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X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014.                                                                                p.1
  
 
 
 
 
 
 
 
Currículo e aprendizagem por projetos 
 
 
 
 
Resumo 
O  presente  estudo  objetiva  apresentar  algumas  reflexões 
sobre  o  currículo  nos  anos  iniciais  desenvolvido  na 
perspectiva  metodológica  da  aprendizagem  por  projetos. 
Compreende‐se  que  o  currículo  escolar  é  uma  das 
dimensões  pedagógicas  da  escola  que  legitima  e 
desenvolve  as  concepções  de  aprendizagem, 
conhecimento,  aluno,  professor  e  escola.  Parte‐se  da 
afirmativa que o currículo escolar constitui hoje uma forma 
de poder, pois é por meio dele que as ações educativas da 
escola  são  elaboradas  de  maneira  formal  e  intencional, 
explicitando o modelo de sujeito que a escola visa  formar. 
Pretende‐se  evidenciar  que  o  trabalho  com  projetos  na 
escola  proporciona  um  modo  inovador  de  organização 
curricular,  pois  além  de  trabalhar  com  o  currículo 
institucional  (aquele  trazido  pelos  planos  de  ensino,  já 
definidos no início do ano letivo), a escola passa a trabalhar 
com  um  currículo  emergente  (construído  ao  longo  do 
desenvolvimento  do  projeto),  produzindo  assuntos  de 
interesse  e  significado  para  construir  o  conhecimento.  O 
estudo  sustenta‐se  também  nas  pesquisas  realizadas  por 
autores  como: Barbosa & Horn  (2008), Kinney & Wharton 
(2009),  Maldaner  (2007),  Lopes  (2007),  Vigotski  (2005, 
2007), entre outros. 
 
Palavras‐chave: Currículo. Aprendizagem por projetos. 
Significação conceitual. Conhecimento científico. 
 
 
Flávia Burdzinski de Souza 
SETREM e IESA 
flavinhabdesouza@yahoo.com.br 
 
 
 
Gilvane Teresinha Savariz Zilli 
CNEC ‐ Campanha Nacional de Escolas da 
Comunidade 
gilvanezilli@bol.com.br 
 
 
 
 
 
 
 
Currículo e aprendizagem por projetos 
 Flávia Burdzinski de Souza ‐ Gilvane Teresinha Savariz Zilli 
X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014.                                                                                p.2
  
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Introdução 
O currículo constitui‐se como uma das dimensões pedagógicas da Escola. É com e 
pelo currículo que as  instituições educacionais  legitimam a  sua  função  social e marcam 
intencionalidades  em  relação  ao  que  ensinar,  como  ensinar,  qual  a  finalidade  do  que  se 
ensina  e  como  avaliar  o  que  foi  ensinado.  São  esses  pressupostos  que  marcam  os 
acontecimentos no cotidiano da escola e a cultura escolar.  
Parte  das  reflexões  desenvolvidas  nesse  artigo  tem  origem  nas  pesquisas  de 
Mestrado  em  Educação  nas  Ciências.  No  estudo,  ambas  as  autoras  ressaltaram  a 
importância,  papel  e  vinculação  da  aprendizagem  por  projetos  no  desenvolvimento  e 
estrutura do currículo escolar nos anos  iniciais do Ensino Fundamental,  relatando desta 
maneira o como e porquê desenvolver o currículo nesta perspectiva. 
O currículo no Ensino Fundamental é organizado por áreas1 do conhecimento, que 
abrangem  disciplinas  específicas  marcados  por  princípios  legais  e  pedagógicos.  Na 
aprendizagem por projetos esses pressupostos estão em diálogo com as singularidades 
dos sujeitos‐crianças que fazem parte do espaço e tempo da segunda etapa da educação 
básica.    
A aprendizagem por projetos é uma metodologia de trabalho que possibilita que a 
identidade  e  a  cultura  infantil  possam  fazer  parte  do  currículo  escolar,  pois  além  de 
trabalhar com o currículo institucional (aquele trazido pelos planos de ensino, já definidos 
no  início do ano  letivo), a escola passa a trabalhar com um currículo emergente, que se 
define a partir do interesse e da vivência dos alunos ao desenvolver o projeto. 
O  Currículo  Emergente,  uma  vez  que  vai  se  constituindo  progressivamente,  é 
legitimado pelo registro do professor “precisando emergir e ser elaborado em ação, na 
relação entre o novo e a  tradição”  (BARBOSA & HORN, 2008, p. 37). Assim, o currículo 
emerge da curiosidade das crianças, do encontro entre o velho e o inovador, do processo 
de diálogo, planejamento e trocas constantes. Na medida em que os conhecimentos são 
construídos e buscados através dos questionamentos levantados pelos alunos no início e 
no decorrer de um trabalho com projetos de pesquisa.  
                                                            
1  Áreas  do  conhecimento  compreendidas  como  forma  de  organização  das  disciplinas/matérias  por 
proximidade relacional de conteúdos trabalhados. 
 
