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1. CUIDADOS PRÉ-OPERATÓRIOS A adequada preparação da doente para a cirurgia é fundamental para o sucesso do procedimento cirúrgico e a realização da história clínica e do exame objectivo são os elementos chave da avaliação pré-operató- ria. Há, no entanto, dados que suportam a necessidade de utilizar também exames la- boratoriais e de imagem adequados ao tipo de procedimento e de doente. Tem igual importância a explicação a dar à doente sobre o procedimento cirúrgico e a disponibilidade para esclarecer as dúvidas existentes. 1.1. HISTÓRIA CLÍNICA E EXAME OBJECTIVO A história clínica pré-operatória deve incluir as situações clínicas passíveis de serem agra- vadas pelo procedimento cirúrgico ou, por outro lado, de complicar quer o acto cirúr- gico quer a anestesia e a recuperação pós- -operatória. 1.1.1. DOENÇAS CRÓNICAS, ANTECEDENTES CIRÚRGICOS E HÁBITOS O risco de complicações cardíacas e pul- monares no pós-operatório foi associado a vários factores, a maioria dos quais podem ser identificados pela história clínica e exa- me físico. O quadro 1 mostra as condições mais fre- quentemente associadas a complicações cardíacas ou pulmonares no pós-operatório. Algumas situações requerem exames com- plementares específicos e consulta com es- pecialista. Pode ser necessária a realização de ecocardiograma em situações de insuficiência cardíaca ou doença valvular ou de prova de esforço, se há suspeita de doença isquémica. Nas doentes com asma ou doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) pode ser necessário fazer estudo funcional respiratório. A suspen- são do consumo de tabaco, pelo menos 4 se- manas antes do acto cirúrgico, reduz para me- tade o risco de complicações respiratórias1. A diabetes associa-se a um acréscimo de ris- co de morbilidade e mortalidade de 50%, in- cluindo risco de enfarte agudo do miocárdio no perioperatório, complicações infecciosas, cicatrização da ferida operatória ou de insu- ficiência renal aguda2. O controlo da glicemia capilar no perioperatório diminui significa- tivamente estes riscos. Se houver história de diabetes descompensada ou de doença de órgão deve ser consultado endocrinologista. Os antecedentes cirúrgicos são importantes por poderem alertar para algumas compli- cações anestésicas ou operatórias. Pode ter havido resposta anormal a determinados anestésicos ou técnica anestésica. Deve ser inquirido se houve problemas hemorrági- cos, tromboembólicos, peritonite ou oclu- são intestinal. A história de cirurgia pélvica alerta o cirurgião para maior probabilidade de aderências que envolvam o intestino ou de estenose ureteral. Pode haver indicação para estudo da anatomia ureteral e eventual colocação pré-operatória de cateter uretéri- co duplo J. 603 Cuidados pré-operatórios e pós-operatórios Cristina Frutuoso 53 Se m o c o n se n ti m en to p ré vi o p o r es cr it o d o e d it o r, n ão s e p o d e re p ro d u zi r n em f o to co p ia r n en h u m a p ar te d es ta p u b lic aç ão © P er m an ye r Po rt u g al 2 01 0 604 Capítulo 53 1.1.2. MEDICAÇÃO CRÓNICA Deve ser conhecida toda a medicação que a doente faz e identificada a que se deve con- tinuar e a que deve ser interrompida. A maio- ria dos medicamentos não necessitam de ser suspensos para que a doente seja operada e alguns devem mesmo ser administrados no dia da cirurgia de manhã, como os hipoten- sores ou substitutos hormonais. Mesmo a prática de suspender os contracep- tivos orais 2-4 semanas antes da cirurgia não têm suporte em estudos prospectivos com grupo controlo e não se recomenda a sua descontinuação por rotina3. As alterações induzidas pela contracepção oral requerem interrupção durante 4-6 semanas para reto- ma da normalidade. Foi estimado um risco de complicações tromboembólicas (CTE) de 0,96% nas doentes que estão sob contracep- ção oral e de 0,5% nas não-utilizadoras, mas a suspensão implica risco de gravidez4. São excepção os medicamentos que inter- ferem com a coagulação, os hipotensores inibidores da monoaminoxidase (IMAO) e os antidiabéticos orais (ADO) de longa duração de acção. Os IMAO devem ser sus- pensos 2 semanas antes da cirurgia, en- quanto os ADO se suspendem apenas 2-3 dias antes. O quadro 2 mostra os principais antiagre- gantes plaquetares (AAP) utilizados e tem- po de suspensão prévio necessário. Se a condição clínica que levou à prescrição do AAP não permitir a sua suspensão, como por exemplo nas doentes que têm stent coroná- rio, deve ser providenciada a sua substitui- ção por triflusal 200 mg, 2/dia, dado poder ser interrompido 24-48 h antes da cirurgia. Nas doentes que estão sob dicumarínicos, estes tem de ser interrompidos 3-5 dias antes do acto cirúrgico e substituídos por heparina de baixo peso molecular (HBPM) ou heparina endovenosa, em função da condição médica subjacente. A heparina pode ser iniciada ape- nas quando a relação normalizada internacio- nal (INR) for inferior a 2. Se for prescrita HBPM em dose terapêutica esta deve ser reduzida e passada a dose profiláctica na véspera da ci- rurgia. A heparina endovenosa deve ser inter- rompida 4-6 h antes da cirurgia. A acção anti- coagulante da HBPM não se traduz no tempo de tromboplastina parcial activado (TTPa), ao contrário do que acontece com a heparina, para a qual o TTPa se usa na monitorização da dose (2x o tempo do controlo). A retoma da dose terapêutica da HBPM ou da heparina endovenosa é função do tipo de cirurgia e do risco tromboembólico da do- ente e se feita precocemente pode produzir Quadro 1. Situações associadas a complicações cardíacas ou pulmonares no pós-operatório Cardiovasculares Pulmonares Enfarte miocárdio prévio Angina Insuficiência cardíaca congestiva Diabetes Hipertensão Idade > 70 Arritmia Doença valvular Tabaco Obesidade DPOC Asma ASA* > 2 Idade > 70 Cirurgia abdominal ou torácica Duração cirurgia > 3 h Adaptado de Gynecologic oncology2. *Sociedade Americana de Anestesia Se m o c o n se n ti m en to p ré vi o p o r es cr it o d o e d it o r, n ão s e p o d e re p ro d u zi r n em f o to co p ia r n en h u m a p ar te d es ta p u b lic aç ão © P er m an ye r Po rt u g al 2 01 0 605Cuidados pré-operatórios e pós-operatórios hemorragia, que complica o pós-operatório e atrasa a retoma da anticoagulação eficaz. A interrupção de hipotensores ou de ADO pressupõe a monitorização da tensão arterial (TA) ou da glicemia capilar e prescrição de hipotensor ou insulina para administração em SOS. No dia da cirurgia, deve ser avaliada a glicemia capilar e a doente ser puncionada com soro glicosado a 5% para evitar hipogli- cemia. Após a cirurgia, a glicemia deve ser monitorizada cada 2-4 h e prescrito esque- ma insulínico adequado ao valor da glicemia capilar. Os ADO e a insulina no regime habi- tual devem ser retomados quando a doente iniciar dieta oral. 1.1.3. ALERGIAS A doente deve ser inquirida sobre passa- do de alergia a determinados fármacos ou produtos. São mais frequentes a alergia a produtos iodados, utilizados na desinfecção, e a derivados da penicilina, utilizados na profilaxia antibiótica. Nos dois casos devem ser usados produtos alternativos. A alergia ao látex é rara mas pressupõe subs- tituição de material na prestação de cuida- dos e na sala de operações. Pelas importan- tes implicações, a alergia ao látex deve ser sempre confirmada. 