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Gérard Vergnaud - Entevista

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Gérard Vergnaud: "Todos perdem quando a pesquisa não é colocada em prática" 
O pesquisador francês, uma referência na didática de Matemática, diz que só conhecendo a forma 
como os alunos aprendem é possível ensinar. Por Gabriel Pillar Grossi (novaescola@fvc.org.br). 
No campo do ensino da Matemática, poucos nomes são tão respeitados quanto o de Gérard 
Vergnaud. Aos 75 anos de idade e depois de orientar mais de 80 teses de mestrado e doutorado, ele 
continua trabalhando como diretor emérito de estudos do Centro Nacional de Pesquisas Científicas 
(CNRS, na sigla em francês), em Paris. Formado em Psicologia, fez a própria tese de doutoramento 
com ninguém menos que Jean Piaget. "O título era A Resposta Instrumental como Resolução de 
Problemas. Pura teoria", lembra Vergnaud. De lá para cá, passou a se dedicar cada vez mais aos 
aspectos práticos - a didática da disciplina. Sua descoberta mais importante é a chamada Teoria dos 
Campos Conceituais, que ajuda a entender como as crianças constroem os conhecimentos 
matemáticos. "Infelizmente, na Educação, não temos o hábito de levar o resultado das pesquisas 
para dentro da sala de aula, como fazem regularmente médicos e outros cientistas, e isso é uma 
perda muito grande para nós", diz. Em outubro, ele vem a São Paulo a convite da Fundação Victor 
Civita para falar sobre seus estudos durante a Semana de Educação. Saiba mais por que é tão 
importante conhecer os processos de aprendizagem dos alunos na entrevista a seguir, concedida no 
fim de abril, quando Vergnaud esteve na capital gaúcha para prestar consultoria a professores 
locais. 
O que é, resumidamente, a Teoria dos Campos Conceituais? 
GÉRARD VERGNAUD: O resultado de muita pesquisa com estudantes, que nos leva a compreender 
como eles constroem conhecimentos matemáticos. Ela é fundamental para ensinar a disciplina, pois 
permite prever formas mais eficientes de trabalhar os conteúdos. Na minha palestra, quero mostrar 
a relação entre essa teoria e a prática escolar. 
É fácil fazer essa transposição para a sala de aula? 
VERGNAUD: Nem sempre. Mas, se não levamos os resultados das pesquisas para a sala de aula, 
perdemos muito. Na maioria dos campos da Ciência, existe a percepção de que, se alguém cria uma 
teoria, isso é bom. Em Educação, essa idéia infelizmente não é tão difundida. Muitos resistem às 
descobertas por acreditar que basta repetir o que é feito há séculos. 
Como aumentar o interesse dos professores pelas pesquisas didáticas? 
VERGNAUD: É preciso entender que tudo é muito novo. Há 30 anos, ninguém estudava isso. Aos 
poucos, foram sendo feitos trabalhos para explicar como a criança aprende. Hoje, quando um 
pesquisador apresenta resultados que mudam conceitos amplamente difundidos, a primeira reação é 
de surpresa. Em seguida, alguns falam: "Ah, é interessante". Daí a mudar a prática de sala de aula, 
leva tempo. A Teoria dos Campos Conceituais está apenas começando a ser utilizada nos cursos de 
formação. 
 
Mas os ganhos para quem usa esse conhecimento são enormes. 
VERGNAUD: Sem dúvida, porque o professor passa a compreender melhor o que faz em classe. No 
caso da Matemática, é muito claro que as crianças têm necessidade de assimilar aquilo que pedimos 
que elas façam. Por isso, temos de propor situações nas quais a soma faça sentido, a subtração faça 
sentido - e isso vale para a escolha dos dados, não só para as contas. E vale também para o 
professor. Se ele vê os alunos errar sem entender o percurso que estão trilhando, todo o trabalho se 
perde, não funciona. 
Como o professor consegue sair do estágio de "entender a teoria" para "usá-la na 
prática"? 
VERGNAUD: Só com muita formação. Aqueles que usam bem a Teoria dos Campos Conceituais no 
dia-a-dia são os que voltaram a ela, testaram coisas com seus alunos, cometeram erros, 
recomeçaram. Só assim é possível dominar o assunto e se sentir seguro na prática. 
 
