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INTRODUÇÃO Mais uma vez, bem-vindos à FGV. É uma honra, para todos nós, tê-los como nossos alunos. Agora, vocês também são a Fundação Getulio Vargas! Nas próximas semanas, estaremos juntos estudando Competências Interpessoais. Em nossa disciplina, analisaremos conceitos-chave para a construção e manutenção das capacidades de ativar uma visão de futuro e de administrar as ações presentes que levem ao resultado desejado, na gestão da carreira. Nesse sentido, partiremos da premissa de que o sucesso da carreira depende cada vez mais de coordenar capital humano, capital social e capital cultural, por meio da ativação das habilidades sociais essenciais para o desenvolvimento de relacionamentos fortes, confiantes e ressonantes, tanto consigo quanto com os outros. Nosso percurso prevê a combinação de reflexão e prática, para gerar soluções e desenvolvimento na gestão da sua carreira. Espero que esta disciplina viabilize a construção de conhecimento e o desenvolvimento de competências que facilitem e encorajem novas formas de pensar sobre trabalho, carreira e a sua relação com as demais áreas da vida. Para isso, planejei atividades distribuídas em cinco módulos. Durante o primeiro módulo, estudaremos a relação sujeito-trabalho, a transformação da carreira no mundo contemporâneo, a empregabilidade e a qualidade de vida e os papéis da organização e dos indivíduos, na gestão de carreira. Uma vez compreendido esse contexto, seguiremos para o segundo módulo, quando abordaremos o autoconhecimento, o mecanismo da satisfação e algumas ferramentas para facilitar o processo de elaboração do seu projeto de vida e de carreira. Esse módulo tem um caráter prático, o intuito é levar você para a ação. Para uma maior precisão na construção do projeto de carreira e de vida que começamos no segundo módulo, partiremos para o terceiro módulo, que tratará de conceitos e ferramentas importantes para a sua interação com o mundo: a comunicação e o relacionamento interpessoal, o networking e o marketing pessoal, a ética e os códigos de conduta e, por fim, os impactos da convivência em ambientes multiculturais na comunicação e no relacionamento interpessoal. O quarto módulo tem como foco os elementos que facilitam a adaptabilidade de carreira e o processo de equilíbrio entre vida pessoal e profissional, representada por um nível de satisfação maior com o trabalho e com as aspirações pessoais, considerando a atual complexidade dos ambientes globais. Por último, trataremos de duas competências-chave para a construção e manutenção da capacidade de construir uma visão de futuro e administrar as ações presentes que levem ao resultado desejado, conseguindo se adaptar e aprender com os obstáculos, na gestão da carreira: a liderança e a resiliência. Espero que vocês estejam tão animados quanto eu estou para começar o nosso percurso de desenvolvimento. SUMÁRIO MÓDULO 1 – A GESTÃO DE CARREIRA ................................................................................................. 7 A IMPORTÂNCIA DO TRABALHO NA VIDA DAS PESSOAS: TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO ....................................................................................................................... 8 A TRANSFORMAÇÃO DO CONCEITO DE CARREIRA NO MUNDO CONTEMPORÂNEO ..... 12 EMPREGABILIDADE E QUALIDADE DE VIDA ....................................................................... 14 OS PAPÉIS DA ORGANIZAÇÃO, DA ÁREA DE RECURSOS HUMANOS, DOS GESTORES E DOS PRÓPRIOS EMPREGADOS NA GESTÃO DE CARREIRAS ...................................................... 21 MÓDULO 2 – ELABORAÇÃO DE UM PROJETO DE CARREIRA E VIDA ............................................... 25 O AUTOCONHECIMENTO COMO BASE PARA A ELABORAÇÃO DE UM PROJETO DE CARREIRA E VIDA ................................................................................................................. 25 A ATIVIDADE PROFISSIONAL E AS ÁREAS DA VIDA DO INDIVÍDUO .................................. 28 ELEMENTOS QUE AUXILIAM A AUTOAVALIAÇÃO DA TRAJETÓRIA PROFISSIONAL .......... 32 MÓDULO 3 – COMUNICAÇÃO E RELACIONAMENTO INTERPESSOAL............................................. 35 A IMPORTÂNCIA DA COMUNICAÇÃO NO DESENVOLVIMENTO DAS HABILIDADES NECESSÁRIAS AO SUCESSO PESSOAL E PROFISSIONAL.................................................... 36 NETWORKING ........................................................................................................................ 46 MARKETING PESSOAL: O IMPACTO QUE VOCÊ CAUSA ALÉM DO RESULTADO QUE VOCÊ PRODUZ – IMAGEM PESSOAL E IMAGEM COMPORTAMENTAL ........................................ 49 ÉTICA, CÓDIGOS E LEIS DE CONDUTA: OS EXPLÍCITOS E OS QUE NÃO ESTÃO ESCRITOS .............................................................................................................................. 52 AMBIENTES MULTICULTURAIS ............................................................................................ 56 MÓDULO 4 – QUALIDADE DE VIDA E ADAPTABILIDADE DE CARREIRA .......................................... 59 AS TRANSFORMAÇÕES TECNOLÓGICAS E COMPORTAMENTAIS NO AMBIENTE DE TRABALHO 60 ELEMENTOS QUE FACILITAM A NAVEGAÇÃO PROFISSIONAL EM AMBIENTES GLOBAIS DE RÁPIDA TRANSFORMAÇÃO ................................................................................................. 63 COMPETÊNCIAS TÉCNICAS E COMPORTAMENTAIS PARA A ADAPTAÇÃO AO MERCADO DE TRABALHO ............................................................................................................................ 67 MÓDULO 5 – LIDERANÇA E RESILIÊNCIA NA GESTÃO DA CARREIRA.............................................. 69 LIDERANÇA E RESILIÊNCIA COMO COMPETÊNCIAS-CHAVE PARA O DESEMPENHO PROFISSIONAL EM AMBIENTES COMPLEXOS .................................................................... 70 RESILIÊNCIA: RESPONSIVIDADE VERSUS REATIVIDADE ..................................................... 71 ADAPTAÇÃO AO AMBIENTE E IDENTIDADE DO SUJEITO: FATORES DE CONVERGÊNCIA E CONFLITOS ........................................................................................................................... 76 A ESCOLHA DO COMPORTAMENTO ADEQUADO .............................................................. 77 BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................................................... 79 PROFESSORA-AUTORA ........................................................................................................................ 86 Para abordarmos a gestão de carreira, é preciso apreender o ambiente de carreira. Diuturnamente, estamos expostos às mudanças tecnológicas e a todos os fatores decorrentes da globalização, que colocam vastas quantidades de informação disponíveis para nós, possibilitam que colaborações entre indivíduos aconteçam de forma global e provocam transformações na dinâmica do mercado de trabalho. Nesse cenário, em que o ambiente de carreira está em constante fluxo, as fronteiras da carreira tornam-se mais permeáveis. As mudanças são rápidas e tão evolutivas que tornam difícil uma compreensão mais completa do impacto que causam tanto sobre a forma como caracterizamos o conceito de carreira quanto sobre o que esperar em termos de planejamento de carreira para os profissionais do século XXI. Mesmo depois do trabalho fundacional de Hall (2002) que enfatizou um modelo de carreira em que os indivíduos se tornam mais autodirigidos ou "proteanos", poucas pessoas poderiam antecipar o real impacto que a tecnologia (por exemplo, a internet em geral, o Google, LinkedIn e outras redes sociais)e a instabilidade do mercado teriam nas carreiras dos indivíduos. O termo carreira, no âmbito das ciências da gestão, já não mais se circunscreve às relações do sujeito no espaço organizacional, e inclui a relação sujeito-trabalho, podendo referir-se à história de uma pessoa em um papel particular ou status, independentemente da atividade, como dona de casa, membro de uma associação sem fins lucrativos, etc. A carreira pode ser compreendida como um percurso sociolaboral individualizado. Nesse contexto, fica a pergunta: afinal, o que impulsiona o sucesso profissional? Para começar, devemos tratar de definir o que é sucesso da e na carreira. Essa definição pode pautar-se por resultados objetivos, por exemplo, pagamento, promoção, etc. No entanto, nem sempre tais resultados objetivos equivalem-se à satisfação, tanto na carreira como na vida, o que tem levado alguns pesquisadores, como Hall (2002), Greenhaus (2003) e Heslin (2005), a explorar MÓDULO 1 – A GESTÃO DE CARREIRA 8 resultados subjetivos (em oposição aos resultados objetivos) para definir o sucesso da e na carreira (por exemplo, satisfação profissional, satisfação com a vida, etc.). Uma vez delineado o que é sucesso na carreira, é importante não perder de vista que, para ajudar a navegar pela crescente complexidade que envolve a carreira, existe a necessidade de um suporte de outros, suporte considerado chave – suporte profissional e apoio psicossocial. Em face das mudanças constantes e cada vez mais rápidas a que estamos expostos, a necessidade desse suporte-chave vem aumentando, o que torna as carreiras cada vez mais interdependentes. Higgins et al. (2010) sustentam que, à medida que as pessoas recebem quantidades crescentes de apoio ao longo do tempo, elas tendem a ser mais positivas sobre as suas carreiras mais tarde na vida, e que esse apoio vem para