1.1.4. EXAME OBJECTIVO O exame objectivo deve ser global. É certo que a maioria das doentes que se subme- tem a cirurgia ginecológica são saudáveis, mas não deve ser esquecida a avaliação de outros órgãos, além do exame pélvico, em particular a função cardíaca e respiratória. Por outro lado, restrições ao movimento nas articulações coxofemorais podemcondicio- nar o posicionamento da doente nas cirur- gias realizadas por via vaginal. O exame pélvico permite-nos optar pela me- lhor via de abordagem, vaginal ou abdomi- nal e, se escolhida a via abdominal, pelo tipo de incisão a fazer. Se for identificada qualquer infecção vulvo- -vaginal, deve ser tratada antes da cirurgia. As vaginoses podem ser tratadas com me- tronidazol 500 mg oral 2/dia ou por aplica- ção tópica de metronidazol ou de clindami- cina, durante 7 dias. Também a atrofia da mucosa vaginal deve ser corrigida pela aplicação tópica de estrogé- nios, durante 4-6 semanas antes da cirurgia. 1.2. AVALIAÇÃO LABORATORIAL E POR IMAGEM Em Portugal é habitual a realização de exa- mes de rotina pré-operatória, independen- Quadro 2. Antiagregantes plaquetares5 Mecanismo de acção Suspensão antes da cirurgia Ácido acetilsalicílico Acetilsalicilato de lisina Inactivação irreversível da ciclooxigenase 7-10 dias Clopidogrel Ticlopidina Bloqueio do receptor ADP* nas plaquetas 7-10 dias Dipiridamol Aumento da concentração do cAMP† 24 h Triflusal Bloqueio da ciclooxigenase 24-48 h AINE não selectivos Inactivação reversível das ciclooxigenases Função da semivida *adenosina difosfato †adenosina monofosfato cíclico Se m o c o n se n ti m en to p ré vi o p o r es cr it o d o e d it o r, n ão s e p o d e re p ro d u zi r n em f o to co p ia r n en h u m a p ar te d es ta p u b lic aç ão © P er m an ye r Po rt u g al 2 01 0 606 Capítulo 53 temente do tipo de doente e do procedi- mento cirúrgico a realizar. É comum o pedido de hemograma e estudo da coagulação, glicemia e ionograma, da função renal e hepática, de radiografia do tórax e de electrocardiograma (ECG) e, por vezes, de análise da urina. Há um estudo americano que mostra que 72,5% dos testes pré-operatórios foram considerados desnecessários após revisão da história clínica e do exame físico do do- ente3. Munro concluiu que o poder dos tes- tes realizados para avaliar o risco de com- plicações no pós-operatório nas doentes assintomáticas era fraco ou nulo6. Uma avaliação pré-operatória racional pres- supõe o conhecimento da categoria de risco da doente e o tipo de procedimento cirúrgi- co. Para classificar a condição física da doen- te é habitualmente utilizada a classificação da Sociedade Americana de Anestesia (ASA) (Quadro 3). Roizen propõe três categorias para o pro- cedimento cirúrgico (A, B, C) em função da probabilidade da doente necessitar de transfusão de glóbulos vermelhos (GV), de necessitar de monitorização invasiva ou de cuidados intensivos no pós-operatório3. Para as mulheres propostas para cirurgia ginecológica não complicada e sem outra patologia conhecida e assintomáticas, a escola americana recomenda a realização de história clínica e exame físico comple- to e a determinação da hemoglobina se a doente tem menos de 40 anos; depois desta idade passa a ser obrigatório o ECG. Só após os 65 anos se recomenda a deter- minação do azoto ureico e da glicemia. Recomenda-se a classificação do grupo sanguíneo se há potencial para uma per- da moderada de sangue. Se a doente for submetida a cirurgia ginecológica com- plicada e sem outra patologia conhecida e assintomática, recomenda-se a realiza- ção de hemograma completo, o estudo da coagulação, da função renal e hepática e o pedido de classificação e de provas de compatibilidade para transfusão de GV. Recomenda-se consulta de anestesia nes- te grupo. Se a doente tem comorbilidades, do foro cardíaco, pulmonar, renal, endócrino, vascu- lar, neurológico ou ortopédico com necessi- dade de medicação crónica, e independen- temente do tipo de patologia ginecológica e procedimento cirúrgico, recomendam-se os mesmos exames referidos para as doen- tes com patologia ginecológica complicada e acrescentam o ECG e consulta da especia- lidade dirigida à comorbilidade. Quadro 3. Escala de condição física da ASA Classe 1 – Doente sem alterações orgânicas, fisiológicas ou psiquiátricas. O processo patológico a ser tratado é localizado e não envolve distúrbios sistémicos Classe 2 – Doente com alterações sistémicas ligeiras a moderadas, causadas pela situação a ser tratada cirur- gicamente ou por outros processos fisiopatológicos Classe 3 – Doença sistémica grave de qualquer causa Classe 4 – Doença sistémica grave que coloca em risco a vida do doente e que poderá não ser tratável pelo procedimento a efectuar Classe 5 – Doente moribundo, com poucas hipóteses de sobreviver, mas que é submetido ao procedimento em desespero de causa Classe 6 – Dador de órgãos Se m o c o n se n ti m en to p ré vi o p o r es cr it o d o e d it o r, n ão s e p o d e re p ro d u zi r n em f o to co p ia r n en h u m a p ar te d es ta p u b lic aç ão © P er m an ye r Po rt u g al 2 01 0 607Cuidados pré-operatórios e pós-operatórios 1.3. CUIDADOS GERAIS O período de internamento deve ser limitado ao tempo mínimo necessário por se associar a riscos acrescidos, em particular de infecção e também pelos custos que implica. No entanto, algumas doentes precisam de internamento antecipado para equilíbrio de condições mé- dicas concomitantes ou ajuste terapêutico. Doenças crónicas graves, como a insuficiência cardíaca congestiva, as valvulopatias e a hi- pertensão pulmonar severa, a doença pulmo- nar obstrutiva crónica e a asma ou a diabetes descompensadas, requerem monitorização e podem precisar de ajuste terapêutico. As doentes que estão sob anticoagulação com dicumarínicos precisam, habitualmen- te, de internamento precoce para adminis- tração de heparina de baixo peso molecular ou heparina endovenosa. Para todos os procedimentos cirúrgicos deve ser dado consentimento da doente. Deve ser dada informação oral ou escrita sobre o procedimento a realizar, bem como sobre as complicações possíveis, e a doente deve as- sinar uma declaração de consentimento da intervenção cirúrgica. 1.4. PROFILAXIA DA TROMBOEMBOLIA A doente submetida a cirurgia pélvica tem um risco de 2-45% de vir a ter uma trombose ve- nosa dos membros inferiores. Destas, 20% são da região poplítea ou femoral, e destas, 40% vão ter tromboembolia pulmonar (TEP)7. As doentes de alto risco tem uma probabili- dade de 80% de ter trombose da perna e um risco de TEP de 5%8. A indicação para fazer profilaxia das CTE, trombose venosa profunda e TEP relaciona- -se com o tipo de procedimento cirúrgico e com as comorbilidades que a doente apre- senta (Quadro 4). A cirurgia pélvica é por si só uma indicação para a profilaxia das CTE. A estase venosa é o principal factor desencadeante da trom- bose pós-operatória. Doran demonstrou que durante o procedimento cirúrgico o retorno venoso nos membros inferiores está reduzido em 50%, como consequência do relaxamento muscular induzido pela anestesia7. Esta dimi- nuição do retorno venoso mantém-se duran- te as 2 semanas que se seguem à cirurgia. Por outro lado, também a compressão prolonga- da da veia cava inferior, que é produzida pelo Quadro 4. Factores de risco de trombose venosa profunda9 Obesidade (índice de massa corporal [IMC] > 30) Idade > 40 anos Gravidez Fumador Estase venosa crónica Imobilização Trauma Modeladores selectivos dos receptores de estrogénios Estrogénios Cirurgia abdominal e pélvica Cirurgia extensa* Trombofilia* Doença maligna* História de trombose venosa crónica* História de TEP* *Alto risco. Se m o c o n se n ti m en to p ré vi o p o r es cr it o d o e d it o r, n ão s e p o d e re p ro d u zi r n em f o to co p ia r n en h u m a p ar te d es ta p u b lic aç ão © P er m an ye r Po rt u g al 2 01 0 608 Capítulo 53 intestino e pano ou compressas utilizados parapreparar campo operatório, é facilita- dora da estase venosa. O desnudamento dos vasos pélvicos realizado na linfadenectomia pélvica, por exemplo, induz a agregação pla- quetar e a cascata da coagulação. O risco de CTE está directamente relacionado com a du- ração da intervenção7. A utilização profiláctica da heparina e a com- pressão pneumática extrínseca reduzem