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S u m á r i o apontamentos sobre o sistema recursal do projeto de cpc - manoel caetano FeRReIRa FIlHo a possibilidade jurÍdica do pedido: de liebman ao projeto do novo cpc - KaRIna Da SIlVa maGatÃo medidas antecipatÓrias: perspectivas de como a temÁtica serÁ tratada pelo novo cÓdiGo de processo civil - mauReen cRIStIna SanSana continua na página 2 01 04 06 Nº 54 - Agosto/Setembro 2014 manoel caetano FeRReIRa FIlHo Advogado inscrito na OAB/PR sob o nº 08.749 Tramita no Senado Federal o Projeto de Código de Processo Civil. Nesta breve re-flexão pretendo destacar alguns pontos do sistema de recursos nele proposto, comparando-o com o do atual Código. 1. No Código vigente são previstos oito recursos (art. 476). Embora suprima os embar- gos infringentes, o Projeto contempla nove, pois acrescenta o agravo interno e o agravo extraordinário. Na verdade, mantém o mesmo número de recursos, pois o agravo interno está contido na expressão genérica agravo, no inciso II do art. 496. Os dois sistemas têm em comum, sem mudanças significativas: a) apelação, cabível de sentença (ato que extingue o processo); b) agravo de instrumento (cabível de algumas de- cisões interlocutórias); c) agravo interno (cabível de decisão proferida por relator); d) embargos de declaração; e) recurso ordinário; f) recurso especial; g) recurso extraordinário; h) embargos de divergência (cabíveis de acórdão proferido em recurso extraordinário ou recurso especial). apontamentos sobre o sistema recursal do projeto de cpc 2 O Projeto não contempla os embargos infringentes. Todavia, no art. 955, prevê um sucedâneo seu, ao impor a continuidade do jul- gamento, com a presença de outros julgadores, quando o acórdão da apelação não for unânime, a ação rescisória for procedente e, no agravo de instrumento, “houver reforma de decisão que julgar parcialmente o mérito”. Portanto, na re- alidade, ficam ampliadas as hipóteses que hoje admitem embargos infringentes. Além disso, o Projeto extingue o agravo nos próprios autos, cabível de decisão denega- tória de seguimento a recurso extraordinário ou especial (art. 544 do atual CPC). Por outro lado, cria o agravo extraordinário, sobre o qual faremos considerações adiante. Como sucede com os demais temas, em matéria recursal o projeto não contém significa- tivas mudanças em relação ao regime vigente. 2. Na apelação, no recurso ordinário, no recurso especial e no recurso extraordinário, não há juízo de admissibilidade na origem. Decorrido o prazo para resposta da apelação, os autos serão encaminhados ao tribunal, independentemente de decisão sobre sua admissibilidade (art. 1.023, § 3º). Do mesmo modo, ocorre em relação ao recurso ordinário (art. 1.041, parágrafo único). A inovação adquire maior relevância no que se refere aos recursos especial e extraordiná- rio. No caso deles, o tempo necessário ao juízo de admissibilidade consome, normalmente, alguns meses. Além disso, quando têm seguimento denegado (o que ocorre na grande maioria dos casos), a parte interpõe agravo nos próprios autos e o processo acaba chegando ao Tribunal Supe- rior. Com o novo Código, o procedimento ficará bem mais simplificado, não haverá necessidade de mais um recurso (agravo nos próprios autos) e os autos serão encaminhados diretamente ao Tribunal Superior, onde será feito, uma única vez, o juízo de admissibilidade. 3. Quanto aos efeitos da apelação, man- tém a regra da não suspensividade da eficácia da sentença, com as mesmas exceções do Código atual e outorga ao relator poder para conceder o efeito suspensivo. 4. Ao contrário do que se divulga, creio que não foi reduzido o cabimento do agravo de instrumento. Ao contrário, os vinte incisos do art. 1.028 mantêm as hipóteses atuais de cabimento e acrescentam várias outras. Merece destaque a possibilidade de correção do instrumento, mediante juntada de cópia de novas peças ou saneamento de “outro vício” que comprometa a admissibilidade do recurso (art. 1.030, § 3º). 