aqueles que têm as habilidades interpessoais para desenvolver relacionamentos pelos quais os outros vão querer oferecer esse suporte. Assim, verificamos, diante da complexidade encontrada no ambiente de carreira de hoje, que cresce a importância da habilidade dos indivíduos para aprender por meio dos relacionamentos com os outros, pois é em colaboração com outros que começamos a dar sentido às circunstâncias atuais e a inovar para construir bases sustentáveis de sucesso no futuro. Independentemente de essas relações serem diádicas (entre duas pessoas), em equipes ou coordenadas em um contexto organizacional ou em um contexto interacional ocorrido no desempenho de papéis sociais diversos, por exemplo: estudante, cidadão, etc., o percurso de nossa disciplina parte da premissa de que o sucesso da carreira depende cada vez mais de ter as habilidades emocionais e sociais essenciais para o desenvolvimento de relacionamentos fortes, confiantes e ressonantes, tanto consigo quanto com os outros (DUTRA, 1996; BOYATZIS; McKEE, 2005). Por definição, competência interpessoal significa ter habilidade para mediar de maneira eficaz as relações entre a necessidade das pessoas e as exigências do ambiente em que estão inseridas (MOSCOVICI, 2003; RESENDE, 2003; FLEURY, 2004). Vamos, então, começar a estudar a gestão de carreira a partir da relação sujeito-trabalho. A importância do trabalho na vida das pessoas: transformações no mundo do trabalho Antes de abordar a relação sujeito-trabalho e a importância do trabalho na vida das pessoas, vamos conhecer o trabalho enquanto conceito e categoria. Etimologicamente, a palavra trabalho originou-se do latim tripalium, cujo significado nos dicionários remete a um instrumento de tortura. Nessa perspectiva, há muito tempo, à palavra trabalho estão associadas ideias de castigo e sofrimento, e supõe-se que essas concepções exerçam influência até hoje, conferindo ao trabalho o caráter árduo e penoso pelo qual, de maneira generalizada, é conhecido histórica e socialmente (KRAWULSKI, 1991). 9 Na concepção marxista, o trabalho possibilita ao homem ir além da natureza e das relações imediatas. Dito de outra forma, para Marx e Engels (1932; 2007), o homem é o único animal que, ao executar uma atividade, é capaz de antecipar na sua mente os resultados da sua ação, configurando, assim, um caráter consciente a essa ação, o que torna o trabalho o meio pelo qual a consciência deixa de ser um mero produto de adaptações biológicas e passa a ser uma atividade autogovernada. O trabalho é conceituado como uma atividade humana por excelência, em que o homem, por meio do seu fazer, estabelece uma relação de dupla transformação entre ele e o meio em que se insere, o que gera um significado (CODO, 1996). Para Antunes (2005), esse processo de dupla transformação que acontece entre o homem (por meio do seu fazer) e o meio em que se insere, converte o trabalho em um elemento essencial ao desenvolvimento da sociabilidade humana, ou seja, converte o trabalho em uma categoria que constitui o ser humano e também as formas pelas quais ele se relaciona no plano social. Desse modo, considerando o lugar que o trabalho ocupa na vida das pessoas, ele assume um papel central. A partir do século XVIII, o trabalho adota o caráter de sustento material e toma a forma de emprego – ou trabalho assalariado na sociedade capitalista industrial. Apesar de ser comum o uso dos termos trabalho e emprego na mesma acepção, sem que se atente para as especificidades de cada um, é necessário identificar a diferença conceitual entre trabalho e emprego. Enquanto o trabalho pode ser conceituado, de forma ampla, como ação humana, pode-se afirmar que o emprego é um dos modos assumidos pelo trabalho no capitalismo, derivado das condições de assalariamento que foram sendo instauradas ao longo da história. Nesse sentido, Blanch (2003) propõe um continuum no qual identifica três posições em relação às conotações que o trabalho, ao logo da história, pode assumir: 1. Polo negativo – é a "representação de trabalho como maldição, castigo, jugo, estigma, coerção, esforço e penalidade" (BLANCH, 2003, p. 45). 2. Centro do contínuo – aqui estariam as representações de trabalho "como uma mera função instrumental a serviço da sobrevivência material, a qual cabe dedicar toda e só a atenção necessária para o alcance deste objetivo" (BLANCH, 2003, p. 46). 3. Polo positivo – o trabalho é visto como "missão, vocação, caminho, valor, fonte de satisfação e de autorrealização" (BLANCH, 2003, p. 47). Figura 1 – Os três polos das conotações do trabalho Na sociedade industrial (começa a partir da segunda metade do século XVIII, com a Revolução Industrial), o sentido positivo de trabalho – trabalho visto como ”missão, vocação, caminho, valor, fonte de satisfação e de autorrealização” – domina a ideologia que rege a vida 10 cotidiana. Trata-se da ética do trabalho, analisada por Weber na sua clássica obra A ética protestante e o espírito do capitalismo (BLANCH, 2003; BORGES; YAMAMOTO, 2004). Nas últimas décadas, o trabalho assalariado, ou seja, o emprego, vem sendo alvo de constantes transformações. Para Antunes (2005), essas mudanças são tão agressivas que autores como Gorz, Offe, Méda, Rifkin, entre outros, produziram uma dupla definição para emprego: um meio para proporcionar a satisfação das necessidades e também possibilidade de busca da autorrealização (KRAWULSKI, 1991, 1998). Quanto aos modelos de emprego, o modelo predominante (nos países de capitalismo avançado) até então foi caracterizado pelo emprego regular e seguro, executado em tempo integral, baseado em um vínculo contratual estável e em um compromisso de longo prazo entre duas partes: empregado e empregador. Contudo, sabemos que a combinação de vários fatoresaltera a ordem econômica e coloca em crise esse modelo predominante, gerando o aumento do desemprego e ensejando o surgimento de novas formas, as quais são denominadas emprego flexível e estão presentes na sociedade capitalista contemporânea: trabalho temporário, autoemprego, trabalho com tempo parcial, trabalho em domicílio, etc. (KOVÁCS, 2005). O denominador comum dessas novas formas é a flexibilidade em termos contratuais, de tempo de trabalho, de espaço e de regras (KOVÁCS, 2005, p. 12). Uma vez que a noção de trabalho envolve tanto as condições socioeconômicas nas quais essa atividade humana se desenvolve quanto o significado, o sentido e os valores socioculturais dessa experiência, essas mudanças nas formas de trabalho e emprego, trazem implicações objetivas e subjetivas. Entre as implicações objetivas, temos as condições de trabalho, que são relativas às circunstâncias nas quais ele ocorre (novas formas de emprego/emprego flexível), e entre as implicações subjetivas, temos os significados e o sentido, que remetem aos diferentes valores e concepções sobre trabalho. Assim, no que toca às implicações subjetivas, vários autores vêm investigando as implicações dessas transformações pelas quais passam as relações de trabalho contemporâneas para os sentidos e os significados atribuídos ao trabalho. Muitos estudos empíricos sobre sentidos e significados do trabalho que vêm sendo realizados no Brasil têm-se ancorado nas investigações desenvolvidas pelo Meaning of Work (MOW). MOW é um grupo de pesquisas internacional, sediado no Canadá, que investiga o sentido e a centralidade do trabalho em diversos países, desde a década de 1970. Esses pesquisadores estabeleceram, a partir de estudos empíricos, as seguintes dimensões: � centralidade do trabalho – importância atribuída a ele na vida da pessoa em um determinado momento; � normas sociais sobre o trabalho – derivadas de valores morais relacionados ao trabalho e � resultados valorizados do trabalho – dimensão relacionada a motivações que levam a trabalhar (BLANCH, 2003; TOLFO; PICCININI, 2007). 11 Ainda que a flexibilização seja uma característica marcante no mundo contemporâneo, o trabalho é reafirmado como categoria central do ser humano por autores como Coutinho, Krawulski e Soares (2007). Quanto ao significado e aos sentidos do trabalho, Tolfo e Piccinini (2007) apontam que atribuir sentidos e significados ao trabalho tem como premissa uma perspectiva multidisciplinar, pois se trata de um conceito psicológico multidimensional e dinâmico, que resulta da interação entre variáveis pessoais e sociais relacionadas ao trabalho (TOLFO; PICCININI, 2007, p. 45). De um modo geral os significados são construídos coletivamente em um determinado contexto histórico, ao passo que os sentidos são diferenciados, por serem balizados por uma apreensão pessoal dos significados coletivos (TOLFO et al., 2005). Assim, considerando as transformações que estão ocorrendo, as quais ensejam o surgimento de variados contextos, todos cada vez mais complexos, vemos emergir múltiplos sentidos do trabalho nos mais diversificados espaços. Por exemplo, em pesquisa realizada sobre os sentidos do trabalho para idosos em exercício profissional remunerado, o trabalho foi referido como sendo a sua própria vida, e ao se remeterem à possibilidade de afastamento deste, significaram essa situação como perda do sentido de viver (STELMACHUK, 2005). Já em um estudo dos sentidos do trabalho para mulheres que atuam na área de limpeza e conservação, vinculadas a uma empresa prestadora de serviços, destacaram-se aspectos depreciativos: o trabalho foi descrito como árduo, mal remunerado e socialmente não reconhecido. Por outro lado, verificou-se na pesquisa que esse mesmo trabalho demonstrou ser importante e central na vida dessas mulheres, porém com algumas características marcantes de insatisfação e sofrimento psíquico (DIOGO, 2005). Em outra pesquisa, feita por Dias (2009), foram investigados os sentidos que universitários atribuem ao trabalho e a relação deste com os seus projetos de vida. Os resultados mostraram que as construções de projetos de vida se estabelecem de modo frágil, pautadas na incerteza do futuro profissional. A ameaça de desemprego representou uma zona de conflito nos sentidos do trabalho para esses sujeitos, uma vez que a possibilidade de não inclusão configurava sentimentos de vulnerabilidade. Também foi evidenciada no discurso a importância da qualificação, como requisito para a inserção e a permanência no mercado profissional. Agora que já compreendemos que a relação sujeito-trabalho é pautada em significados e sentidos construídos a partir de variáveis contextuais históricas e sociais e de variáveis psicológicas/pessoais, vamos estudar sobre a carreira no mundo contemporâneo. 