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CAPÍTULO 1

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CAPÍTULO 1
A Cultura e as Múltiplas
Linguagens da Criança
A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes
objetivos de aprendizagem:
33Refletir sobre a cultura da infância e sua manifestação nos momentos lúdicos.
33Identificar e valorizar as múltiplas linguagens presentes na infância.
10
Linguagem e Ludicidade na Infância
11
A Cultura e as Múltiplas Linguagens da Criança Capítulo 1
Afirmamos que as
situações vivenciadas
na infância determinam
como iremos
compreender e atuar
no mundo.
Contextualização
Antes de iniciarmos a leitura, convido você a adentrar um pouco no
universo infantil. Todos nós já fomos crianças e podemos lembrar-nos de
certos episódios que geram uma gama de emoções. Esses sentimentos nos
remetem a certas experiências, e essas, boas ou más, constituem a nossa
percepção de mundo. Se somos o que pensamos ser, como afirmam muitos
estudiosos, podemos dizer: a relação estabelecida com os acontecimentos
que nos cercam são a base para a formação do nosso “ser adulto”. Sendo
assim, afirmamos que as situações vivenciadas na infância determinam como
iremos compreender e atuar no mundo.
Isso nos leva a outro fato de grande importância: o
desenvolvimento do pensamento é determinado pela
linguagem, isto é, pelos instrumentos linguísticos do
pensamento e pela experiência sociocultural da criança.
Basicamente, o desenvolvimento da lógica na criança, como
os estudos de Piaget demonstraram, é uma função direta
de sua fala socializada. O crescimento intelectual da
criança depende de seu domínio dos meios sociais do
pensamento, isto é, da linguagem. (VYGOTSKY, 1998, p.
62, grifo nosso).
Nesse sentido, Vygotsky (1998) afirma ser no convívio com seus pares que
o homem se constitui, desenvolve o seu EU. Dito de outro modo, aprimoramos
o nosso ser na relação com o mundo externo. Na mesma esteira, Wallon (1975)
também elucida que as atitudes humanas se ressignificam quando abrangidas
e compreendidas por outra pessoa. Afinal, conforme Kramer (1999, p.171),
“Olhar o mundo a partir do ponto de vista da criança pode revelar contradições
e dar novos contornos a realidade”, pois ela dispõe de formas criativas de
entender o mundo, facilitando novos rumos.
Os Saberes e os Contextos da Criança
A criança é a inocência, e o esquecimento, um novo começar,
um brinquedo, uma roda que gira sobre si, um movimento,
uma santa afirmação. (NIETZSCHE, 2004, p. 35).
Conhecer o universo infantil é um grande passo para compreendermos
as diferentes formas de a criança se expressar, identificando as suas
diversificadas linguagens. E já que a pauta de nosso conhecimento é a criança,
linguagem e ludicidade, apresentaremos um pouco desse “universo infantil”,
trazido poeticamente pelo professor e escritor Javier Naranjo (2013), num
livro chamado A casa das estrelas, o qual traz as percepções das crianças
12
Linguagem e Ludicidade na Infância
colombianas sobre o mundo. Veremos a seguir os significados das coisas pela
interpretação das crianças:
Adulto: Pessoa que em toda coisa que fala, fala primeiro dela
mesma (É a definição de uma criança de 8 anos, Felipe Bedoya).
Ancião: É um homem que fica sentado o dia todo (Maryluz
Arbeláez, 9 anos).
Água: Transparência que se pode tomar (Tatiana Ramírez, 7
anos).
Branco: O branco é uma cor que não pinta (Jonathan Ramírez,
11 anos).
Camponês: Um camponês não tem casa, nem dinheiro.
Somente seus filhos (Luis Alberto Ortiz, 8 anos).
Céu: De onde sai o dia (Duván Arnulfo Arango, 8 anos).
