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Tutela de Evidência NCPC - mv

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TUTELA DE EVIDÊNCIA NCPC - mv
1. INTRODUÇÃO 
 	A tutela provisória pode ser concedida por outros fundamentos que não a urgência. Há casos em que a medida se justifica não como meio de afastar um risco, mas para alterar os ônus que normalmente são carreados ao autor do processo e que decorrem da demora na sua conclusão. Em regra, é o autor quem os suporta e tem de aguardar o desfecho do processo, bem como o processamento de recursos, às vezes dotados de efeito suspensivo, para só então alcançar – em caráter provisório ou definitivo - o bem ou a tutela do direito pretendido. E é frequente que ao réu não interesse uma rápida solução da demanda, e não raro ele faz uso de expedientes para retardá-Ia, beneficiando-se com essa demora. Não se está falando aqui de uma situação de risco iminente, de um perigo potencial que deva ser afastado e que constitui ameaça ao provimento jurisdicional, caso em que a solução será postular a tutela de urgência. Mas de situações em que, presentes determinadas circunstâncias, não é razoável que o autor continue suportando os ônus decorrentes da demora. 
 	A tutela provisória de evidência permite ao juiz que antecipe uma medida satisfativa ou cautelar, transferindo para o réu os ônus da demora. A expressão "tutela de evidência" traduz a ideia de que a medida caberia sempre que, não sendo possível promover o julgamento antecipado, total ou parcial, da lide, haja a possibilidade de aferir a existência de elementos que não só evidenciem a probabilidade do direito, mas a sua existência. 
 	Com esse nome, o legislador agrupou todas as hipóteses de cabimento de tutela provisória que dispensam a urgência, o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. O rol legal dessas hipóteses deve ser considerado taxativo. 
2. NATUREZAS POSSÍVEIS DA TUTELA DE EVIDÊNCIA 
 	A evidência é um dos fundamentos da tutela provisória. Havendo a situação de evidência, o juiz poderá deferir a tutela provisória de qualquer uma das duas naturezas, tanto a antecipada quanto a cautelar. Não há restrição a que o juiz entenda adequado o deferimento de tutela cautelar, Imagine-se que, em ação de cobrança, o juiz verifique que o réu abusa do direito de defesa ou revela manifesto intuito protelatório (art. 306, I, do CPC). Ele poderá, conforme o caso concreto, deferir tutela satisfativa, já determinando que o réu faça o pagamento, e permitindo o cumprimento provisório da decisão; ou pode entender que o mais adequado é determinar uma providência cautelar, como o arresto de bens para a garantia de futura execução. 
 	Nesse sentido, o art. 294 do CPC, permite que a tutela provisória, de natureza satisfativa ou cautelar, possa fundamentar-se em urgência ou evidência. É preciso cuidado especial, porque, no CPC de 1973, a tutela cautelar estava indissociavelmente vinculada à ideia de urgência. Fora delas, não podia ser deferida. 
 	No atual, não há restrições, o que significa que tanto a tutela satisfativa quanto a cautelar podem estar fundadas em urgência e em evidência. Ou, ao contrário, que havendo uma situação de evidência, a tutela provisória pode ser deferida tanto sobre a forma antecipada quanto sobre a cautelar, prevalecendo sempre o poder geral do juiz, de conceder a medida que considerar adequada.
3. COGNIÇÃO SUMÁRIA E CARÁTER PROVISÓRIO 
	A tutela de evidência é sempre a deferida em cognição sumária e em caráter provisório. Portanto, precisará ser sempre substituída pelo provimento definitivo. 
 	Nas quatro hipóteses previstas nos incisos do art. 311 do CPC, há a possibilidade de que ela venha a ser revogada. Na primeira, o abuso do direito de defesa ou o manifesto intuito protelatório do réu pode justificar a medida, mas não é suficiente para demonstrar que, ao final, o autor será o vencedor. 
 	É possível que o réu abuse ou tente protelar o processo, e que o juiz, ao final, reconheça que o autor não tem razão, e julgue improcedente a pretensão. O mesmo pode ocorrer nos três outros incisos. É possível que o juiz defira a tutela de evidência quando as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e haja tese firmada em julgamento repetitivo ou súmula vinculante, e que, mais tarde, se verifique que os documentos que embasaram a decisão provisória eram falsos, ou até mesmo que haja alteração no julgamento repetitivo ou na súmula vinculante, ou que a questão sub judice não coincida exatamente com o objeto da súmula ou do recurso repetitivo. 
 	Em síntese: a tutela de evidência não é definitiva e pode ser revogada ou modificada a qualquer tempo. 