12 A transformação do conceito de carreira no mundo contemporâneo A partir da Revolução Industrial, a carreira tem sofrido fortes transformações (BALASSIANO; COSTA, 2006). Com a flexibilização do emprego como um modelo de inserção no trabalho, a carreira sofreu mudanças quanto à concepção, à estrutura e ao desenvolvimento. Além das mudanças ambientais – em resposta a fatores tais como aumento da expectativa de vida, evolução das estruturas familiares e indivíduos que procuram satisfazer as suas necessidades de aprendizado pessoal, desenvolvimento e crescimento –, as pessoas também estão mudando atitudes e comportamentos. A carreira moderna transcende a própria existência de uma organização e encontra- se em processo de deslocamento tanto além da área de formação quanto além das organizações. Assim, a carreira organizacional tornou-se mais fragmentada e ampliou-se além dos limites das empresas e das instituições, alcançando o mundo do trabalho como um todo. Esse fenômeno levou alguns autores a anunciar o fim da carreira: D. T. Hall (1996) faz uma alusão a esse quadro no título do seu livro The career is dead – Long live the career, querendo dizer com “a carreira está morta”, que a carreira organizacional não é mais o modelo predominante e com “longa vida à carreira”, que novos modelos surgiram, o que se, por um lado, amplia as suas configurações no mundo do trabalho e gera novas possibilidades, por outro, gera restrições. Nesse sentido, tanto na área da administração quanto na área de estudos de relações do trabalho e psicologia social, diante dessa situação, a análise da carreira exigiu novos estudos e novas abordagens. Na área da administração, podemos notar um processo de validação de trajetórias de trabalho que antes não eram consideradas como carreiras (não carreiras). São as trajetórias de trabalho que acontecem fora do espaço organizacional, resultando na ruptura parcial dos modelos anteriormente normativos (planos de carreira ou carreira externa). Nesse contexto, destacamos as hipóteses da carreira proteana, das carreiras sem fronteiras e das carreiras inteligentes (que se alinham ao modelo baseado em competências, por sua vez considerado como mais adequado à economia do conhecimento). 1. Carreira de Proteu ou carreira proteana (Protean career): foco na construção individualizada e submetida às demandas do mundo do trabalho, sendo responsabilidade da pessoa o seu planejamento, a sua realização e a sua validação (HALL, 2002). 2. Sobre as carreiras sem fronteiras, Dutra et al. (2009, p. 56) explica que: o mundo tornou-se mais global, complexo, diversificado e individualista, e [...] hoje é mais difícil que as organizações consigam controlar e gerenciar a carreira de seus membros (SCHEIN, 2007). Essa realidade se instala gradativamente na vida das organizações e das pessoas e passaa exigir novas abordagens para compreendê-la. Uma dessas abordagens é a das carreiras 13 sem fronteiras, pensando a carreira da pessoa transcendendo as fronteiras da organização. De um lado, a pessoa é estimulada a pensar sua carreira tomando a si mesma como ponto de partida e, de outro lado, a organização é estimulada a incentivar a pessoa a pensar sua carreira de forma mais ampla para, com isso, desenvolver uma visão crítica sobre a relação com seu trabalho e elevar o seu poder de contribuição para o desenvolvimento da organização. 3. No conceito de carreiras inteligentes, desenvolvido como forma de operacionalizar a carreira sem fronteiras e proposto por Arthur, Claman e De Fillippi (1995), as competências propostas, que devem ser acumuladas pelas pessoas, são análogas às da organização, mas não são necessariamente subordinadas a um empregador: � Knowing-why – reflete a identidade e a motivação individual, o significado pessoal e a identificação com o trabalho. � Knowing-how – representa as habilidades e as especialidades individuais relevantes para o trabalho. � Knowing-whom – está relacionado com as relações interpessoais e o network importante para o trabalho. Os autores entendem que essas competências são obtidas por meio da educação, do trabalho e da experiência de vida e se acumulam em forma de um capital de carreira, que pode adquirir ou perder valor. Esse mecanismo pode ocorrer, por exemplo, se as qualificações obtidas na faculdade por uma pessoa quando jovem (knowing-how) servirem como base para a demonstração da expertise base que a habilita a encontrar o seu primeiro emprego. Esse emprego pode prover três elementos que um segundo empregador pode valorizar: a inspiração (knowing-why), mais expertise (knowing- how) e as conexões de network (knowing-whom) (ARTHUR et al., 1999). Para esses autores, a acumulação desse capital de carreira pode prover segurança ocasional, mas se não for renovado perde o seu valor, e para garantir essa renovação a pessoa deve constantemente avançar degraus para sustentá-lo, mesmo que esteja trabalhando há muito tempo em uma única organização. Assim, devido às constantes mudanças que indivíduos e organizações enfrentam (sociais, políticas, econômicas e mercadológicas) é importante abordar a visão do planejamento de carreira pelos profissionais do século XXI, que precisam cuidar da sua empregabilidade, sobre o que vamos estudar no próximo tópico. 14 Empregabilidade e qualidade de vida Nós estudamos no item 1.1 que, em decorrência do aumento do desemprego e da redução do emprego seguro e regular, executado em uma determinada empresa e com base em vínculos de longo prazo entre empregador e empregado, o trabalho assalariado, ou seja, o emprego, vem sendo alvo de constantes transformações, sobretudo nas últimas décadas. Essas transformações evidenciam novas formas de emprego, denominadas emprego flexível e presentes na sociedade capitalista contemporânea: trabalho temporário, autoemprego, trabalho com tempo parcial, trabalho a domicílio, etc. (KOVÁCS, 2005). O denominador comum dessa variedade de formas de emprego é a flexibilidade – de conteúdos contratuais, de tempo de trabalho, de espaço e de regras. Nesse contexto, o emprego passou, então, a exigir novas habilidades da mão de obra. Passam a ser requisitos para o "novo" emprego: agilidade, abertura para mudanças, capacidade de assumir riscos continuamente e flexibilidade em relação às novas exigências do mercado. Tal conjuntura fez com que o trabalhador passasse a se preocupar com o acesso e a manutenção do emprego, ou seja, com a sua empregabilidade (HELAL, 2005, p. 3-4). Empregabilidade ainda é um fenômeno recente. Como consequência, temos vários exemplos do quanto o conceito e o entendimento sobre empregabilidade ainda são diversificados. O uso do termo empregabilidade remete "às características individuais do trabalhador capazes de fazer com que possa escapar do desemprego mantendo sua capacidade de obter um emprego" (LAVINAS, 2001, p. 3). Para a autora, é o grau de aptidão para um dado trabalho o que separa trabalhadores empregáveis e não empregáveis. Na mesma linha, Minarelli (1995) entende a empregabilidade como a habilidade de ter emprego. Outro conceito de empregabilidade tem sido utilizado para referir-se às condições da integração dos sujeitos à realidade atual dos mercados de trabalho e ao poder que possuem de negociar a sua própria capacidade de trabalho, considerando o que os empregadores definem por competência (MACHADO, 1998, p. 18). Embora não exista um consenso em relação ao conceito, as definições de empregabilidade apresentam um núcleo comum em relação ao termo empregabilidade: a capacidade de adaptação da mão de obra às novas exigências do mundo do trabalho e das organizações. A empregabilidade é um fenômeno complexo e determinado por diversos fatores, e o processo de flexibilização do trabalho e o seu impacto na mão de obra brasileira provoca debates no que se refere à empregabilidade dos indivíduos, principalmente, por não haver um consenso sobre o que realmente determina o acesso dos indivíduos ao emprego no País. O que você imagina que determina o maior ou menor acesso às oportunidades de emprego? Somente competências técnicas, escolaridade, habilidades cognitivas e comportamentais e experiência? Será que há outros fatores que contribuem para facilitar ou dificultar esse acesso? Tendo como premissa que não se pode imaginar que as oportunidades de emprego são determinadas apenas pelos elementos ligados ao capital humano do indivíduo (as habilidades 15 cognitivas, experiência, etc.), Diogo Helal (2005, p. 2-3) apresentou como questão fundamental a compreensão dos fatores que, de fato, influenciam o acesso ao emprego, e de que forma se dá essa influência, e apresentou um estudo que propõe um modelo teórico (Figura 2) que visa a apresentar as linhas gerais do fenômeno da empregabilidade individual, em função das novas exigências e configurações do mercado de trabalho. Entre os aspectos relacionados ao fenômeno, o autor baseia o seu modelo explicativo da empregabilidade individual em três abordagens teóricas: teoria do capital humano (BECKER, 1964; MINCER, 1974), teoria do capital cultural (BOURDIEU; PASSEROM, 1977; BOURDIEU, 1979; BOURDIEU, 1987) e teoria do capital social (BOURDIEU, 1980; BURT, 2000; COLEMAN, 1988; 1994; GRANOVETTER, 1973, 1985; 1995; PORTES, 1998; PUTNAM, 2000). No atual mundo do trabalho, centrado em competências, e não apenas nas qualificações, o acesso ao emprego passa cada vez mais a ser determinado pelo capital cultural e social do indivíduo. Estudar a influência desses atributos nas chances de se obter um emprego formal passa a ser tarefa mais que necessária (HELAL, 2005). Figura 2 – Modelo teórico da empregabilidade Fonte: HELAL, Diogo Henrique. Flexibilização organizacional e empregabilidade individual: proposição de um modelo explicativo. Cadernos Ebape. BR, v. 3, n. 1, p. 1-15, 2005. 