Dinheiro: Coisa de interesse para os outros com a qual se faz
amigos e, sem ela, se faz inimigos (Ana María Noreña, 12 anos).
Deus: É o amor com cabelo grande e poderes (Ana Milena
Hurtado, 5 anos).
Escuridão: É como o frescor da noite (Ana Cristina Henao, 8
anos).
Guerra: Gente que se mata por um pedaço de terra ou de paz
(Juan Carlos Mejía, 11 anos).
Inveja: Atirar pedras nos amigos (Alejandro Tobón, 7 anos).
Igreja: Onde a pessoa vai perdoar Deus (Natalia Bueno, 7 anos).
Lua: É o que nos dá a noite (LeidyJohanna García, 8 anos).
Mãe: Mãe entende e depois vai dormir (Juan Alzate, 6 anos).
Paz: Quando a pessoa se perdoa (Juan Camilo Hurtado, 8 anos).
13
A Cultura e as Múltiplas Linguagens da Criança Capítulo 1
A criança pode
exprimir logo cedo
uma sabedoria
aos significados
complexos, e quanto
mais diversificado
e interativo for seu
meio de convívio mais
oportunidade terá esta
criança de avançar nos
conceitos e sentido de
mundo.
Solidão: Tristeza que dá na pessoa às vezes (Iván Darío López,
10 anos).
Tempo: Coisa que passa para lembrar (Jorge Armando, 8 anos).
Fonte: Disponível em:<http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/05/
130518_dicionario_criancas_colombia_aw_cc />. Acesso em 10 jun.2015.
Nesse contexto, para entender a natureza da criança, devemos antes
de tudo aprender a ouvi-la, olhos nos olhos, a sua altura de preferência. Pois
conhecer seu mundo é abrir-se para as possibilidades infantis. A criança pode
exprimir logo cedo uma sabedoria aos significados complexos, e quanto mais
diversificado e interativo for seu meio de convívio mais oportunidade terá esta
criança de avançar nos conceitos e sentido de mundo.
Por isso, quando falamos da cultura da criança e seu contexto, não
podemos desconsiderar o significado que o brinquedo tem em relação
à cultura. Cada comunidade, grupo social carrega um olhar, uma forma de
interagir com o objeto com o qual brinca. Veremos a seguir um exemplo disso,
com dados que exprimem a transformação de um objeto em brinquedo de
acordo com cada contexto, segundo pesquisa de Brandão (2010):
Quadro 1- Objetos e suas transformações simbólicas
ELEMENTOS NATURAIS Zona Urbana Zona Rural Zona Litorânea
Areia Comidinha, bolo Bolo
Dedo Arma
Folha Prato
Talo Colher Colher
Casca de coco Prato
UTENSÍLIOS Zona Urbana Zona Rural Zona Litorânea
Caixa de papelão Casas
Pedaço de madeira Arma
Colchonetes Capas de heróis Pranchas
de surf Carro
Camas
Almofadas Bandeja
Bolo
Cubos de tecido Copos
MANUFATURADOS Zona Urbana Zona Rural Zona Litorânea
Carro Robô
Carro voador
14
Linguagem e Ludicidade na Infância
O que é uma arma
para um pode significar
um utensílio doméstico
para uma determinada
localidade, para
outra, representa
uma ferramenta de
construção. Essa
relação que a criança
estabelece com os
objetos revela a sua
cultura, seu modo de
se conectar com o
meio.
Boneca (o) Filha
Amiga
Namorados
Moto Moto voadora
Peças de encaixe Avião
Robôs
Doces
Homem
Cavalo
Comidinha
Mula sem
cabeça
Espada
Robô
Avião
Armas
Cubos de plástico Copos
Cano de Plástico Arma
Cilindro de plástico Batom
Peças do ábaco Dinheiro
Guitarrinha Vela
Baú Mesa
Tartaruga Filho
Bambolê Carro
Fonte: Brandão (2010, p. 100).