Currículo e aprendizagem por projetos 
 Flávia Burdzinski de Souza ‐ Gilvane Teresinha Savariz Zilli 
X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014.                                                                                p.3
  
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A  expressão  “Aprendizagem  por  Projetos”,  conforme  cita  D’Agord  (2000,  p.2), 
mostra que “passamos de uma aprendizagem centrada no aprendente – aluno para uma 
aprendizagem descentralizada, na medida em que o centro não é mais o aluno, mas os 
participantes de um projeto: cidadãos, professores, alunos”. Nesse sentido, os envolvidos 
no trabalho com o projeto são postos a construir e traçar as aprendizagens. 
Assim, o currículo vai sendo constituído na medida em que os conhecimentos vão 
sendo  levantados  e  trabalhados  no  projeto.  Um  trabalho  que  parte  de  um  currículo 
emergente  também  proporciona  pensar  sobre  a  qualidade  dos  conteúdos  que  serão 
ensinados,  sobre  as  ações  que  são  tomadas,  sobre  a  articulação  com  o  currículo 
institucional e sobre as aprendizagens. 
Os projetos proporcionam as crianças aproximarem‐se de conceitos científicos, de 
explorações,  pesquisas,  coletas  de  dados  que  são  sistematizados  e  organizados  na 
medida  em  que  respondem  as  curiosidades  levantadas.  Essa metodologia  de  trabalho 
proporciona uma aprendizagem significativa para as crianças, ajuda a garantir e pensar 
nas necessidades e interesses, possibilitando trazê‐la para a construção do currículo, para 
a  seleção,  para  a  ação,  ressaltando  o  papel  ativo  que  a  criança  desempenha  hoje  na 
sociedade.  
Neste sentido, o projeto “não pode ser entendido como ‘um tema de estudo’ que 
seria construído em torno de determinado tópico, com frequência escolhido pela equipe 
e em geral com  limite de  tempo preestabelecido”  (KINNEY & WHARTON, 2009, p. 38). 
Mas sim como um interesse em particular de um grupo, da turma, ou de alguma criança, 
reconhecendo‐o como 
Uma  investigação em profundidade de um assunto sobre o qual valha a 
pena aprender. A principal característica de um projeto é que ele é um 
esforço de pesquisa deliberadamente centrado em encontrar  respostas 
para as questões  levantadas pelas crianças, pelo seu professor, ou pelo 
professor que estiver trabalhando com as crianças (KATZ apud HELM & 
BENEKE, 2005, p. 22). 
 
O desenvolvimento de um currículo pautado na aprendizagem através de projetos 
ressalta o significado do que é aprendido na escola, proporciona a significação conceitual, 
o  trabalho  interdisciplinar  e o desenvolvimento de  um  currículo  significativo  e  coesivo 
 
Currículo e aprendizagem por projetos 
 Flávia Burdzinski de Souza ‐ Gilvane Teresinha Savariz Zilli 
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com  as  necessidades  dos  alunos  nos  anos  iniciais  do  Ensino  Fundamental,  aspectos  a 
serem destacados neste texto. 
 
