH2PO4 + NaCl
O resultado final dessa reação consiste na remoção do ácido clorí​drico, com formação de uma quantidade adicional de NaH2PO4. Como o NaH2PO4 é apenas um ácido fraco, o ácido forte acrescen​tado é imediatamente substituído por um ácido muito fraco, de modo que o pH muda relativamente pouco.
Por outro lado, se for adicionada uma base forte, como o hidróxido de sódio, ao sistema tampão, ocorrerá a seguinte reação:
NaOH + NaH2PO4 -»• Na2HPO4 + H2O
Neste caso, o hidróxido de sódio é decomposto para formar água e Na2HPO4. Isto é, uma base forte é trocada pela base muito fraca, Na2HPO, permitindo apenas ligeiro desvio do pH para o lado alcalino.
O sistema tampão fosfato possui pK de 6,8, valor que não se afasta muito do pH normal de 7,4 nos líquidos corporais. Isso permite ao sistema fosfato operar próximo de sua capacidade máxima de tamponamento. Todavia, apesar de o sistema tampão operar em faixa razoavelmente boa da curva tampão, sua concen​tração no líquido extracelular é de apenas 1/12 daquela do tampão bicarbonato. Por conseguinte, sua capacidade de tamponamento total no líquido extracelular é bem menor que a do sistema bicarbonato.
Por outro lado, o tampão fosfato é especialmente importante nos líquidos tubulares dos rins, por duas razões: em primeiro lugar, o fosfato fica geralmente muito concentrado nos túbulos, aumentando sobremaneira a capacidade de tamponamento do sistema fosfato. Em segundo lugar, o líquido tubular geralmente é mais ácido do que o líquido extracelular, trazendo a faixa de operação do tampão mais próximo ao pK do sistema.
O tampão fosfato também é muito importante nos líquidos intracelulares, visto que a concentração de fosfato nesses líquidos é muitas vezes maior que a dos líquidos extracelulares e, também, pelo fato de o pH do líquido intracelular estar geralmente mais próximo ao pK do sistema tampão fosfato do que o pH do líquido extracelular.
Sistema tampão de proteínas. O tampão mais abundante do organismo é constituído pelas proteínas das células e do plas​ma, principalmente devido às suas concentrações muito altas. Verifica-se pequena difusão dos íons hidrogênio através da mem​brana celular; ainda mais importante é a capacidade do dióxido de carbono de difundir-se em poucos segundos através das mem​branas celulares, enquanto os íons bicarbonato podem sofrer certo grau de difusão (os íons hidrogênio e bicarbonato neces​sitam de várias horas para entrar em equilíbrio na maioria das células, à exceção dos eritrócitos). A difusão de íons hidrogênio e dos dois componentes do sistema tampão bicarbonato deter​mina alteração do pH dos líquidos intracelulares aproximada​mente na mesma proporção da alteração observada no pH dos líquidos extracelulares. Por conseguinte, todos os sistemas tam​pões no interior das células também ajudam a tamponar os líqui​dos extracelulares, embora possam ser necessárias várias horas. Esses sistemas incluem as quantidades muito grandes de proteínas no interior das células. De fato, estudos experimentais demons​traram que cerca de três quartos de toda a capacidade de tampo​namento químico dos líquidos corporais encontram-se no interior das células, sendo a maior parte proveniente das proteínas intra​celulares. Todavia, à exceção dos eritrócitos, a lentidão de movi​mento dos íons hidrogênio e bicarbonato, através das membranas celulares, quase sempre retarda por várias horas a capacidade dos tampões intracelulares de tamponar as anormalidades ácido-básicas extracelulares.
O método pelo qual o sistema tampão de proteínas atua é exatamente o mesmo do sistema tampão de bicarbonato. É preciso lembrar que uma proteína ê constituída de aminoácidos unidos por ligações peptídicas; todavia, alguns dos aminoácidos, em particular a histidina, possuem radicais ácidos livres que po​dem dissociar-se para formar base mais H+. Além disso, o pK de alguns desses sistemas tampões de aminoácidos não está muito distante de 7,4. Isso também ajuda a tornar o sistema tampão de proteínas o mais potente dos tampões do organismo.
 O princípio isoidrico
Cada um dos sistemas tampões acima foi discutido como se pudesse operar individualmente nos líquidos corporais. Todavia, eles, na reali-
�dade, trabalham em conjunto, visto que o hidrogênio é comum às reações químicas de todos os sistemas. Por conseguinte, toda vez que alguma condição produzir alterações na concentração de íons hidrogênio, causará a alteração simultânea no equilíbrio de todos os sistemas tampões. Esse fenômeno, denominado princípio isoidrico, é representado pela seguinte fórmula:
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H+ = K1 x HA1 = K2 x HA2 K3 x HA3
A A2 A3
onde K1 K2 e K3 são as constantes de dissociação dos três ácidos respec​tivos, HA1 HA2 e HA3 enquanto A1 A2 e A3 são as concentrações dos íons negativos livres que constituem as bases respectivas dos três sistemas tampões.
O aspecto importante desse princípio é que qualquer condição capaz de modificar o equilíbrio de um dos sistemas tampões também afeta o equilíbrio de todos os demais, visto que os sistemas tampões, na reali​dade, íamponam um ao outro ao deslocar os íons hidrogênio de um para outro.
 REGULAÇÃO RESPIRATÓRIA DO EQUILÍBRIO ÁCIDO-BÁSICO
Na discussão da equação de Henderson-Hasselbalch, foi assi​nalado que a ocorrência de aumento da concentração de dióxido de carbono nos líquidos corporais diminui o pH para o lado ácido, enquanto a redução do dióxido de carbono eleva o pH para o lado alcalino. É com base neste efeito que o sistema respiratório é capaz de alterar o pH, aumentando-o ou redu​zindo-o.
Equilíbrio entre a formação metabólica e a expiração pulmo​nar de dióxido de carbono. O dióxido de carbono é continuamente formado no organismo pelos diferentes processos metabólicos intracelulares, sendo o carbono dos alimentos oxidado pelo oxigênio para formar dióxido de carbono. Este, por sua vez, difunde-se pelos líquidos intersticiais e no sangue e é transportado até os pulmões, onde sofre difusão para os alvéolos, para ser, então, transferido à atmosfera pela ventilação pulmonar. Todavia, são necessáriosvários minutos para a passagem de dióxido de carbono das células para a atmosfera, de modo que, em qualquer momen​to, os líquidos extracelulares contém normalmente uma média de 1,2 mmol/1 de dióxido de carbono dissolvido.
Se a intensidade de formação metabólica do dióxido de car​bono aumentar, sua concentração nos líquidos extracelulares tam​bém irá aumentar. De modo inverso, a redução do metabolismo diminui a concentração de dióxido de carbono.