4. REQUISITOS 
4.1. Requerimento 
 	Tal como a tutela de urgência, a de evidência não deve ser deferida de ofício, mas depende do requerimento da parte. Parece-nos que, com mais razão ainda do que na tutela de urgência, a de evidência depende de requerimento, porque aqui não existe perigo de prejuízo, não se justificando, pois, que o juiz conceda a medida se ela não tiver sido requerida. 
4.2. 	Que estejam presentes as hipóteses previstas no art. 311 e seus incisos do CPC 
 	Coube ao legislador enumerar as hipóteses que autorizam o deferimento da tutela de evidência. Ele o fez nos quatro incisos do art. 311, em rol taxativo. A tutela de evidência só pode estar fundada em uma dessas quatro hipóteses, que o juiz, ao fundamentar a sua decisão, deverá indicar. Não são hipóteses cumulativas, pois basta que qualquer delas esteja presente para que a medida seja deferida.
Abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte 
 	A primeira hipótese de tutela provisória de evidência é a decorrente do abuso do direito de defesa ou do manifesto propósito protelatório da parte. O juiz a concede quando, no curso do processo, a conduta da parte é tal que permita inferir que está protelando o julgamento, ou buscando auferir vantagens indevidas, pelo decurso do tempo. Nesse caso, a tutela tem caráter repressivo: visa sancionar a atitude abusiva, de má-fé, de abuso da parte. Se o juiz constata que ela se aproveita para fazer recair o ônus da demora do processo exclusivamente sobre o adversário, concede a tutela como forma de redistribuir esse ônus. Concedida a medida em favor do autor, por exemplo, passará a ser do interesse do réu que o processo tenha rápida solução. 
 	O requisito ficará caracterizado quando o réu suscita defesas ou argumentos inconsistentes apenas para ganhar tempo, ou incidentes protelatórios, para retardar o julgamento. Se a matéria é só de direito, e a defesa é manifestamente protelatória, nem será caso de tutela de evidência, mas de julgamento antecipado da lide. Entretanto, quando o julgamento não é, ainda, possível, porque há necessidade de provas, ela poderá ser concedida. O deferimento está condicionado a que o réu seja citado e compareça ao processo, o que impede que ela seja concedida liminarmente. 
Alegações de fato que podem ser comprovadas documentalmente havendo tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante 
 	Essa e a do inciso IV são as hipóteses em que mais propriamente se pode falar em evidência, já que se pode verificar, em momento em que ainda não é possível o julgamento do mérito, que não é justo ou razoável que o autor continue arcando com os ônus da demora do processo, pois os elementos dos autos trazem um forte grau de probabilidade de que o seu direito venha a ser reconhecido. São dois os requisitos cumulativos: que havendo questão de fato, ela já possa ser comprovada apenas por documentos; e que a questão de direito seja objeto de tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante. Tais circunstâncias, se verificadas, darão ao juiz uma forte convicção de procedência da pretensão do autor. Se o processo estiver em condições de julgamento, porque o réu já foi citado e teve oportunidade de se defender, não será caso de tutela provisória, mas de julgamento antecipado, total ou parcial, do mérito, na forma do art. 355 ou 356 do CPC. Contudo, não sendo possível, ainda, o julgamento, por conta da necessidadede observar-se o contraditório e porque é preciso que o processo alcance o momento oportuno, o juiz poderá deferir a tutela de evidência que, mesmo nessa hipótese, tem caráter provisório, pois emitida ainda em cognição superficial, quando o réu provavelmente não terá tido oportunidade de manifestar-se. 
 	Os Enunciados 30 e 31 da ENFAM tratam da tutela de evidência deferida com fundamento no art. 311, lI, do CPC. O primeiro dispõe que "é possível a concessão de tutela de evidência prevista no art. 311, lI, do CPC/2015 quando a pretensão autoral estiver de acordo com orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle abstrato de constitucionalidade ou com tese prevista em súmula dos tribunais, independentemente de caráter vinculante"; e o segundo que "A concessão da tutela de evidência prevista no art. 311, lI, do CPC/2015 independe do trânsito em julgado da decisão paradigma". 
Pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito 	
 	O CPC de 1973 previa a ação de depósito, de procedimento especial, cuja finalidade era a restituição das coisas dadas em depósito, que deveriam ser instruídas com a prova literal do contrato. O atual não cuida especificamente dessa 	ação. Isso não significa que ela tenha deixado de existir, mas apenas que deixou de ser elencada entre as de procedimento especial, passando a observar o procedimento comum. No entanto, sendo a inicial instruída com prova documental adequada do contrato de depósito, o juiz deferirá a tutela de evidência que, nesse caso, terá um conteúdo específico, qual seja, a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa. Nessa hipótese, o juiz não poderá conceder a tutela satisfativa ou cautelar que entender a mais adequada, mas decretará a ordem de entrega da coisa. 