significativamente o risco de CTE nas do- entes de moderado e alto risco10. Estima-se uma redução de risco de 75%11. A heparina actua por inibição da formação de trombina enquanto a compressão extrínseca evita a estase venosa e estimula o sistema fibrinolí- tico10. A HBPM é pelo menos tão eficaz quan- to a heparina não-fraccionada na prevenção das CTE e tem maior semivida, permitindo administração única diária, e tem resultados mais reprodutíveis. É actualmente a forma de administração da heparina que é standard na profilaxia das CTE. A enoxaparina e a daltepa- rina são as mais frequentemente utilizadas7. A compressão pneumática extrínseca é fa- vorecida pela escola americana por ter me- nor custo e menos efeitos colaterais que a HBPM, como a trombocitopenia e aumento da drenagem retroperitoneal após linfade- nectomia2. Qualquer destes métodos deve ser mantido pelo menos 5-7 dias no pós-operatório, mas a duração da profilaxia deve ser individualizada. A mobilização precoce é outro factor de pre- venção das CTE, que é facilmente aplicável e exequível em quase todos os procedimentos cirúrgicos ginecológicos (excepto na vulvec- tomia e na exenteração pélvica). O quadro 5 mostra as recomendações para prevenção dos acidentes tromboembólicos12. As doentes de muito alto risco, em particular as que tem antecedentes de CTE e que estão sob anticoagulação à data da cirurgia, têm in- dicação para colocação pré-operatória de filtro na veia cava inferior para prevenção da TEP2. Outros autores recomendam o uso simultâ- neo da HBPM, meias de compressão elástica ou compressão pneumática extrínseca8. 1.5. PROFILAXIA DA INFECÇÃO DE PÓS-OPERATÓRIO A utilização profiláctica de antibioterapia de largo espectro na cirurgia ginecológica foi proposta pelo risco de contaminação do cam- po operatório pela flora bacteriana da vagina. A eficácia da profilaxia baseia-se no princípio de que a proliferação bacteriana e infecção podem ser inibidas por acção do antibiótico, na altura da inoculação do agente infeccioso. Há dados que suportam o uso profiláctico de antibióticos de largo espectro na histerecto- mia abdominal e vaginal, dado que nestes procedimentos a antibioterapia profiláctica reduz significativamente o risco de abcessos pélvicos e da cúpula vaginal3. Não há, pelo Quadro 5. Recomendações para profilaxia das CTE12 Procedimentos breves, situações benignas, sem outra patologia, < 40 anos Mobilização precoce e persistente Intervenções em situações benignas, sem outra patologia 20-30 mg enoxaparina 2.500 U dalteparina Intervenções extensas, situações malignas, doentes com factores de risco 40 mg enoxaparina ou 5.000 U dalteparina (compressão pneumática extrínseca) Doentes com elevado risco hemorrágico Compressão pneumática extrínseca Se m o c o n se n ti m en to p ré vi o p o r es cr it o d o e d it o r, n ão s e p o d e re p ro d u zi r n em f o to co p ia r n en h u m a p ar te d es ta p u b lic aç ão © P er m an ye r Po rt u g al 2 01 0 609Cuidados pré-operatórios e pós-operatórios contrário, dados que permitam recomendar a profilaxia antibiótica na cirurgia laparoscópi- ca ou histeroscópica não infectada. Recomenda-se a administração única de 1-2 g de cefazolina, em função do peso inferior ou superior a 70 kg, 1-2 h antes do início da cirurgia, para que exista concentração bactericida do fármaco no momento da in- cisão. A dose deve ser repetida se a cirurgia tiver duração superior a 3 h, ou a perda de sangue for superior a 1.500 ml, permitindo manter os níveis séricos e nos tecidos do fármaco, durante o acto cirúrgico e algum tempo após encerramento da ferida opera- tória. As cefalosporinas de segunda e tercei- ra geração, como o cefotetan e cefotaxima, são igualmente eficazes. Pode também ser administrado o metronidazol. No pós-operatório de cirurgia ginecológica ou outra, a doente tem também risco de infecção respiratória, urinária e da ferida operatória. A prevenção da infecção não se limita, como tal, à simples administração profiláctica de antibióticos e são necessárias outras medidas3. Cuidados gerais para diminuição do risco de infecção no pós-operatório: — Limitar o internamento pré-operatório ao tempo mínimo necessário. — Suspensão do tabaco, pelo menos 30 dias antes da cirurgia. — Adequado controlo da glicemia capilar, evitando valores superiores a 150 mg/dl. — Analgesia adequada e a mobilização pre- coce, para diminuição do risco de atelecta- sia no pulmão e de infecção respiratória. — Posicionamento no leito com a cabeça levantada a 30-45°, diminuindo o risco de microaspiração de bactérias residen- tes no estômago, prevenindo a infecção respiratória baixa. — Remoção precoce de dispositivos invasi- vos como a sonda nasogástrica, facilita- dora da infecção respiratória ou do cate- ter vesical, facilitador da infecção urinária. A infecção no local da ferida cirúrgica (ILFC) é causa importante de morbilidade e mor- talidade, implicando elevados custos. É das três mais prevalentes no meio hospitalar. A contaminação do local da incisão é precur- sora da ILFC. Quando é colocado material de prótese, a quantidade de inoculum neces- sária para desencadear a infecção é menor. É consensual que a principal fonte de mi- crorganismos é a flora endógena da doente (pele, mucosas, vísceras ocas), mas as fontes exógenas são também importantes (equipa cirúrgica, ambiente da sala de operações, instrumentos e material utilizado). Medidas que podem ser adoptadas para re- dução da ILFC: — Banho com agente anti-séptico na noite anterior à cirurgia. — A tricotomia abdominal e púbica asso- cia-se a aumento do risco de infecção do local da cirurgia, sobretudo se realizada na véspera da cirurgia. Como tal, reco- menda-se que seja restrita ao local da incisão, realizada imediatamente antes da cirurgia e com máquina eléctrica. — Preparação da vagina, vulva e períneo sistemática: pré-lavagem. — Preparação da pele abdominal, em cír- culos concêntricos do centro para a pe- riferia, desde as últimas costelas a meio da coxa e, lateralmente, até à crista ilíaca anterior e linha axilar anterior. 1.6. PREPARAÇÃO INTESTINAL Nos casos de cirurgia ginecológica não com- plicada é habitualmente recomendada a lim- peza do cólon baixo. Recomenda-se a realiza- ção de um clister de limpeza na véspera da cirurgia, que se pode repetir de manhã, se o primeiro não tiver sido eficaz. Em alternativa ou em associação, podem ser usados laxantes orais e microclisteres de citrato de sódio. Nas doentes em que se preveja ser necessária a ressecção intestinal ou haja risco de lesão do intestino, deve ser feita preparação intes- tinal total. Pode ser utilizada a preparação mecânica associada ou não a antibiótico. Re- comenda-se a sua realização em situações de Se m o c o n se n ti m en to p ré vi o p o r es cr it o d o e d it o r, n ão s e p o d e re p ro d u zi r n em f o to co p ia r n en h u m a p ar te d es ta p u b lic aç ão © P er m an ye r Po rt u g al 2 01 0 610 Capítulo 53 doença maligna, endometriose ou situação de risco de aderências, por cirurgia pélvica ou peritonite prévias. Há, no entanto, uma revisão Cochrane sobre preparação intestinal para cirurgia electiva do cólon, que não mostrou vantagem da preparação mecânica intestinal na redução das complicações habitualmente associadasà cirurgia do cólon13. No entanto, a prepara- ção intestinal total continua a ser aconselha- da na cirurgia do cólon. Podem ser utilizados regimes à base de po- lietilenoglicol (Klean-Prep®) ou de fosfato sódio por via oral (Fleet’s Phospha Soda®). Em Portugal, é mais frequente a utilização do primeiro, ainda que requeira ingestão de maior volume de água e se associe mais fre- quentemente a náuseas. O segundo só deve ser administrado a adultos saudáveis, pelo risco de desequilíbrio hidroelectrolítico e in- suficiência cardíaca. Pode ser associado antibioterapia oral com neomicina 1 g e metronidazol 1 g, adminis- trados na véspera da cirurgia às 14 e 23 h. 2. CUIDADOS PÓS-OPERATÓRIOS Podemos dividir os cuidados no pós-opera- tório em três fases: imediata ou pós-anesté- sica, intermédia, correspondente ao interna- mento hospitalar, e a de convalescença. No pós-operatório imediato são preocupa- ções dominantes a analgesia, a detecção pre- coce e tratamento de alterações cardiovascu- lares, pulmonares e do balanço de fluidos. 