Por outro lado, se a ventilação pulmonar aumentar, o dióxido de carbono será eliminado dos pulmões, resultando em diminui​ção da quantidade de dióxido de carbono nos líquidos extrace​lulares.
 Efeito do aumento ou da diminuição da ventilação alveolar sobre o pH dos líquidos extracelulares
Se admitirmos que a intensidade de formação metabólica de dióxido de carbono permanece constante, o único fator que irá afetar sua concentração nos líquidos corporais é a ventilação alveolar, conforme expresso pela seguinte fórmula:
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CO2α
Ventilação alveolar
Como o aumento do dióxido de carbono diminui o pH, as altera​ções da ventilação alveolar determinam variações recíprocas da concentração de íons hidrogênicr.
A Fig. 30.2 ilustra a variação aproximada do pH do sangue
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Fig. 30.2 Alteração aproximada do pH do líquido extracelular causada por aumento ou diminuição da freqüência da ventilação alveolar.
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Fig. 30.3 Efeito do pH sanguíneo sobre a freqüência de ventilação alveolar. (Construído a partir de dados obtidos por Gray: Pulmonary Venti-lation and Its Regulaíion. Springfield, 111., Charles C Thomas.)
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passível de ocorrer devido ao aumento ou à diminuição da venti​lação pulmonar. Observe que o aumento da ventilação alveolar, de duas vezes o valor normal, eleva em cerca de 0,23 o pH dos líquidos extracelulares. Isso significa que, se o pH dos líquidos corporais é de 7,4 na presença de ventilação alveolar normal, a duplicação da ventilação irá elevar o pH para 7,63. Por outro lado, a diminuição da ventilação alveolar para um quarto de seu valor normal reduz o pH em 0,45. Isto é, se o pH é de 7,4 com ventilação aíveolar normal, a redução da ventilação para um quarto diminui o pH para 6,95. Como a ventilação alveolar pode ser reduzida a zero ou aumentada por cerca de 15 vezes o seu valor normal, pode-se facilmente entender até que ponto o pH dos líquidos corporais pode ser modificado por alterações na atividade do sistema respiratório.
 Efeito da concentração de íons hidrogênio sobre a ventilação alveolar
Não só a ventilação alveolar afeta a concentração de tons hidrogênio dos líquidos corporais, como também a concentração de íons hidrogênio afeta, por sua vez, a ventilação alveolar. Isso resulta da ação direta dos íons hidrogênio sobre o centro respiratório no bulbo que controla a respiração, o que será discutido com maiores detalhes no Cap. 41.
A Fig. 30.3 ilustra as alterações da ventilação alveolar produ​zidas pela variação do pH do sangue arterial de 7,0 para 7,6. Ao se analisar o gráfico, fica evidente que a redução do pH de seu valor normal de 7,4 para o nível fortemente acídico de 7,0 pode elevar a freqüência da ventilação alveolar por até 4 a 5 vezes o seu valor normal, enquanto o aumento do pH para a faixa alcalina pode diminuir a ventilação alveolar por apenas fração do nível normal.
Controle por feedback da concentração de íons hidrogênio pelo sistema respiratório. Devido à capacidade do centro respira​tório de responder à concentração de íons hidrogênio, e conside​rando-se o fato de que as variações na ventilação alveolar alteram, por sua vez, a concentração de íons hidrogênio dos líquidos corpo​rais, o sistema respiratório atua como um controlador típico da concentração de íons hidrogênio por feedback. Isto é, toda vez que a concentração de íons hidrogênio estiver elevada, o sistema respiratório também fica mais ativo, e a ventilação alveolar au​menta. Em conseqüência, a concentração de dióxido de carbono nos líquidos extracelulares diminui, com a conseqüente redução da concentração de íons hidrogênio para seu valor normal. Por
�outro lado, se a concentração de íons hidrogênio cair para níveis muito baixos, o centro respiratório fica deprimido, e a ventilação alveolar também diminui, com elevação da concentração de íons hidrogênio até a faixa normal.
Eficiência do controle respiratório da concentração de íons hidrogênio. Infelizmente, o controle respiratório é incapaz de fazer com que a concentração de íons hidrogênio retorne exata-mente ao valor normal de 7,4 quando alguma anormalidade exter​na ao sistema respiratório altera o pH normal. A razão disso é que, à medida que o pH retorna a seu valor normal, o estímulo que causou o aumento ou a diminuição da respiração começa a dissipar-se. Em geral, o mecanismo respiratório para regular a concentração de íons hidrogênio possui eficiência de controle situada entre 50 a 75% (ganho do feedback de 1 a 3). Isto é, se a concentração de íons hidrogênio fosse subitamente diminuída de 7,4 para 7,0 por algum fator estranho, o sistema respiratório faria com que o pH retornasse, em 3 a 12 minutos, a um valor de cerca de 7,2 a 7,3.
Capacidade de tamponamento do sistema respiratório. Com efeito, a regulação respiratória do equilíbrio ácido-básico é um tipo fisiológico de sistema tampão que possui quase a mesma importância dos sistemas tampões químicos do organismo consi​derados antes neste capítulo. A "capacidade de tamponamento" global do sistema respiratório é uma a duas vezes maior que a de todos os tampões químicos combinados. Isso significa que, normalmente, uma a duas vezes mais ácido ou base podem ser tamponados por esse mecanismo em relação aos tampões quí​micos.
 CONTROLE RENAL DA CONCENTRAÇÃO DE ÍONS HIDROGÊNIO
Os rins controlam a concentração de íons hidrogênio do líquido extracelular ao excretarem urina ácida ou básica. A excre​ção de urina ácida reduz a quantidade de ácido nos líquidos extracelulares, enquanto a excreção de urina alcalina remove a base dos líquidos extracelulares.
Os meios pelos quais o organismo determina se a urina será ácida ou alcalina são os seguintes: grandes quantidades de íons bicarbonato são filtradas continuamente no filtrado glomerular,
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removendo base do sangue. Por outro lado, grandes quantidades de íons hidrogênio são secretadas ao mesmo tempo no lúmen tubular pelo epitélio tubular, com conseqüente remoção do ácido. Se a secreção de íons hidrogênio for maior que a filtração de íons bicarbonato, haverá perda efetiva de ácido dos líquidos extracelulares. Por outro lado, se a filtração de bicarbonato for maior que a secreção de hidrogênio, haverá perda efetiva de base. As seções que se seguem descrevem os diferentes mecanismos renais que atuam nesses processos.
 SECREÇÃO TUBULAR DE ÍONS HIDROGÊNIO
As células epiteliais de todo sistema tubular, à exceção do ramo grosso da alça de Henle, secretam íons hidrogênio para o líquido tubular. Todavia, em diferentes segmentos tubulares, existem dois mecanismos muito diferentes, cada qual com caracte​rísticas próprias e finalidades distintas.
