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Resumão de Antropologia – O Evolucionismo, O Funcionalismo e o Método Etnográfico Domingues, M. A. O Evolucionismo O evolucionismo cultural se consolida a partir de três clássicos, são eles Lewis Henry Morgan, Edward Burnett Tylor e James George Frazer. Levando-se em conta suas divergências, estes três grandes nomes da antropologia tendiam a um ponto em comum, para eles a diversidade cultural não era um processo de evolução biológico. Portanto a idéia de evolução como explicação para a diversidade cultural não tem decorrência direta da Teoria da “Seleção Natural” de Charles Darwim, onde sobreviveriam os mais fortes, este é um primeiro ponto de grande importância, que deve ser esclarecido. Hoje veremos o evolucionismo cultural sendo muito mais criticado do que utilizado como método. Porém de acordo com Maria Cláudia Araujo (2012, p.45) Morgan, Tylor e Frazer lançaram as bases para o desenvolvimento de teorias posteriores, como o funcionalismo e o estruturalismo. Ou seja, devem receber suas devidas considerações no campo da antropologia. Podemos destacar como principais características do evolucionismo cultural, quatro idéias gerais. Como aponta Roberto Da Matta: 1. [...] a idéia de que as sociedades humanas deviam ser comparadas entre si e por meio de seus costumes. Mas tais costumes são definidos pelo investigador e não são situados lado a lado de modo horizontal. Eles não são vistos como peças de um sistema isolado de relações sociais e valores, mas como entidades isoladas de seus respectivos contextos ou totalidades. Essa separação é que vai permitir situar cada costume como sendo uma ilustração critica de momentos (estágios) sócio-culturais específicos. (Da Matta, 1987. P.91) 2. [...] a de que os costumes têm uma origem, uma substância e uma individualidade e, evidentemente, um fim. O fim não é jamais discutido pelos teóricos do século XIX, porque é sempre encarado como sendo a encarnação da sociedade branca, tecnológica, européia onde viviam os pesquisadores. (Da Matta, 1987. P.93) 3. [...] a de que as sociedades se desenvolvem de modo linear, irreversivelmente, com eventos podendo ser tomados como causas e outros como conseqüências. Junto com essa idéia de desenvolvimento linear, temos a noção de progresso e a de determinação. Assim os sistemas evoluem do mais simples para o mais complexo e do mais indiferente para o mais diferenciado, numa escala irreversível. (Da Matta, 1987. P.95) 4. Trata-se do modo típico pelo qual essas doutrinas enquadram as diferenças entre os homens. Nós já vimos que, no evolucionismo e em toda variedade de historicismo mais abrangente, as diferenças são sempre reduzidas a momentos históricos específicos. Deste modo, a sociedade que não conheço, que percebo como estranha a mim e aos meus que, no entanto, é minha contemporânea, fica reduzida nesta forma de pensamento a uma etapa pela qual minha sociedade já passou. Ou seja, o modo típico de pensar as diferenças na posição evolucionista é pela redução da diferença espacial, dada pela contemporaneidade de formas sociais diferenciadas, dentro de uma unidade temporal postulada, posto que inexistente ou conjectural. (Da Matta, 1987. P. 98. Abrindo mão de outros autores da linha evolucionista da antropologia (que no momento não nos interessam) iremos agora sintetizar [...] “idéias-chave de teoria e método característicos do evolucionismo cultural” (CELSO; Castro, 2005, p. 8). Morgan Lewis Morgan determinou que as condições básicas que se pode analisar em cada estágio da história humana são, por um lado, as invenções e descobertas e, por outro lado, o surgimento das primeiras instituições. Dessa forma, constatam-se alguns fatos que marcavam a gradual formação e desenvolvimento de certas paixões, idéias e aspirações, comuns aos humanos em cada estágio. Seriam eles: 1. A subsistência; 2. O governo 3. A linguagem; 4. A família; 5. A religião; 6. A arquitetura; 7. A propriedade. Cada um desses fatos e seus desenvolvimentos caracterizam a formação de um período étnico, permitindo a sua distinção e identificação dos demais. De forma geral, Morgan designou três grandes períodos étnicos da humanidade: a Selvageria, a Barbárie e a Civilização. Vejamos como ocorreram: A selvageria iniciou-se com o surgimento da raça humana, adquirindo uma dieta à base de peixes e também desenvolvendo o conhecimento e uso do fogo, chegando, por fim, à invenção do arco e flecha; A barbárie é a fase imediatamente posterior à selvageria, tendo como característica distintiva a invenção da arte da cerâmica. É também caracterizada pela domesticação de animais, bem como do cultivo