Percebemos, como demonstra o estudo, que a criança é capaz de
criar novos significados a partir de um mesmo objeto, de acordo com suas
experiências, sua percepção de mundo e fantasia. O estudo apresentado
indica que as transformações simbólicas são ressignificadas de acordo com
cada contexto, pois lida com os arquétipos imaginários, como as peças de
encaixe, por exemplo, nas Zonas Urbana e Litorânea.
Constata-se que estes brinquedos facilitaram a simbolização
e tornaram-se pivôs na brincadeira, ou seja, eles sofreram
transformações no seu significado durante a brincadeira
imaginativa. As peças de encaixe não representam nada
sozinhas, isoladas da atividade simbólica, mas quando a
criança utiliza-as, ela planeja o uso que fará delas e então ela
cria o brinquedo segundo seus desejos. Assim os brinquedos
foram construídos na e para a brincadeira (BRANDAO, 2010,
p.100).
O que é uma arma para um pode significar um utensílio doméstico para
uma determinada localidade, para outra, representa uma ferramenta de
construção. Essa relação que a criança estabelece com os objetos revela a
sua cultura, seu modo de se conectar com o meio. O brinquedo também sofre
essa influência cultural.
15
A Cultura e asMúltiplas Linguagens da Criança Capítulo 1
Brinquedo e Cultura, 2ª Edição – Gilles Brougère.
A proposta de Brinquedo e Cultura é auxiliar
os educadores na compreensão das múltiplas
maneiras de utilização do lúdico por crianças de até
10 anos em instituições educativas. Além disso, os
artigos selecionados ajudam a desmistificar a ideia
de que o brinquedo é próprio da infância e passam a
associá-lo à cultura humana em geral.
Por meio da difusão de modernos conceitos sobre o brinquedo
e sua função na brincadeira, assim como por meio de exemplos
extraídos de investigações acadêmicas, o filósofo francês Gilles
Brougère introduz o leitor em uma nova lógica sobre o assunto.
Fonte: Disponível em: <http://revistaescola.abril.com.br/biblioteca-virtual/
brinquedo-cultura-622522.shtml>. Acesso em: 18 jul. 2015.
Nesse sentido, Kramer (2009, p.170) discute que,
O ato de brincar, como ação espontânea da criança
proporciona curiosas descobertas tanto para a criança que
executa esta atividade quanto para o observador desta ação.
Muitos psicólogos e terapeutas utilizam do lúdico como
forma de auxiliar no tratamento comportamental de crianças.
Mas tudo isso poderá passar-nos despercebido se não nos propusermos
a enxergar os detalhes espontâneos da criança, manifestados desde a vida
intrauterina até as fases do desenvolvimento após seu nascimento. Cada
expressão, balbucio, gestos denotam uma forma de se comunicar, e, se bem
observado, já revelam traços da personalidade.
Caro (a) pós-graduando (a), convido você, neste momento, a refletir sobre
o caso a seguir, que trata da relação do lúdico com a afetividade.
O caso é de uma aluna de seis (6) anos de idade, do 1º ano
dos anos iniciais do Ensino Fundamental de uma escola em que
lecionei durante nove anos. Mal a aluna iniciou o período escolar
e já havia sofrido uma grande perda. Seu irmão, ainda bebê, havia
morrido enforcado pelo cinto de segurança do carrinho enquanto
16
Linguagem e Ludicidade na Infância
a mãe retirava as comprar do carro. Após duas semanas sem vir
para a escola, retornou séria e por muito tempo não falou com
ninguém, nem mesmo comigo, sua professora.
Veja acadêmico (a), o fato de a criança ter retornado às suas
atividades não significava que estaria pronta emocionalmente para
lidar com essa realidade. Por um bom período sua comunicação
era restrita, limitava-se ao sim ou não e sua expressão manifestava
apatia. Foi então que resolvi conversar com ela sobre o assunto
por meio de uma estratégia.