5. Para assegurar o contraditório, o Pro- jeto prevê prazo de quinze dias para resposta ao agravo interno (art. 1.034). No mais, não altera o procedimento atual: após o prazo da resposta ou o relator se retrata ou inclui o recurso em pauta, para julgamento pelo órgão colegiado. 6. Nos embargos de declaração, o Projeto prevê expressamente a possibilidade de efeito infringente, ao exigir a intimação do embargado, para manifestar-se no prazo de cinco dias, “caso seu eventual acolhimento implique modificação da decisão embargada” (art. 1.036, § 2º). Este já é o entendimento consolidado na jurisprudência. Para superar divergência doutrinária e ju- risprudencial, o Projeto dispõe que os embargos de declaração não têm efeito suspensivo (art. 1.039), que poderá, todavia, ser concedido pelo juiz ou pelo relator (art. 1.039). Rejeitando en- tendimento que ganhou prestígio jurisprudencial, prevê que, se o julgamento dos embargos não modificar o resultado do julgamento, o recurso já interposto pela parte contrária antes da respectiva decisão “será processado e julgado independen- temente de ratificação” (art. 1.038, § 4º). 7. Quanto aos recursos extraordinário e especial, além de suprimir o juízo de admissibi- lidade no tribunal de origem, o Projeto contém 3 inovações que merecem destaque: a) ao contrário do enunciado nas Súmulas 634 e 635 do STF, a competência para a concessão do efeito sus- pensivo é sempre do Tribunal Superior (STF ou STJ), salvo se o recurso tiver sido sobrestado (por estar a matéria subordinada ao regime de recursos repetitivos), hipótese em que será do Presidente ou Vice-Presidente do tribunal local. Nos termos das referidas Súmulas, hoje a competência é do tribunal local no período que vai da interposi- ção ao juízo de admissibilidade. A modificação proposta é coerente com a extinção do juízo de admissibilidade no tribunal local. Novidade elogiável é a possibilidade de conversão do recurso especial em recurso ex- traordinário sempre que o relator entenda que o recurso versa sobre questão constitucional. Para tanto, o recorrente deverá ser intimado para que “demonstre a repercussão geral e se manifeste sobre a questão constitucional” (art. 1.045). Do mesmo modo, se no julgamento do recurso extraordinário o STF considerar como reflexa a alegada ofensa à Constituição, “por pressupor a revisão da interpretação da lei federal”, deverá remeter os autos ao STJ, “para julgamento como recurso especial” (art. 1.046). 8. No julgamento de recurso extraordinário e recurso especial repetitivos, o Projeto prevê mecanismo para que o recorrente alegue que o recurso sobrestado contempla matéria diversa das discutidas no recurso afetado: requerimento ao juiz (se o processo tiver sido sobrestado em primeiro grau) ou ao relator (quando sobrestado no tribunal). Da decisão de primeiro grau caberá agravo de instrumento; a do relator será impugná- vel por agravo interno. Reconhecida a distinção, o recurso terá regular processamento. 9. O agravo extraordinário contempla solu- ção para algumas questões tormentosas. A principal, ao meu aviso, está na ausência de recurso contra de- cisão do Presidente ou Vice-Presidente do tribunal local que nega seguimento a recurso extraordinário sob o fundamento de que o STF já decidiu que a matéria nele versada não tem repercussão geral. Nesta hipótese, o recorrente poderá interpor agravo extraordinário para que o STF examine “a existência de distinção entre o caso em análise e o precedente invocado” (art. 1.055, § 1º, II). Este mesmo mecanismo é adequado para impugnar decisão denegatória de seguimento a recurso extraordinário ou recurso especial repetitivo, sobrestado na origem, sob o fun- damento de que o acórdão recorrido coincide com a orientaçãodo Tribunal Superior. Hoje, a jurisprudência entende que desta decisão não cabe recurso ao Tribunal Superior. O Projeto prevê o agravo extraordinário. Por fim, no julgamento de recursos repe- titivos, o recorrido poderá requerer a exclusão de recurso sobrestado, sob alegação de intem- pestividade. Ouvido o recorrente em cinco dias, o Presidente ou Vice-Presidente do tribunal local decidirá. Se indeferir, da decisão caberá agravo extraordinário. Encerro declarando que, lamentavelmente, a experiência de professor e advogado leva-me a acreditar que, no que depender do sistema de recursos, não haverá melhora da prestação juris- dicional com o novo código. 