2.1. ANALGESIA A dor no pós-operatório é secundária ao pro- cedimento cirúrgico e/ou anestésico e pode ser agravada com a mobilização, respiração, tosse, mobilização de drenos e realização de pensos. Há trabalhos que referem que 50% dos doentes têm medo da cirurgia por medo da dor e 82% dos doentes referem dor no pós-operatório14,15. A dor influencia a resposta fisiológica no pós-operatório. O controlo da dor diminui as complicações no pós-operatório, permi- te uma mobilização mais precoce, encurta o período de hospitalização, diminui as re- admissões hospitalares, diminui os custos e previne a ocorrência de dor crónica. Intra-operatoriamente e no pós-operatório imediato há dor forte e devem ser usados opióides fortes como a morfina, o fentanil ou a petidina. Devem ser associados a anti- -inflamatórios não esteróides (AINE) e a pa- racetamol. Para a dor moderada, pode ser usado o tramadol, também em associação com AINE e paracetamol. O tramadol, em relação aos opióides fortes, tem menor ris- co de depressão respiratória e obstipação. O uso de pelo menos dois analgésicos com diferentes mecanismos de acção permi- te reduzir as doses e as reacções adversas dose-dependentes e está associada a maior eficácia analgésica15. Não devem ser esque- cidos os efeitos secundários dos analgési- cos, dado poderem ser tão mal tolerados quanto a dor: sedação (41%), náuseas (35%), cefaleias (30%), obstipação (26%), vómitos (14%), perturbações do sono (14%), tontu- ras (14%), prurido (10%)15. São igualmente eficazes na redução da dor pós-operatória o uso de anestésicos locais para infiltração na ferida operatória, blo- queio de nervos periféricos ou neuroaxiais16. A abordagem terapêutica da dor pós-ope- ratória prevê iniciar a intervenção farmaco- lógica antes do pico doloroso, preferir a via endovenosa e logo que possível passar a via oral, administrar em doses e intervalos poso- lógicos adequados, ajustar doses até obten- ção do efeito pretendido, rever esquema te- rapêutico após controlo da dor e aumentar a dose durante procedimentos dolorosos16. O recurso ao drug infusion ballon (DIB) e à patient controlled analgesia (PCA) permite a infusão endovenosa contínua de opióides, durante 24-48 h, e conferem uma analgesia mais eficaz do que a administração parenté- rica regular17. Se m o c o n se n ti m en to p ré vi o p o r es cr it o d o e d it o r, n ão s e p o d e re p ro d u zi r n em f o to co p ia r n en h u m a p ar te d es ta p u b lic aç ão © P er m an ye r Po rt u g al 2 01 0 611Cuidados pré-operatórios e pós-operatórios A PCA é preferida por 90% dos doentes, mas é caro e requer formação do doente e dos profissionais de saúde. A analgesia epidural permite um efeito mais prolongado, pela administração de opióides fortes e anestésicos locais, por via epidural, em doses mais baixas. Quer com a PCA ou DIB, quer com a epidu- ral, devem ser associados AINE e/ou parace- tamol e deve ser mantida a vigilância regular dos sinais vitais. Nas cirurgias abdominais extensas ou em casos de doença maligna, recomenda-se o uso de opióides fortes por PCA ou DIB ou analgesia epidural, com anestésicos locais e opióides fortes16,17. 2.2. FLUIDOS E ELECTRÓLITOS A monitorização dos fluidos e electrólitos é muito importante na doente que é subme- tida a cirurgia. As doentes diferem na idade, estado nutricional basal e na complexidade dos problemas médicos. A maioria dos procedimentos cirúrgicos em ginecologia se decorrerem sem complica- ções, não implicam grande perturbação de volume nem de electrólitos. São sobretudo as doentes que são submeti- das a cirurgia digestiva ou cirurgia complicada por hemorragia, com necessidade de reposi- ção de volemia, que requerem maior atenção aos problemas de volume e electrólitos. O corpo humano é constituído por água em 60% do peso, e existe uma troca de aproxi- madamente 2 l de fluidos/dia, entre 1.500- 2.000 ml de ingestão alimentar e 750-1.500 ml de perda na urina, 300 ml nas fezes e 500 ml perdas insensíveis. Os componentes do balanço hídrico, que é a diferença entre a entrada e a saída de líqui- dos, que são habitualmente considerados na prática diária, são a ingestão de líquidos ou fluidos endovenosos, por um lado, e a diurese, as drenagens gástricas e do campo operatório, por outro. São difíceis de conta- bilizar as perdas insensíveis pela pele e res- piração, as perdas de líquido nas fezes ou os líquidos da comida sólida. No doente febril, com taquipneia ou com diarreia, há perdas de líquidos habitualmente não contabiliza- das (Quadro 6). Quadro 6. Entradas e saídas de sódio – Entradas de Na Dieta Parenteral 10 g NaCl/24 h (177 mEq Na+ e Cl–) 1.000 ml soro fisiológico = 9 g NaCl (155 mEq Na+ + 155 mEq Cl–) – Saídas de Na+ Urina Pele Secreções gastrointestinais Fezes normais Diarreia Secretora Malabsorção Vómitos Normais Acloridia Outras secreções Variável: quase todo o NaCl ingerido é eliminado pela urina 50-60 mEq/l 1 mEq/24 h 130 mEq/l 50 mEq/l 40 mEq/l 130 mEq/l 130 mEq/l S em o c o n se n ti m en to p ré vi o p o r es cr it o d o e d it o r, n ão s e p o d e re p ro d u zi r n em f o to co p ia r n en h u m a p ar te d es ta p u b lic aç ão © P er m an ye r Po rt u g al 2 01 0 612 Capítulo 53 Na maior parte das situações clínicas, as al- terações no balanço hídrico são secundárias a alterações no balanço de sódio e há reten- ção de líquidos por haver retenção de sódio. O líquido intracelular (LIC) corresponde a 66% dos fluidos totais do organismo. O com- partimento extracelular (LEC) tem os restan- tes 33% e, destes, 25% correspondem ao lí- quido intravascular (LIV). A membrana celu- lar é permeável à água, pelo que a osmolari- dade do LEC é igual à do LIC. A osmolaridade do LEC é determinada fundamentalmente pelo sódio e aniões acompanhantes. Em si- tuações clínicas específicas, algumas subs- tâncias em elevadas concentrações como a glicose, o manitol, o álcool e a ureia contri- buem para aumento da osmolaridade plas- mática. A osmolaridade do LIC é determina- da pelo potássio e aniões acompanhantes, em particular o fosfato e as proteínas. As forças oncóticas (albumina e globulinas) são fracas em relação às forças osmóticas (cristalóides Na e K+) na determinação da os- molaridade, mas são importantes nos siste- mas biológicos, porque as proteínas são se- lectivamente mantidas no espaço intravas- cular. A concentração de água e electrólitos está selectivamente reduzida no LIV em rela- ção ao espaço intersticial, produzindo uma deslocação de água e electrólitos do espaço intersticial para o LIC. A hipoalbuminemia produz diminuição da pressão oncótica plas- máticae aumento efectivo da concentração de água e electrólitos e consequente movi- mento de água e electrólitos para o LEC. O volume intersticial aumenta e o volume in- travascular diminui, ao que o rim responde retendo água e sódio. A hipoalbuminemia grave pode conduzir à diminuição do LIV e choque. Assim, a regulação da transferência de água e electrólitos entre os compartimen- tos intravascular e intersticial é determinada pelo balanço entre as forças oncóticas, for- ças hidrostáticas e também pela permeabili- dade capilar às proteínas plasmáticas. Quando há sobrecarga hídrica, que se traduz na diminuição da osmolaridade, por exem- plo por aumento da ingestão de água ou administração de solutos hipo-osmolares, ocorre