Montei um cenário com teatro de fantoches e naquele dia os
bonecos iriam conversar com as crianças.
Todos queriam contar algo para os bonecos, falavam, mexiam,
puxavam o nariz, interagiam com os bonecos como se estivessem
conversando com pessoas. Mas a menina não se pronunciou.
Resolvi por meio do personagem questionar: “E você Cíntia
(nome fictício), quer me contar algo legal ou triste que lhe
aconteceu?” Não consegui ver a sua expressão porque estava
atrás de uma casinha de fantoches, mas senti um grande canal
se abrindo. “Sim” - respondeu a menina, e logo foi dizendo: “eu
tinha um irmãozinho, morreu enforcado no cinto de segurança do
carrinho”. “Puxa” - respondi (boneco) – “isso realmente é muito
triste, e como você se sente?” A menina respondeu: “Meu coração
chora sempre que lembro dele, queria que voltasse.” Questionei
(boneco): “Onde você acha que ele está agora?” Respondeu: “No
céu”. Continuei a questionar (boneco): “e será que ele está feliz?”
Respondeu: “Acho que sim!” Perguntei (boneco): “Então, será que
ele gostaria de voltar se ele está feliz?” Respondeu: “Não sei, mas
eu queria ficar com ele.”
E, assim, a conversa foi se estendendo. A menina se abriu,
não comigo, mas com o boneco. Foi uma estratégia lúdica que
desenvolvi para ajudá-la na liberação da emoção. Sabia que esse
seria um primeiro passo para ajudá-la na recuperação da dor.
Cíntia aos poucos passou a conversar com os colegas, com os
professores, expressava menos apatia ao brincar e ao realizar as
atividades. Evidentemente, esse trauma não seria curado a partir
de uma atividade lúdica, mas seria o início de um trabalho com as
emoções. Como foi para a aluna em questão.
Fonte: A autora (2015).
17
A Cultura e as Múltiplas Linguagens da Criança Capítulo 1
Não há como
separar o ato educar
de uma formação
sensível, pois é no
conjunto dos saberes:
inteligível e sensível
que manifestam
as capacidades e
desenvolvem-se
conhecimentos.
Para compreendermos
a criança, é necessário
antes de tudo olhar
para ela, com foco
em seus múltiplos
saberes.
Trouxe o caso para acentuar a importância de estarmos atentos aos
pequenos detalhes que a criança revela, e que, muitas vezes, camuflam-se
ora no silêncio, ora no barulho.
A maioria dos adultos tem também caixas e gavetas em que
verdadeiras coleções são formadas, dia a dia, como partes
de uma trajetória. A história de cada um vai sendo reunida
e só pode ser contada por quem conhece os significados
de cada uma dessas coisas que evocam situações vividas,
conquistas ou perdas, pessoas, lugares, tempos esquecidos
(KRAMER, 2009, 171).
Para compreendermos a criança, é necessário antes de tudo olhar para
ela, com foco em seus múltiplos saberes. E, para tanto, é indispensável o
resgate da nossa infância vivida, a sabedoria dos sentidos que traz com ela. A
riqueza da espontaneidade, das descobertas, da curiosidade colabora para um
amplo olhar do mundo infantil. As crianças percebem coisas que nós adultos
não enxergamos mais. É preciso refinar esse olhar.
Esse saber sensível interferirá na forma como o professor
conduz as atividades pedagógicas, pois sua postura frente
ao ato de educar não se resume à transferência dos saberes
científicos, com isso, o aluno será beneficiado. Considerando
que a visão a respeito da maneira de ensinar e do que
ensinar será influenciada pela formação cultural, uma vez
que a profissionalidade docente não é constituída apenas
de conhecimentos científicos, pedagógicos. (NEITZEL;
CARVALHO, 2010, p. 128).