O desenvolvimento de projetos abrange dois currículos: o  institucional e o 
emergente. 
A forma como a escola desenvolve o currículo está vinculada às concepções que 
sustentam  o  cotidiano  escolar.  Aquilo  queentra  em  cena  na  sala  de  aula  pode  estar 
prescrito  e  esperando  para  ser  indicado/apresentado  aos  alunos.  Os  conhecimentos, 
nessa  perspectiva,  estão  compilados  e  expressos  de  forma  sistemática  nos  livros 
didáticos  e  são  desenvolvidos  como  um  fim  em  si  mesmo  sem  consonância  com  as 
finalidades sociais.  
O  modelo  enciclopédico  de  currículo  gerou  fragmentação  e  linearidade  do 
conhecimento.  Com  isso,  os  professores  passam  a  se  inquietar  sobre  essa  forma  de 
apresentar e desenvolver o currículo; passam a interrogar os resultados e a problematizar 
a prática desenvolvida na escola: Qual  conhecimento deve  ser ensinado? Que  sujeito a 
escola  vai  formar  a  partir  desse  currículo?  Como  o  currículo  será  constituído  e 
desenvolvido?   
Pode‐se afirmar que o currículo é resultado de uma escolha entre o que deve ou 
não  ser  ensinado  na  escola.  A  forma  de  desenvolver  esse  currículo  está  vinculada  à 
necessidade de saber como e o que se aprende na escola hoje. Além disso, postula outras 
dimensões  sobre o que  se ensina, entre elas “a qualidade dos conteúdos que  lhes  são 
ensinados,  carentes  de  sentidos  e  significados  na  formação  humana  e  profissional” 
(MALDANER, 2007, p.114‐115). 
Com relação ao conhecimento escolar, Maldaner (2007, p. 114) afirma:  
Não  adequadamente  contextualizados,  conteúdos  escolares  não 
extrapolam  limites de cada campo disciplinar e  ficam aquém da ciência 
atual,  sendo  precárias  as  incursões  no  conhecimento  contemporâneo. 
Estudantes e professores, em contexto universitário ou escolar, pouco se 
envolvem  em  discussões  sobre  os  fundamentos  dos  conteúdos  do 
ensino, sobre os pensamentos que sustentam e justificam cada conteúdo 
ensinado/aprendido na escola. 
 
 
Currículo e aprendizagem por projetos 
 Flávia Burdzinski de Souza ‐ Gilvane Teresinha Savariz Zilli 
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A partir dessas  considerações  iniciais pergunta‐se: De qual  currículo os projetos 
dão conta? Considerando o desenvolvimento do Currículo através dos projetos, pode‐se 
afirmar  que  estes  se  constituem  como  contextos  importantes  de  aprendizagens 
significativas.  Além  disso,  modificam  o  planejamento  do  professor  no  sentido  de 
apresentar  os  conhecimentos  não  em  torno  de  disciplinas,  mas  através  de  temas  ou 
problemas  que  ultrapassam  as  fronteiras  postas  por  uma  abordagem  linear  e 
fragmentadas.  
Propõe‐se nesse estudo apresentar os projetos como uma das possibilidades para 
desenvolver  o  currículo  de  maneira  significativa  e  coesa,  pois  articulam  o  currículo 
institucional e o emergente e  são  capazes de produzir novos  saberes num movimento 
dialético entre o que se acredita ser pertinente desenvolver com as crianças, ou seja, os 
conteúdos estabelecidos para cada etapa ou série e o que emerge das relações sociais e 
culturais. 
Nessa perspectiva os projetos precisam ser elaborados e executados  
Para  as  crianças  aprenderem  a  estudar,  a  pesquisar,  a  procurar 
informações,  a  exercer  a  crítica,  a  duvidar,  a  argumentar,  a  opinar,  a 
pensar,  a  gerir  as  aprendizagens,  a  refletir  coletivamente  e,  o  mais 
importante, são elaborados e executados com as crianças e não para as 
crianças (Barbosa & Horn, 2008, p.34). 
 
O  Projeto  surge  no/do  cotidiano  e  das  experiências  das  crianças  e  como  uma 
resposta dos educadores à proposta curricular do seu contexto. É importante considerar 
que, se o tópico de um projeto estiver fora das experiências das crianças, elas acabam por 
depender  do  professor  para  a  maioria  das  questões,  idéias,  informações,  reflexões  e 
planejamentos. Um dos princípios dessa abordagem de projetos é a escuta da  criança, 
aspecto fortemente presente na pedagogia reggiana2 a qual é uma das referências para o 
estudo sobre projetos. Por isso, nessa abordagem, os educadores acreditam que explorar 
a  familiaridade  de  objetos  e  de  eventos  do  cotidiano  pode  ser  profundamente 
significativo e interessante para as crianças.  
                                                            
2  A  pedagogia  reggiana  tem  origem  em  Reggio  Emilia  na  Itália,  com  obras  traduzidas  e  estudadas  por 
pesquisadores brasileiros, sendo a de maior referência: “As cem  linguagens da criança: abordagem de 
Reggio Emilia na educação da primeira infância”, de autoria de Carolyn Edwards, Lella Gandini e George 
Forman. 
 