16 Capital humano A teoria do capital humano é a abordagem mais utilizada em estudos sobre o mercado de trabalho, e os três fatores comumente mais estudados são: escolaridade (medida em anos de estudo completados com sucesso), experiência de trabalho (medida em anos) e migração (migrou/não migrou). Para Neves e Fernandes (2002), a escolaridade representa o principal fator de capital humano. Para Helal (2205), embora muito utilizada, a teoria do capital humano, ao tratar do mercado de trabalho, ignora aspectos sociais que porventura estejam associados ao acesso ao emprego, representando assim umavisão limitada sobre o assunto. Capital cultural A teoria do capital cultural foi desenvolvida por Bourdieu e os seus colaboradores (BOURDIEU; PASSERON, 1977; BOURDIEU, 1979; BOURDIEU, 1987) e postula que, embora a “modernização” tenha acelerado o processo de expansão do acesso à educação, somente o acesso à educação não leva a uma maior equalização de oportunidades, uma vez que as famílias vindas de estratos sociais superiores continuam garantindo vantagens para os seus descendentes por meio da transmissão do capital cultural. Bourdieu (1987) explica que estudantes oriundos de famílias com habilidades e preferências da cultura dominante são mais capazes de decodificar as "regras do jogo" implícitas e estão mais bem preparados para a adaptação e o desenvolvimento de habilidades culturais e preferências recompensadas nas escolas – são pessoas com maior estoque de capital cultural que, quando desenvolvido e transmitido no seio da família (e com apoio do sistema educacional), garante a manutenção do status quo. Assim, mesmo que houvesse a universalização do ensino, aqueles indivíduos pertencentes a famílias detentoras de maior capital cultural seriam beneficiados (HELAL, 2005). Embora o propósito inicial (e ainda o mais utilizado) da teoria do capital cultural tenha sido estudar a influência do background familiar (e das variáveis do capital cultural) nas conquistas acadêmicas, segundo Helal (2005), não se pode imaginar que as variáveis ligadas ao capital cultural de um indivíduo influenciem apenas as suas conquistas acadêmicas. Para o autor, ao ingressarem no mercado de trabalho, os indivíduos irão trazer consigo um estoque de capital cultural, desenvolvido na família e "aperfeiçoado" no ambiente escolar, que será de extrema importância na sua vida profissional. Capital social Atualmente, são duas as correntes que descrevem o conceito de capital social e sua aplicação: uma que vê o capital social como algo pertencente a uma comunidade ou sociedade e outra que analisa esse tipo de capital como algo próprio de um indivíduo. A primeira corrente tende a enfatizar a confiança, enquanto a segunda destaca as redes de relacionamento como elemento do capital social. Os principais representantes da primeira visão são Robert Putnam e James Coleman (1988; 1994). Segundo esses autores, capital social é algo que não pode ser internalizado pelo indivíduo, 17 ou seja, é algo que existe na sociedade. Capital social refere-se a aspectos da organização social, tais como redes, normas e confiança que facilitam coordenação e cooperação para benefícios mútuos (PUTNAM, 2000). A segunda visão é representada por Pierre Bourdieu, Mark Granovetter e Alejandro Portes. Esses autores afirmam que capital social é algo que pertence ao indivíduo e por ele pode ser utilizado de modo a produzir benefícios, inclusive, de ordem econômica (maiores salários, acesso a emprego, etc.). Segundo esses autores, cada um tem o seu estoque de capital social e o utiliza para o seu benefício. Nesse sentido, para Bourdieu (1980) o volume do capital social que um indivíduo possui depende da extensão da rede de relações que ele pode efetivamente mobilizar e do volume de capital (econômico, cultural ou simbólico) que pertence exclusivamente a cada um daqueles a quem está ligado. Para Portes (1998), as fontes e consequências do capital social são as mais diversas possíveis, incluindo uma função de predizer empregabilidade e mobilidade ocupacional. Segundo Helal (2005), um dos primeiros autores a demonstrar e explorar os efeitos do capital social no mercado de trabalho foi Mark Granovetter, em um estudo (GRANOVETTER, 1995), na década de 1970, que é um clássico que comprova a relevância do capital social como determinante da empregabilidade: Granovetter estudou como 282 homens em Newton, Massachusetts (EUA) conseguiram os seus empregos. Helal (2005) afirma que, embora o conceito de capital social seja bastante amplo, e o seu entendimento na literatura, bastante diverso, é possível identificar dois elementos comuns: a confiança e a rede de relacionamentos. O segundo elemento é o mais utilizado nas pesquisas que exploram a relação entre capital social e empregabilidade, uma vez que se costuma definir capital social como a posse e a utilização de uma rede de relacionamentos. Assim, baseado na teoria do capital social, é de se esperar que, por exemplo, o fato de um indivíduo pertencer a grupos ou associações – ou seja, a posse e a utilização da rede de relacionamentos (capital social) aí desenvolvida por esse indivíduo – afete positivamente a probabilidade de esse indivíduo estar empregado (HELAL, 2005, p. 9). Podemos verificar, então, que o acesso e a manutenção do emprego – a empregabilidade – passam a integrar a agenda de preocupações do indivíduo em dimensões que vão muito além de manter o capital humano competitivo. Entre as várias ações que são requeridas dos profissionais para acessar ou manter o emprego (seja em que forma for), destacamos: 1. Investimento em cursos de atualização e especialização para melhorar competências relacionadas a: � visão sistêmica sobre a sua empresa e profissão; � domínio sobre as novas tecnologias e o seu uso prático no dia a dia; � liderança e capacidade de gerir e desenvolver pessoas; � aspectos de comunicação interpessoal e � trabalho em equipe, etc. 18 2. Além disso, o desenvolvimento de aspectos relacionados a habilidades sociais e de controle emocional, como: � construir bons relacionamentos interpessoais; � desenvolver inteligência emocional e � receber e compartilhar novos conhecimentos e não apenas sobre o seu trabalho, mas sobre assuntos diversos. Paradoxalmente, a busca pelo equilíbrio entre vida pessoal e profissional costuma encabeçar a lista de metas de muitas pessoas, que tentam um nível de satisfação maior com o trabalho, com os relacionamentos, com a família e com as aspirações pessoais. Essa busca costuma vir traduzida em um objetivo bastante comum: melhorar a qualidade de vida. A definição de qualidade de vida no uso cotidiano apresenta-se, tanto de forma global, enfatizando a satisfação geral com a vida, quanto dividida em componentes (renda, equilíbrio emocional, acesso à saúde e higiene, etc.), que, em conjunto, indicam uma aproximação do conceito geral. Dependendo do interesse, o conceito, muitas vezes, é adotado como sinônimo de saúde, felicidade e satisfação pessoal, condições de vida e estilo de vida (NAHAS, 2003), e os seus indicadores vão desde a renda até a satisfação com determinados aspectos da vida. Devido a essa complexidade, para que se possa melhor compreender, operacionalizar e analisar o tema qualidade de vida, certas delimitações são necessárias (ALMEIDA; GUTIERREZ, 2004). Os estudos sobre qualidade de vida podem ser classificados de acordo com quatro abordagens gerais: econômica, biomédica, psicológica e geral. A abordagem socioeconômica tem os indicadores sociais como principal elemento. As abordagens médicas tratam principalmente da questão de oferecer melhorias nas condições de vida de pessoas doentes (MINAYO et al., 2000). O termo qualidade de vida, em relação ao seu emprego na literatura médica, vem sendo associado a diversos significados, como condições de saúde e funcionamento social. A abordagem psicológica busca indicadores que tratam das reações subjetivas de um indivíduo com as suas vivências, dependendo, assim, primeiramente, da experiência direta da pessoa cuja qualidade de vida está sendo avaliada e indica como os povos percebem as suas próprias vidas, felicidade, satisfação. O fato de as abordagens psicológicas considerarem qualidadede vida somente um aspecto interior à pessoa, desconsiderando o contexto ambiental em que está inserida, é a principal limitação dessa linha de pensamento. As abordagens gerais baseiam-se na premissa de que o conceito de qualidade de vida é multidimensional, apresenta uma organização complexa e dinâmica dos seus componentes, difere de pessoa para pessoa de acordo com o seu ambiente/contexto e mesmo entre duas pessoas inseridas em um contexto similar. Características como valores, inteligência, interesses devem ser consideradas. 