Para Neitzel e Carvalho (2010), estética e ética caminham juntos quando
o assunto é educação, e alertam para a urgência de um saber sensível na
profissão docente. Se olharmos para muitas práticas atuais, poderemos
constatar que não há muita preocupação com a formação do ser estético,
sensível. Todavia não há como separar o ato educar de uma formação
sensível, pois é no conjunto dos saberes: inteligível e sensível que manifestam
as capacidades e desenvolvem-se conhecimentos. Justifica-se, então, que:
Uma educação que reconheça o fundamento sensível
de nossa existência e a ele dedique a devida atenção,
propiciando o seu desenvolvimento, estará, por certo,
tornando mais abrangente e sutil a atuação dos mecanismos
lógicos e racionais de operação da consciência humana
(DUARTE JÚNIOR, 2010, p. 171).
Duarte Júnior (2010), também sinaliza a importância da educação
estética do sensível na educação do sujeito. Instiga-nos a resgatar este saber,
e a despertar para uma consciência holística. O autor sugere, ainda, o desafio
de aprendermos a ver o mundo a partir dos olhos da criança, ela tem muito
para nos ensinar.
18
Linguagem e Ludicidade na Infância
Contudo, os saberes da criança estão fortemente ligados ao seu contexto,
ao meio, às experiências. Diante disso, na próxima sessão abordaremos o
contexto da criança por meio de uma experiência nas escolas da cidade de
Reggio Emilia, que se destaca por trazer uma filosofia sustentada na essência
da criança.
O que você entende por uma Educação estética?
Educação estética é uma “educação que
reconheça o fundamento sensível de nossa
existência e a ele dedique a devida atenção,
propiciando o seu desenvolvimento,
estará, por certo, tornando mais abrangente
e sutil a atuação dos mecanismos lógicos e
racionais de operação da consciência humana.”
(DUARTE JÚNIOR, 2001, p. 171).
Trata-se de uma ação educacional bastante
complexa, que atingi a multidimensionalidade
do serhumano, com o objetivo de
valorizar ações subjetivas e de recriar a
vida em seus aspectos material e espiritual,
fazendo brotar o que há de melhor
na autoria de cada um e deslocando-o da
postura de simples consumistas culturais
(ORMEZZANO, 2007, p. 35).
O Contexto
Discutiremos, nesta sessão, o contexto histórico pela abordagem de
Reggio Emilia, nome de uma cidade localizada no nordeste da Itália. O sistema
educacional do município citado ficou conhecido como um dos melhores do
mundo. Interessante é que essa prática diferenciada nasceu de um contexto
pós-guerra, no qual a comunidade teve que se organizar para levantar uma
escola, pensando desde os tijolos até uma metodologia voltada para a criança.
Hoje estas escolas são referências e fonte de inspiração para outras escolas.
19
A Cultura e as Múltiplas Linguagens da Criança Capítulo 1
Obter eficiência e o sucesso não começa da noite para o dia, e nem se
conquista uma vez para sempre. É um processo lento e inconclusivo, é um
eterno construir. As escolas de Reggio Emilia foram assim, conquistaram
seus valores pelo compromisso com a criança, vista a partir de sua essência
criativa, e se reconstroem até hoje conforme se alteram os contextos.
Mas como tudo começou?
Após a segunda guerra mundial, muitas escolas de Villa Cella, cidade
da Itália, foram construídas pela própria comunidade, da união e recursos
financeiros que possuíam.
Figura 1- Escola de Villa Cella, Itália
Fonte: Disponível em: <http://www.reggioreport.it/2015/09/lascuola-
materna-di-villa-cella-e-rinata-dal-terremoto-con-i-soldi-delconcerto-
italia-loves-emilia/> Acesso em: 20 set. 2015.