Transporte ativo secundário de tons hidrogênio nos segmentos tubulares iniciais. As células epiteliais do túbulo proximal. do segmento grosso do ramo ascendente da alça de Henle e do túbulo distal secretam íons hidrogênio para o líquido tubular por transporte ativo secundário. Esse mecanismo é ilustrado na Fig. 30.4. Quantidades enormes de íons hidrogênio são secretadas dessa maneira, atingindo vários milhares de miliequivalentes por dia, porém nunca contra gradiente muito elevado de íons hidrogênio, visto que o líquido tubular só se torna muito ácido nos segmentos terminais do sistema tubular.
A Fig. 30.4 mostra que o processo secretor começa com o dióxido de carbono, que se difunde para o interior das células ou que é formado pelo metabolismo das células epiteliais tubula​res. O dióxido de carbono, sob influência da enzima anidrase carbônica, combina-se com água para formar ácido carbônico.A seguir, este se dissocia em íon bicarbonato e íon hidrogênio. Por fim, os íons hidrogênio são secretados no túbulo por um mecanismo de contra-transporte de Na+-H+. Isto é, quando o sódio se desloca do lúmen do túbulo para o interior da célula, ele se combina inicialmente com uma proteína transportadora na borda luminal da membrana celular, e, ao mesmo tempo, um íon hidrogênio no interior da célula se combina com a extremi​dade oposta da mesma proteína transportadora. A seguir, como a concentração de sódio é muito mais baixa dentro da célula do que no lúmen celular, isso determina o movimento de sódio ao longo de seu gradiente de concentração para o interior, propor​cionando ao mesmo tempo a energia necessária para mover o
�íon hidrogênio na direção oposta (a direção "contra") para o lúmen tubular.
Transporte ativo primário de íons hidrogênio na porção ter​minal dos segmentos tubulares. Começando na porção terminal dos túbulos distais e prosseguindo por todo o resto do sistema tubular até a pelve renal, os túbulos secretam íons hidrogênio por transporte ativo primário. As características desse transporte diferem muito do sistema de transporte ativo secundário nos segmentos tubulares iniciais. Em primeiro lugar, é normalmente responsável por menos de 5% dos íons hidrogênio totais excre​tados. Por outro lado, é capaz de concentrar os íons hidrogênio por até 900 vezes, em contraste com a concentração de apenas 3 a 4 vezes obtida nos túbulos proximais e a concentração de 10 a 15 vezes observada nos túbulos distais iniciais pelo meca​nismo de transporte secundário. A concentração de íons hidrogênio por até 900 vezes pode diminuir o pH do líquido tubular em cerca de 4,5, o que representa, portanto, o limite inferior do pH passível de ser obtido na urina excretada.
O mecanismo do transporte ativo primário de íons hidrogênio está ilustrado na Fig. 30.5. Ocorre na membrana luminal da célula tubular, onde os íons hidrogênio são transportados diretamente por proteína transportadora específica, a adenosina trifosfatase (ATPase) transportadora de hidrogênio. A energia necessária para bombear os íons hidrogênio contra o gradiente de concentração de 900 vezes provém da degradação do ATP em difosfato de adenosina (ADP).
Os íons hidrogênio bombeados por este processo são gerados no interior da célula nas duas etapas seguintes: (1) o dióxido de carbono dissolvido combina-se com a água no interior da célula, formando-se ácido carbônico (H2CO3); (2) a seguir, o ácido carbônico se dissocia em íons bicarbonato (HCOj), que são absorvidos pelo sangue, e em íons hidrogênio (H + ), que são secretados na urina.
Acredita-se que esse transporte ativo primário de íons hidrogênio seja uma função do tipo especial de célula denominada célula intercalada. Essas células aparecem pela primeira vez na porção terminal dos túbulos distais e, a seguir, estendem-se até o final do sistema de dutos coletores, atingindo seu número máxi​mo — cerca de 10% das células epiteliais totais — nos dutos coletores medulares externos. Essas células têm aspecto escuro e, portanto, são quase sempre denominadas células escuras.
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Fig. 30.4 Reações químicas para (1) a secreção auva secunuaria de íons hidrogênio pelo túbulo, (2) a reabsorção de íons sódio em troca dos íons hidrogênio secretados, e (3) a combinação de íons hidrogênio com íons bicarbonato nos túbulos para formar dióxido de carbono e água.
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Fig. 30.5 Transporte ativo primário de íons hidrogênio através da mem​brana lurmnal da célula epitelial tubular. Observe que é absorvido um íon bicarbonato para cada íon hidrogênio secretado, enquanto um íon cloreto é secretado passivamente com o íon hidrogênio.
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 Regulação da secreção de íons hidrogênio pela concentração de ions hidrogênio nos líquidos extracelulares
A intensidade da secreção de íons hidrogênio nos túbulos modifica-se acentuadamente em resposta a alterações apenas li​geiras na concentração de íons hidrogênio no líquido extracelular. Por conseguinte, quando a concentração de íons hidrogênio está elevada (pH de menos 7,4), a secreção de íons hidrogênio pode aumentar por várias vezes. Por outro lado, com pH extracelular acima de 7,4, a secreção de íons hidrogênio também diminui. O controle dessas alterações é efetuado da seguinte maneira:
Na acidose, a proporção entre o dióxido de carbono e os íons bicarbonato no líquido extracelular está acima do normal, como se pode verificar ao se consultar novamente a equação de Henderson-Hasselbalch. Além disso, verifica-se proporção semelhante no interior da célula epitelial secretora, produzindo nível elevado de íons hidrogênio e intensidade corresponden​temente alta de secreção de íons hidrogênio no lúmen tubular. Na alcalose, ocorre exatamente o processo oposto, com a conse​quente redução da secreção de íons hidrogênio.
No pH normal do líquido extracelular, a intensidade da se​creção de íons hidrogênio é de cerca de 3,5 mM/min, porém ela aumenta ou diminui de modo quase diretamente proporcional à variação da concentração extracelular de íons hidrogênio.
 Interação dos ions bicarbonato com os íons hidrogênio nos túbutos — "reabsorção" de íons bicarbonato
Os túbulos renais não são muito permeáveis ao íon bicarbo​nato, visto ele ser grande e eletricamente carregado. Todavia, o íon bicarbonato, pode ser, com efeito, "reabsorvido" pelo processo especial ilustrado na Fig. 30.4.
A reabsorção de íons bicarbonato é iniciada por uma reação nos túbulos entre os íons bicarbonato filtrados no filtrado glome-rular e os íons hidrogênio secretados pelas células tubulares, conforme ilustrado na figura. A seguir, o ácido carbônico disso​cia-se em dióxido de carbono e água. O dióxido de carbono, por ter a capacidade de se difundir com extrema rapidez através de todas as membranas celulares, difunde-se instantaneamente para a célula tubular, enquanto a água permanece no túbulo.