de plantas através de um sistema de irrigação. O uso de tijolos de adobe e pedras na construção de moradias também fez parte deste período. Por fim, a invenção do processo de fundição do minério de ferro e o uso de ferramentas deste metal. A civilização, período ao qual pertencemos, tem início, conforme Morgan, com a invenção do alfabeto fonético e o uso da escrita e estende-se, como dito, até a atualidade. Morgan se utiliza, assim como outros autores de seu tempo do método dedutivo para preencher os espaços vazios que surgem neste seu esquema classificatório. Como aponta Cañete (p.34) “A comparação mas sobretudo a dedução foram seus métodos de pesquisa”. Morgan se baseia na ideia de que toda a humanidade segue a mesma história, determinada por uma natureza comum. Sua visão teleológica e idealista concebe que todos os povos estão destinados a cumprir sua realização no atingimento da civilização. Esta, obviamente, é idealizada com base na cultura ocidental eurocêntrica. Seu etnocentrismo (e o de autores evolucionistas) o levou a pensar na própria cultura como padrão para todas as outras. Dessa forma, Morgan compreende que há uma uniformidade cultural que só se diferencia em termos de grau. Essa perspectiva será revisada pela antropologia do século XX, que conceberá as culturas (no plural) como dotadas de características únicas. Ele analisa as diversas sociedades segundo o desenvolvimento de 4 variáveis: as invenções e descobertas, a organização sócio-política, a organização familiar e a noção de propriedade. O grau de complexidade de cada uma dessas variáveis é o que permite, segundo Morgan, diagnosticar o estágio evolutivo de uma determinada sociedade. Mais uma vez vemos o etnocentrismo por trás de seu pensamento, pois a importância dessas variáveis (arbitrárias) só tem sentido para o ponto de vista de sua cultura. Uma vez que os objetos de estudo dessa antropologia são os diferentes povos ao redor do mundo, Morgan considerava importante preservá-los da influência e esfacelamento provocados pelos “civilizados”, pois não bastava ter acesso à produção material desses povos (objeto de estudo mais da Arqueologia), sendo necessário observar sua linguagem, suas instituições, seus manifestações artísticas em sua forma “pura”. Assim, se a antropologia contemporânea possui uma outra visão sobre as culturas (e não sobre a cultura), e considera que as influências mútuas são inevitáveis e fazem parte da vida intercultural humana, podemos considerar que os esforços por proteger os povos “primitivos” são a herança de um germe que se formou já nos primórdios dessa disciplina. Tylor Edward Tylor é conhecido por ter apresentado o primeiro conceito antropológico de cultura, em sua obra mais célebre, Cultura Primitiva, de 1871, de acordo com Celso Castro (2005, p. 17) “Cultura ou Civilização, tomada em seu mais amplo sentido etnográfico, é aquele todo complexo que inclui conhecimento, crença, arte,moral, lei, costume e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem na condição de membro da sociedade”. Deve-se ressaltar, no entanto, algo muitos vezes esquecido nas inúmeras citações desde então feitas dessa frase: que Tylor fala de cultura ou civilização. Ao tomar as duas palavras como sinônimas as definição de Tylor distingue-se do uso moderno do termo cultura (em seu sentido, relativista, pluralista e não- hierárquico), que só seria popularizado com a obra de Franz Boas, já no inicio do século XX. Cultura para Tylor, era palavra usada sempre no singular, e essencialmente hierarquizada em estágios. Nesta definição, fica clara a noção, vista anteriormente em Morgan, de uma relação íntima entre cultura e civilização. Para Tylor, a cultura humana ou civilização se apresenta em vários estágios e não é entendida de forma plural e relativista, mas sob uma perspectiva universalizante. Os povos do mundo são vistos neste viés como numa escala, sendo alguns mais “cultos” ou “civilizados” do que outros. Tylor deixa claro em sua obra que as leis que regem a sociedade devem ser as mesmas que regem a natureza. A evolução da humanidade e da cultura seria então análoga à evolução das espécies segundo os biólogos evolucionistas, como Charles Darwin, defendiam na época. Sua proposta era estudar a evolução das instituições (religião, arte, costumes etc.) enquanto variáveis isoladas e não como parte de um organismo social dentro do qual elas têm um sentido (da mesma forma que um biólogo poderia estudar a evolução do olho ou outra parte do corpo em diferentes espécies). Esse método marcava toda a corrente evolucionista e seria criticado pelas gerações de antropólogos posteriores, pois era baseado no