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ReferencialTeorico_HistoriaDoCarcere

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O sistema carcerário - que visa a privação da liberdade como pena para um indivíduo infrator - foi diretamente associada à nossa sociedade recentemente. (MACHADO, Gustavo, 2015)
Na antiguidade, o conceito de pena era exercido pela prática de agressões corporais, de modo a impor sofrimento. Isso pode ser claramente exemplificado com o Código de Hamurabi que se aplicava na antiga Mesopotâmia - “olho por olho, dente por dente”.
Segundo Carvalho Filho (2002), as punições no período medieval eram: a amputação dos braços, a degola, a forca, o suplício na fogueira, queimaduras a ferro em brasa, a roda e a guilhotina eram as formas de punição que causavam dor extrema e que proporcionavam espetáculos à população. 
Com isso, é possível inferir que, as civilizações antigas em sua totalidade estavam estreitamente conectadas à ideia de uma penalização de caráter físico-agressivo; existiam prisões, mas eram utilizadas somente em situações de custódia - onde o infrator aguardava seu julgamento e a imposição de posteriores penalidades cruéis.
Isso ocorreu na Grécia e Roma antigas: os castigos corporais sempre predominavam. Em Roma, por exemplo, comumente crucificavam aqueles que desrespeitavam as leis. 
Ao adentrarmos na Era Medieval, é notório que os sistemas penais que foram aplicados na Antiguidade se fundiram e, novamente serviram de base para a construção do sistema penal; é possível citar a Europa medieval, onde era imposto o temor frente ao cidadão que ousasse infringir as leis. Nesta época também se destaca a influência da Igreja Católica em todo este processo, uma vez que ordenou Inquisições lideradas pelo Santo Ofício - que perseguia e punia hereges.
Portanto, torna-se perceptível o encarceramento do Estado (tinha a função de custódia) e o encarceramento eclesiástico, que, segundo Gustavo Gomes Machado (2015), possuía noção de “recuperação” da pessoa mediante isolamento social e reflexão; além disso, é correto afirmar que estas categorias de cárcere foram o embrião do estabelecimento prisional contemporâneo, uma vez que na Idade Moderna os modelos penais do Estado e eclesiástico consolidam-se.
A modernidade corresponde ao período da História iniciado a partir de 1453 e tem seu marco histórico na Revolução Francesa em 1789. É o período que as organizações sociais transitam do modelo de organização social Feudal para a constituição do Estado Moderno com o desenvolvimento dos modelos político, econômico e social organizado sob a lógica do Capitalismo. (ESPEN)
Com monarquias absolutistas cravadas e bem estabelecidas, neste período era difícil contestar sobre medidas punitivas aplicadas ao infrator encarcerado. Os castigos eram determinados sem necessidade de justificativa, tal qual a vontade do monarca. Majoritariamente, a execução penal se dava em espaços públicos, afligindo súditos e todo o povo sob as rédeas do governo.
A prisão como pena autônoma teve seu surgimento em meados do século XVI, quando tendências pré-capitalistas ganharam apelo através de transformações econômicas em meio ao Estado de Direito liberal. Originou-se na Inglaterra, Holanda (surgiram as primeiras experiências de pena privativa de liberdade) e, posteriormente, se alastrou pela Europa com a colonização do continente americano. 
A Europa colonizadora atuou como motor para as mudanças no âmbito financeiro; diante do Feudalismo em estado terminal, houve o êxodo rural e processo de gentrificação nas grandes cidades, de modo que o desemprego e a fome cresciam progressivamente. Com isso, a criminalidade cresceu massivamente e o modelo de punições agressivas e execuções se tornou insustentável. (MACHADO, Gustavo – 2015)
Segundo Garutti e Oliveira (2012), uma consequência direta disso foi a abolição da pena de morte em quase toda a Europa, bem como, as penas corporais e as de infâmia que foram sucumbindo, cedendo lugar às privativas de liberdade.
Apesar de não haver uma clara transformação de prisão-custódia em prisão-pena, segundo Machado (2015), vale ressaltar que na Inglaterra e na Holanda, as “casas de correção” exerciam a privação de liberdade objetivando a educação para o trabalho de mendigos e vadios. 
Além disso, nesta época, em meio ao movimento Iluminista, surge Cesare Beccaria como estudioso e revolucionário dos direitos penais, e John Howard – um inglês preocupado em humanizar o sistema penitenciário. Daí nasce a “possibilidade de reintegração e ressocialização do indivíduo na sociedade após o cumprimento de sua respectiva pena” (GARUTTI, OLIVEIRA – 2012).
Em 1.755, John Howard foi capturado e preso no fétido calabouço de “Brest”, quando viajava para Lisboa a fim de socorrer as vitimas de um terremoto. Em 1773, após ser designado Sheriff do condado de Bedford, Johh Howard teve contato direto com a lastimável situação das prisões. Viajando por inúmeros países da Europa, verificou que as condições encontradas no condado se repetiam em outras nações: locais úmidos, sem ventilação, sem luz, infectados por vírus, piolhos, carrapatos, gerando toda sorte de doenças. Desde então John Howard, passou a se dedicar a causa da filantropia, passando a cuidar das obras de reforma e manutenção das prisões. (GARUTTI, OLIVEIRA, 2012 apud BITENCOURT, 1993).
Segundo Bitencourt (2001), Howard escreveu que deveria haver um preparo técnico por parte dos funcionários das prisões, bem como a fiscalização a fim de evitar que os presos sofressem abusos.