Currículo e aprendizagem por projetos 
 Flávia Burdzinski de Souza ‐ Gilvane Teresinha Savariz Zilli 
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Quando o assunto em estudo é  familiar e de  interesse, possibilita a contribuição 
das  crianças  com  seus  conhecimentos  e  questões.  Nesse  caso,  as  próprias  crianças 
podem  dinamizar  o  planejamento,  responsabilizar‐se  por  tarefas  específicas,  coletar 
informações  atribuindo  sentido  ao  que  aprendem,  pois  são  postas  a  participar  da 
elaboração do trabalho.   
Ressaltando esses aspectos, Barbosa & Horn (2008, p. 26) afirmam que 
A  aprendizagem  somente  será  significativa  se  houver  a  elaboração  de 
sentido  e  se  essa  atividade  acontecer  em  um  contexto  histórico  e 
cultural,  pois  é  na  vida  social  que  os  sujeitos  adquirem  marcos  de 
referência  para  interpretar  as  experiências  e  aprender  a  negociar  os 
significados  de  modo  congruente  com  as  demandas  da  cultura.  A 
presença do outro,  adultos ou pares,  e  a  coerência de  interações  com 
conflitos,  debates,  construções  coletivas  são  fonte  privilegiada  de 
aprendizagem.  
 
A proposta de um Currículo Emergente é princípio da abordagem de Projetos no 
sistema educacional da  Itália. A discussão  sobre o  currículo e planejamento está posta 
pelos  educadores  italianos  e  estes  compreendem  o  planejamento  a  partir  de  duas 
dimensões: 
[...] como um método de trabalho que estabelece de antemão objetivos 
gerais,  juntamente  com  objetivos  específicos  para  cada  atividade.  O 
segundo define o planejamento como um método de trabalho no qual os 
professores  apresentam  objetivos  educacionais  gerais,  mas  não 
formulam os objetivos específicos para cada projeto ou cada atividade de 
antemão. Em vez disso, formulam hipóteses sobre o que poderia ocorrer, 
com  base  em  seu  conhecimento,  das  crianças  e  das  experiências 
anteriores (RINALDI apud EDWARDS, 1999, p. 113). 
 
Ao  desenvolver  o  currículo  nessa  perspectiva,  parte‐se  do  pressuposto  que  “o 
conhecimento emerge de uma construção pessoal e social, e que a criança tem um papel 
activo na sua socialização co‐construída com o grupo de pares e com os adultos” (LINO et 
al,  1998,  p.  98).  Por  isso  os  objetivos  educacionais  não  conseguem  ser  previstos  de 
antemão, pois são construídos ao longo do percurso, com base nos acontecimentos que 
surgem. 
De acordo com Barbosa e Horn (2008) os projetos oferecem um currículo “a partir 
de pistas do cotidiano”. As autoras defendem a seguinte idéia:  
 
Currículo e aprendizagem por projetos 
 Flávia Burdzinski de Souza ‐ Gilvane Teresinha Savariz Zilli 
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[...]  é  preciso  organizar  um  currículo  que  seja  significativo  para  as 
crianças  e  também  para  os  professores.  Um  currículo  não  pode  ser  a 
repetição  contínua  de  conteúdos,  como  uma  ladainha  que  se  repete 
infindavelmente no mesmoritmo, no mesmo tom, não importando quem 
ouça,  quem  observe  ou  o  que  se  aprende.  Afinal,  sabe‐se  que  o 
conhecimento não é verdade  imutável, mas algo transitório,  inacabado, 
imperfeito e em contínua pesquisa (2008, p. 36).  
 