19 Na verdade, a análise da qualidade de vida aborda uma representação social criada a partir de parâmetros subjetivos, como bem-estar, felicidade, amor, prazer, realização pessoal, etc., e parâmetros objetivos, cujas referências são a satisfação das necessidades básicas e das necessidades criadas pelo grau de desenvolvimento econômico e social de determinada sociedade. Os parâmetros subjetivos de análise da qualidade de vida mais complexos ficam vinculados à ideia do ser, pertencer e transformar. Na ideia do ser estão as habilidades individuais, a inteligência, os valores, as experiências de vida. O pertencer trata das ligações que a pessoa possui, as escolhas, assim como da participação em grupos, inclusão em programas recreativos e serviços sociais. O transformar remete à prática de atividades como trabalho voluntário, programas educacionais, participação em atividades relaxantes, oportunidade de desenvolvimento das habilidades em estudos formais e não formais, entre outros. Qualidade de vida inclui desde fatores relacionados à saúde, como bem-estar físico, funcional, emocional e mental, como também outros elementos importantes da vida das pessoas: trabalho, família, amigos e outras circunstâncias do cotidiano. Conforme sugere a Organização Mundial da Saúde (2006), a qualidade de vida reflete a percepção dos indivíduos de que as suas necessidades estão sendo satisfeitas ou, ainda, que lhes estão sendo negadas oportunidades de alcançar a felicidade e a autorrealização, independentemente do seu estado de saúde físico ou das condições sociais e econômicas. Determinados aspectos da nossa vida, como a felicidade, amor e liberdade, mesmo expressando sentimentos e valores difíceis de serem compreendidos, são relevantes. Podemos notar que esses componentes de análise da qualidade de vida apresentam uma organização dinâmica entre si, e que consideram tanto a pessoa como o ambiente, assim como as oportunidades e os obstáculos. Assim, qualidade de vida é um conceito para o qual até mesmo uma definição operacional é difícil de ser elaborada, e, embora qualidade de vida seja uma ideia largamente difundida na sociedade, corre-se o risco de haver uma banalização do assunto pelo seu uso ambíguo, indiscriminado ou oportunista. De um lado, podemos ter a exploração oportunista de um conceito, o que resulta na sua depreciação e, de outro, o reconhecimento de que esse conceito exprime uma meta nobre a ser perseguida, o que resulta na preservação do seu significado e valor. 20 Qualidade de Vida no Trabalho O termo Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) é abrangente em vários aspectos (WALTON, 1973). A Qualidade de Vida no Trabalho, diretamente relacionada à satisfação e ao bem-estar do indivíduo na execução das suas tarefas, é indispensável à produtividade e à competitividade, sem as quais uma organização não sobrevive ao mercado. De acordo com Fernandes (1996), a QVT pode ser considerada como uma gestão dinâmica e contingencial de fatores físicos, sociológicos, psicológicos e tecnológicos da organização do próprio trabalho, que afetam a cultura e interferem no clima organizacional, refletindo na produtividade e na satisfação dos clientes internos. Enfim, trata-se de fatores que se estendem de cuidados médicos estabelecidos pela legislação de saúde e segurança no trabalho até motivação e aspectos que influenciam a carreira, gerando consequências no clima organizacional e podendo levar a ajustes na cultura organizacional. A abordagem cotidiana da QVT é ampla e bastante desafiadora, pois em várias dimensões depende da percepção de cada indivíduo nas suas interações com o trabalho no ambiente organizacional. Até aqui podemos verificar que a gestão de carreira é um instrumento de operacionalização da relação da pessoa com o trabalho. Quando a relação da pessoa com o trabalho ocorre em interações com o emprego e as suas formas flexibilizadas, o processo de gestão de carreira ocorre em interações com a organização (nas suas diversas formas) e requer, por parte das pessoas, a manutenção da empregabilidade. Por sua vez, a manutenção da empregabilidade requer o investimento de tempo e energia na construção e manutenção do capital humano, do capital social e do capital cultural, em um processo que interage com fatores relacionados ao próprio trabalho e à carreira, à família, aos amigos, à saúde em geral, como bem-estar físico, funcional, emocional e mental, à autorrealização, entre outros – todos elementos fundamentais para a qualidade de vida. Nesse contexto, passamos a estudar os papéis da organização e dos indivíduos na gestão de carreira. 21 Os papéis da organização, da área de Recursos Humanos, dos gestores e dos próprios empregados na gestão de carreiras Conforme já estudamos, o cenário da carreira passou a ocupar espaços mais amplos, deixando de “desenrolar-se” apenas no interior das organizações. Atualmente, esse cenário inclui componentes, tais como: as escolas, as redes de relacionamento, a família, o lazer e demais elementos do projeto de vida de cada indivíduo, em uma abordagem que “apresenta um caráter sistêmico, integrando todas as dimensões e papéis desse indivíduo” (MARTINS, 2001, p. 33). Isso quer dizer que o foco desloca-se da “carreira externa ou planejamento de carreira pela empresa”, para a “carreira interna e o planejamento pessoal de carreira” como propõe Kiliminik et al. (2006), o que, por outro lado, não quer dizer que as organizações não mais precisem planejar e estruturar ações voltadas às carreiras. No que tange à organização, a estruturação de um esquema de planejamento, para ser aplicado às carreiras, normalmente se funda sobre dois fatores que permanecem estáveis dentro das organizações e que viabilizam essa estruturação. Um desses fatores são as trilhas de carreira – Ex.: trilha comercial, trilha técnica; o outro fator são os degraus de complexidade – Ex.: júnior, pleno e sênior. Isso permite que a organização estruture políticas que estimulem e ofereçam condições objetivas para que a pessoa possa administrar a sua carreira e o seu desenvolvimento profissional. Desenvolver políticas, modelos e práticas de planejamento de carreira faz parte do papel da empresa no planejamento de carreira, que deve ficar a cargo da área de Recursos Humanos. Além disso, é preciso disponibilizar treinamento em gestão de carreira para líderes/gestores, que devem trabalhar com as expectativas da sua equipe e prover capacitação para que os funcionários estejam preparados para caminhar nas trilhas de carreira. Atualmente, quando o assunto é planejamento de carreira, encontramos no mercado empresas em diferentes estágios, que: � delegam totalmente a responsabilidade pela gestão de carreira aos seus empregados, os quais ficam responsáveis por se tornarem empregáveis e promovíveis; � assumem a responsabilidade pela gestão de carreira, criando uma linha de ascensão que os profissionais podem seguir, o que gera, por outro lado empregados que abdicam da sua parte de responsabilidade, delegando tudo à organização e � compartilham com os seus profissionaisa responsabilidade pela gestão de carreira, discutindo caminhos e interesses de ambas as partes. 22 Nesse último estágio, a visão contemporânea de gestão de carreira evidencia que há uma crescente necessidade de as pessoas se comprometerem com o seu desenvolvimento profissional. Assim, da perspectiva do indivíduo, cabe entender e avaliar a sua experiência profissional: é necessário que as pessoas conheçam a si mesmas, as suas aptidões, habilidades para realizarem a escolha e o planejamento da sua carreira adequadamente. De outro lado, da perspectiva da organização, cabe debruçar-se sobre políticas, procedimentos e decisões ligadas a espaços ocupacionais, níveis organizacionais, compensação e movimento de pessoas. Dito de outra forma, à organização cabe o papel de gerenciamento de oportunidades, identificando as necessidades dos indivíduos e as da própria organização (DUTRA, 2011). A gestão compartilhada de carreira entre a empresa e a pessoa é, portanto, apontada como um aspecto fundamental para a obtenção do sucesso do indivíduo e da empresa. Para Dutra (2011), as pessoas, em geral, sequer planejam as suas carreiras. Ao invés disso, iniciam as suas vidas profissionais por meio das oportunidades oferecidas pelo ambiente, que atua sobre elas adequando e transformando as suas preferências e características. Na maioria das vezes, as pessoas não tomam o controle das suas vidas e das suas carreiras. As pessoas terão melhor condição para identificar e tirar proveito das oportunidades (de carreira) que surgem ao longo das suas vidas profissionais se, antes de refletirem sobre as oportunidades (de carreira) oferecidas pelo ambiente, olharem para dentro de si e buscarem identificar o que gostam, o que as satisfaz e o que as estimula. O autoconhecimento é condição para interação com a externalidade, para interação com o outro, para a interação interpessoal ou social (DUTRA, 1996). A empresa pode desenvolver algumas ações práticas para apoiar os seus empregados no desenvolvimento profissional e também para garantir que tenha recursos humanos disponíveis para ocupar posições-chave, que garantam o sucesso dos negócios: � definição de políticas claras, transparentes e criteriosas para o planejamento de carreira; � definição de trilhas de carreira e degraus de complexidade; � preparação dos líderes para apoiar a equipe em questões de carreira; � desenvolvimento de um plano de sucessão; � identificação, avaliação e formação de banco de talentos; � recrutamento interno; � implantação de programa de mentoria; � implantação de programas de rotação interna – job rotation; � implantação de carreira em Y e � disponibilização de programas de coaching executivo e de carreira. 