diminuição da secreção de hormona antidiurética (HAD) e consequente aumento da permeabilidade à água nos ductos colec- tores no rim. Quando há défice de volume, acontece o contrário e há diminuição da per- meabilidade dos ductos colectores. A ingestão de água ou a perfusão de dextro- se a 5% (D5) resulta na expansão de todos os compartimentos líquidos: como a osmo- laridade dos compartimentos intra e extra- celular é igual, a distribuição da água é pro- porcional. Assim, 1.000 cc de soro glicosado a 5% resultam num aumento de LIC de 666 cc, de LEC de 333 ml, sendo o aumento de LIV de apenas 83 cc. A ingestão ou perfusão de solutos que entram devagar na célula, como a glicose, ou são activamente excretados da célula, como o sódio, obriga a água a manter-se junto destes solutos no compartimento LEC para não ser quebrado o equilíbrio os- molar entre os LIC e LEC. Se estes solutos são administrados em soluções hiperosmo- lares, há saída de líquido do LIC para o LEC e, consequentemente, contracção do LIC e expansão do LEC. As alterações electrolíticas do líquido extra- celular são detectadas pela determinação da concentração sérica dos electrólitos, e o tratamento a efectuar pressupõe saber se há diminuição, aumento ou normal volume extracelular. Na avaliação do estado do volume do LEC deve ter-se em mente que o volume crítico é a porção do LIV que efectivamente mantém a pressão de enchimento do ventrículo es- querdo e assegura o débito cardíaco. O volume total pode ser avaliado a partir da medição da pressão venosa central (PVC), que é feita por intermédio de cateter colo- cado numa veia torácica de grande calibre, próxima da aurícula direita. No adulto nor- mal situa-se entre os 5-12 cm H 2 O. Se inferior a 3 cm H 2 O pode assumir-se que há redução significativa do LIV. Se m o c o n se n ti m en to p ré vi o p o r es cr it o d o e d it o r, n ão s e p o d e re p ro d u zi r n em f o to co p ia r n en h u m a p ar te d es ta p u b lic aç ão © P er m an ye r Po rt u g al 2 01 0 613Cuidados pré-operatórios e pós-operatórios Do ponto de vista laboratorial, a creatine- mia/azotemia e o hematócrito acima do valor normal são também indicadores de diminuição do LIV. A azotemia pode ser as- sumida como resultante da diminuição da perfusão renal se a creatinina está elevada, se a urina está concentrada (U osm/P osm > 1,5) e se o rim consegue preservar de só- dio (U Na < 20 mEq/l). Há outros parâmetros clínicos não invasi- vos que podem ser usados para avaliação da volemia: a determinação do peso diá- rio, a TA abaixo do normal numa doente com hipotensão ortostática, ou a diminui- ção da turgescência cutânea. O edema, a ascite e o derrame pleural estão asso- ciados a aumento do volume intravascu- lar na insuficiência cardíaca congestiva. Contudo, se a causa destas alterações for a hipoalbuminemia, não se pode assumir que haja aumento do volume intravascu- lar. De facto, o aumento de peso diário está normalmente associado ao aumento do LIV, excepto se há hipoalbuminemia, obstrução venosa ou desenvolvimento de terceiro espaço, como a oclusão ou isque- mia intestinal. 2.2.1. CORRECÇÃO DE DISTÚRBIOS HIDROELECTROLÍTICOS Volume À doente que está em dieta zero prolonga- da deve ser feito o balanço hídrico diário e devem ser repostos a água e electrólitos per- didos. Na doente que não tem alterações da função renal nem perturbações do metabolismo da água ou dos electrólitos, recomenda-se a administração diária de 2 ml/kg/h de soro polielectrolítico. Se a doente tem perdas gástricas, estas de- vem ser substituídas, além do volume de manutenção. Se a doente tem perda de volume por febre ou hiperventilação, a reposição é feita com dextrose a 5%. Se a causa é a diarreia ou a drenagem gás- trica, a reposição faz-se com cloreto de só- dio 9%. Hipo e hipernatremia O sódio sérico reflecte o volume total de água e não o sódio total. Na maioria dos casos a hiponatremia re- presenta um excesso relativo de água e a correcção faz-se por restrição de água. Só nos casos em que coexiste hiponatremia e depleção de volume é que há necessidade de repor sódio e volume, o que habitual- mente se faz por administração de cloreto de sódio a 9%. Só há indicação para tratamento da hipo- natremia, com reposição de sódio e inde- pendentemente do estado do LEC e da causa, se houver clínica. A hiponatremia manifesta-se por náuseas, vómitos, convul- sões, alterações do estado de consciência e coma. Este quadro implica, habitualmen- te, valores de sódio inferiores a 125 mEq/l, e requer correcção rápida dos valores de natremia. Usa-se o cloreto de sódio hiper- tónico a 3%. Para calcular a quantidade de sódio a administrar usa-se a fórmula descri- ta no quadro 7. A hiponatremia pode ser uma complicação da histeroscopia cirúrgica, por absorção in- tra-operatória de quantidades significativas de líquido de irrigação. A hipernatremia é uniformemente hipe- rosmolar e acontece por perda de água ou por excessiva administração de soluções salinas. Valores de natremia superiores a 160 mEq podem associar-se a sintomas de letargia, astenia, podendo evoluir para fasciculações, convulsões e coma. Nestas situações, deve ser feita perfusão de 2-3 l de dextrose a 5% e administrado furose- mido, de forma a obter um débito urinário de 10-20 ml/min. Se não há clínica, deve ser estimado o défice de volume e a correcção pode ser programada para 24-48 h. A fór- mula a utilizar para determinar o défice de água está no quadro 7. Se m o c o n se n ti m en to p ré vi o p o r es cr it o d o e d it o r, n ão s e p o d e re p ro d u zi r n em f o to co p ia r n en h u m a p ar te d es ta p u b lic aç ão © P er m an ye r Po rt u g al 2 01 0 614 Capítulo 53 Hipo e hipercaliemia As alterações na caliemia são frequentes e importantes pela importância que este ião tem na manutenção do potencial transmem- branar da fibra muscular cardíaca. Como só 2% do potássio é extracelular, pequenas al- terações na concentração do potássio reflec- tem grandes modificações no potássio total. As causas mais frequentes de hipocaliemia no doente cirúrgico são as perdas digestivas e a administração de diuréticos. Todos os diuréticos, excepto a espironolactona, tria- metereno e amiloride promovem a elimina- ção de potássio. Manifesta-se por fraqueza, ileus, cãibras e risco de arritmia cardíaca. A hipocaliemia inferior a 2 mEq/l requer trata- mento urgente: 20 mEq em 100 cc de clore- to de sódio a perfundir em 1 h. As hipoca- liemias não graves podem ser tratadas com correcção da causa e reposição endovenosa, usando 40 mEq em 1.000 cc de soro fisioló- gico (máximo 60-80 mEq/l). A utilização de concentrações superiores pode também ser cardiotóxica, e raramente são necessários mais do que 120-160 mEq/dia para corrigir hipocaliemia. A causa mais frequente de hipercaliemia é a insuficiência renal e a incapacidade para eliminar a produção diária de potássio, a destruição celulare também a mobilização de potássio do líquido intra para o extrace- lular em situações de acidemia. Pode haver pseudo-hipercaliemia associada à hemólise, produzida pelo traumatismo mecânico na punção venosa. Os sinais electrocardiográ- ficos incluem ondas T pontiagudas, prolon- gamento de PR e alargamento QRS. Valores superiores a 6,5 mEq/l e alterações no ECG requerem tratamento imediato. Pode ser utilizada 500 cc glicose a 10% com 15 U de insulina, em perfusão rápida; 5-10 ml de glu- conato de cálcio a 10% e 1-2 ampolas de 50 ml de bicarbonato a 8,4%. O gluconato de cálcio e o bicarbonato revertem a acção do potássio na fibra muscular. A diurese deve ser forçada com furosemido. Em situações de insuficiência renal pode ser necessária diálise. Hipo e hipercalcemia Aproximadamente, 40% do cálcio circula li- gado à proteínas, mas é a fracção livre que é activa. A calcemia reflecte o cálcio livre e