Se observarmos agora, na Fig. 30.4, as reações químicas responsáveis pela formação do íons hidrogênio nas células epite-liais, veremos que, toda vez que ocorre formação de um íon hidrogênio, forma-se também um íon bicarbonato no interior dessas células pela dissociação de H2CO, em H1 e HCOj. A seguir, esse íon bicarbonato se difunde para o líquido extracelular através da membrana basolateral.
Por conseguinte, o efeito final de todas essas reações é um mecanismo para a "reabsorção" de íons bicarbonato a partir dos túbulos, embora os íons bicarbonato que penetram no líquido extracelular não sejam os mesmos íons que são removidos do líquido tubular.
Titulação dos íons bicarbonato contra os íons hidrogênio nos túbulos. Em condições normais, a intensidade da secreção do íon hidrogênio é de cerca de 3,5 mmollmin, enquanto a filtração de íons bicarbonato no filtrado glomerular é de cerca de 3,46 mmollmin. Por conseguinte, as quantidades dos dois íons que penetram nos túbulos são quase iguais, e eles se combinam entre si, anulando-se, sendo os produtos terminais dióxido de carbono e água. Por isso, diz-se que os íons bicarbonato e o íons hidrogênio normalmente se "titulam" um ao outro nos túbulos.
Todavia, é preciso observar também que esse processo de titulação não é totalmente exato, visto que, em geral, um ligeiro excesso de íons hidrogênio (componente ácido) permanece nos
�túbulos para ser excretado na urina. A razão disso é que, em condições normais, os processos metabólicos de uma pessoa for​mam continuamente uma pequena quantidade de ácido em exces​so (cerca de 60 mEq/dia), originando ligeiro excesso de íons hidrogênio nos túbulos em relação aos íons bicarbonato.
Em raras ocasiões, os íons bicarbonato estão em excesso, como veremos em discussões subseqüentes. Quando isso ocorre, o processo de titulação mais uma vez não é completo; nesse caso, permanece um excesso de íons bicarbonato (componente básico) nos túbulos, que, em seguida, passa para a urina.
Por conseguinte, o mecanismo básico pelo qual os rins corri​gem a acidoseou a alcalose consiste na titulação incompleta dos íons hidrogênio contra os do bicarbonato, deixando que um ou outro passe para a urina e, assim, seja removido do líquido extracelular.
 CORREÇÃO RENAL DA ACIDOSE - AUMENTO DOS ÍONS BICARBONATO NO LIQUIDO EXTRACELULAR
Uma vez descritos os mecanismos pelos quais os túbulos renais secretam íons hidrogênio e reabsorvem íons bicarbonato, podemos explicar a maneira pela qual os rins reajustam o pH dos líquidos extracelu lares quando ele se torna anormal.
Em primeiro lugar, vamos considerar a acidose. Consultando novamente a equação LI', isto é, a equação de Henderson-Has​selbalch, verificamos que, na acidose, a proporção entre dióxido de carbono e íons bicarbonato no líquido extracelular aumenta. Por conseguinte, a intensidade da secreção dos íons hidrogênio eleva-se até um nível superior à filtração dos íons bicarbonato nos túbulos. Em conseqüência, ocorre secreção de excesso de íons hidrogênio nos túbulos, enquanto quantidades diminuídas de bicarbonato penetram no filtrado glomerular, de modo que, nesse estágio, existe um número muito pequeno de íons bicarbo​nato para reagir com os íons hidrogênio. Esses íons hidrogênio em excesso combinam-se com os tampões existentes no líquido tubular, como será explicado nos parágrafos subseqüentes, sendo então excretados na urina.
A Fig. 30.4 mostra que, toda vez que um íon hidrogênio é secretado nos túbulos, ocorrem simultaneamente dois outros efeitos: em primeiro lugar, forma-se um íon bicarbonato na célula epitelial tubular; e, em segundo lugar, ocorre absorção de um íon sódio do túbulo para a célula epitelial. O íon sódio e o íon bicarbonato são então transportados juntos da célula epitelial para o líquido extracelular.
Por conseguinte, o efeito final da secreção de excesso de íons hidrogênio nos túbulos consiste em aumentar a quantidade de íons bicarbonato no líquido extracelular. Esse processo au​menta o teor de bicarbonato do sistema tampão bicarbonato, o que, de acordo com a equação de Henderson-Hasselbalch e com o princípio isoídrico, desvia todos os tampões na direção alcalina, aumentando o pH e, dessa maneira, corrigindo a aci​dose.
 CORREÇÃO RENAL DA ALCALOSE — DIMINUIÇÃO DOS ÍONS BICARBONATO NO LÍQUIDO EXTRACELULAR
Na alcalose, a proporção entre os íons bicarbonato e as moléculas de dióxido de carbono dissolvido aumenta. O efeito desse aumento sobre o processo de titulação nos túbulos consiste em aumentar a proporção entre os íons bicarbonato filtrados nos túbulos e os íons hidrogênio secretados. Esse aumento ocorre porque a elevada concentração extracelular de íons bicarbonato aumenta os íons bicarbonato filtrados no filtrado glomerular, enquanto, ao mesmo tempo, a baixa concentração de dióxido de carbono no líquido extracelular diminui a secreção de íons
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hidrogênio. Por conseguinte, o delicado equilíbrio que normalmente existe nos túbulos entre os íons hidrogênio e bicarbonato deixa de ocorrer. Com efeito, penetram nos túbulos quantidades muito maiores de íons bicarbonato do que de íons hidrogênio. Como quase nenhum íon bicarbonato pode ser reabsorvido sem antes reagir com os íons hidrogênio, todo o excesso de íons bicarbonato passa para a urina, transportando com ele os íons sódio ou outros íons positivos. Assim, o bicarbonato de sódio é removido do líquido extracelular.
A perda de bicarbonato de sódio do líquido extracelular diminui a porção de íons bicarbonato do sistema tampão bicarbo​nato; de acordo com a equação de Henderson-Hasselbalch, esse processo desvia o pH dos líquidos corporais novamente na direção ácida. Além disso, devido ao princípio isoídrico, todos os demais tampões do organismo também são desviados na direção ácida. Dessa maneira, a alcalose é corrigida.
 COMBINAÇÃO DO EXCESSO DOS ÍONS HIDROGÊNIO COM TAMPÕES TUBULARES E TRANSPORTE NA URINA
Quando o excesso de íons hidrogênio é secretado nos túbu​los, apenas pequena parte desses íons pode ser transportada na forma livre pelo líquido tubular para a urina. A razão disso é que a concentração máxima de íons hidrogênio que pode ocorrer no sistema tubular é de 10-4,5 molar, o que corresponde ao pH de 4,5. Na presença de fluxo urinário diário normal, apenas 1% da excreção diária do excesso de íons hidrogênio pode ser transportado na urina nessa concentração.