23 Já os profissionais precisam tomar as rédeas das suas carreiras nas mãos e se preparar para o mercado de trabalho, podendo desenvolver as seguintes ações práticas: � Ampliar o autoconhecimento para tomar decisões mais acertadas, no que diz respeito à carreira. � Monitorar o mercado de trabalho, identificando oportunidades, dentro e fora das empresas. � Definir objetivos e desenvolver planos de ação para alcançá-los. � Desenvolver rede de relacionamentos profissionais. � Buscar feedback e aproveitá-los. � Procurar conhecer e desenvolver os requisitos de acessos às posições do seu interesse. Na perspectiva dos profissionais, a gestão de carreira é uma forma proativa e permanente de administração das variáveis internas e externas que afetam a trajetória profissional, atuando nas que são controláveis e se adaptando às demais, de maneira a alcançar as metas e os objetivos fundamentais que resultarão em sucesso psicológico (MARTINS, 2001, p. 105). Se a empresa e os profissionais assumirem os seus papéis complementares no planejamento de carreira, ambos sairão ganhando – profissionais se realizando profissionalmente e empresa alcançando resultados. No módulo anterior, vimos que o cenário atual revela que as relações das pessoas com o trabalho, o significado e o sentido que atribuem a ele, orientam cada vez mais as diversas mudanças que o conceito e a operacionalização da carreira têm enfrentado. Por essa razão, a carreira deve ser pensada como uma estrada em constante construção, que, se bem trilhada, poderá conduzir ao sucesso, à satisfação profissional e pessoal e a uma compensação financeira também satisfatória. Diante desse contexto, e em consonância com as abordagens mais recentes de carreira, Drucker (2002) coloca que, cada vez mais, um número substancial e crescente de pessoas tem a possibilidade de fazer escolhas. As pessoas precisam administrar a si próprias e não deixar simplesmente que a organização as gerencie. Para isso, pensaremos sobre autoconhecimento e como ele é importante tanto para planejar a carreira quanto para enfrentar as mudanças que nos afetarão; estudaremos o mecanismo da satisfação e como ele atua não só na área profissional de nossas vidas, mas também nas demais áreas e veremos algumas ferramentas para facilitar o processo de gestão da trajetória profissional. O autoconhecimento como base para a elaboração de um projeto de carreira e vida Para se ter uma atuação sobre uma realidade em que somos chamados a nos responsabilizar pelo curso de nossas vidas e de nossas carreiras, antes de iniciar um planejamento sobre as oportunidades de carreira que podemos alcançar, é importante refletir, questionar e identificar: quem eu sou, o que quero, quais são os meus interesses e as minhas aptidões? O que é importante para mim nesse momento? Quais são os meus valores? Quais são os meus objetivos no curto, médio e longo prazo? Todas essas perguntas precisam ser respondidas para você se posicionar diante da MÓDULO 2 – ELABORAÇÃO DE UM PROJETO DE CARREIRA E VIDA 26 vida pessoal e profissional. A partir do momento em que você tiver isso relativamente delimitado, poderá fazer escolhas mais seguras. De uma maneira sistêmica, a carreira relaciona o profissional com o seu meio ambiente no decorrer do tempo (PERES, 2014). Nesse sentido, Savioli (1991) coloca quatro passos básicos para idealizarmos uma boa gestão de carreira, nas nossas vidas: � Autoconhecer-se é fator básico para a conscientização dos nossos pontos fortes e dos pontos que precisamos desenvolver para melhorar. � Aprender com as próprias experiências no campo pessoal e profissional, do nosso trabalho atual, visando a um potencial trabalho futuro. � Maximizar nossas habilidades utilizando ferramentas de treinamento e desenvolvimento. � Atingir os objetivos de vida, e não apenas os objetivos profissionais: a carreira precisa estar harmonizada com os anseios da vida como família, comunidade, política, cultura, religião, etc. Uma vez que somos constantemente confrontados com as mudanças no ambiente à nossa volta e com mudanças em nós mesmos, decidir sobre a carreira não se pode resumir a momentos episódicos na nossa vida, nem a pegar “oportunidades” pontuais para as quais não estávamos preparados (PERES, 2014). Então, se você não souber quais são as suas habilidades e os seus objetivos de carreira, poderá sentir-se atraído facilmente por incentivos como: um cargo maior, uma maior remuneração, carga horária menor, mudança de local do trabalho, etc., o que não significará necessariamente maior satisfação. Tais incentivos podem não combinar com você, ou podem estar em desacordo com os seus valores e as suas necessidades em determinada fase da sua vida. Gasparian (2009) ensina que, antes de estabelecer um plano de ação para gerir a própria carreira, é importante identificaralguns comportamentos: � Aprimorar a percepção sobre as próprias expectativas profissionais. Fórmulas infalíveis para construir uma carreira de sucesso não existem, até porque o que é sucesso para um não é para outro, ou seja, é um conceito bastante variável. Então, o autoconhecimento é fundamental no processo de gestão de carreira. � Alinhar as atribuições profissionais atuais com os novos paradigmas empresariais exigidos. A verdade é que nem sempre estaremos fazendo apenas o que gostaríamos de fazer. Então, é importante não esquecer que a carreira não é uma estrada lisa, plana sem curvas e obstáculos, pelo contrário, aborrecimentos momentâneos podem servir de lição para que, no futuro, desenvolvamos planos de contingências que nos auxiliem a conviver com os imprevistos e as contrariedades. 27 � Elaborar uma estratégia particular para competir no mercado. Tratamos aqui de intencionalidade: qualquer decisão tem de ser tomada com conhecimento de causa para que aumente a probabilidade de sucesso em decorrência das escolhas. Uma carreira levada ao acaso, sem rumo, por sorte, aumenta as chances de fracassar. Se você não tem um foco, um objetivo, qualquer lugar serve (Gasparian, 2009). Portanto, um posicionamento firme é a identidade que você quer ter. É como você quer ser visto. Autoconhecimento O processo do autoconhecimento ocorre quando nos damos a oportunidade de abrir as nossas mentes para o conhecimento, de quebrar os modelos estabelecidos no decorrer da vida que ficam armazenados na nossa mente. Vale dizer que modelos são as matrizes nas quais baseamos as nossas percepções, ou seja, é o padrão por meio do qual entendemos, analisamos e modificamos o mundo exterior. Em psicologia, neurociência e ciências cognitivas, percepção é a função cerebral que atribui significado a estímulos sensoriais, a partir de um histórico de vivências passadas. Por meio da percepção, um indivíduo organiza e interpreta as suas impressões sensoriais para atribuir significado ao seu meio. A percepção consiste na aquisição, interpretação, seleção e organização das informações obtidas pelos sentidos. As percepções podem ser as mesmas, mas sofrem variações devido aos diferentes contextos socioeconômicos. Na realidade, a nossa mente está repleta de conceitos estabelecidos e sedimentados; por isso, é importante estar aberto a mudanças, para dar espaço ao novo, seja no que se refere ao conhecimento ou ao comportamento. Mudanças e modelos Um modelo é a representação de um padrão a ser seguido. Talvez, a maneira mais forte de definir o conceito de modelo seja dizer que ele representa os conteúdos de uma visão de mundo que a pessoa assimila no decorrer a sua existência. Sem perceber, consideramos tais conteúdos como verdade absoluta e como pressuposto básico sobre a forma como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos com as pessoas. Os modelos funcionam como hábitos e nos ajudam a resolver problemas do dia a dia, mas, por outro lado, também funcionam como filtros, impedindo-nos de ver novas oportunidades. Passamos a acreditar que a maneira habitual de realizar alguma tarefa, por exemplo, é a única maneira possível. Nesse caso, os modelos tornam-se barreiras à nossa capacidade de aceitar e compreender as novas ideias ou os novos produtos. Mudança de comportamento tem uma ligação direta com a mudança de modelos que, por sua vez, gera a mudança comportamental e novas fórmulas as quais demonstram que resultados diferentes são desenvolvidos. Quebrar modelos (ou paradigmas) tornou-se uma exigência no mundo das organizações e da sociedade. 