Ao  iniciar  um  projeto,  pode‐se  propor  aos  alunos  manifestarem  suas 
compreensões sobre o tópico em  investigação. À educadora cabe planejar situações de 
aprendizagem para que as crianças façam suas representações gráficas usando diferentes 
instrumentos  da  cultura  para  esse  fim.  Essas  representações  servirão  de  apoio  para  a 
educadora  conhecer  as  idéias  que  as  crianças  têm  sobre  o  assunto  em  questão,  bem 
como  levantar  hipóteses  sobre  a  competência  gráfica  das  crianças  ao  desenhar  ou 
escrever sobre. O uso de diferentes  linguagens nos anos  iniciais do ensino fundamental 
reedita  a  escola  como um  espaço para  além da  leitura  e  escrita que  são  consideradas 
práticas hegemônicas nas escolas brasileiras.  
À  medida  que  os  alunos  avançam  nas  pesquisas,  deparam‐se  com  novos 
elementos de observação, de leitura e escrita ou são apresentados a eles pela educadora.  
Sobre  a  especificidade  do  conhecimento  escolar,  Lopes  (2007,  p.195)  afirma  que  “é 
compreendida  no  contexto  das  pesquisas  educacionais  sobre  o  currículo  e  a  cultura 
escolar”. A mesma autora continua sua reflexão em torno desse assunto pontuando que  
Pensar  a  ciência  como  conhecimento  escolar  é  pensá‐la  como  um 
conhecimento sujeito a condicionantes sociais próprios da esfera escolar, 
portanto,  diferente  do  conhecimento  dos  centros  de  pesquisa  e  de 
outros saberes sociais (p.195). 
 
O  currículo  e  a  cultura  escolar  determinam  o  conhecimento  a  ser  ensinado  na 
escola.  Partindo  dessa  compreensão,  o  conteúdo  que  se  seleciona  não  está  vinculado 
somente ao que está fora da escola, pois se concretiza dentro dela, uma vez que as escolas 
estão  imersas num contexto social, político e cultural. Lopes (2007, p. 196‐197) defende a 
ideia  argumentando  que  “há  especificidades  próprias  desses  processos  de  seleção  em 
diferentes instituições escolares [...] diferentes instituições escolares lêem tais orientações 
de maneira diversa”. 
A  mesma  autora  afirma  que  as  escolas  incluem  ou  excluem  conteúdos  num 
 
Currículo e aprendizagem por projetos 
 Flávia Burdzinski de Souza ‐ Gilvane Teresinha Savariz Zilli 
X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014.                                                                                p.8
  
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processo de autonomia, pois selecionam o que ensinar. 
Nesse  processo  conflituoso  do  conhecimento  escolar,  a  seleção  de 
saberes  articula‐se  com  a  transformação  dos  saberes  selecionados. Os 
saberes são organizados de forma a atender a finalidades sociais diversas 
daquelas para as quais  foram pensados em  seu contexto de produção. 
Os saberes científicos são traduzidos e (re) construídos a fim de que se 
tornem ensináveis e assimiláveis pelos/as mais diferentes alunos e alunas 
(LOPES, 2007, p.1999).  
 
A discussão em torno do conhecimento escolar e científico requer construir uma 
“epistemologia  escolar”  (LOPES,  2007).  Cabe  à  escola  comunicar  e  socializar  o 
conhecimento  científico, este  compreendido  como mais uma  forma de  compreender e 
transformar o mundo.  
 
 
O currículo nos projetos desenvolve‐se de forma  interdisciplinar e  insere as 
crianças nas ciências, através da significação conceitual e da relação com o 
conhecimento científico. 
O desenvolvimento de um Currículo Emergente articulado ao institucional recria a 
cultura da escola, tida como reprodutora de saberes.  Assim, (re) elabora‐se a cultura em 
que  “A  criança  pequena  emerge  como  co‐construtor,  desde  o  início  da  vida,  do 
conhecimento, da cultura, da sua própria identidade” (DAHLBERG et al, 2003, p. 71). 
O contexto cultural escolar, visto como espaço e tempo dinâmico, está articulado 
em  redes  de  relacionamentos,  sejam  entre  os  sujeitos  ou  entre  os  sujeitos  e  os 
conhecimentos  que  entram  em  cena  nos  projetos.  Por  isso,  o  currículo  por  projetos 
permite  elaborar  contextos  ricos  em  significados.  Os  significados  são  atribuídos  pelas 
crianças em interação com seus pares, com os adultos, com os espaços e tempos, com a 
história e cultura em que estão inseridos. 
Ao definir um tópico de investigação para o desenvolvimento de um projeto, inicia‐
se uma série de ações que estão vinculadas à prática  interdisciplinar. Por  isso, não está 
focado numa única disciplina. Definir um problema é o caminho da projetualidade e cabe 
ao professor avaliar se este seria um bom  tópico para ser  investigado num projeto. Ao 
 