li- gado às proteínas. A hipoalbuminemia afec- ta a calcemia total de acordo com a seguinte fórmula: cálcio corrigido mg/dl = cálcio me- dido + [(4 – albumina g/dl) × 0,8]. A hipocal- cemia manifesta-se por cãibras, parestesias, sinal de Chevostek e de Trosseaux. As doentes com hipocalcemia e hipoalbumi- nemia estão normalmente assintomáticas e não requerem terapêutica. A hipocalcemia sintomática pode ser tratada com 10 ml de gluconato de cálcio a 10%, por via endovenosa, durante 15 min. A hipercalcemia está normalmente asso- ciada a aumento da reabsorção óssea por lesões secundárias e diminuição da elimina- Quadro 7. Fórmulas usadas na correcção do distúrbio hidroelectrolítico Défice de água (l) [(Na no plasma – 140)/140] × água corporal total Água corporal total 0,6 × peso Défice de sódio (mEq/l) (140 – Na actual) × 0,6 água corporal total Défice em potássio (mEq/l) (3,5 – K actual) × 0,4 × peso Cálculo da taxa de infusão (ml/min) Infusão pretendida ( g/kg/min) × peso (kg)/ concentração ( g/ml) Se m o c o n se n ti m en to p ré vi o p o r es cr it o d o e d it o r, n ão s e p o d e re p ro d u zi r n em f o to co p ia r n en h u m a p ar te d es ta p u b lic aç ão © P er m an ye r Po rt u g al 2 01 0 615Cuidados pré-operatórios e pós-operatórios ção renal. Ao contrário dos outros distúrbios electrolíticos, é raramente iatrogénica. O tratamento é feito por hidratação e diuréti- co, associados a bifosfonatos: 2-3 l de soro polielectrolítico, furosemido endovenoso, ácido zoledrónico ou pamidronato de cálcio endovenoso. Pode haver necessidade de re- petir o pamidronato. Magnésio, fosfato O magnésio tem múltiplas funções no orga- nismo, em particular na função neuromus- cular. Apenas 1% está no líquido intersticial. O metabolismo do magnésio depende do sódio e do potássio. A hipomagnesiemia é mais comum do que a hipermagnesiemia, e resulta de perdas gastrointestinais ou dé- fice alimentar. A clínica é inespecífica. A re- posição pode ser feita por via oral com 240 mg, 1-4/dia. Se houver valores inferiores a 1 mEq/l pode ser feita reposição endovenosa com 4 g de magnésio em 50 ml de dextrose a 5%, em 30 min. A quase totalidade do fósforo está no osso e espaço intracelular, e apenas 1%, como acontece com o magnésio, se encontra no espaço extracelular. Os níveis de fósforo, cálcio, magnésio e po- tássio devem ser monitorizados em conjun- to porque os seus metabolismos interagem. Também a clínica da hipofosfatemia é ines- pecífica, e apenas o nível de fósforo inferior a 1 mEq/l requer terapêutica endovenosa. Deve tratar-se com 2,5-5 mg/dl/kg de fósfo- ro elementar, administrado em 6 h. Equilíbrio ácido-base Existem diversos sistemas tampão que per- mitem a manutenção do equilíbrio ácido- -base no organismo, apesar do desenrolar constante de processos metabólicos produ- tores de carga ácida. O sistema mais importante e, também mais facilmente mensurável, é o equilíbrio bicar- bonato - ácido carbónico. Este sistema tam- pão reflecte-se nos níveis de bicarbonato no plasma e na tensão de CO 2 , que está em equilíbrio com o ácido carbónico no plas- ma. Alterações nos valores de cada um dos elementos deste sistema tampão reflectem alterações no equilíbrio ácido-base. Alterações na tensão do CO 2 (Pco 2 ) reflectem quer uma alteração primária respiratória (hiper ou hipoventilação) e consequentes distúrbios respiratórios no equilíbrio áci- do-base, quer uma tentativa respiratória de compensar alterações na concentração séri- ca de bicarbonato (distúrbio metabólico). A hiperventilação, como causa primária, resulta na diminuição da Pco 2 no sangue e alcalemia respiratória. A hipoventilação, como causa primária, resulta na subida da Pco 2 e produção de acidemia respiratória. Por outro lado, quando a causa primária não é respiratória, há uma tentativa ven- tilatória de manter o pH, que pode ser de hipo ou hiperventilação, criando assim al- terações compensatórias na Pco 2 . Assim, avaliando o pH e as alterações na Pco 2 e a concentração do bicarbonato, é habitual- mente possível distinguir acidemia e alca- lemia respiratória primária, bem com a sua duração, dos fenómenos de compensação secundária (Quadro 8). Alterações primárias na concentração de bicarbonato reflectem fenómenos menos óbvios que as alterações pulmonares pri- márias. A acidose metabólica é definida como a diminuição da concentração do bicarbo- nato, que surge como uma causa primária ou mecanismo compensatório de distúrbio metabólico. O primeiro passo na avaliação da acidose metabólica primária é a avaliação dos elec- trólitos séricos e o cálculo do anion-gap. A fórmula do anion-gap utilizando os electró- litos é a seguinte: anion-gap = (Na) – (Cl– + HCO 3 –). Um anion-gap normal tem valores de 10-14 mEq/l. As causas de acidose meta- bólica em função do valor do anion-gap es- tão no quadro 9. O segundo passo é a avaliação da eficácia da resposta ventilatória compensadora. O Se m o c o n se n ti m en to p ré vi o p o r es cr it o d o e d it o r, n ão s e p o d e re p ro d u zi r n em f o to co p ia r n en h u m a p ar te d es ta p u b lic aç ão © P er m an ye r Po rt u g al 2 01 0 616 Capítulo 53 mecanismo esperado é a hiperventilação com diminuição da Pco 2 , reduzindo os efei- tos nefastos do HCO 3 –. A fórmula utilizada para determinar a res- posta respiratória esperada para a acidose metabólica é: Pco 2 esperada = 1,5 × (HCO 3 – actual) + 8 (± 2). Nas doentes nas quais os níveis de Pco 2 descem abaixo do esperado deve-se pensar que há um segunda causa para o distúrbio (alcalose respiratória). Nas doentes nas quais a Pco 2 está mais elevada do que o esperado, deve-se pensar numa patologia respiratória, que não permite a compensação (acidose respiratória além do distúrbio metabólico). O tratamento da acidose metabólica depen- de da causa. Habitualmente o tratamento da causa é suficiente. Nas doentes com HCO 3 – < 10 mEq/l ou pH < 7,2, sobretudo se há hipo- tensão e se espera agravamento do proble- ma de base, deve ser considerada a terapia com bicarbonato. A terapia com bicarbona- to deve ser ponderada dado o risco teórico de agravar transitoriamente o pH do líquido cefalorraquídeo, induzir sobrecarga de líqui- do ou induzir alcalose metabólica (rebound). A alcalose metabólica está mais frequente- mente associada a hipovolemia: a reabsor- ção de sódio pelo rim arrasta a reabsorção de HCO 3 –. A resolução da situação passa pela Quadro 8. Distúrbio do equilíbrio ácido-base Distúrbio ácido-base Episódio inicial Episódio compensação Alteração no H+ e pH Acidose metabólica HCO 3 – Pco 2 H+ e pH Alcalose metabólica HCO 3 – Pco 2 mínima e só com HCO 3 – acentuada H+ e pH Acidose respiratória Aguda Crónica Pco 2 Pco 2 HCO 3 – ligeiraHCO 3 – importante H+ e pH H+ e pH Alcalose respiratória Pco 2 HCO 3 – H+ e pH Adaptada de Te Linde’s7. Quadro 9. Causa do distúrbio ácido-base em função do anion-gap Anion-gap elevado Anion-gap normal Anion-gap normal com hipercaliemia Falência renal Necrose tubular aguda Falência renal inicial Cetoacidose Diarreia Hidronefrose Acidose láctica Acidose pós-hipocapnia Derivação urinária Inibidores da anidrase carbónica Adição de HCL Toxicidade sulfúrica Adaptado de Practical Gynecological Oncologic3. Se m o c o n se n ti m en to p ré vi o p o r es cr it o d o e d it o r, n ão s e p o d e re p ro d u zi r n em f o to co p ia r n en h u m a p ar te d es ta p u b lic aç ão © P er m an ye r Po rt u g al 2 01 0 617Cuidados pré-operatórios e pós-operatórios reposição da volemia. O soluto a utilizar na reposição da volemia depende do valor do cloro na urina. As doentes que eliminam baixas quantidades de cloro tiveram prova- velmente elevadas drenagens gástricas ou vómitos ou terapia diurética, e pode ser feita terapêutica com soro fisiológico. As doentes com elevada excreção da urina (> 15 mEq) não respondem