Malaguzzi, um educador que, posteriormente, foi o iniciador da
metodologia de Reggio Emilia, interessou-se em saber um pouco mais sobre
essa comunidade e essas escolas. Deslocou-se para Villa Cella, integrando-se
ao grupo como professor. Lá aprendeu grandes lições de união, determinação
e força. Porém, sentia que as crianças não eram respeitadas pelo seu saber
sensível, pelo seu contexto infantil. “Um pensamento simples e confortador
veio em meu auxílio: que as coisas relativas às crianças e para as crianças
somente são aprendidas pelas próprias crianças.” (MALAGUZZI, 1999, p. 61).
A partir deste pensamento, resolveu desligar-se da instituição. Na ocasião,
as escolas eram estaduais e seguiam os currículos pré-estabelecidos,
perspectiva com a qual Malaguzzi não concordou.
20
Linguagem e Ludicidade na Infância
A criança é feita
de cem: cem
pensamentos, cem
alegrias, cem sonhos,
cem linguagens.
Retornou a Reggio Emilia. Trabalhou com crianças que apresentavam
dificuldades de aprendizagem e em algumas escolas.
Os professores nessas pequenas escolas possuíam uma
motivação excepcionalmente alta. Eles eram muito diferentes
uns aos outros, já que haviam sido treinados em várias
escolas católicas e em outras escolas particulares, mas seus
pensamentos eram amplos e receptivos e sua energia era
inesgotável (MALAGUZZI, 1999, p.61).
Foi a partir da união desses professores motivados em parceria com
a comunidade que as escolas de Reggio Emilia foram aos poucos se
sustentando. A pedagogia pauta-se em três princípios básicos: interação,
relacionamento e cooperação. Conseguiram transformar escolas num
ambiente agradável no qual a criança tenha a sensação de pertencer ao
mundo real e autêntico. Lá as crianças aprendem fazendo, experienciando,
pois a escola é um organismo vivo.
O contexto da criança revela sua atuação nas brincadeiras e na vida. Pois,
segundo Malaguzzi (1999), a criança é feita de cem: cem pensamentos, cem
alegrias, cem sonhos, cem linguagens. Seu mundo é de possibilidades, e cabe
a nós adultos inserir-nos em seu mundo para compreender as suas múltiplas
linguagens.
Segundo pesquisa de Edwars, Gandini e Forman (1999), a concepção
de linguagem na abordagem de Reggio Emilia é a mesma que a do RCNEI
brasileiro e esse será nosso próximo assunto, na sessão a seguir.
Loris Malaguzzi foi um pesquisador incansável sobre
a formação de seus professores e os modos de se
compreender e desenvolver a educação de crianças
pequenas. Era um devorador de conhecimentos. Viajava
muito. Queria conhecer e compreender as ideias
vindas de pesquisadores e teóricos. Não se prendia
a um único, mas bebia de muitas fontes. Concordava
com Piaget que a aprendizagem acontece na interação
da criança com um objeto e tinha interesse nos
estudos de Jerome Bruner, que estava resgatando
uma solidariedade mais explícita nos recursos das
crianças, falando em sinergia entre o lado direito e o
lado esquerdo do cérebro, na época.
Fonte: Disponível em: <http://issuu.com/onlineeditora/docs/
projetos_escolares_creche_20>. Acesso em: 25 jul. 2015.
21
A Cultura e as Múltiplas Linguagens da Criança Capítulo 1
A linguagem infantil,
agora compreendida
em termos plurais,
relaciona-se também
às linguagens não
verbais: movimento,
desenho, pintura,
modelagem, colagem,
música, dança,
brincadeira, escultura,
construção, fotografia,
ilustração, cinema.
As Diferentes Linguagens Infantis
Um novo entendimento sobre as diferentes linguagens infantis é
apresentado nos documentos a partir do Referencial Curricular Nacional para
a Educação Infantil (RCNEI) de 1998. Anterior a esta nova concepção, a
linguagem era vinculada apenas à oralidade e à escrita.