simples preconceito de que os povos agrupados em estágios evolutivos semelhantes são semelhantes entre si. No entanto, essa constatação era feita somente através dos instrumentos coletados em museus e não pela observação direta dos referidos povos. Além disso, Tylor apontava para a importância das “sobrevivências” de estágios evolutivos anteriores como provas do progresso da cultura. Entretanto, apesar do forte etnocentrismo que perpassa toda a ideia central do evolucionismo cultural, é interessante notar que as bases da perspectiva relativista e antirracista já estavam sutilmente presentes nas obras desses autores, como vemos neste trecho da obra de Tylor: Para o presente propósito, parece tanto possível quanto desejável eliminar considerações de variedades hereditárias, ou raças humanas, e tratar a humanidade como homogênea em natureza, embora situada em diferentes graus de civilização. Os detalhes da pesquisa provarão, parece- me, que estágios de cultura podem ser comparados sem se levar em conta o quanto tribos que usam o mesmo implemento, seguem o mesmo costume ou acreditam no mesmo mito podem diferir em sua configuração corporal e na cor de pele e cabelo. Diferente de Morgan, Tylor afirma que o pensamento primitivo é tão racional quanto o do ser humano civilizado, embora reitere a posição de que aquele é mais ignorante do que este. Ironicamente, essa constatação sobre o “pensamento selvagem” seria reafirmada pelo estruturalismo de Claude Lévi-Strauss, este já inserido numa corrente que herdou o relativismo de Franz Boas, um dos mais importantes críticos do evolucionismo cultural. Frazer Nascido em Glasgow, Escócia, em 1857, Frazer sempre se interessou pelos estudos das obras da antiguidade greco-romana, e seguiu uma longa carreira acadêmica nesse campo. Na década e 1880, conheceu William Robertson Smith, que o convenceu a se enveredar pela Antropologia. Aliando seus dois interesses, Frazer conceberia sua maior e mais célebre obra, O Ramo de Ouro (The Golden Bough). A primeira edição tinha dois volumes 800 páginas, mas o livro foi crescendo a cada edição, até atingir mais de 4.500 páginas em 13 volumes. Em 1922, Frazer lançou uma versão resumida em um volume. Sua obra obteve grande sucesso entre o público, mas no final de sua carreira os antropólogos já a consideravam anacrônica e mais literária, do que científica. Nessa época, o evolucionismo cultural já havia se esgotado. A obra de Frazer é talvez a que deixa mais explícito o método comparativo característico da antropologia evolucionista. O Ramo de Ouro, por exemplo, propõe colocar lado a lado um imenso número de exemplos de mitos e ritos das mais diversas culturas, com o objetivo de encontrar semelhanças que demonstrem a natureza comum a toda a cultura humana. Frazer ajudou a definir o lugar da Antropologia entre os ramos científicos. No ensaio Escopo da Antropologia Social, ele localiza esta nova ciência como uma sub-área da Sociologia, reconhecendo sua especificidade mas ainda subordinando-a a outra área. Além disso, para validar a Antropologia como ciência, Frazer propunha que ela servisse como meio de intervenção (os governantes deveriam usar esse saber para incentivar o desenvolvimento da sociedade) e previsão (através dela poderíamos antever o futuro da humanidade). Porém, ainda mais séria é a proposição de que a dominação imperialista dos povos “selvagens” pelas nações européias é justificada pela suposta necessidade de desenvolvimento da “cultura”. Partindo da noção da desigualdade natural entre os seres humanos, Frazer enfatiza que a evolução dos povos mais “primitivos” deve se dar com a atuação da liderança dos povos mais “civilizados”, entendidos por ele como dotados de uma inequívoca superioridade intelectual. Essa seria a única forma de garantir a predominância da “ordem” civilizada sobre o “caos” selvagem. O antropólogo escocês deixa claro que o estudo dos povos “selvagens” é uma forma de conhecermos o passado das nações “civilizadas”, já que, na perspectiva evolucionista, cada povo pode ser encaixado em um dos estágios diacrônicos, e se uma sociedade “civilizada” está no topo dessa evolução, é porque ela passou por todos os estágios anteriores, inclusive o estágio “selvagem”. E se uma sociedade é “selvagem” é porque ela não saiu da fase mais rudimentar dessa escala evolutiva. Dessa forma, o interesse pelos povos mais “primitivos” advém do esforço por entender nossa própria evolução (vale dizer, a evolução da cultura da qual faziam parte esses intelectuais). Além disso, assim como Tylor, Frazer também trabalhava com a ideia de “sobrevivências”. As crenças mais primitivas perderiam este status na