Outro inglês notório que muito contribuiu para o estabelecimento do sistema prisional humanizado como pena autônoma foi Jeremy Bentham, que inovou ao idealizar o modelo “Panótico”. Este modelo consistia em arquitetar os edifícios em forma circular, de modo que as celas ficassem próximas à circunferência e, o inspetor no meio – sempre vigiando e controlando.
Os Estados Unidos não tardaram ao experienciar essa estratégia arquitetônica: melhoraram-na aliando sistemas solitários e silenciosos que foram implantados em Auburn e Pensilvânia.
De acordo com Badaró Baptista (2015), no sistema Pensilvânico “o confinamento celular se baseava na obrigação de silêncio, na meditação, na oração e na abstinência de bebidas alcoólicas, tendo como função possibilitar a reflexão do condenado e a sua reconciliação com Deus. Saía-se da cela apenas excepcionalmente, por alguma exigência” (apud MELOSSI; PAVARINI, 2006).
Porém, o sistema Auburniano se diferenciava do Pensilvânico no sentido de quem os presos deveriam temer/obedecer. No Auburniano as autoridades militares tinham que ser respeitadas em primeiro lugar, uma vez que estavam próximas ao topo da hierarquia. Além disso, “a atividade laboral objetivava ensinar um ofício ao apenado” (MACHADO, Gustavo, 2015).
A partir destes modelos norte-americanos, surgiram outros similares, como o sistema progressivo e/ou irlandês; neste modelo, fez-se presente a avaliação do comportamento do preso, a julgar por suas boas condutas e seu pleno aproveitamento laboral, na finalidade de reduzir a pena em virtude deste desenvolvimento – liberdade condicional.
É o que mais se aproxima do sistema adotado no Brasil – apesar de suas modificações. (MACHADO, REIS e SOUZA, 2013)
Com os direitos penais repensados, estudados e desenvolvidos pelos Iluministas, a partir do final do século XIX e início do século XX, a pena finalmente passou a ser medida de acordo com a qualidade do delito e sua intensidade. Tais medições deveriam levar em consideração os motivos para o crime, bem como condições patológicas do autor deste.
Para T. MORO, o crime responde a uma pluralidade de fatores (guerras, déficit cultural e educativo, o ambiente social, a ociosidade, etc.). Mas, entre eles, se destaca os socioeconômicos: desigual distribuição da riqueza, especialmente no âmbito agrícola, pobreza, etc. (BANDEIRA e PORTUGAL, 2017 apud MOLINA, 2003).
A partir do momento que a privação da liberdade semeou o Estado de Direito, e, com sua solidificação, surgiu o Estado Democrático de Direito, (MACHADO, Gustavo, 2015) diversos processos civilizatórios foram estudados e desenvolvidosa fim de harmonizar a convivência em sociedade antes, durante e após o cumprimento da pena estabelecida através de um veredicto justo. 
É possível citar, por exemplo, o estudo da Criminologia, Psicologia Criminal, Psicopatologia, Psiquiatria, Sociologia Criminal, etc. (BANDEIRA e PORTUGAL, 2017)
Porém, para Foucault (1998) a finalidade da prisão deixou de ser causar dor física e o objeto da punição deixou de ser o corpo para atingir a alma do infrator. A prisão torna-se pena privativa de liberdade e constitui em uma nova tática da arte de fazer sofrer. (apud ESPEN) 
Dessa forma, a prisão atual consiste em cortar as relações consideradas significativas, de modo que o infrator reflita sobre seu delito e saia transformado, pronto para sua reinserção no meio social.
Referências 
MACHADO, Gustavo. Crime e castigo: esforço histórico das prisões no Brasil. Poder Legislativo e Cidadania. Belo Horizonte/MG, outubro, 2015. Disponível em: <https://www.almg.gov.br/export/sites/default/consulte/publicacoes_assembleia/obras_referencia/arquivos/pdfs/poder_legislativo_cidadania/12crime_e_castigo.pdf>. Acesso em: 04-jun-2019.
ESPEN (Escola de Formação e Aperfeiçoamento Penitenciário), A história das prisões e dos sistemas de punições. Pinhais/PR. Disponível em: <http://www.espen.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=102>. Acesso em: 04-jun-2019.
GARUTTI, Selson; OLIVEIRA, Rita, A PRISÃO E O SISTEMA PENITENCIÁRIO – UMA VISÃO HISTÓRICA. Maringá/PR, 09-05-2012. Disponível em: <http://www.ppe.uem.br/publicacoes/seminario_ppe_2012/trabalhos/co_02/036.pdf>. Acesso em: 04-jun-2019.
MACHADO, Ana; SOUZA, Ana; SOUZA, Mariani, Sistema penitenciário brasileiro – origem, atualidade e exemplos funcionais. Revista do Curso de Direito da Faculdade de Humanidades e Direito, v. 10, n. 10, 2013. Disponível em: <https://www.metodista.br/revistas/revistas-ims/index.php/RFD/article/view/4789/4073>. Acesso em: 04-jun-2019.
BANDEIRA, Thais; PORTUGAL, Daniela, Criminologia. Salvador/BA, 2017. Disponível em: <https://educapes.capes.gov.br/bitstream/capes/174993/4/eBook_Criminologia-Tecnologia_em_Seguranca_Publica_UFBA.pdf> Acesso em: 04-jun-2019.
BAPTISTA, T. M. B. A Solidão como Pena: Uma Análise dos Sistemas Penitenciários Filadélfico e Auburniano. Revista do CAAP. nº 01. Vol. XXI. p. 77-92. 2015. Disponível em <https://revistadocaap.direito.ufmg.br/index.php/revista/article/view/403/369>. Acesso em: 04-jun-2019.

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