4 a possibilidade jurÍdica do pedido: de liebman ao projeto do novo cpc KaRIna Da SIlVa maGatÃo Advogada inscrita na OAB/PR sob o nº OAB/PR 41.529; Mestre em Direito. Especialista em Direito Processual Civil. Professora nos cursos de graduação e pós-graduação da Universidade Positivo e da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. O Código de Processo Civil Brasileiro adotou a teoria de Enrico Tullio Liebman sobre as condições da ação1, o que ocorreu vez que o estudioso italiano esteve no Brasil e acabou influenciando os processualistas que com ele es- tiveram, os quais, mais tarde, foram responsáveis pela redação do Código que se aprovou em 1973. Liebman defendia a existência de um direito constitucional de acesso ao Poder Judiciário, com base no art. 24 da Constituição Italiana, e de um direito de ação, que para existir dependia da pre- sença de três condições, de modo que, na ausência delas, o processo deveria ser extinto sem a análise do mérito. A partir deste pensamento, o sujeito que fosse a juízo e tivesse o seu processo extinto sem a análise do mérito tinha apenas o direito de agir, mas não o direito de ação, que era o direito ao julgamento do mérito, fosse ele favorável ou não.2 As condições então propostas pelo teórico eram: a) a legitimação para agir; b) o interesse de agir; e c) a possibilidade jurídica do pedido. Legi- timação é a titularidade da ação, olha-se para quem pertence o interesse de agir e a pessoa em relação à qual ele existe.3 O interesse de agir advém da neces- sidade de se obter, através do processo, a proteção de um direito, de forma que deve haver lesão a esse direito e o provimento buscado deve se mostrar apto a protegê-lo e satisfazê-lo.4 E a possibilidade jurí- dica do pedido é a admissibilidade, em abstrato, do provimento solicitado, segundo as normas vigentes no ordenamento jurídico, de modo que não deve existir proibição em lei ou obstáculo no sistema em relação ao que foi pedido.5 Para a verificação destas condições, necessário se faz analisar os elementos identificadores da ação, quais sejam, as partes, a causa de pedir e o pedido. Ainda, segundo Liebman, esta análise deve ser aferida com base na situação apresentada, não apenas a partir da petição inicial, mas após investigação probatória, de tal sorte que, independente da fase em que o processo encontre, verificada a ausência de condição da ação deve ha- ver a extinção do processo sem a análise do mérito. Acontece que, ainda antes da edição do nosso Código, Liebman revê a sua teoria para não mais prever a possibilidade jurídica do pedido como condição da ação. Isso ocorreu porque o exemplo que usava para justificar a sua tese, o divórcio, passava a ser permitido na Itália com a Lei 898, de 1º de dezembro de 1970. Assim, então, resolveu tratar a possibilidade dentro do interesse de agir, de modo que diante de uma proibição em lei ou de um obstáculo no sistema, faltaria à 1 Foi no ano de 1949, na aula inaugural da Universidade de Turim, na Itália, que Liebman apresentou a sua teoria. Mais tarde o escrito é publicado nos Scritti giuridici in onere de F. Carnelutti, Padova, Cedam, 1950, v. 2, na Revista Trimestrale de Diritto e Procedura Civile, 195, p. 47. 2 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 1985. v. 1. p. 150-155. LIEBMAN, Enrico Tullio. L’azione nella teoria Del processo civile, Problemi Del processo civile. Napoli: Morano, 1962. p. 46-47. 3 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 1985. v. 1. p. 150-146-148. 4 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 1985. v. 1. p. 150-155. 5 LIEBMAN, Enrico Tullio. L’azione nella teoria Del processo civile, Problemi Del processo civile. Napoli: Morano, 1962. p. 46. 