evolução da cultura e se manteriam apenas como crendices ou folclore, o que serviria para se estabelecer um elo evolutivo entre os diferentes estágios. É bom ressaltar a distinção que Frazer faz entre “selvagem” e “primitivo”. Para ele, este termo só poderia ser aplicado a um estágio anterior à da formação da cultura e que já se perdeu na história da humanidade. Os povos de cultura mais rudimentar que existem hoje estariam, segundo Frazer, na “selvageria” e não na “primitividade”. Esse detalhe pode ser considerado, à revelia do que pensava Frazer, uma base para se dissociar a evolução biológica da realidade cultural humana, que não segue a mesma lógica da seleção natural. A Evolução do Evolucionismo Embora a antropologia evolucionista tomasse emprestada a noção de evolução darwiniana para postular uma evolução cultural ou civilizatória, esta está mais atrelada à noção de progresso presente no pensamento de Herbert Spencer. Enquanto Darwin apresentava em seu A Origem das Espécies uma árvore genealógica que mostrava uma diversidade de caminhos por que passa a evolução dos seres vivos, Spencer entendia o progresso como uma escada unilateral. Para os evolucionistas, a cultura era entendida como um fenômeno universal e singular. Em seu paradigma, havia apenas uma “cultura humana”, que se manifestava em diversos graus de desenvolvimentode acordo com o grupo social considerado. As diferenças culturais, para esses teóricos, se devia a uma diferença de grau de evolução e não a peculiaridades históricas de cada sociedade. Mas o ideal presente no degrau mais alto da escada evolucionista era ocupado pelas sociedades europeias e norte-americana, ou seja, as mesmas às quais pertenciam seus pensadores, pois cada sociedade pensa na própria cultura como a mais exemplarmente humana, e se qualquer outra cultura tivesse desenvolvido o Evolucionismo, teria colocado a si mesma no estágio da civilização. Franz Boas, antropólogo alemão radicado nos EUA, daria o pontapé inicial para relativizar as culturas humanas (no plural) e compreender suas diferenças em termos de histórias distintas e não de grau evolutivo. Já o método comparativo seria abandonado com o desenvolvimento da observação participante, empreendida por Bronislaw Malinowski. A Antropologia se desenvolveria posteriormente com uma perspectiva relativista, vendo as diversas culturas como formas diferentes de viver e ver o mundo, e passaria a servir muito mais para veicular a voz dos povos “nativos” do que como instrumento de sua dominação. Entretanto, podemos ver nas obras de Morgan, Tylor e Frazer algumas das sementes que permitiriam esse desenvolvimento. O Funcionalismo – Uma nova visão da antropologia O Funcionalismo (também chamado Análise Funcional) é uma linha de análise que procura explicar aspectos da sociedade em termos de funções realizadas por instituições e suas consequências para sociedade como um todo. É uma corrente teórica centralmente fundamentada na obra do sociólogo Durkheim. Durkheim forneceu as basses do desenvolvimento teórico dos funcionalistas na antropologia, sobretudo aprofundando e desenvolvendo as novas análises antropológicas baseadas as categorias/conceitos durkheinianos de função e integração funcional. Para esta corrente cada instituição exerce uma função específica na sociedade e seu mau funcionamento significa um desregramento da própria sociedade, fazendo com que os funcionalistas se atenham centralmente na relação função ↔ conseqüência como explicadora da dinâmica social. Tal tradição desenvolve uma análise que originalmente tenta explicar as instituições sociais como meios coletivos de satisfazer necessidades biológicas individuais, vindo mais tarde a se concentrar nas maneiras como as instituições sociais satisfazem necessidades sociais, especialmente a solidariedade social. Foi uma das primeiras teorias antropológicas do século XX, até ser superado pela análise Estrutural-funcionalista. Estritamente vinculado ao trabalho de campo (embora não se reduza a uma técnica de pesquisa) os funcionalistas ganham espaço tecendo pesadas críticas aos métodos de investigação e interpretação dos evolucionistas e difusionistas, apontando novos métodos de ordenação e interpretação das evidencias empíricas. A preocupação com a adequação das categorias à realidade estudada está estreitamente associada ao empenho em reconhecer e preservar a especificidade. Para os funcionalistas, os elementos culturais não podem ser manipulados e compostos arbitrariamente porque fazem parte de sistemas definidos, próprios de cada cultura e que cabe ao investigador descobrir. Essa noção se expressa no postulado da integração funcional, que