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confirmar o real interesse das crianças e as possibilidades de articulação interdisciplinar, a 
educadora  determina  os  conhecimentos  necessários,  “inclusive  as  disciplinas 
representativas e com necessidade de consulta, bem como os modelos mais relevantes, 
tradições  e  bibliografia”  (SANTOMÉ,  1998,  p  65).  No  processo,  educadora  e  crianças 
definem  as  questões  a  serem  investigadas  e  levantam  hipóteses  sobre  as  pesquisas 
concretas a serem realizadas. 
Através  de  uma  prática  interdisciplinar,  parafraseando  Santomé  (1998), 
educadores e crianças reúnem os conhecimentos e buscam novas informações; resolvem 
conflitos  e  se  apropriam  de  um  novo  vocabulário;  desenvolvem  ações  em  equipe; 
constroem  e  mantêm  a  comunicação  entre  as  diferentes  áreas  do  conhecimento; 
comparam  o  que  aprenderam;  dão  significados  a  novos  conhecimentos;  registram  e 
integram novos dados; decidem sobre o futuro do que aprenderam. 
Através  do  Projeto  os  alunos  se  depararam  com  conhecimentos  das  diferentes 
áreas,  porém  não  de  forma  fragmentada.  Os  percursos  elaborados  pelas  crianças  e 
educadoras  inserem  as  crianças  nas  diferentes  disciplinas  do  currículo:  Ciências, 
Português, Geografia, História Artes, Música, Literatura, Matemática e Educação Física.  
Esses  campos  de  conhecimento  marcam  o  currículo  através  do  vocabulário,  dos 
conceitos, das experiências, das bibliografias dentro de um  contexto  real. O professor 
precisa  dominá‐las  para  estabelecer  inter‐relações  entre  elas  numa  perspectiva 
interdisciplinar. 
A  inserção em diferentes áreas possibilita que as  crianças  se apropriem de uma 
linguagem  específica  de  cada  campo  de  conhecimento,  ampliando  seu  universo 
vocabular.  Esse  vocabulário  construído no  contexto dos projetos  insere  as  crianças na 
alfabetização científica, ou seja, passam a conhecer e aplicar em situações escolares e até 
fora delas conceitos construídos nas aulas.  
Na  perspectiva  sócio‐histórica,  o  desenvolvimento  psicológico  acontece  no 
contexto  das  interações  sociais.  Assim,  o  desenvolvimento  dos  processos  mentais 
superiores  “implicam uma  forma de mediação que é profundamente  influenciada pelo 
 
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contexto  sócio‐cultural”  (NOGUEIRA,  1993,  p.  14).  Esse processo  não  é  individual, mas 
interativo, “no interior das relações sociais” (Idem). 
O aprendizado escolar, para Vigotski, “induz um tipo de percepção generalizante, 
desempenhando,assim,  um  papel  decisivo  na  conscientização  da  criança  dos  seus 
processos  mentais”  (2005,  p.133).  É  preciso  pensar  sobre  os  conceitos  científicos 
apresentados pela escola e sobre o conhecimento que ali circula, na medida em que isso 
ocorre  a  aprendizagem  se  torna  real. Vigotski pontua que o  aprendizado  escolar  “(...) 
está voltado para a assimilação de  fundamentos do conhecimento científico”  (2007, p. 
94).  
A escola trabalha com conceitos científicos na medida em que o saber científico se 
torna objeto de socialização da escola. Nesse sentido é que os escritos de Vigotski (2005) 
sobre  como  a  criança  elabora/significa  conceitos  têm  implicações  relevantes  para  a 
educação, uma vez que o autor  ressalta a  importância do  conhecimento escolar  como 
forma de sistematização do desenvolvimento do pensamento.  
O saber escolar, fundado no discurso científico exige da criança pensar de modo 
diferente,  aprendendo  conceitos,  ideias  e  verdades  que  explicam  os  fenômenos  que 
ocorrem em sua volta. Na medida em que o currículo escolar contempla e dá legitimidade 
ao saber, fornecendo material necessário para a aprendizagem “(...) o desenvolvimento 
dos  conceitos  científicos  ultrapassa  o  desenvolvimento  dos  conceitos  espontâneos” 
(VIGOTSKI, 2005, p.132). Trabalho este que está muito presente no desenvolvimento dos 
projetos. 
 É  na  interação,  no  convívio  social,  que  a  criança  aprende  a  pensar,  planejar, 
refletir. Se o ambiente não proporciona isso, a criança não desenvolve significativamente 
suas  funções  psicológicas  superiores,  entre  elas  pensar,  imaginar,  planejar  ações, 
registrar, abstrair, relacionar, falar sobre. 
Oliveira  &  Oliveira  (1999)  afirmam  que  a  alfabetização  e  a  escolarização 
possibilitam compreender as diferenças cognitivas entre os sujeitos de diferentes níveis 
culturais.  Aqueles  com  os  quais  a  escola  trabalha  a  partir  de  uma  perspectiva  de 
 