"Se o professor vê os alunos errarem sem entender o percurso que estão trilhando, o 
trabalho não funciona." 
Como os professores podem interferir nesse processo? 
VERGNAUD: Jean Piaget disse que o conhecimento é uma adaptação a situações nas quais é 
necessário fazer algo. Por isso, se não confrontamos as crianças com situações nas quais elas 
precisem desenvolver conceitos, ferramentas, limites, elas não têm razão para aprender. Isso vale 
para a escola, mas também para a vida, para a experiência profissional. Em Matemática, por 
exemplo, insistimos na chamada resolução de problemas - propor situações que as crianças não 
sabem resolver para fazer evoluir em seus conhecimentos. Portanto, queremos desestabilizá-las. E 
se desestabilizarmos demais? Elas também não vão aprender. Portanto, gerenciar o aprendizado é 
gerenciar ao mesmo tempo a desestabilização e a estabilização. Portanto, temos de pensar mais e 
propor situações corriqueiras aos que estão aprendendo. Sempre fizemos isso, às vezes de forma 
intuitiva. O que minha teoria propõe é que precisamos pensar de forma mais sistemática. O grande 
desafio do professor é ampliar as dificuldades para as crianças, mas sabendo o que está fazendo e 
aonde quer chegar. 
O senhor pode dar alguns exemplos de como as crianças constroem o conhecimento 
matemático? 
VERGNAUD: Aos 5 anos, as crianças já compreendem alguns aspectos da adição. O primeiro 
modelo que elas aprendem é a reunião de duas partes em um todo: três meninos, quatro meninas, 
quantas crianças no total? Só mais tarde, porém, elas vão conseguir entender, por exemplo, como 
saber quantas meninas há no grupo se o total é sete e o número de meninos é três. Na minha 
pesquisa, descobri que, em média, são dois Anos para passar do primeiro estágio para o segundo. 
Dois Anos! Outro exemplo é a transformação que tem relação com o tempo, não com o espaço. Eu 
tinha 4 reais no bolso, minha avó chegou e me deu mais 3 reais. Ou: eu tinha 9 reais e agora tenho 
4. O que aconteceu? Parece fácil, mas para uma criança não é. Outro caso: tenho 5 reais a mais do 
que você. Eu tenho 12, quanto você tem? E ainda há as transformações sucessivas. Ganhei quatro 
bolas de gude e depois perdi seis. Mais quatro, menos seis. Ah, perdi duas. Não é tão óbvio aos 8 ou 
9 Anos. Vamos complicar um pouco mais. Joguei duas rodadas de bola de gude. Sei que perdi seis 
na segunda e que, no total, ganhei 15. O que aconteceu na primeira partida? Até os 13, 14 Anos, 
muitos jovens não conseguem achar o resultado. "Não consigo resolver o problema porque não sei 
quantas eu tinha no início", eles dizem. 
O que é possível fazer diante de situações desse tipo? 
VERGNAUD: O que descobri é que há seis tipos de problemas ligados à adição e subtração. E é 
óbvio que, se os números forem grandes, ou decimais, tudo fica ainda mais complicado. No caso de 
frações, nem se fala. Na sala de aula, o professor até pode propor atividades, mas, se não souber 
como os alunos avançam, passo a passo, eles talvez compreendam o jogo proposto, porém não vão 
saber calcular. Para um adulto, o exercício de subtrair as bolas de gude que ganhou, para saber 
quantas tinha no início do jogo, pode parecer simples. Mas, aos 7, 8 ou 9 anos, não é nada fácil 
compreender esse conceito matemático. Mesmo com números pequenos, as crianças costumam ter 
muitas dificuldades. Se o professor sabe disso e dispõe de uma boa variedade de exercícios para 
propor, ótimo. Se ele fica numa única atividade, a garotada que não entende a própria proposta do 
trabalho perde o interesse e nem se preocupa mais em acertar. 
A Matemática é difícil de verdade? Por que tanta gente diz não gostar dessa disciplina? 
VERGNAUD: O problema é que a escola valoriza demais os símbolos e pouco a realidade. Os alunos 
não vêem utilidade naquilo e pensam: "Isso não me interessa. É abstrato e não serve para nada". 
 