Por conseguinte, para transportar o excesso de íons hidrogênio na urina, esses íons devem fazê-lo de alguma outra forma que não seja a de íons livres. Esse transporte é efetuado pela combinação inicial dos íons hidrogênio com tampões intratubulares e, a seguir, pelo seu transporte sob essa forma.
Os líquidos tubulares possuem dois sistemas tampões muito importantes que transportam o excesso de íons hidrogênio para a urina: (1) o tampão fosfato e (2) o tampão amônia. Além disso, existem vários sistemas tampões fracos, como o urato e o citrato, que têm importância muito menor.
Transporte do excesso de íon hidrogênio na urina pelo tampão fosfato. O tampão fosfato é constituído por mistura de HPO4 e H2PO4. Ambos estão muito concentrados no líquido tubular, devido à sua reabsorção relativamente pequena e à remoção de água do líquido tubular. Por conseguinte, apesar de o tampão fosfato ser muito fraco no sangue, trata-se de um tampão muito mais potente no líquido tubular.
Outro fator que aumenta a importância do tampão fosfato nos líquidos tubulares durante a acidose é o pK desse tampão, que é de 6,8. Quando são secretados íons hidrogênio em excesso, o líquido tubular começa normalmente com pH próximo a 7,4 na parte inicial dos túbulos proximais, que, a seguir, cai para cerca de 6,0 nos túbulos distais e dutos coletores. Por conseguinte, nesses túbulos, o tampão fosfato funciona em sua faixa mais eficaz, muito perto de seu valor de pK, conforme explicado antes neste capítulo.
A Fig. 30.6 ilustra a maneira pela qual os íons hidrogênio são removidos do líquido tubular pelo sistema tampão fosfato, bem como isso funciona no processo total de controle ácido-básico renal. Observe que, para cada íon hidrogênio ligado pelo tampão fosfato, é formado um novo íon bicarbonato pela célula epitelial e transportado no sangue. Isso contribui ainda mais para a correção da acidose quando são secretados íons hidrogênio em excesso.
Transporte do excesso de íons hidrogênio na urina pelo siste​ma tampão amônia. Outro sistema tampão do líquido tubular ainda mais importante e mais complexo para os íons hidrogênio é composto por amônia (NH3) e íon amônio (NH4). As células
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Fig. 30.6 Reações químicas nos túbulos envolvendo os íons hidrogênio, os íons sódio e o sistema tampão fosfato.
epiteliais de todos os túbulos, à exceção das encontradas no segmento delgado da alça de Henle, sintetizam amônia continuamente, a qual se difunde para o interior dos túbulos. A seguir, a amônia reage com íons hidrogênio, como é ilustrado na Fig. 30.7, formando íons amônio. Estes últimos são, então, excretados na urina em combinação com íons cloreto e outros ânions tubula​res. Observe, na figura, que o efeito final dessas reações consiste, mais uma vez, em aumentar a concentração de bicarbonato no líquido extracelular.
Esse mecanismo do íon amônio para o transporte do excesso de íons hidrogênio nos túbulos é especialmente importante por duas razões: (1) Toda vez que uma molécula de amônia (NH3) se combina com um íon hidrogênio para formar um íon amônio (NHJ), a concentração de amônia no líquido tubular diminui, o que provoca maior difusão de amônia das células epiteliais para o líquido tubular. Por conseguinte, a velocidade da secreção de amônia no líquido tubular é realmente controlada pela quantidade de íons hidrogênio em excesso a serem transportados. (2) A maior parte dos íons negativos do líquido tubular consiste em íons cloreto. Apenas alguns íons hidrogênio poderiam ser transportados na urina em combinação direta com o cloreto, visto que o ácido clorídrico é um ácido muito forte e conside​rando-se o fato de que o pH tubular cairia rapidamente além do valor crítico de4,5, abaixo do qual cessa a secreção adicional dos íons hidrogênio. Todavia, quando os íons hidrogênio se com​binam com amônia e os íons amônios resultantes se combinam
Fig. 30.7 Secreção de amônia pelas células epiteliais tubulares e reação da amônia com íons hidrogênio nos túbulos.
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a seguir com cloreto, o pH não cai de modo significativo, visto que o cloreto de amônio é apenas muito fracamente ácido.
Sessenta por cento da amônia secretada pelo epitélio tubular derivam da glutamina, enquanto os 40% restantes provêm de outros aminoácidos ou aminas.
 Intensificação do sistema tampão de amônia na acidose crônica. Se os líquidos celulares permanecerem fortemente ácidos por longo período de tempo, a formação de amônia irá aumentar de modo uniforme nos primeiros 2 a 3 dias, atingindo um nível 10 vezes maior do que o normal. Por exemplo, logo após o início da acidose, a secreção diária de amônia é de apenas 30 milimoles, mas, depois de vários dias, podem ser secretados até 300 a 450 milimoles, ilustrando o fato de que o mecanismo secre​tor de amônia pode adaptar-se facilmente para mobilizar cargas muito aumentadas de eliminação de ácidos. A principal causa da formação crescente de amônia é que a acidose local das células tubulares induz a produção de grandes quantidades da enzima glutaminase, a responsável pela liberação da amônia a partir da glutamina.
 RAPIDEZ DA REGULAÇÃO ÁCIDO-BASICA PELOS RINS
O mecanismo renal para a regulação do equilíbrio ácido-básico é incapaz de reajustar o pH dentro de segundos, como o fazem os sistemas tampões do líquido extracelular, nem dentro de minutos, como ocorre com o mecanismo respiratório compen​sador; entretanto, difere desses dois outros mecanismos por sua capacidade de continuar funcionando durante horas ou dias até trazer o pH quase exatamente a seu valor normal. Em outras palavras, sua capacidade final de regular o pH dos líquidos corpo​rais, apesar de ser de ação lenta, é infinitamente mais potente que a dos outros dois mecanismos reguladores. Os parágrafos que se seguem explicarão a importância quantitativa dos rins na regulação da concentração de íons hidrogênio.
A Fig. 30.8 ilustra o efeito do pH do líquido extracelular sobre a velocidade de perda ou de ganho de íons bicarbonato dos líquidos extracelulares a cada minuto. Por exemplo, com pH de 7,0, cerca de 2,3 mmol de íons bicarbonato são ganhos a cada minuto; todavia, à medida que o pH retorna a seu valor normal de 7,4, a velocidade desse ganho cai para 0. A seguir, quando o pH aumenta significativamente acima de 7,4, os líquidos extracelulares perdem íons bicarbonato. Por exemplo, em pH de 7,6, cerca de 1,5 mmol de íons bicarbonato é perdido por minuto.
A quantidade total de tampões em todo o organismo (dentro da faixa de pH de 7,0 a 7,8) é de cerca de 1.000 mmol. Se todos eles pudessem ser subitamente desviados para o lado básico
Fig. 30.8 Efeito do pH do líquido extracelular sobre a velocidade de perda ou ganho de íons bicarbonato dos líquidos corporais a cada minuto.