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conhecimentos científicos, conceitos, terão claramente uma diferença cognitiva daqueles 
com os quais a escola não trabalha. 
A  escolarização  permite  à  criança  operar  com  um  pensamento 
descontextualizado,  abstrato,  longe  da  concretude  de  sua  experiência  pessoal.  Já  os 
sujeitos de grupos culturais não escolarizados operam a partir de suas vivências, de suas 
experiências de vida, de modo concreto, não conseguem operar  intelectualmente sobre 
um  pensamento  descontextualizado.  Esse  tipo  de  pensamento,  conforme  argumenta 
Moura (1999), permite ao sujeito operar com teorias conceituais complexas. 
A escola tem três papéis centrais no desenvolvimento de seu trabalho: “favorecer 
um  tipo  de  pensamento  que  opera  com  categorias  abstratas,  estando  liberto  das 
experiências  vivenciadas  e  concretas,  ou  seja,  propiciar  um  pensamento 
descontextualizado”, bem como promover atividades em que os alunos tenham atitudes 
metacognitivas, ou seja, organizem seu pensamento a partir das ações que cometeram 
ou irão cometer. Como terceiro ponto, explica que é papel da escola exigir que os alunos 
reflitam  constantemente  sobre  os  sentidos  e  significados  elaborados.  Papeis  estes 
presentes no trabalho com projetos (MOURA,1999, p. 110). 
Então, o aprendizado escolar desempenha um papel fundamental na elaboração e 
significação  conceitual  da  criança,  uma  vez  que  ao  trabalhar  com  conhecimentos 
sistematizados,  científicos,  presentes  nos  projetos,  ela  passa  a  pensar  de  forma 
complexa,  tomando  consciência de  seus próprios processos mentais, evoluindo no  seu 
desenvolvimento. 
Os  conceitos  elaborados  pelas  crianças  na  fase  inicial  de  escolarização  servirão 
como base para a construção de outros, mais complexos, nas séries seguintes, conforme 
defende Vigotski: 
[...]  a  atividade  de  utilização  de  signos  nas  crianças  não  é  inventada  e 
tampouco ensinada pelos adultos; ao  invés disso, ela surge de algo que 
originalmente  não  é  uma  operação  com  signos,  tornando‐se  uma 
operação  desse  tipo  somente  após  uma  série  de  transformações 
qualitativas.  Cada  uma  dessas  transformações  cria  condições  para  o 
próximo  estágio  e  é,  em  si  mesma,  condicionada  pelo  estágio 
precedente; dessa forma as transformações estão ligadas como estágios 
 
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de um mesmo processo e são, quanto a sua natureza, históricas  (2007, 
p.41). 
 