O senhor já esteve no Brasil uma dezena de vezes. É possível comparar a situação daqui 
coma da França? 
VERGNAUD: Alguns problemas são semelhantes, ainda que no Brasil o tamanho da rede seja muito 
maior. A repetência e o analfabetismo, por exemplo, afetam uma proporção muito maior da 
população. Quando você observa a reprovação na França, no entanto, cai nas mesmas dificuldades 
daqui: a Língua e a Matemática. O paradoxo é que as crianças aprendem a falar sem dificuldades, 
mas não aprendem a ler e escrever sem problemas. Isso ocorre porque a função da escrita não é 
óbvia para as crianças, sobretudo se as famílias não têm o hábito de ler. Se os pais lêem o jornal 
todo dia, isso faz uma diferença enorme. E aqui há um abismo entre a França, cuja população é 
muito mais letrada, e o Brasil, onde milhões de alunos chegam à escola sem as noções básicas da 
estrutura e do funcionamento da língua. Percebo também que muitos professores brasileiros são 
obrigados a dar aula em mais de uma escola. Na França, as crianças passam o dia todo em classe. 
Aqui, é um turno só. E há a questão da formação, que também é pior aqui. Não podemos esperar 
grandes sucessos com professores que são mal formados, trabalham muito e, além de tudo, não são 
bem pagos na rede pública. 
"A questão é que a Educação é considerada custo, não investimento. São os homens que 
produzem coisas novas, não é o capital." 
O que é necessário mudar na dinâmica das escolas atuais? 
VERGNAUD: Muitas coisas. A Educação é um universo muito complexo e é preciso enxergá-la como 
um grande sistema. Se o ministro comete erros na definição das políticas, se não existem objetivos 
claros e se não há recursos adequados para a formação inicial e continuada, é ridículo 
responsabilizar o educador individualmente. A responsabilidade pelo fracasso é do sistema. A 
questão principal é que a Educação das crianças e a formação dos adultos são consideradas custo, e 
não investimento. São os homens que produzem coisas novas, não é o capital. Só que ainda não 
sabemos calcular que retorno a formação dá sobre esse investimento. 
Qual é o papel da formação docente nesse contexto? 
VERGNAUD: É primordial, ainda que seja necessário ter consciência de que não existem milagres, 
que ninguém vai conseguir eliminar todos os problemas de um dia para o outro. Mas, se podemos 
dar ao professor os meios de conhecer melhor seu trabalho, os limites de sua ação, os obstáculos 
que vão encontrar e as formas de controlar a evolução das turmas, é absurdo não fazer isso. Eu 
gosto de uma metáfora da aviação: se não tenho os instrumentos para pilotar, me falta algo 
essencial para atingir meus objetivos. 
Esses instrumentos, no campo da Educação, são a didática? 
VERGNAUD: Sim, a didática é a chave do conhecimento escolar hoje. Mas é mais do que isso. 
Precisamos compreender que existe a didática da Matemática, a da Física, a da História etc. E, 
dentro da didática da Matemática, a das estruturas aditivas não é a mesma das estruturas 
multiplicativas. E assim por diante. É essencial tomar consciência dessas especificidades dentro da 
especificidade de cada disciplina, pois elas têm seu papel. O fato novo dos últimos 30 Anos é dizer: 
"Prestem atenção nas didáticas da Matemática. A da Educação Física não é igual para o vôlei e o 
tênis, ainda que exista uma relação entre esses dois esportes". 
 
E se não fizermos isso? 
VERGNAUD: O preço a pagar será o fracasso escolar - ao menos para um grupo de estudantes. 
Alguns aprendem, mesmo se mal ensinados. Porém outros, mesmo se bem ensinados, fracassam 
quando o professor não domina a didática. Há quem considere isso um problema dos alunos. "Uns 
são inteligentes e se dão bem, outros não são e não conseguem." Mas o fato é que existe uma 
margem de manobra muito importante, um papel essencial a ser desempenhado, dentro da sala de 
aula, pelos professores. Esse avanço é lento, mas percebo que cada vez mais gente fala essa 
mesma língua. 
Quer saber mais? 
BIBLIOGRAFIA 
As Ciências da Educação, Eric Plaisance e Gérard Vergnaud, 152 págs., Ed. Loyola, tel. (11) 2914-
1922, 22,40 reais 
Atividade Humana e Conceituação, Gérard Vergnaud, 65 págs., Geempa, tel. (51) 3226-5218, 
30 reais 
Campo Conceitual da Multiplicação, Gérard Vergnaud, 41 págs., Geempa, 3 reais

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