28 Porém, para que um modelo seja realmente quebrado, é necessário que algo seja superado, e o novo seja introduzido. É preciso questionar conceitos, regras, emoções, crenças, e tudo isso deve começar individualmente para depois alcançar o coletivo. Não existe outro caminho. Na realidade, o simples fato de tomarmos consciência das nossas próprias limitações já é uma quebra de modelo. Os passos seguintes, invariavelmente, conduzem-nos a caminhos que antes pareciam impossíveis. Esse processo ocorre tanto na área pessoal quanto no mundo corporativo. Não importa a complexidade da mudança. O fato é que só podemos dizer que modelos ou paradigmas são verdadeiramente quebrados à medida que novas formas de atuação são desenvolvidas e mostram resultados diferentes em médio e longo prazo. Na área profissional, o autoconhecimento torna-se o mais nobre diferencial competitivo que podemos desenvolver. Como vimos no módulo anterior, no planejamento de carreira, Dutra (1996) aponta que o ponto de partida é o autoconhecimento, onde devem ser desenvolvidos os objetivos de carreira e o plano de ação para a consecução desses objetivos. Entretanto, muitas vezes os questionamentos sobre nós mesmos podem ocorrer em um período de dificuldades ou de insucesso profissional ou emocional, e não raro esses questionamentos vêm do sentimento de vazio, de que está faltando algo. Esses questionamentos acabam abrindo as portas para o autoconhecimento. É nesse momento que perguntamos como dominar esses sentimentos, pensamentos e atitudes, é o momento de desfazer a imagem poética que temos de nós mesmos e do mundo e enfrentar os nossos medos e as reais causas de determinados comportamentos. A jornada do autoconhecimento só tem início. É como se estivéssemos subindo uma montanha sem topo. A cada parte mais alta que chegamos, passamos a enxergar melhor o que ficou para trás. Assim, a cada avanço que fazemos no sentido do autoconhecimento, estaremos ampliando tanto a visão das nossas conquistas quanto a dimensão das nossas possibilidades. Para fazer esse percurso do autoconhecimento e alinhar as bases para um planejamento de carreira que nos proporcione qualidade de vida, é preciso investigar como funciona o mecanismo da satisfação, em relação à atividade profissional e às demais áreas da nossa vida, o que faremos a seguir. A atividade profissional e as áreas da vida do indivíduo O psicólogo Mihaly Csikszentmihalyi, fundador e codiretor do Quality of Life Research Center (QLRC), em pesquisa apresentada no seu livro A descoberta do fluxo – a psicologia do envolvimento na vida cotidiana, ensina que o uso do nosso tempo é dividido em três partes: atividades produtivas (trabalho, estudo, etc.), atividades de manutenção (cuidados com a casa, alimentação, cuidados pessoais, transporte) e atividades de lazer (consumo de mídia, hobbies, conversas, repouso). 29 A energia psíquica que empregamos na execução das tarefas daqueles três grupos de atividades é que faz toda a diferença. Já estudamos que a qualidade de vida está diretamente relacionada com o grau de satisfação dos indivíduos em relação aos múltiplos aspectos das suas vidas. Momentos de satisfação são momentos de superação de desafios. Desafios devem ser consubstanciados em um conjunto claro de metas específicas e compatíveis com as suas habilidades (quando está além, causa ansiedade, se você não desenvolve o que é necessário; e, quando está aquém, causa tédio), que forneçam feedback imediato, ou seja, que deixem claro o seu desempenho. Essas são as condições para que a atenção da pessoa se ordene e receba investimento pleno, de forma que fique concentrada, uma vez que a sua energia psíquica está sendo exigida. As experiências em que a energia psíquica é exigida ao máximo, levando à completa concentração, Mihaly Csikszentmihalyi denominou de flow ou experiência máxima. No trabalho, no exercício de atividades profissionais, é onde e quando acontecem os momentos de satisfação mais significativos para as pessoas porque é no trabalho que geralmentese encontram todos os elementos do fluxo: são atividades que apresentam metas factíveis, exigem o investimento ordenado de energia psíquica e concentração, fornecem feedback imediato, cujas tarefas exigem habilidades que estão no limiar de nosso controle. Experiências de satisfação e até mesmo de fluxo nas diferentes atividades que ocupam o cotidiano de uma pessoa: atividades produtivas, de manutenção e de lazer, dependem do nível de investimento de energia psíquica. Não é no lazer, por exemplo, que ocorre alto nível de investimento de energia psíquica, ao contrário, as pessoas tendem a optar por atividades de lazer que costumam ser passivas, em detrimento de atividades de lazer ativo, como hobbies, esportes, socialização, que são as atividades que mais tendem a produzir oportunidades de superação e de fluxo. Outro ponto importante a destacar é que gostar de trabalho nada tem a ver com qualidade de vida. Os workaholics gostam dos seus trabalhos e são pouco produtivos e muitas vezes muito insatisfeitos, pois vivem sob estresse, sobre o que estudaremos no tópico seguinte. O que interessa é saber se as atividades profissionais proporcionam satisfação e prestar atenção ao que obtemos a partir do que realizamos todo dia, priorizando aquelas atividades, lugares e companhias que nos proporcionam maiores retornos em termos de satisfação. Sim, o investimento contínuo de energia não é necessário só no ambiente profissional, a construção de relacionamentos – com a família, com os amigos, com a comunidade local – por exemplo, pode produzir experiências de fluxo, e, assim, elevar os níveis de qualidade de vida das pessoas. Na Roda da Vida, baseada no livro Manual do sucesso total, do Presidente do Integrated Coaching Institute, Professor Rhandy di Stefano, estão representadas as 10 áreas essenciais da vida de uma pessoa: � espiritual (o seu legado); � emocional (equilíbrio emocional); � física; � relacionamento íntimo (cônjuge, namorado, etc.); 30 � relacionamento social (amigos); � relacionamento familiar (pais, filhos); � lazer; � financeira; � profissional e � intelectual. Como você emprega a sua energia psíquica em cada área? Como vai o seu grau de satisfação em cada área? O psicólogo e educador Martin Seligman, fundador da psicologia positiva, no seu livro Felicidade autêntica, diz: Para você, quando é que o tempo para? Quando é que você se encontra fazendo exatamente o que quer, desejando que não acabe nunca? É quando pinta, faz amor, joga voleibol, fala diante de um grupo, escala uma montanha, ou quando ouve com simpatia os problemas alheios? Ou é em cada um desses momentos? Em todos? E em que áreas de sua vida você tem essa experiência? As experiências de satisfação e fluxo são menos ditadas por condições externas, e mais influenciadas pelo modo com que empregamos a nossa energia psíquica. Dessa forma, para identificarmos as atividades, em cada área da vida, que nos proporcionam maior nível de satisfação, é preciso conhecer o que nos energiza – nossos valores – em cada área da vida. À medida que conseguimos experimentar aquilo nos energiza, aumentamos o nosso nível de satisfação e, também, melhoramos a nossa capacidade de selecionar os verdadeiros desafios, que nos levarão a experimentar novos valores e a ter novas experiências satisfação. O estresse Estresse é o termo aplicado para as pressões que as pessoas sentem nas suas vidas. Ele pode materializar-se fisiologicamente por meio de úlceras, problemas digestivos, insônia, perda do apetite sexual, dores de cabeça, enxaqueca ou elevação da pressão sanguínea e da taxa de glicose. O estresse também pode ser de cunho psicológico: instabilidade emocional, mudança constante de humor, nervosismo, tensão, preocupação crônica, depressão ou esgotamento. Por último, há ainda a dimensão comportamental, quando o estresse se manifesta pelo abuso de drogas (lícitas ou não), absenteísmo, agressividade, insegurança e problemas de desempenho profissional. O estresse pode ser causado pela sobrecarga de trabalho, pressões por mais eficiência (produzir mais em menos tempo), má qualidade da chefia, atmosfera de trabalho contaminada 31 (pouca segurança), falta de controle pessoal, autoridade inadequada para satisfazer as responsabilidades exigidas, assimetria entre os valores do indivíduo e os da organização, mudança na estrutura ou nos processos organizacionais, ou ainda, a implantação de uma nova tecnologia sem o treinamento adequado. Um dos resultados mais comuns do estresse é a chamada síndrome de burn out1, a qual ocorre depois de os indivíduos serem expostos a longos períodos de pressão e tensão. De acordo com a teoria de Selye (1976), o corpo humano não pode reconstruir instantaneamente a sua habilidade de lidar com o estresse, uma vez que ele tenha sido degradado. Dessa forma, os indivíduos tornam- se física e emocionalmente desgastados, na vã tentativa de combatê-lo. Outro adoecimento típico nos nossos dias é o vício em trabalho. Esses empregados que trabalham por longas horas sem conseguir se distanciar do ambiente de trabalho são conhecidos como workaholics, que, conforme Caldas (1988, p. 33), funcionam dentro de uma ética própria, pois a ética do workaholic: não é a de trabalhar para viver, mas viver para trabalhar. Para o workholic, sua carreira é sua vida, seu culto. E o culto da carreira, que rege sua obsessão, é guiado pela Deusa do Sucesso. Ele reza as receitas de profetas, gurus e “gente bem-sucedida”: ele adora heróis empresariais, venera seus símbolos e prega sua palavras e ações com fervor, como se fossem verdades universais, como se todos devessem conhecer seu evangelho. O mesmo autor (1988, p. 33) acrescenta que: Mas como o sucesso é um destino hipotético, a carreira moderna e a obsessão do workaholic é uma corrida que não tem fim, nem ponto de chegada, nem vencedores. [...] Ser workholic é, em essência, ser moderno. Admira-se o indivíduo obcecado por trabalho, como se isto fosse certo e preciso. Como se ele soubesse aonde vai, ou para quê. Como se ele refletisse sobre seu destino, ou sobre seu caminho. [...] Em nossa ânsia de “não ficar para trás”, cada vez mais nos movemos mais rápidos, e cada vez mais de forma menos reflexiva: passamos da emoção à ação, sem a mediação da razão, do pensamento. Corremos tanto que os detalhes nos escapam, como as nuances entre o certo e o errado, entre o saudável e o doentio, entre o urgente e o necessário. 