 “Os  conceitos  da  criança  se  formaram  no  processo  de  aprendizado,  em 
colaboração com o adulto”  (VIGOTSKI, 2005, p.133). No diálogo, na  troca, na mediação 
em  sala  de  aula,  os  conceitos  vão  sendo  estruturados  e  organizados  em  meio  à 
colaboração de um adulto ou de outra criança mais capaz. Dessa  forma, o processo de 
elaboração conceitual é realizado de forma interativa, por meio do qual o pensamento da 
criança se desenvolve no processo de  interações verbais com o adulto que, por sua vez, 
possui um pensamento mais elaborado e complexo que o dela. Ao fazer uso da palavra, o 
adulto mostra à criança que seu modo de pensar é diferente do modo como ela pensa e 
assim proporciona‐lhe  refletir usando uma atividade mental mais complexa  (FONTANA, 
2005). 
“O  conceito  tem  uma  história  de  desenvolvimento  muito  longa  (...)  o  próprio 
ingresso  na  escola,  significa  para  a  criança,  um  caminho  interessantíssimo  e  novo  no 
desenvolvimento  de  seus  conceitos”  (VIGOTSKI,  2001,  p.  523‐524).  Um  conceito, 
conforme explica Vigotski,  tem uma história  longa, visto que demora a  se desenvolver 
completamente  e  significativamente  para  a  criança.  É  na  escola  que  esse  caminho  de 
desenvolvimento  toma  rumo  e  ganha  interesse  para  a  pesquisa,  pois  trazendo  o 
conhecimento para um meio formal a criança é provocada a pensar de maneira diferente 
sobre aquilo que realiza (que são atividades mentais complexas).  
Ao  trabalhar  com  conceitos  dentro  dos  projetos,  o  desenvolvimento  de muitas 
funções  intelectuais está em  jogo. Porém, conforme alerta Vigotski (2005), somente por 
meio  dessa  aprendizagem  inicial  não  se  desenvolve  um  conceito.  É  um  processo 
gradativo  e  de  ordem  complexa  que  exige  tomada  de  consciência  e  evolução  de 
pensamento, discutido pelo autor na obra: Pensamento e Linguagem. 
Acredita‐se  que  desenvolver  um  currículo  por  projetos  permite  às  crianças  e 
educadores envolverem‐se em situações de aprendizagem complexas e significativas. A 
significação  conceitual  esta  muito  presente  nesta  metodologia,  uma  vez  que  os 
envolvidos são postos a buscar, investigar, ler, analisar e significar palavras, conteúdos e 
assuntos estudados. Assim, os sujeitos se organizam e aprendem em processos coletivos, 
 
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individuais  e  dialógicos  de  construção  do  conhecimento,  significando  conceitos  e  se 
inserindo no campo das ciências. 
 
Considerações finais  
Essa  abordagem  curricular,  considera  professor  e  aluno  como  sujeitos  ativos  e 
participativos  na  organização  curricular  das  aprendizagens;sujeitos  que  criam 
estratégias,  buscam,  elaboram  hipóteses  e  ideias  sobre  os  assuntos  levantados  no 
projeto. 
O  trabalho  por  projetos,  oferece  à  criança  oportunidade  de  estabelecer 
significativas interações com seus colegas e com sua professora. Por meio do diálogo, da 
palavra,  levantam‐se  as  hipóteses  sobre  o  que  cada  criança  julga  conhecer  de  cada 
conceito estudado e, assim,  inicia‐se a trajetória de elaboração conceitual, considerando 
as  ideias  de  cada  um,  construindo  e  desconstruindo  conceitos  e,  principalmente, 
significando‐os. 
A  metodologia  de  aprendizagem  por  projetos,  ao  proporcionar  a  significação 
conceitual em situações concretas nas quais esses projetos costumam ser desenvolvidos, 
evidencia  essa  característica  de  significação das  palavras,  colocando  o  ensino  em  uma 
perspectiva dialógica e  interativa, na medida em que as crianças  são postas a  interagir 
verbalmente  sobre  os  assuntos  levantados  para  estudo,  pesquisando  e  buscando 
respostas para conceituar aquilo que trazem como curiosidade. 
Se quisermos formar sujeitos capazes de operar, entender e transformar, é preciso 
pensar sobre o saber escolar, sobre o que se ensina na escola, como é ensinado e porquê é 
ensinado.  Por  isso  inserir  as  crianças  no  trabalho  com  projetos  através  do  currículo 
institucional e emergente requer outro conceito de escola; uma escola que não tolera a 
passividade, a repetição, o improviso, a queixa. Mas que coloca em sintonia os sujeitos da 
educação (educadores, crianças e famílias) num diálogo ético entre o conhecimento e as 
relações.  
Assim, um trabalho nos anos iniciais que parte de um currículo emergente também 
proporciona  pensar  sobre  a  qualidade  dos  conteúdos  que  serão  ensinados,  sobre  as 
 
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ações  que  são  tomadas  e  sobre  as  aprendizagens,  pois  os  projetos  são  contextos  de 
múltiplas  relações entre os sujeitos envolvidos:  relações sociais, com o conhecimento e 
com a cultura.  
Através dessas relações, o currículo por projetos proposto nesta discussão projeta 
um devir a ser da escola como  locus de produção de saberes docentes e discentes, sem 
reproduzir a cultura que está posta e, tradicionalmente, refletida na escola, mas como co‐
construtor de uma outra identidade e cultura escolar.  
 
Referências 
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Currículo e aprendizagem por projetos 
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