5 parte interesse de agir.6 Apesar disso, em 1973 é aprovado o CPC no Brasil, com a redação que atualmente conhecemos: Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: Vl - quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual. Adotou-se, por- tanto, a teoria de Liebman na sua versão inicial. Noutro ponto, entretanto, a teoria de Lie- bman não foi adotada: naquilo que diz respeito à aferição das condições da ação no caso concreto e suas consequência. Apesar de o legislador bra- sileiro não querer dessa forma, a jurisprudência7 e, em certa parte, a doutrina8 são adeptas da teoria da asserção ou da propettazione. Segundo ela, a aferição da presença das condições da ação deve ser realizada com base naquilo que é trazido pelo demandante na petição inicial. Assim, toda vez que seja necessário avançar para além da fase inicial do processo a fim de se averiguar a presença das condições, adentrar-se á no mérito da causa, sendo a sentença, nestes casos, pela procedência ou impro- cedência.9 Por exemplo: a parte demandante requer a usucapião de área de terra sobre a qual, há muito, tem a posse. Alega não existir registro da aludida terra. Quando da intimação da Fazenda Pública, o Estado apresenta contestação alegando se tratar a área de bem público estatal, de tal modo, ter-se-ia impossibilidade jurídica do pedido, nos termos do art. 183, §3º da Constituição Federal. Ocorre que diante das alegações e com base nos documentos juntados até então não é possível o juiz concluir se tratar de bem público, de modo que vão os autos à instrução. Assim, adentrou-se no mérito para se concluir que o bem, de fato, é público, com a pro- lação de sentença julgando improcedente o pedido formulado pelo demandante.10 Afinal, se analisar o mérito é analisar a lide, como já dizia Canelutti, o que se passa neste caso é um verdadeiro enfren- tamento do mérito, pois se investiga o conflito de interesses do caso concreto.11 No Projeto de novo Código a legitimidade e o interesse de agir continuam causa de extinção do processo sem a análise do mérito. Não há, contudo, menção à possibilidade jurídica do pedido como hipótese que leva à inadmissibilidade do processo (art. 327, XI e 472, VI do Projeto), bem como não há menção a ela no rol de hipóteses de indeferimen- to da petição inicial (art. 305 do Projeto). A partir disso, pergunta-se: diante de pedido juridicamente impossível passar-se-á tratar a questão como sendo de mérito ou continuará a questão como condição da ação a inviabilizar o julgamento do mérito, dentro da ideia de que não haveria interesse de agir nessa situação? Vejamos: No ver de Calmon de Passos12 e Adroaldo Fur- tado13, é impossível afastar a análise da possibilidade 6 Foi na terceira edição do seu manual que Liebman inseriu a possibilidade jurídica do pedido dentro da categoria interesse processual (LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 1985. v. 1. p. 151). 7 REsp 1324430/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/11/2013, DJe 28/11/2013; 8 “Se a ação se desenvolve até a última fase do processo, chega-se a um momento em que o juiz está apto para reconhecer a existência ou inexistênciado direito material ou para julgar o mérito ou o pedido, de modo que não há racionalidade em sustentar que a sentença, nessa ocasião, pode simplesmente extinguir o processo sem julgamento de mérito” (MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. 5. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. P. 187). Podemos citar outros adeptos desta teoria, como José Carlos Barbosa Moreira, Sérgio Cruz Arenhart, Araken de Assis, Alexandre Freitas Câmara, Leonardo Greco, dentre outros. 9 DIDIER JUNIOR, Fredie. Pressupostos processuais e condições da ação. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 216-219. 10 Exemplo similar julgado pelo STJ: RECURSO ORDINÁRIO. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE LOCAÇÃO FIRMADO COM ESTADO ESTRANGEIRO. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. SENTENÇA DE EXTINÇÃO REFORMADA. 1. A possibilidade jurídica do pedido configura-se com a precisão ou a ausência de vedação expressa em lei ao pedido formulado pelo autor na inicial. 2. Este Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou no sentido de admitir a contratação em moeda estrangeira, desde que o pagamento seja realizado pela conversão em moeda nacional. Para a verificação de tal circunstância, no caso, imprescindível a instalação do contraditório, sendo, pois, prematura a extinção do feito sem julgamento do mérito, uma vez que a possibilidade jurídica do pedido, na hipótese, se confunde com o mérito. 