�ou ácido por meio de injeção de base ou de ácido, os rins seriam capazes de trazer o pH dos líquidos corporais quase de volta a seu valor normal dentro de 1 a 3 dias. Entretanto, o aspecto mais importante é que esse mecanismo continua atuando até que o pH retorne quase que exatamente ao valor norma], e não até certa percentagem dessa normalidade. Por conseguinte, o verdadeiro valor do mecanismo renal na regulação da concentração de íons hidrogênio não é a rapidez de sua ação, porém sua capacidade de neutralizar por completo qualquer excesso de ácido ou de álcali que penetre nos líquidos corporais, a não ser quando o excesso persiste.
Em geral, os rins podem remover até 500 mmol de ácido ou de base por dia. Quando quantidades maiores penetram nos líquidos corporais, os rins tornam-se incapazes de lidar com essa carga adicional, e ocorre desenvolvimento de acidose ou de alca-lose grave.
Faixa do pH urinário. No processo de ajuste da concentração de íons hidrogênio do líquido extracelular, os rins quase sempre excretam urina com pH baixo, da ordem de 4,5, ou elevado, da ordem de 8,0. Quando está havendo excreção de ácido, o pH urinário cai; quando ocorre excreção de álcali, o pH aumenta. Mesmo quando o pH dos líquidos extracelulares está situado no valor normal de 7,4, ainda ocorre perda de fração de 1 mmol de ácido por minuto. A razão disso é que o organismo forma diariamente cerca de 50 a 80 mmol a mais de ácido do que de álcali, devendo esse ácido ser continuamente removido. Devi​do à presença desse excesso de ácido na urina, o pH urinário normal é, em média, de cerca de 6,0 em lugar de 7,4, que é o pH sanguíneo.
 REGULAÇÃO RENAL DA CONCENTRAÇÃO PLASMÃTICA DE CLORETO - RELAÇÃO ENTRE CLORETO E BICARBONATO
Nas discussões precedentes, demos ênfase à capacidade dos rins de conservar o íon bicarbonato nos líquidos extracelulares sempre que houvesse desenvolvimento de um estado de acidose ou de remover os íons bicarbonato na presença de alcalose. As​sim, o íon bicarbonato move-se de um lado para outro entre valores elevados e baixos como um dos principais meios de ajuste do equilíbrio ácido-básico dos sistemas tampões extracelulares, ajustando também o pH do líquido extracelular.
Todavia, no processo de equilibração da concentração de íon bicarbonato dos líquidos extracelulares, é essencial remover algum outro ânion do líquido extracelular toda vez que o bicarbo​nato aumentar, ou aumentar algum outro ânion toda vez que a concentração de bicarbonato diminuir. Em geral, o ânion que varia reciprocamente para cima ou para baixo com o íon bicarbonato é o cloreto, por ser o ânion encontrado em maior concentração no líquido extracelular.
 ANORMALIDADES CLÍNICAS DO EQUILÍBRIO ÁCIDO-BÁSICO
 Acidose e alcalose respiratórias
Com base nas descrições efetuadas neste capítulo, é óbvio que qualquer fator passível de reduzir a ventilação pulmonar irá aumentar a concentração de dióxido de carbono dissolvido no liquido extracelular. Esse aumento, por sua vez, determina aumento de ácido carbônico e de íons hidrogênio, com conseqüente desenvolvimento de acidose. Como essa forma de acidose é causada por anormalidade de respiração, é denominada acidose respiratória.
Por outro lado, a ventilação pulmonar excessiva inverte o processo e diminui a concentração de íons hidrogênio, resultando em alcalose; essa condição é denominada alcalose respiratória.
Uma pessoa pode provocar em si mesma acidose respiratória sim-
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plesmente ao prender sua respiração, o que pode fazer até que o pH dos líquidos corporais caia para um valor tão baixo quanto 7,0. Por outro lado, pode voluntariamente hiperventilar-se e causar alcalose até um pH de cerca de 7,9.
A acidose respiratória quase sempre resulta de condições patológicas. Por exemplo, a lesão do centro respiratório no bulbo que reduz a respira​ção, a obstrução das vias aéreas no aparelho respiratório, a pneumonia, a diminuição da área de superfície da membrana pulmonar e qualquer outro fator capaz de interferir na troca de gases entre o sangue e o ar alveolar podem resultar no desenvolvimento de acidose respiratória.
Por outro lado, só raramente é que condições patológicas causam alcalose respiratória. Todavia, em certas ocasiões, a psiconeurose pode causar hiperventilação a ponto de o indivíduo se tornar alcalótico. Além disso, ocorre um tipo fisiológico de alcalose respiratória quando a pessoa sobe a grandes altitudes. O baixo teor de oxigênio do ar estimula a respiração, causando perda excessiva de dióxido de carbono e resultando no desenvolvimento de alcalose respiratória leve.
 ACIDOSE E ALCALOSE METABÓLICAS
Os termos acidose metabólica e alcalose metabólica referem-se a todas as outras anormalidades do equilíbrio ácido-básico, à exceção da causada por excesso ou insuficiência de dióxido de carbono nos líquidos corporais. O uso do termo "metabólica" é inadequado neste caso, visto que o dióxido de carbonotambém é um produto metabólico. Contudo, por convenção, o ácido carbônico proveniente do dióxido de carbono dissolvido é denominado ácido respiratório, enquanto qualquer outro ácido no organismo, seja ele formado pelo metabolismo ou simplesmente ingerido pelo indivíduo, é denominado ácido metabólico ou ácido fixo.
 Causas da acidose metabólica
A acidose metabólica pode resultar (1) da incapacidade dos rins de excretarem os ácidos metabólicos normalmente formados no orga​nismo, (2) da formação de quantidades excessivas de ácidos metabólico no organismo, (3) da administração venosa de ácidos metabólicos, ou (4) do acréscimo de ácidos metabólicos por absorção do tubo gastrin​testinal. A acidose metabólica também pode resultar (5) da perda de base dos líquidos corporais. Algumas das condições específicas que cau​sam acidose metabólica são consideradas a seguir.
Diarréia. A diarréia grave é uma das causas mais freqüentes de acidose metabólica pelas seguintes razões: as secreções gastrintestinais contêm normalmente grandes quantidades de bicarbonato de sódio. Por conseguinte, a perda excessiva dessas secreções durante o episódio de diarréia equivale exatamente à excreção de grandes quantidades de bicar​bonato de sódio pela urina. De acordo com a equação de Henderson-Hasselbalch, isso provoca desvio do sistema tampão do bicarbonato em direção ao ácido, resultando em acidose metabólica. De fato, a acidose ocasionada pela diarréia grave pode ser tão intensa a ponto de consti​tuir-se numa das causas mais comuns de morte em crianças de pouca idade.