a esta terapêutica e deve ser tratada a doença de base. 2.3. NUTRIÇÃO A nutrição do doente cirúrgico é um compo- nente essencial do suporte perioperatório. A maioria das doentes submetidas a procedi- mentos cirúrgicos apresentam reservas nu- tricionais suficientes para tolerar um curto período de jejum e catabolismo. No entan- to, alguns indivíduos necessitam de suporte nutricional, principalmente aqueles que são submetidos a grande traumatismo cirúrgico ou apresentam infecção ou caquexia, rela- cionada com doença maligna. As doentes com carcinoma do ovário avan- çado têm prevalência mais alta de malnutri- ção, em relação aos outros cancros gineco- lógicos. A nutrição adequada mantém o metabolis- mo basal, a cicatrização da ferida operató- ria e a resposta imunológica. Donato2 et al., num trabalho com 104 doentes com cancro do ovário submetidas a cirurgia intestinal, relacionaram as complicações infecciosas com a proteinemia pré-operatória e perda de peso, e por outro lado não encontraram relação com a extensão da cirurgia de redu- ção tumoral, nem com número de anasto- moses intestinais. A doente que foi submetida a cirurgia gine- cológica não complicada pode retomar ali- mentação oral no primeiro dia de pós-ope- ratório. É importante avaliar o abdómen, o peristaltismo intestinal e averiguar se a do- ente está ou não nauseada. Há uma revisão Cochrane de 2007 que comparou o início de alimentação oral com comida ou fluidos nas primeiras 24 h, com o início tardio, depois das 24 h ou após restabelecimento do peris- taltismo intestinal, em doentes submetidas a cirurgia ginecológica major. Concluíram que o início precoce é seguro e associado a inter- namento mais curto, ainda que com maior risco de produzir náuseas18. As doentes que são submetidas a cirurgia com extenso envolvimento intestinal po- dem beneficiar de alimentação parenteral pré- e pós-operatória. A decisão de iniciar alimentação parentérica deve ser baseada no número de dias de die- ta zero, que se supõe serem necessários, e aquela deve ser iniciada antes que aconteça qualquer deterioração do estado nutricio- nal. Deve ter-se em conta, no entanto, que a alimentação enteral é sempre preferível por proteger a doente de complicações gas- trointestinais, hemorrágicas e infecciosas19. A alimentação parenteral requer habitualmen- te a colocação de cateter venoso central. Há um estudo realizado em doentes pós-cirúr- gicos que mostrou que os riscos associados à alimentação parenteral só são excedidos pelos benefícios, se a alimentação se manti- ver por via parentérica mais do que 14 dias20. No entanto, a maioria dos autores preconiza a via parenteral no pós--operatório, se a via oral ou enteral não puder ser utilizada du- rante 7-10 dias21,22. O cálculo das necessidades calóricas indivi- duais deve ter em conta o peso, a altura, a idade e a condição clínica do doente, sen- do que os indivíduos mais altos e em pior condição clínica tem maiores necessidades, enquanto os obesos e idosos tem menor necessidade calórica. De um modo geral, estima-se que as necessidades calóricas são de 35 kcal/kg/dia e de 1 g/kg/dia de proteí- nas. Se a doente estava malnutrida ou há au- mento do metabolismo basal, por exemplo por infecção, o aporte calórico pode ser 45 kcal/kg peso e o aporte de proteínas ser de 1,5 g/kg/dia de proteínas. A doente obesa pode ter um aporte calórico de apenas 25 kcal/kg/dia. Se m o c o n se n ti m en to p ré vi o p o r es cr it o d o e d it o r, n ão s e p o d e re p ro d u zi r n em f o to co p ia r n en h u m a p ar te d es ta p u b lic aç ão © P er m an ye r Po rt u g al 2 01 0 618 Capítulo 53 2.4. COMPLICAÇÕES NO PÓS-OPERATÓRIO No perioperatório é fundamental que sejam definidos os cuidados específicos do proce- dimento cirúrgico. Deve ser dada indicação sobre a monitorização dos sinais vitais, a ne- cessidade de imobilização e a dieta. Os sinais que obrigam a contactar o médico são: hipotensão, taquicardia, taquipneia, di- minuição do débito urinário e febre. 2.4.1. CHOQUE HEMORRÁGICO A monitorização dos sinais vitais com ava- liação da TA, frequência cardíaca (FC) e respiratória (FR) e do débito urinário vão permitir o diagnóstico precoce de choque hipovolémico. Choque é definido como uma síndrome clí- nica em que a doente mostra sinais de hipo- -perfusão de órgãos vitais, incluindo oligúria e alterações de consciência. Não são usados valores absolutos para definição de choque, mas há uma diminuição substancial da TA. A doente deve ter um débito urinário de 0,5 ml/kg/dia. A TA, FC e FR, o débito urinário e o estado de consciência sofrem evolução em função da quantidade de sangue perdido (Quadro 10). A clínica do choque é muito variável em fun- ção do volume total e por unidade de tempo, de sangue perdido. O valor da hemoglobina e o hematócrito não reflectem a volemia, e os doentes podem estar euvolémicos, hipovolé- micos ou hipervolémicos. Há trabalhos que mostraram que há uma subida do hemató- crito de 5% nas primeiras horas após cirurgia, por incapacidade de correcção do volume de plasma de acordo com o sangue perdido. O choque hipovolémico é tratado com repo- sição de cristalóides ou colóides. As soluções cristalóides contêm açúcares e electrólitos (Quadro 11). As soluções colóides incluem a albumina, as soluções de amido e as so- luções de gelatina. As principais diferenças entre os tipos de colóides advêm dos efeitos colaterais associados, sendo as perturbações da coagulação mais frequentes nas soluções de amido e as reacções anafilácticas mais fre- quentes nas soluções de gelatina. A albumi- na é um derivado do sangue, mas está isenta de risco de transmissão de infecções virusais. O tratamento com cristalóides ou colóides permite melhorar o volume de ejecção ven- tricular e débito cardíaco, assegurando a perfusão adequada dos órgãos vitais. Não há evidência científica de que os colóides sejam melhores que os cristalóides para este fim. A melhor evidência disponível em relação a essa questão advém do estudo Saline versus albumin fluid evaluation (SAFE). É um estudo clínico, prospectivo, controlado, randomizado e duplamente cego, que comparou a adminis- tração de solução de albumina humana 4% Quadro 10. Choque Classe I Classe II Classe III Classe IV Volume perdido < 750 ml < 15% 750-1.500 ml 15-30% 1.500-2.000 ml 30-40% > 2.000 ml > 40% FC < 100 > 100 > 120 > 140 TA Normal Normal TA média < 60 mmHg FR 14-20 20-30 30-40 > 35 Debito urinário ml/h > 30 20-30 5-15 Anúria Estado consciência Normal Ansiosa ConfusaLetargia S em o c o n se n ti m en to p ré vi o p o r es cr it o d o e d it o r, n ão s e p o d e re p ro d u zi r n em f o to co p ia r n en h u m a p ar te d es ta p u b lic aç ão © P er m an ye r Po rt u g al 2 01 0 619Cuidados pré-operatórios e pós-operatórios com solução salina de cloreto de sódio 0,9%, em 7.000 pacientes graves que necessitavam de ressuscitação volémica. Os resultados mos- traram mortalidade idêntica nos pacientes que receberam albumina ou solução salina. Os colóides estão indicados depois de terem sido transfundidas quantidades importan- tes de cristalóides e, em primeira linha, nas situações de baixa pressão oncótica, que se estima através da albuminemia. As doentes com perda significativa de pro- teínas por ascite neoplásica precisam de colóides numa fase precoce da reposição de volume. Por outro lado, tendo em conta que a distribuição do líquido extracelular é de dois terços no espaço intersticial e um ter- ço no intravascular, em 24 h de perfusão de cristalóides, dois terços do volume vai estar no espaço intersticial e apenas um terço no espaço intravascular. A relação cristalóides/ colóides deve, assim, ser dois terços e um terço. Os colóides perfundidos não devem exceder 30 ml/kg/dia, dado o risco acrescido de alterações da coagulação, sobrecarga de volume e hipoproteinemia por diluição. A transfusão de glóbulos vermelhos é habitu- almente necessária quando a perda de san- gue foi superior a 20-30% da volemia mas, mesmo neste caso, a correcção da volemia começa por cristalóides. Apesar do valor da hemoglobina ser o principal determinante da adequada oxigenação dos tecidos, a oxi- genação permanece suficiente com valores baixos de hemoglobina (> 7 g/dl), desde que o débito cardíaco seja mantido. Para perdas de sangue superiores a 30-40% do volume inicial, estes mecanismos de compensação começam a falhar (Quadro 12). O volume de cristalóides a perfundir em re- lação ao volume de sangue perdido é de 3 para 1; a relação é de 1 para 1 se se trata de colóides. 