assume importância fundamental em toda análise funcionalista. O conceito de função aparece como o elemento que permite reconstruir, a partir de dados aparentemente caóticos que se oferecem à observação de um pesquisador de outra cultura, os sistemas que ordenam e dão sentido aos costumes, nos quais se cristaliza o comportamento dos homens. O Funcionalismo segundo Malinowski O funcionalismo encontrou seu apogeu a partir de 1930, mas veio crescendo desde 1914 quando Malinowski iniciou seus estudos. Um ponto marcante do funcionalismo foi haver imprimido ao estudo da antropologia uma nova orientação. Até então, tanto o evolucionismo como os difusionismos preocuparam-se com as origens, com os problemas das transformações sócio-culturais. Malinowski e, depois Radcliffe Brow, preocuparam-se em estudar e explicar o funcionalismo da cultura num momento dado. Ao funcionalismo não interessa mais explicar o presente pelo passado, mas o passado pelo presente. Minha indiferença pelo passado e sua reconstituição não é, portanto, uma questão de pretérito por assim dizer, o passado sempre será atraente para o antiquário e todo antropólogo é um antiquário (...) eu pelo menos, certamente sou. A minha indiferença por certos tipos de evolucionismo é uma questão de métodos. (MALINOWSKI: 241) Um outro ponto marcante desta escola é a visão sistemática utilizada na análise da cultura, procurou explicar a maneira de ser de cada cultura, buscando as razões não mais nas origens. Os funcionalistas acreditavam ser possível conhecer uma cultura sem estudar-lhe a história. Além disso, há o fato de ela ter-se apoiado de modo decisivo nas pesquisas de campo. Malinowski foi quem mais desenvolveu esse tipo de atuação dentro da antropologia. Segundo ele era preciso fazer um estágio dos antropólogos junto aos povos primitivos. Definir a cultura como produto da natureza humana, isto é, reconhecia-se como filha da unidade psiquica do homem. O próprio conceito de cultura vai apoiar-se no conceito de natureza humana. Por natureza humana, portanto exprimimos o determinismo biológico que impõe a toda civilização e a todos os indivíduos a realização de funções corporais tais como respirar, dormi, repousar, reproduzir (MALINOWSKI: 246) O determinismo de que ele fala e o que se prende ao fato irretorquível de que as culturas poderão assumir formas mais variadas, mas deverão, necessariamente se aptas a satisfazer as necessidades básicas do homem. Cultura, segundo MALINOWSKI é o todo integral constituído por implementos de bem de consumo, por cartas constitucionais para os vários agrupamentos sociais, por idéias e ofícios humanos, por crenças e costumes. Malinowski considerou axiomas gerais do funcionalismo: 1. A cultura é essencialmente uma aparelhagem instrumental pela qual o homem é colocado numa posição melhor para lidar com os problemas específicos, concretos que lhe deparam em seu ambiente, no curso da satisfação de suas necessidades. 2. É um sistema de objetos, atividades e atitudes, no qual parte existe como meio para um fim. 3. É uma integral na qual vários elementos são interdependentes. 4. Essas atividades e objetos organizados em torno de tarefas importantes e vitais, em instituições tais como a família, o clã, a comunidade local, a tribo e as equipes organizadas de cooperação econômica política, legal e atividade educacional. 5. Do ponto de vista dinâmico a cultura pode ser analisada numa série de aspectos tais como: educação, controle social, economia, sistemas de conhecimento, crença e moralidade e também modos de expressão criadora e artística. O método funcionalista Refere-se ao estudo das culturas sob o ponto de vista da função, ou seja, ressalta a funcionalidade de cada unidade da cultura no contexto cultural global. Uma característica da abordagem funcional é descobrir as convenções existentes em uma cultura e saber como funcional. Averiguar as funções de usos e costumes de determinada cultura que levam a uma identidade cultural, observação, entrevista, etc. As formas de pensar e agir de grupos diferentes, devem merecer o maior respeito possível e, por isso, seria injusto a introdução deliberada de mudanças no interior dessas culturas. Por exemplo: o ensino do cristianismoentre grupos tribais brasileiros durante praticamente quinhentos anos foi uma violência e um desrespeito à cultura indígena. Para os antropólogos, a cultura tem significado amplo: engloba os modos comuns e aprendidos da vida transmitidos pelos indivíduos e grupos em sociedade. O evolucionismo e o Funcionalismo a partir da Magia (Aqui fiz um muito breve resume, apontando as principais divergências entre o conceito de magia para