Vômito. O vômito é uma segunda causa de acidose metabólica. O vômito do conteúdo gástrico apenas, que ocorre algumas vezes, obviamente determina perda de ácido, visto que as secreções do estômago são altamente ácidas e resultariam em alcalose. Todavia, o vômito do conteúdo proveniente das porções mais distais do tubo gastrintestinal, que quase sempre ocorre em quantidades muito maiores do que a perda do conteúdo gástrico, provoca perda de álcalis, resultando em acidose metabólica.
Uremia. Um terceiro tipo comum de acidose é a acidose urémica que ocorre na doença renal grave. A causa desse tipo de acidose consiste na incapacidade dos rins de depurar o organismo das quantidades normais de ácidos formados diariamente pelos processos metabólicos.
Diabetes melito. Uma quarta causa extremamente importante de acidose metabólica é o diabetes melito. Nessa condição, a ausência de secreção de insulina pelo pâncreas impede o uso normal da glicose no metabolismo. Dessa maneira, algumas gorduras são degradadas em ácido acetoacético, que, por sua vez, é metabolizado pelos tecidos para produzir energia em lugar da glicose. Simultaneamente, a concentração de ácido acetoacético nos líquidos extracelulares quase sempre aumenta e atinge valores muito elevados, causando acidose muito grave. Além disso, gran​des quantidades de ácido acetoacético são excretadas na urina, atingindo por vezes 500 a 1.000 mmol por dia.
� Causas da alcalose metabólica
A alcalose metabólica não ocorre com a mesma freqüência que". a acidose metabólica. Entretanto, existem várias causas comuns de alca​lose metabólica.
Alcalose causada pela administração de diuréticos là exceção dos inibidores da anidrase carbônica. Todos os diuréticos produzem aumento do fluxo de líquidos ao longo dos túbulos; em geral, esse aumento resulta no fluxo de grande excesso de sódio pelos túbulos distais e coletores, resultando também em rápida reabsorção de íons sódio a partir desses túbulos. Essa reabsorção rápida está associada à secreção aumentada de íons hidrogênio, devido aos mecanismos de troca de Na+-H+ nas membranas luminais das células tubulares que ligam a secreção de hidrogênio à absorção de sódio, levando à perda excessiva de íons hidrogênio do organismo, com conseqüente alcalose do líquido extracelular.
Ingestão excessiva de substâncias alcalinas. Talvez a segunda causa mais comum de alcalose seja a ingestão excessiva de medicamentos alcali​nos, como o bicarbonato de sódio, no tratamento da gastrite ou da úlcera péptica.
Alcalose causada pela perda de íons cloreto. O vômito excessivo do conteúdo gástrico sem vômito do conteúdo gastrintestinal inferior provoca perda excessiva de ácido clorídrico secretado pela mucosa gástri​ca. O resultado final consiste na perda de ácido do líquido extracelular, com desenvolvimento de alcalose metabólica. Esse tipo de alcalose é observado em recém-nascidos com obstrução pilórica causada por enorme hipertrofia do músculo do esfíncter pilórico.
Alcalose causada pelo excesso de aldosterona. Quando as glândulas supra-renais secretam quantidades excessivas de aldosterona, o líquido extracelular torna-se ligeiramente alcalótico. Isso decorre do seguinte processo: a aldosterona promove a reabsorção intensa de íons sódio dos segmentos distais do sistema tubular, acompanhada pela secreção aumentada de íons hidrogênio, o que promove o desenvolvimento de alcalose.
 EFEITOS DA ACIDOSE E DA ALCALOSE SOBRE O ORGANISMO
Acidose. O principal efeito clínico da acidose é a depressão do sistema nervoso centrai Quando o pH do sangue cai abaixo de 7,0, o sistema nervoso fica deprimido, a ponto de a pessoa ficar inicialmente desorien​tada, entrando posteriormente em estado de coma. Por conseguinte, os pacientes que falecem de acidose diabética, acidose urêmica ou outros tipos de acidose morrem geralmente em estado de coma.
Na acidose metabólica, a concentração elevada de íons hidrogênio provoca aumento da frequência e da profundidade da respiração. Por conseguinte, um dos sinais diagnósticos da acidose metabólica é o aumen​to da ventilação pulmonar. Por outro lado, na acidose respiratória, a causa da acidose é a respiração deprimida que tem efeito oposto ao da acidose metabólica.
Alcalose. O principal efeito clínico da alcalose é a hiperexcitabilidade do sistema nervoso. Isso ocorre tanto no sistema nervoso central quanto nos nervos periféricos; todavia, em geral, os nervos periféricos são afetados antes do sistema nervoso central. Algumas vezes, os nervos ficam tão excitáveis que disparam de modo automático e repetitivo, mesmo não sendo excitados por estímulos normais. Em conseqüência, os músculos entram em estado de tetania, o que significa estado de espasmo tónico. Em geral, essa tetania aparece inicialmente nos músculos do antebraço; a seguir, propaga-se para os músculos da face e, por fim, estende-se por todo o corpo. Os pacientes extremamente alcalóticos podem morrer por tetania dos músculos respiratórios.
Em certas ocasiões, a pessoa alcalótica desenvolve sintomas graves de hiperexcitabilidade do sistema nervoso central. Os sintomas podem manifestar-se na forma de nervosismo extremo ou, em pessoas suscetí-veis, em forma de convulsões. Por exemplo, em pessoas com predispo​sição a ataques epilépticos, uma simples hiperventilação resulta quase sempre em crise. Na verdade, este é um dos métodos clínicos de avaliação do grau de predisposição epiléptica.
COMPENSAÇÃO RESPIRATÓRIA DA ACIDOSE OU DA ALCALOSE METABÓLICA
Anteriormente, assinalamos que a elevada concentração de íons hidrogênio na acidose metabólica provoca aumento da ventilação pulmo-
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nar, o que, por sua vez, resulta na rápida remoção de dióxido de carbono nos líquidos corporais, com redução da concentração de íons hidrogênio até seu valor normal. Por conseguinte, esse efeito respiratório ajuda a compensar a acidose metabólica. Todavia, essa compensação é apenas parcial. Em geral, o sistema respiratório tem capacidade de compensar entre 50 e 75%. Isto é, se o fator metabólico fizer cair o pH do sangue para 7,0 com ventilação pulmonar normal, a freqüência de ventilação pulmonar normalmente aumenta o suficiente para fazer retornar o pH sanguíneo a 7,2 a 7,3, conforme assinalado antes neste capítulo.
Observa-se o efeito oposto na alcalose metabólica. Isto é, a alcalose diminui a ventilação pulmonar, o que, por sua vez, aumenta a concentração de íons hidrogênio até seu valor normal. Nesse caso também podeocorrer compensação de cerca de 50 a 75%.