2.4.2. INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA Apesar da profilaxia dos acidentes tromboem- bólicos, a trombose venosa profunda e a trom- boembolia pulmonar são causa frequente de morbilidade e mortalidade associadas a cirur- gia ginecológica. É necessário monitorizar. A confirmação faz-se pela realização de cin- tigrama de V/P ou angiotomografia compu- tarizada (angio-TC) torácica. O tratamento é mais frequentemente feito com HBPM em dose terapêutica (2 mg/kg, para a enoxaparina). Quadro 11. Composição do LEC e dos principais cristalóides Catiões* Aniões* Na K Ca Mg Cl HCO 3 Osmolaridade LEC 142 4 5 3 103 27 280-310 Lactato ringer 130 4 3 - 109 28† 273 NaCl a 9% 154 - - - 154 - 308 D5 com NaCl a 4,5% 77 - - - 77 - 407 D5 simples - - - - - - 253 NaCl a 3% 513 - - - 513 - 1.026 Polielectrolítico 140 4 2,5 1 127 304 *Electrólitos em mEq/l. †Presente na solução como lactato que se converte em bicarbonato Se m o c o n se n ti m en to p ré vi o p o r es cr it o d o e d it o r, n ão s e p o d e re p ro d u zi r n em f o to co p ia r n en h u m a p ar te d es ta p u b lic aç ão © P er m an ye r Po rt u g al 2 01 0 620 Capítulo 53 2.4.3. INFECÇÃO NO PÓS-OPERATÓRIO É frequente a febre no pós-operatório na do- ente submetida a cirurgia ginecológica. Nas primeiras 48 h, a febre não está normalmente associada a infecção (Quadro 13) e, regra ge- ral, é suficiente fazer exame físico à doente. À medida que passa o tempo em relação à cirurgia, aumenta a gravidade do quadro etiológico subjacente. Se a doente tiver quadro de sépsis são obriga- tórias as culturas de sangue e urina. De outro modo, são mais importantes a avaliação da ferida operatória, a identificação de infecção respiratória e a pesquisa de infecção urinária. Se houver exsudado na ferida operatória, esta deve ser explorada para excluir infecção e deiscência e deve ser feito exame pélvico, para excluir abcesso da cúpula. Na febre tardia, deve ser pedida ecografia ou TC abdomino-pélvica para excluir abcesso pélvico, trombose, lesão do uréter ou deis- cência de anastomose intestinal, se existir. Na maioria das infecções no pós-operatório, o antibiótico deve ser endovenoso até 48 h após a febre terminar e depois continuado por via oral (Quadro 14). 2.4.4. ILEUS E OBSTRUÇÃO INTESTINAL No pós-operatório são frequentes as náu- seas, vómitos, dor e distensão abdominal. A retoma da função intestinal normal depende do tipo e extensão da cirurgia realizada, mas é também influenciada pe- los antecedentes da doente, cirurgias pré- vias e coexistência de outras patologias como a diabetes. O recurso a analgésicos opióides e o desequilíbrio hidroelectrolí- tico com hipocaliemia são causas de ileus paralítico. É fundamental o diagnóstico diferencial entre ileus e obstrução (Quadro 15). Em ambos os casos a radiografia do abdómen pode ser normal nas primeiras 48 h, mas pode ser importante a comparação de pe- lículas seriadas. Pode ser necessária uma TC abdomino-pélvica para determinar o nível de obstrução e a causa desta. O abcesso pélvico pode ser a causa do ileus. O trata- mento obriga habitualmente a colocação de sonda nasogástrica e a correcção hidro- electrolítica. Podem ser colocados enemas. Se há obstrução é necessário proceder a ex- ploração cirúrgica. Quadro 12. Terapêutica com substitutos do sangue Componente Dose/volume Indicação Glóbulos vermelhos 1 U = 250-300 cc, Hb 1 g/dl e Hct 3% Hb < 8 g/dl Perda > 30% da volemia* Plaquetas 8-10 U, 10 000 plaquetas < 50.000, se contagem normal em pré-operatório e hemorragia activa < 20.000 se contagem baixa em pré-operatório Plasma fresco 1 U = 225 ml tem 200 U dos factores VIII e V e outros factores Hemorragia por défice de factores, como insuficiência hepática ou perda hemática maciça Crioprecipitados 15 ml tem 80 U de factor VIII e 150 mg de fibrinogénio Doença de Von Willebrand, perda hemática maciça Adaptado de Gynecologic oncology2. *Volemia total = 75 cc/kg peso. Se m o c o n se n ti m en to p ré vi o p o r es cr it o d o e d it o r, n ão s e p o d e re p ro d u zi r n em f o to co p ia r n en h u m a p ar te d es ta p u b lic aç ão © P er m an ye r Po rt u g al 2 01 0 621Cuidados pré-operatórios e pós-operatórios Bibliografia 1. Nakagawa M, Tanaka H, Tsukuma H, et al. Relationship between the duration of the preoperative smoke-free period and the incidence of postoperative pulmo- nary complications after pulmonary surgery. Chest. 2001;120:705-10. 2. Brown CL. Perioperative care. In: Barakat RR, Bev- ers MW, Gershenson DM, et al., eds. Handbook of gynecologic oncology. London: Martin Dunitz; 2003. p. 115. 3. Marklam SM, Rock JA. Preoperative care. In: Rock JA, Jones HW, eds. Te Linde’s. Operative gynecology. 10th ed. Philadelphia: Lippincott William & Wilkins; 2008. p. 113. Quadro 13. Diagnóstico da infecção no pós-operatório Tempo após cirurgia Diagnóstico diferencial 0-4 h Atelectasia, pneumonia por aspiração, tromboflebite 2-7 dias Infecção respiratória, infecção da ferida operatória, pneumonia nosocomial 7-21 dias Abcesso pélvico, lesão do ureter, deiscência de anastomose intestinal, abcesso da cúpula vaginal Quadro 14. Escolha do antibiótico na infecção no pós-operatório Local da infecção Agentes comuns Antibioterapia empírica Ferida operatória Staphylococci, Pneumococci Cefazolina ou vancomicina Infecção urinária Gram-negativos Enterococci Cefazolina, ciprofloxacina, trimetoprim/ sulfametoxazol Pneumonia Gram-negativos Ticarcilina + ácido clavulânico, ciprofloxacina Abcesso intra-abdominal ou pneumonia Gram-negativos entéricos e anaeróbios Cefotetan, imipenem, ampicilina + gentamicina,metronidazol Adaptado de Gynecologic oncology2. Quadro 15. Ileus e obstrução pós-operatória Ileus Obstrução Tempo após cirurgia 48-72 h 5-7 dias Sintomas Dor constante, da distensão Cólicas Exame físico Distensão abdominal e ausência de ruídos intestinais Distensão abdominal e ruídos intestinais aumentados Radiografia Distensão de ansas de delgado e cólon; ar no recto Distensão de ansas de delgado e cólon; sem ar no recto Adaptado de Gynecologic oncology2. Se m o c o n se n ti m en to p ré vi o p o r es cr it o d o e d it o r, n ão s e p o d e re p ro d u zi r n em f o to co p ia r n en h u m a p ar te d es ta p u b lic aç ão © P er m an ye r Po rt u g al 2 01 0 622 Capítulo 53 4. Vessey MP, McPherson K, Villard-Mackintosh L, et al. Oral contraceptives and breast cancer: latest findings in a large cohort study. Br J Cancer. 1989;59:613-7. 5. Daniel NG, Goulet J, Bergeron M, et al. Antiplate- let drugs: is there a surgical risk? J Can Dent Assoc. 2002;68:683-7. 6. Munro J, Booth A, Nicholl J. Routine preoperative test- ing: a systematic review of the evidence. Health Tech- nol Assess. 1997;1:i-iv;1-62. 7. Duncan A, Horowitz IR, Kalassian K. Postanesthesia and postoperative care. In: Rock JA, Jones HW, eds. Te Linde’s. Operative gynecology. Philadelphia: Lippin- cott Williams & Wilkins; 2008. p. 133. 8. Smith MI, Lee RM, Skootsky SA. Preoperative evalua- tion, medical management and critical care. In: Berek JS, Hacker NF, eds. 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