as duas escolas, é preciso que se faça uma leitura mais aprofundada dos textos para se compreender a totalidade do tema!) Vamos confrontar estas duas escolas? Mais exatamente Frazer e Malinowski? A magia possui um significado completamente distinto para cada um destes grandes antropólogos. Já estudamos até aqui sobre as características do evolucionismo e do funcionalismo dados suficientes para compreender a enorme diferença entre elas. O modo de enxergar o outro, de enxergar aquilo que lhe é estranho. Passemos então diretamente ao tema. Para Frazer e a escola evolucionista no geral, a Magia, se encontra lá embaixo na linha de evolução da humanidade. Ou seja, ela seria um estágio inicial da civilização/cultura humana, descrita como um conjunto de artes puramente práticas, executadas para atingir um fim. Na escala de evolução a magia é o inicio do processo que se encaminha até chegar à religião, da civilização. No funcionalismo, como já vimos, esta idéia de evolução é derrubada. Passamos a estudar as outras culturas e os outros povos, com um olhar atento e não mais de dentro de um gabinete, Malinowski e demais antropólogos desta escola conviveram pessoalmente com os povos que estudaram. Aqui a magia já não é mais considerada como o nível mais baixo da civilização menos evoluída, que precede a religião; Ela é considerada caso a caso, como sendo parte integrante importantíssima e fundamental de cada cultura. O Método Etnográfico (aqui concentrei os estudos no método etnográfico de Malinowski, isso se deve ao fato de que ainda não estudamos Radcliff- Brown e ele não cairá nesta primeira prova!) Um antropólogo funcionalista bem importante chamado Bronislaw Malinowski foi um dos primeiros caras a se preocupar com uma sistematização do método etnográfico. No final do século XIX e início do século XX, com a criação da sociologia como ciência, começava-se também a elaborar as bases da antropologia. Essas duas ciências sociais nascem mais ou menos juntas, e têm um ponto de convergência interessante na relação intelectual e familiar entre Durkheim(fundador da sociologia) e Marcel Mauss, seu sobrinho (considerado o pai da etnologia, que, grosso modo, dizemos que inaugurou a antropologia). Malinowski desenvolveu seus estudos mais ou menos na mesma época, contribuindo com a construção dessa nova disciplina científica. Pois foi em suas viagens às Ilhas Trobriand, procurando estudar as práticas culturais ligadas à magia entre os trobriandeses, que ele percebeu uma série de problemas na forma com que se fazia etnografias até então. Quer dizer, as chamadas "etnografias" feitas até o início do século XX eram muito mais parecidas com relatos intuitivos de viagens do que métodos científicos propriamente ditos. Isso significa que o conhecimento que se podia obter por meio dessas primeiras etnografias era altamente questionável, pois não existia nenhuma preocupação com a solidez desses dados. Muitas vezes, a opinião e os preconceitos culturais do viajante se misturavam a informações sobre práticas culturais, outras vezes os relatos eram baseados em pontos de vista de colonizadores, etc. No livro "Os argonautas do pacífico ocidental", em que publica sua etnografia dos trobriandeses, Malinowski sistematiza o método etnográfico, conferindo-lhe cientificidade pela primeira vez. Para facilitar a compreensão da proposta do antropólogo, dividi suas ideias em três pontos centrais. Atitudes centrais para o bom desenvolvimento de uma etnografia, segundo ele: 1. Viver entre os nativos Para Malinowski, viver entre os nativos deve ser uma premissa básica da etnografia. Sem viver entre nativos, convivendo constantemente com colonizadores brancos, não é possível captar e compreender a cultura nativa nela mesma (postura de alteridade, lembram?). Acabaríamos, segundo ele, captando as percepções dos brancos, e não nos livraríamos de nossos preconceitos e de nossa cultura. Por isso, a observação participante (viver entre os nativos, entrar na rotina deles) é fundamental. Ela é, segundo Malinowski, a única forma de captarmos realmente o funcionamento de uma certa cultura, da maneira mais precisa o possível, o que nos permite compreendê-la nela mesma. 