COMPENSAÇÃO RENAL DA ACIDOSE OU DA ALCALOSE RESPIRATÓRIA
Se uma pessoa desenvolver acidose respiratória persistente por um longo período de tempo, os rins irão secretar excesso de íons hidrogênio, resultando em aumento do bicarbonato de sódio nos líquidos extracelulares. Depois de 1 a 6 dias, o pH dos líquidos corporais terá retornado a cerca de 65 a 75% de seu valor normal, mesmo que a pessoa continue a respirar inadequadamente.
Observa-se um efeito exatamente oposto na alcalose respiratória. Ocorre perda de grandes quantidades de bicarbonato de sódio na urina, diminuindo o íon bicarbonato extracelular, fazendo com que o pH dimi​nua até quase atingir seu valor normal.
 FISIOLOGIA NO TRATAMENTO DA ACIDOSE OU ALCALOSE
Obviamente, o melhor tratamento para a acidose ou alcalose consiste em remover a condição responsável pela anormalidade; todavia, se isto não for possível, podem-se utilizar diferentes medicamentos para neutra​lizar o excesso de ácido ou de álcali.
Para neutralizar o excesso de ácido, podem-se ingerir grandes quanti​dades de bicarbonato de sódio por via oral. O bicarbonato de sódio é absorvido para a corrente sanguínea e aumenta a porção de íons bicarbonato do tampão bicarbonato, desviando, assim, o pH para o lado alcalino. Em certas ocasiões, o bicarbonato de sódio também é utilizado como terapia venosa; todavia, seu efeito fisiológico é muito acentuado e quase sempre perigoso, de modo que outras substâncias são quase sempre utilizadas em seu lugar, como o lactato de sódio ou o gliconato de sódio. As porções lactato e gliconato das moléculas são metabolizadas no organismo, deixando o sódio nos líquidos extracelulares sob a forma de bicarbonato de sódio, desviando, assim, o pH dos líquidos na direção alcalina.
Para o tratamento da alcalose, administra-se quase sempre cloreto de amônio por via oral. Quando absorvido pelo sangue, a porção amônia do cloreto de amônio é convertida pelo fígado em uréia; essa reação libera ácido clorídrico que reage imediatamente com os tampões dos líquidos corporais, desviando a concentração de íons hidrogênio para o lado ácido. Em certas ocasiões, o cloreto de amônio é infundido por via venosa; todavia, o íon amônio é altamente tóxico, de modo que esse procedimento pode ser perigoso. Outra substância algumas vezes utilizada é o monocloridrato de Usina.
 DETERMINAÇÕES E ANÁLISES CLÍNICAS DAS ANORMALIDADES DO EQUILÍBRIO ÁCIDO-BÁSICO
Medida do pH. Ao avaliar um paciente com acidose ou alcalose, é conveniente conhecer o pH dos líquidos corporais. Essa determinação pode ser facilmente feita pela medida do pH do plasma com medidor de pH com eletródio de vidro. Todavia, é preciso ter muita cautela na retirada do plasma e na determinação, visto que até mesmo a menor difusão do dióxido de carbono do plasma para o ar desvia o sistema tampão bicarbonato na direção alcalina, resultando em valor muito elevado do pH.
Diagrama pH-bicarbonato. O denominado diagrama pH-bicarbonato, ilustrado na Fig. 30.9, pode ser utilizado para determinar o tipo e a gravidade da acidose ou da alcalose. Seu uso pode ser explicado como se segue.
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Fig. 30.9 O diagrama do pH-bicarbonato para a determinação dos graus relativos de acidose ou alcalose metabólica e respiratória num paciente. (Modificado de Davenport: The ABC of Acid-Base Chemistry. Chicago, The University of Chicago Press. Copyright 1947, 1949, 1950, 1958, 1969, 1974 by The University of Chicago. Todos os direitos reservados.
As curvas mais verticais do diagrama apresentam diferentes concen​trações de dióxido de carbono. A concentração normal de dióxido de carbono de 1,2 mmol/l é indicada pela linha colorida (equivalente a Pco2 de 40 mm Hg). Os pontos ao longo dessa linha representam as possíveis combinações da concentração do bicarbonato e do pH que podem existir nos líquidos corporais quando a concentração de dióxido de carbono é normal.
As linhas mais horizontais apresentam as concentrações dos ácidos ou das bases metabólicas em excesso nos líquidos corporais. A linha colorida, indicada pelo número zero, mostra o equilíbrio entre ambos. Isto é, os pontos ao longo dessa linha representam as possíveis combi​nações entre a concentração de bicarbonato e o pH passíveis de ocorrer enquanto os ácidos e as bases metabólicas dos líquidos corporais estive​rem normais. As duas linhas horizontais superiores indicam, respectiva​mente, acréscimos de 5 a 10 mmol/l de base metabólica adicional aos líquidos corporais, enquanto as duas linhas horizontais inferiores indicam acréscimos de 5 a 10 mmol/l de ácido metabólico.
Para utilizar esse diagrama, determinamos simplesmente o pH do sangue e a concentração do bicarbonato; a seguir, registra-se o ponto apropriado no diagrama. Por exemplo, se o pH tiver o valor normal de 7,4, e a concentração de bicarbonato, o valor normal de 25 mmol/l, registramos o ponto A, que representa a condição normal.
Utilizando dados obtidos de outro paciente, estabelecemos um novo ponto de pH de 7,63, bem como uma concentração de bicarbonato de 28 mmol/l. Este é o ponto B no diagrama, que representa concentração de dióxido de carbono de 0,8 mmol/l e 7 mM/1 de base metabólica adicional. Por conseguinte, essa pessoa apresenta alcalose metabólica, devido ao considerável excesso de base metabólica nos líquidos corporais; todavia, também apresenta alcalose respiratória, devido à hiperventilação que faz com que a concentração de dióxido de carbono seja considera-velmente inferior ao normal.
De forma semelhante, com base nos dados de outros pacientes, estabelecemos os pontos C, D e E. O ponto C representa 6 mmol/l de acidose metabólica e alcalose respiratória suficiente para reduzir a concentração de dióxido de carbono para 0,7 mmol/l. Uma pessoa com resultado deste tipo pode ter alcalose respiratória que foi parcialmente compensada pela acidose metabólica produzida pelos rins.
O ponto D representa acidose metabólica leve, 2 mmol/l, combinada com acidose respiratória grave. Uma pessoa pode chegar a esse estado com acidose respiratória primária grave e acidose metabólica leve resul​tante de alguma outra causa.
O ponto E representa acidose respiratória leve e alcalose metabólica grave. Presume-se que, nesse caso, a alcalose metabólica tenha sido primária, tendo a compensação respiratória causado acidose respiratória leve na tentativa de compensar a alcalose metabólica.
Em resumo, ao utilizar o diagrama de pH-bicarbonato, podemos
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determinar ao mesmo tempo o grau de acidose ou alcalose metabólica e o grau de acidose ou alcalose respiratória no paciente.

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