 	O Enunciado 29 da ENFAM dispõe que "para a concessão da tuteia de evidência prevista no art. 311, Ill, do CPC12015, o pedido reipersecutório deve ser fundado em prova documental do contrato de depósito e também da mora". 
 
Petição inicial instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável
 Nessa hipótese, também manifesta-se a evidência do direito do autor, que se traduz pelo preenchimento de dois requisitos cumulativos: que os fatos constitutivos do direito do autor estejam suficientemente-documentados, e que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável. Aqui também se vale o legislador de critérios de proporcionalidade. Não é razoável que o autor tenha de suportar eventuais ônus derivados da demora do processo, se os fatos que embasam a sua pretensão estão suficientemente documentados e o réu não opôs prova capaz de gerar dúvida razoável. Mas a evidência não se confunde com a certeza. Se os fatos que constituem os fundamentos do pedido do autor puderem ser comprovados apenas por documentos, que foram juntados, e não restar nenhuma dúvida nem houver provas que elidam esses documentos, o caso não será de tutela de evidência, e sim de julgamento antecipado, total ou parcial. 
 	A tutela de evidência pressupõe uma situação tal em que a probabilidade do direito do autor é elevada, pois ele comprovou o alegado por documentos, e o réu não trouxe dúvida razoável. Mas pressupõe, também, que, em tese, com o prosseguimento do processo, essa situação possa, ainda que com pouca probabilidade, ser revertida, ou alterada, pois, do contrário, a decisão do juiz não deve ter natureza provisória, e sim definitiva. Em casos, por exemplo, em que o juiz esteja fortemente convencido da probabilidade do direito do autor, pois na contestação o réu não opôs provas razoáveis, mas não esteja ainda em condições de proceder ao julgamento, porque ainda é preciso dar ao réu a oportunidade de outras provas, na fase de instrução ele poderá valer-se da medida.
4.3, 	A não irreversibilidade dos efeitos do provimento é requisito também da tuteia de evidência? 
 	Parece-nos que não, por duas razões, uma de caráter sistemático, outra de natureza teleológica. O art. 300, § 3°, do CPC, que está no capítulo das tutelas de urgência, é expresso: "A tutela de urgência de natureza antecipada - não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão". Fala-se expressamente em tutela de urgência. No capítulo relativo às tutelas de evidência, não há dispositivo equivalente. 
 	Além disso, a tutela de urgência é fundada apenas na mera probabilidade da existência do direito, no fumus boni juris. Como o deferimento da medida depende de uma situação de urgência, o risco de que ela venha a ser revertida é muito maior, uma vez que o juiz decidiu com base apenas na plausibilidade. Na tutela de evidência ainda não há julgamento definitivo, mas ou ela visa reprimir conduta indevida do réu, ou funda-se em um grau de probabilidade muito mais elevado que a tutela de urgência, situação em que o risco de reversão é muito menor. 
4.4. A situação da incontrovérsia de um ou mais pedidos ou de parte deles 
 	A incontrovérsia a respeito de um ou mais pedidos ou de parte deles, que autorizava a concessão de tutela antecipada no regime do CPC de 1973, não está mais entre as hipóteses de evidência. Se o réu, citado, não impugnar um dos pedidos ou parte deles - e este pedido for autônomo em relação aos demais -, a solução será o julgamento antecipado parcial de mérito, proferido em cognição exauriente e em caráter definitivo, na forma do art. 356 do CPC.
5. RESPONSABILIDADE CIVIL NOS CASOS DE TUTELA DE EVIDÊNCIA 
 	O CPC previu a responsabilidade civil do autor pelos danos que causar em decorrência da efetivação da tutela provisória, cautelar ou antecipada, na forma do art. 302 do CPC. 
 	Não há previsão equivalente em relação à tutela de evidência. Mas mesmo ela pode ser revogada, ou perder a eficácia, em caso de improcedência do pedido. A possibilidade de isso ocorrer é muito menor do que em relação às tutelas de urgência, porque a evidência pressupõe maior probabilidade da existência do direito do que a exigida para o deferimento dessas. 
 	No entanto, mesmo a tutela de evidência é provisória e emitida em cognição sumária. Embora menor a probabilidade de revogação ou perda de eficácia, não se exclui por completo essa possibilidade. E, nesse caso, não haverá razão para que se exclua a responsabilidade do autor pelos danos que possam ter advindo da efetivação da medida.

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