2. Ter uma pergunta na cabeça A observação científica, seja em laboratórios com microscópios, seja no espaço sideral com satélites ou numa ilha no meio do Oceano Pacífico, é sempre, orientada por uma pergunta científica. Não é uma observação casual, desinteressada. É uma observação sistemática que tenta responder a alguma coisa. Essa "alguma coisa" também não é criada do zero, imaginada num vácuo pelo cientista. Essa "alguma coisa" dialoga com teorias científicas e conhecimento acumulado que já existem. Malinowski propõe que a etnografia seja um método científico, logo, uma ferramenta usada para, observando as culturas, responder a uma pergunta científica que dialoga com teorias e conhecimento acumulado sobre a cultura. Essa característica da etnografia faz também com que: I) Se produza de fato algum conhecimento a partir da observação; e II) Esse conhecimento seja útil, sirva para compreendermos alguma coisa, explicarmos outras, elucidarmos outras ainda, etc. III) Esse conhecimento possa ser articulado a outros, e acumulado para que a sociedade se desenvolva. 3. Usar e elaborar ferramentas eficazes que complementem a observação Vivendo entre os nativos, com sua observação orientada por uma pergunta científica, é possível captar e descrever uma série de práticas concretas, materiais das pessoas. Também é possível perceber uma série de discursos trocados e elaborados na vida social daquele povo que se observa. Acontece que, no caso das ciências sociais, há uma parte razoável dos dados que precisamos analisar que são dados subjetivos não evidentes. Quer dizer, estamos interessados em entender a maneira de pensar e executar o que se pensa numa certa cultura. Só que nem sempre essa maneira de pensar e executar o que se pensa acaba aparecendo concretamente nas ações observáveis do cotidiano. Por isso, os etnógrafos fazem uso de outras ferramentas, complementares à observação. Malinowski destaca as três mais importantes: a) a descrição da observação, feita em diários de campo, precisa ser minuciosa explicitar aquilo que for óbvio e aquilo que não for óbvio para o observador; ao fazer isso, o etnógrafo torna possível separar sua própria subjetividade e seus preconceitos daquilo que é concreto sobre as práticas do povo observado. b) uma descrição mais geral daquela sociedade enquanto um todo, também ajuda a contextualizar as observações específicas num quadro geral; esse "quadro" pode incluir informações demográficas, estatísticas, descrição dos sistemas de parentesco e outras hierarquias sociais, etc. c) por fim, as entrevistas etnográficas devem ser realizadas com alguns nativos; essas entrevistas são alongadas, e não se estruturam a partir das perguntas do observador, mas sim a partir da fala dos entrevistados, o que permite que eles forneçam ao observador um retorno reflexivo subjetivo sobre as práticas observadas, ampliando a compreensão do etnógrafo sobre aquela cultura. “Os Argonautas do Pacífico Ocidental” Quando a pesquisa de campo intensiva de Malinowski foirealizada nas Ilhas Trobriand, no início do século XX, a etnografia ainda não havia se consolidado como uma importante ferramenta de trabalho para os antropólogos. Malinowski (1976), na introdução de “Os Argonautas do Pacífico Ocidental”, apresenta uma preocupação em detalhar os princípios fundamentais que compõe o método de pesquisa da antropologia moderna. Para compreender melhor os objetivos de Malinowski (1976), é preciso uma observação mais apurada sobre os diferentes caminhos propostos por ele para a pesquisa etnográfica. O primeiro refere-se à busca pela organização da tribo e pela anatomia de sua cultura, que devem ser delineadas através do método da documentação concreta e estatística, já que o objetivo fundamental da pesquisa de campo é delinear o esquema básico da vida tribal. Por isso, torna-se importante observar todos os aspectos da cultura nativa e anotar o maior número possível de manifestações concretas do que é observado em um diário de campo. O segundo caminho completa o primeiro, ao tratar dos imponderáveis da vida real, referido aos fenômenos cotidianos que devem ser observados por meio do acompanhamento contínuo da tribo. Assim, os diversos tipos de comportamentos podem ser coletados através de observações detalhadas e minuciosas, possibilitadas apenas pelo contato íntimo com a vida nativa. O terceiro passo é denominado de corpus inscriptionum, referido à coleta de narrativas típicas, palavras e expressões características da mentalidade nativa que contribuem para a compreensão da sua visão de mundo. Assim, para além do esqueleto da vida nativa, composto pelo corpo e sangue da tribo, ou melhor, pelas descrições das manifestações, comportamentos e costumes habituais, o antropólogo deve ser capaz de apreender o seu espírito, ou seja, o ponto de vista nativo. Procurando descobrir os modos de pensar e sentir típicos à cultura estudada. A partir da aplicação prática destes princípios, Malinowski rompe com uma “antropologia de gabinete1 ” e inaugura um novo estilo de pesquisa pautado em um constante diálogo entre a observação participante e as descrições etnográficas. O