3. Recurso Ordinário provido. (RO . 81/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 19/05/2009, DJe 15/06/2009). Ainda, pode-se consultar: REsp 909.968/DF, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/04/2008, DJe 17/04/2008, REPDJe 01/08/2008. 11 Segundo Francesco Carnelutti, lide é conflito de interesses qualificado pela pretensão resistida de uma das partes. Enfrentar o mérito é enfrentar esse conflito. 12 PASSOS, José Joaquim Calmon de. Comentários ao Código de Processo Civil. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v. 3. 215-217. 13 Extinção do processo e mérito da causa. In: Ensaios de direito processual. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 384. 6 mauReen cRIStIna SanSana Advogada inscrita na OAB/PR sob o nº 43.648; Pós Graduada em Processo Civil pela PUC/PR e Mestre em Direito Econômico e Socioambiental pela PUC/PR medidas antecipatÓrias: perspectivas de como a temÁtica serÁ tratada pelo novo cÓdiGo de processo civil Comumente se analisa na doutrina a distinção entre a tutela cautelar e a tutela antecipada, não somente porque tais institutos situam-se em locais diversos no vigente Código de Processo Civil - estando a primeira no Livro III e a segunda jurídica do pedido do mérito da causa, de modo que a sentença, no caso de impossibilidade jurídica, seria denegatória do bem da vida, cujos efeitos são de coisa julgada material. Também segundo Fredie Didier, mesmo no CPC atual, a impossibilidade jurídica do pedido gera coisa julgada material14, à luz do art. 269, inciso I, de sorte que o Projeto de novo Código teria apenas consagrado o entendimento, praticamente unânime, de que a possibilidade jurídica é causa de decisão de mérito15. Afinal, se o ordenamento proíbe determinado pedido, é porque a parte não tem direito ao que pede, como diz Leonardo Carneiro da Cunha.16 Ao contrário, alguns doutrinadores acreditam que Liebman acertou quando mudou de posiciona- mento e incluiu a ausência de possibilidade jurídica dentro da categoria falta de interesse de agir, pois, como afirma Alexandre Feitas Câmara, “[...] aquele que vai a juízo em busca de algo proibido aprio- risticamente pelo ordenamento jurídico postula, a rigor, uma providência jurisdicional que não lhe pode trazer qualquer utilidade . E isto nada mais é do que a ausência de interesse de agir”.17 Como exemplifica Luiz Guilherme Marinoni, baseado no direito brasileiro, “[...] a cobrança de dívida de jogo, certamente poderia ser pensada como ausência de interesse de agir”18 – trata-se de im- possibilidade jurídica do pedido, porque aludida cobrança é vedada pelo ordenamento. A impossibilidade jurídica do pedido seria, então, caso de ausência de interesse de agir, como já defendia Liebman há anos? Por enquanto, per- manece a dúvida. Caso prevaleça, entretanto, o entendimento de que a possibilidade jurídica do pedido foi inserida na categoria interesse de agir, é importante que a sua análise realize-se com base na teoria da asserção, pois, se for necessário investigar a possibilidade ou não do pedido e, assim, avançar no procedimento para além da fase inicial do pro- cesso, que então se adentre no mérito para dizer se o demandante tem ou não razão naquilo que pede. 14 DIDIER JUNIOR, Fredie. Pressupostos processuais e condições da ação. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 227. 15 DIDIER JUNIOR, Fredie. Será o fim da categoria “condição da ação”? Um elogio ao Projeto do novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, ano 36, vol. 197, julho/2011. p. 258. 16 CUNHA, Leonardo Carneiro da. Será o fim da categoria “condição da ação”? Uma intromissão no debate travado entre Fredie Didier Jr. e Alexandre Freitas Câmara. Revista de Processo, ano 36, vol. 198, agosto/2011. p. 231. 17 CÂMARA, Alexandre Freitas. Será o fim da categoria “condição da ação”? Uma resposta a Fredie Didier Junior. Revista de Processo, ano 36, vol. 197, julho/2011. p. 263. No mesmo sentido, Gregório Assagra de Almeida e Luiz Manoel Gomes Junior. 