1 Em inglês, burn out significa esgotamento. 32 Para Wood Jr. (1998), a maioria dos workaholics não percebe o aspecto patológico da sua conduta. Na visão do autor, trata-se dos “mestres da racionalização”, mas que também são avessos à reflexão. Chegam a confundir a sua conduta com trabalho sério, e, em consequência, não distinguem qualidade de quantidade. Agora que você já estudou sobre autoconhecimento e satisfação, veremos algumas ferramentas que você pode aplicar para investigar a sua área profissional da vida. Elementos que auxiliam a autoavaliação da trajetória profissional Para orientar esse processo de autoavaliação, além de ferramentas on-line, existem muitas ferramentas, que são manuais de autopreenchimento, por exemplo, os apresentados por Savioli (1991) e por Kotter, Faux e McArthur (apud LONDON; STUMPF, 1982, cap. 3), apresentados de forma sintética a seguir: Proposta de Savioli (1991) 1. Registro do que você gosta de fazer, independentemente do que você é obrigado a fazer por dever profissional; do que você não gosta de fazer,esteja ou não sendo levado a praticar; do que sabe fazer bem, forma de concretizar habilidades e atitudes; do que não sabe fazer bem. Esses registros devem ser efetuados em três campos: o individual e familiar, o social e o profissional. 2. Visualização do futuro, descrevendo como você projeta o seu futuro para daqui a cinco anos em termos de composição familiar, saúde, lazer, situação econômica, desenvolvimento cultural do cônjuge e dos filhos, autodesenvolvimento, comunidade e vida espiritual. 3. Realização de um balanço da situação atual em relação ao projetado e estabelecimento de mudanças desejadas. 4. Projeção de mudanças no cenário profissional para os próximos cinco anos e análise de como elas poderiam interferir na sua visualização do futuro, tais como: mudanças políticas, sociais, econômicas, culturais, tecnológicas, etc. Proposta de Kotter, Faux e McArthur (LONFON; STUMPH, 1982, cap. 3) 1. Descrição de um sumário autobiográfico, incluindo uma visão geral da sua vida e das pessoas ligadas a você; apresentação de um sentimento acerca de prováveis ocorrências no futuro que podem impactar a sua vida, uma análise dos pontos críticos na sua vida e pontos positivos e negativos de decisões que você tomou em relação à sua carreira. 33 2. Exame do que você gosta de fazer, do que você faz bem e do que valoriza no seu comportamento. 3. Avaliação do que você faz atualmente em relação ao que você gosta de fazer, sabe fazer bem e valoriza. 4. Busca de uma avaliação de terceiros, família, amigos, conselheiros, etc. acerca das reflexões efetuadas nos itens anteriores. Já estudamos que o autoconhecimento é a base para um planejamento consistente de carreira, mas será que é suficiente? Outro elemento que ajuda nos processos de autoavaliação e de planejamento de carreira está ligado à nossa autopercepção. Será que percebemos o impacto que causamos nas pessoas ao nosso redor? Será que percebemos o impacto que as nossas escolhas causam nas nossas vidas? E, mais importante, estamos nos responsabilizando por isso ou buscando culpados para aquilo que não acontece como planejamos ou esperamos? A autopercepção melhora à medida que nos abrimos para receber feedback. O feedback é uma ferramenta fundamental no relacionamento interpessoal, conforme estudaremos no próximo módulo. 34 Nos módulos 1 e 2, estudamos que o termo carreira não mais se circunscreve somente às relações do sujeito no espaço organizacional, mas inclui a relação sujeito-trabalho, o que influencia a forma como experimentaremos satisfação e definiremos o que é sucesso da e na carreira, considerando resultados objetivos, por exemplo, pagamento, promoção, etc., e resultados subjetivos, como satisfação profissional, satisfação com a vida, etc. Vimos também que o autoconhecimento é um fator primordial para navegarmos na gestão das nossas carreiras. Estudamos ainda que, diante da complexidade encontrada no ambiente de carreira de hoje, precisamos de suporte profissional e apoio psicossocial para a manutenção da empregabilidade, que por sua vez depende da coordenação de três fatores: capital humano, capital cultural e capital social, o que aumenta a importância do conjunto de habilidades dos indivíduos para construir e manter relacionamentos e aprender por meio desses relacionamentos com os outros – habilidades sociais. O conjunto de habilidades sociais é determinado por diferentes classes e subclasses que são indispensáveis para o bom relacionamento social, entre elas destacamos a habilidade de comunicação assertiva e a habilidade empática. Essa última, estudaremos no módulo 5. Neste módulo, vamos estudar a comunicação e o relacionamento interpessoal, o networking e o marketing pessoal como ferramentas para operacionalizar a comunicação e o relacionamento interpessoal, a ética e os códigos de conduta como norteadores de um desempenho bem-sucedido no uso dessas ferramentas e, por fim, os impactos da convivência em ambientes multiculturais na comunicação e no relacionamento interpessoal. MÓDULO 3 – COMUNICAÇÃO E RELACIONAMENTO INTERPESSOAL 36 A importância da comunicação no desenvolvimento das habilidades necessárias ao sucesso pessoal e profissional A Teoria Pragmática da Comunicação A Teoria da Comunicação Humana, na sua origem, engloba três dimensões: a sintaxe, a semântica e a pragmática. A sintaxe se refere à transmissão da informação; a semântica está relacionada ao significado dos símbolos; e a pragmática diz respeito aos aspectos comportamentais da comunicação. A teoria também apresenta o conceito da metacomunicação (comunicação sobre a comunicação) e o uso de mensagens congruentes ou incongruentes, segundo os autores Watzlawick, Beavin e Jackson (1973). Invariavelmente, as pessoas enviam e recebem uma diversidade de mensagens, por canais verbais ou não verbais, e estas necessariamente modificam ou afetam umas às outras. Quando duas pessoas interagem constantemente, reforçam e estimulam o que está sendo dito ou feito, de tal forma que o padrão de comunicação entre os participantes de uma interação define o relacionamento entre eles. Percebe-se, assim, que a importância das mensagens não está vinculada somente à questão de comunicar algo, mas também, e especialmente, à influência que ela exerce no comportamento e nas atitudes das pessoas em interação. A Teoria da Pragmática da Comunicação Humana afirma que a comunicação afeta o comportamento ocasionando implicações nas relações interpessoais. De acordo com Watzlawick et al. (1973, p. 45), "atividade ou inatividade, palavras ou silêncio, tudo possui valor de mensagem, influencia os outros, e estes outros que, por sua vez, não podem não responder a essas comunicações, estão, portanto, comunicando também". Comunicação assertiva e estilos de resposta Para a compreensão do conceito de assertividade, é necessário distinguir esse estilo de resposta de outros estilos, nomeadamente as respostas passivas e as respostas agressivas. Esses três estilos de respostas têm sido conceituados como pontos de um contínuo, diferindo, portanto, mais em termos de intensidade do que de tipo. A resposta assertiva forma o ponto médio desse contínuo e é, habitualmente, a resposta mais apropriada. A grande diferença entre assertividade e os outros dois estilos de comunicação, passividade e agressividade, diz respeito ao uso ou abuso dos direitos de afirmação pessoal. A comunicação assertiva caracteriza-se pela coordenação das perspectivas do próprio sujeito e as do interlocutor, pelo que os direitos envolvidos são sempre respeitados. Em contraste com o comportamento não assertivo, passivo ou agressivo, a resposta assertiva envolve a defesa das opiniões do próprio indivíduo, sem deixar de ter consideração pelo outro (Quadro 1). O indivíduo expressa, assim, as suas necessidades, desejos, opiniões, sentimentos e crenças de forma direta e apropriada. 37 Recentemente, Alberti e Emmons (2008, p. 8) definiram assertividade como: a ação direta, firme, positiva – e, quando necessário, persistente – que promove a equidade nas relações pessoais. A assertividade permite agir tendo em vista os melhores interesses do próprio, defender-se sem ansiedade excessiva, exercer os direitos pessoais sem negar os direitos dos outros, e expressar honesta e confortavelmente os próprios sentimentos. Tabela 1 – Comparação entre os três estilos de comunicação PASSIVO AGRESSIVO ASSERTIVO Características do comportamento Não expressa desejos, ideias e sentimentos ou expressa-os de forma autodepreciativa.
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