método proposto por Malinowski compreende uma investigação aprofundada da vida nativa de modo que o etnógrafo possa compreender a organização social da vida tribal, sintetizados através da compreensão do ponto de vista nativo. A importância da obra de Malinowski fica explicitada, portanto, em seu trabalho monográfico, onde estão expressas as possibilidades interpretativas suscitadas pelo método etnográfico. Os nativos do extremo leste da Nova Guiné são descritos como navegadores bravos que atravessam rotas comerciais bem definidas para negociação de materiais de diversos tipos e valores, a fim de estabelecerem a troca cerimonial de colares e braceletes, que caracteriza o kula. A troca assume um caráter intertribal, restringindo a circulação dos objetos, que segue uma série de regras e convenções, abarcando um conjunto de atividades inter-relacionadas de modo a formar um todo orgânico.O Kula estabelece uma parceria entre os indivíduos que participam das trocas, assumindo um status fixo permanente, na medida em que estabelece entre os parceiros uma série de deveres e obrigações recíprocas. Malinowski explica a vida nativa através da concepção, extraída de sua própria experiência de campo. O kula se apresenta como um empreendimento econômico cuja importância teórica e empírica está em sua capacidade de sintetizar e expressar o código cultural. Sua eficácia está relacionada ao estabelecimento de trocas incessantes que se relacionam a outros aspectos fundamentais da vida social que funcionam de modo integrado, como: magia, religião, cultura material, parentesco e organização social. O kula é um empreendimento que produz a circulação de um conjunto de valores, materiais e relações que interligam os indivíduos participantes em torno deles mesmos, em nome de necessidades precisas. O kula, este sistema de prestações e contraprestações, é tomado como eixo central para a descrição de Malinowski sobre as instituições que fazem parte da totalidade cultural trobriandesa. Referências: CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto. Tempo e tradição: interpretando a Antropologia. In: Sobre o pensamento antropológico. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,1997. CASTRO, Celso. Apresentação. In CASTRO, Celso (Org.). Evolucionismo Cultural: textos de Morgan, Tylor e Frazer. Rio de Janeiro: Zahar, 20005. P. 7-40 DA MATTA, Roberto. História da Antropologia. In: Relativizando: Uma introdução á Antropologia Social. Rio de Janeiro: Rocco, 1987. P. 86-101 DOUGLAS, Mary. Introdução. In: FRAZER, Sir James George. O Ramo de Ouro. Rio de Janeiro: Guanabara, 1982 (1980). P.9-15 FRAZER, Sir James George.O Ramo de Ouro.Rio de Janeiro: Guanabara,1982(1980). – Trechos selecionados: O rei do bosque, Os reis sacerdotes, A magia simpática, Nossa dívida para com o selvagem p. 19-46, p. 97-98 DURHAM, Eunice Ribeiro. Uma nova visão da antropologia. In DURHAM, Eunice Ribeiro (Org.). Malinowski: antropologia. São Paulo: Ática, 1986. P. 7-22 MALINWSKi, Bronislaw. O significado do Kula. In: DURHAM, Eunice Ribeiro (Org.) Malinowski: antropologia. São Paulo:àtica, 1986. P.107-116. Bibliografia complementar: DA MATTA, Roberto. Funcionalismo In: Relativizando: uma introdução à Antropologia Social. Rio de Janeiro, Rocco, 1987. P. 101-106 MALINOWSKI, Bronislaw. Introdução: o assunto, o método e o objetivo desta investigação. In: DURHAM, Eunice Ribeiro. Malinowski: antropologia. São Paulo: Ática, 1986. P. 24-48 MALINOWSKI, Bonislaw. A coleta e a interpretação dos dados empíricos. In: DURHAM, Eunice Ribeiro. Malinowski: antropologia. São Paulo: Ática, 1986. P. 143-158 MALINOWSKI, Bonislaw. Um diário no sentido estrito do termo. São Paulo: Record, 1997. (Prefácio, de Valetta Malinowska / Introdução e Segunda introdução, de Raymond Firth / trecho do diário de campo de Malinowski) – p. 10-35, p. 262-271 Sites visitados: http://teianeuronial.com/evolucionismo-cultural/ http://publicacoes.fatea.br/index.php/angulo/article/viewFile/841/607 http://www.brasilescola.com/filosofia/evolucionismo-cultural-segundo-lewis- morgan.htm http://arquivos.unama.br/nead/graduacao/ccbs/fisioterapia/1semestre/fund_socio_antr o_da_saude/material/pdf/apendice_a.pdf https://pensandoaantropologia.wordpress.com/escolas/funcionalismo/ http://antropologiauecegrupo1.blogspot.com.br/2012/05/o-funcionalismo-de- malinowski.html http://old.kov.eti.br/ciencias-sociais/ciencias- sociais/artigos/antropologia/estruturalismo-funcionalismo.pdf http://sociologiadiario.blogspot.com.br/2013/05/h23-etnografia.html http://uaiinformatica.net/luciana/textos-para-cursos/5_giselle_lage.pdf
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