18 MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. 5. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. P. 180. 7 no Livro I- mas também em virtude da já exaustiva ideia de que aquela garante e que esta satisfaz. É possível, entretanto, vislumbrar em ambas as tutelas de urgência a garantia e a satisfação, razão pela qual NEVES (2012, p. 1150) expõe ser impres- cindível para a compreensão entender que “A tutela cautelar garante para satisfazer e a tutela antecipa- da satisfaz para garantir”. O autor esclarece ainda que a presença da ‘garantia’ e da ‘satisfação’ tanto na cautelar como na tutela antecipada justifica ter o legislador previsto a fungibilidade das medidas por intermédio do §7° do artigo 273 do CPC. Nesse contexto, mostra-se atrativa a concep- ção a ser adotada pelo Novo Código de Processo Civil, o qual tratará de forma unitária as situações que exijam maior celeridade em virtude da emer- gência e da certeza do direito demonstrada nos autos. FREITAS JUNIOR (2013, p. 203), quando ainda pendente a análise do Projeto do Novo CPC pela Câmara dos Deputados, assim registrou: “O Projeto de Lei em referência, iniciado no Senado Federal e atualmente pendente na Câmara dos Deputados, no que se refere ao tratamento das tutelas de urgência, é de regulamentação unitária, juntamente com as chamadas tutelas de evidência. No Capítulo I do Título IX do Livro I (denominado “Parte Geral”) estão as disposições gerais da tutela de urgência e tutela de evidência, sendo que não há mais previsão de medidas de urgência nominadas”. Assim, uma das principais modificações constantes do Projeto de Lei do Senado n° 166, de 2010, renumerado na Câmara dos Deputados como PL n° 8.046, de 2010, é a substituição do atual tratamento seccionado da tutela antecipada e dos procedimentos cautelares típicos e atípicos. Todavia, há que se ter em mente não se es- tar diante de situações consolidadas, isso porque, tem-se que há pouco o Projeto do Novo Código de Processo Civil foi aprovado na Câmara dos Deputa- dos, situação essa que, por intermédio das emendas introduzidas ao projeto original, gerou um cuidadoso Relatório Final da referida Casa, tendo havido o seu envio ao Senado Federal para a derradeira apreciação e encaminhamento ao Poder Executivo para sanção. A afirmativa acima aludida resta comprovada pelo fato do Relatório Final da Câmara dos Deputa- dos atribuir o seguinte teor ao artigo 295 “A tutela antecipada,de natureza satisfativa ou cautelar, pode fundamentar-se em urgência ou evidência e ser concedida em caráter antecedente ou incidental”, sendo que anteriormente o Projeto n° 8.046/2010 atribuía teor distinto a um artigo também com nu- meração distinta: artigo 269 “ A tutela de urgência e a tutela de evidência podem ser requeridas antes ou no curso do processo, sejam essas medidas de natureza satisfativa ou cautelar”. De qualquer modo, o raciocínio que se destaca ao se pensar na temática referente à ante- cipação de tutela no novo diploma processual é o de promover a extinção de uma separação estan- que de procedimentos (entre as cautelares típicas e atípicas e a tutela antecipada). Tal pensamento foi desenvolvido por SOUZA (2014, p. 151 e 152) ao tecer as seguintes linhas com base no Relatório Final confeccionado pela Câmara dos Deputados: “O Projeto de Novo Código de Processo Civil, ao mesmo tempo que extingue o Livro III do Código de Processo Civil de 1973 (aliás, o primeiro Código de Processo Civil do mundo a dedicar um livro especial para a disciplina cautelar, elevando a ação cautelar ao nível da ação de conhecimento e da ação execução), faz surgir no Livro V – Da tutela antecipada – as normatizações concernentes às de- nominadas tutela de urgência e tutela de evidência”. O citado autor prossegue no intuito esclarecer que o tratamento conjunto das tutelas sob a qualifi- cação de tutela antecipada não faz com que as carac- terísticas das cautelares sejam tidas como inócuas. “Contudo, não obstante a nova sistematiza- ção das tutelas antecipadas, tal fato não autoriza concluir que a tutela cautelar, em razão da reforma, tenha mudado as suas características ou tenha ha- vido importante alteração sistêmica quanto à sua análise. Na verdade, o que pretende o Projeto do Novo Código de Processo Civil, assim como já o fez em relação ao processo de conhecimento e ao processo de execução, foi sincretizar o processo cautelar com o processo de cognição exauriente, inserindo num mesmo processo os diversos pedi- dos correspondentes, ou seja, o pedido de tutela antecipada antecedente ou incidental com o pedido principal, mesmo nas hipóteses em que a tutela de 8 iSSN 2175-1056 Diagramação: Ctrl S Comunicação www.ctrlscomunicacao.com.br coordenação acadêmica: Estêvão Lourenço Corrêa Advogado inscrito na OAB/PR sob nº. 35.082 oaB Paraná – Rua Brasilino Moura, 253 – 80.540-340 Telefone: 3250-5700 | www.oabpr.org.br expediente: urgência cautelar for requerida em caráter ante- cedente ao pedido principal”. Resta indubitável, então, que em que pese o tratamento unitário pensado pelo Novo Código, tal circunstância longe está de representar que as tutelas previstas possuem a mesma razão de existir, ou seja, deve-se ter em mente que a de- pender do pleito a ser requerido, imprescindível será a demonstração do preenchimento dos seus requisitos, os quais serão a base de sua funda- mentação. Desse modo, o profissional do Direito deverá estar familiarizado com os conceitos que envolvem o caráter satisfativo ou cautelar de uma medida, bem como conceitos que envolvem a tutela de urgência e a tutela de evidência. No que concerne à tutela de urgência ob- serva-se que no Projeto Originário n° 8.046/2010 do Novo CPC seu tratamento encaixa-se como gênero, sendo que as tutelas cautelar e satis- fativa seriam suas espécies. O Relatório Final da Câmara dos Deputados realizou abordagem outra, pois o gênero seria a tutela antecipada, e suas espécies a tutela antecipada satisfativa e a tutela antecipada cautelar. Percebe-se que se a redação do Relatório Final for mantida, a urgência será o fundamento para a concessão da tutela antecipada, assim como a evidência. A tutela de evidência – a qual já des- pertou insurgência em virtude de algumas vozes entenderem que o melhor seria que a denominação fosse “tutela do direito apa- rente” – poderá incidir ante a situações que, por exemplo, ficar caracterizado o abuso de defesa ou o propósito protelatório do réu; existir pedido incontroverso e ainda houver documentação irrefutável da pretensão acom- panhando a petição inicial. Nesse sentido, DIDIER JR. (2010, p. 408) leciona: “A evidência é uma situação processual em que determinados direitos se apresentam em juízo com mais facilidade do que outros. Há direitos que têm um substrato fático cuja prova pode ser feita facilmente. Esses direitos, cuja prova é mais fácil, são chamados de direitos evidentes, e por serem evidentes merecem tra- tamento diferenciado”. O autor também menciona que urgência não é o contrário de evidência, tanto que podem perfeitamente conviver. Ante a abordagem apresentada, a qual longe está de exaurir a temática, tem-se que o Novo Código de Processo Civil, no que concerne a medidas antecipatórias, visa a prever um trata- mento unitário, todavia, sem que isso signifique que acepções há muito debatidas, como o caráter satisfativo ou cautelar das medidas deferidas nos processos, sejam ignoradas. DIDIER JR. Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil – execução. V. 5. 2ª ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2010. FREITAS JÚNIOR, Horival Marques de. Breve análise sobre as recentes propostas de estabilização das medidas de urgência. Em Revista de Processo, São Paulo, v.38, n.225, p. 179-219, nov. 2013. NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Porcessual Civil. 4ª ed. São Paulo: Editora Método, 2012. SOUZA, Artur César. Análise da tutela antecipada no Projeto da Câmara dos Deputados no novo CPC : tutela satisfativa urgente e de evidência - tutela cautelar primeira parte. Em : Revista de processo, São Paulo : Revista dos Tribunais, v.39, n.230, (abr. 2014), p. [127]-171.
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