A linguagem infantil, agora compreendida em termos plurais, relaciona-se
também às linguagens não verbais: movimento, desenho, pintura, modelagem,
colagem, música, dança, brincadeira, escultura, construção, fotografia,
ilustração, cinema.
Além disso, a publicação especifica os elementos
constituintes de algumas destas linguagens, como, por
exemplo, na linguagem musical, o som e o silêncio, a
altura (graves ou agudos), a duração (curtos ou longos),
a intensidade (fracos ou fortes), o timbre “(característica
que distingue e “personaliza” cada som)” (vol. 3, p. 59).
Na linguagem visual, os elementos são: o ponto, a linha,
a forma, a cor, o volume, o espaço, o contraste, a luz, as
texturas etc. (JUNQUEIRA FILHO, 2005, p. 2).
É possível afirmar que as linguagens nesta nova concepção trazem a
importância das diferentes formas de interação, socialização e expressão
como frutos culturais dos seres humanos, e sua forma de conhecer e
representar o mundo.
Vamos agora analisar alguns artigos das Diretrizes Curriculares Nacionais
para Educação Infantil, que dizem respeito às diferentes linguagens da criança:
De acordo com o Art. 6º, as propostas destinadas à Educação Infantil
devem acatar alguns princípios que visam assegurar a formação integral da
criança. Entre os princípios éticos e políticos, os documentos apresentam,
ainda, os estéticos que permeiam o princípio “da sensibilidade, da criatividade,
da ludicidade e da liberdade de expressão nas diferentes manifestações
artísticas e culturais” (BRASIL, 2010, p. 2). A partir do documento, podemos
perceber que há uma preocupação em enfatizar a essência lúdica da criança
nas propostas pedagógicas. O estético, mencionado nos documentos, tratase
do saber sensível, esse mesmo saber que na era da industrialização foi
apartado do saber inteligível por questões econômicas e políticas, tornando-se
o novo paradigma daquela época.
Os novos paradigmas englobam e transcendem a história, a
antropologia, a sociologia e a própria psicologia resultando
em uma perspectiva que define a criança como ser
competente para interagir e produzir cultura no meio em que
se encontra (BRASIL, 2006, p.13).
22
Linguagem e Ludicidade na Infância
A arte é uma das
linguagens que
expressa os saberes
da criança.
Moraes (2010) esclarece que escolas pautadas no paradigma
tradicional seguem um modelo de organização burocrática, com estruturas
hierarquizadas, e disciplinas desconexas, distanciando-se da realidade
dos alunos. Ressalta que o contexto mudou, e a missão da escola hoje é
atender ao aluno, ao aprendiz. A autora também enfatiza um olhar para a
interdisciplinaridadedos currículos, e do resgate aos saberes sensíveis, o
qual se constrói pelas vias artísticas.
A arte é uma das linguagens que expressa os saberes da criança. Hoje,
por meio de estudos sobre a infância, percebe-se que é essencial no trabalho
com a criança explorar o estético, que, segundo Duarte Júnior (2013), não
se refere apenas a beleza das coisas, mas ao olhar sensível explorado pelos
diversos sentidos do corpo. “O conhecimento é produto do inteligível e do saber
sensível que partem da sensibilidade corporal mais básica até o pensamento
abstrato” (DUARTE JÚNIOR, 2013, p. 311). Ou seja, os dois saberes, inteligível
e sensível, favorecem o conhecimento e devem ser valorizados igualmente
quando se trata da formação integral do sujeito. Diante disso, a ludicidade, a
arte e a cultura, conforme as Diretrizes, fazem parte também dessa formação.
A dimensão lúdica e a dimensão estética são condições
fundamentais para a formação humana. A associação da
dimensão lúdica às demais atividades expressivas das
crianças tem encontrado seu fundamento quando se destaca
a expressão de sentimentos, invenções, imaginação, bem
como o desenvolvimento da sensibilidade, concebida como
capacidade para sentir, procurar e exteriorizar sensações, o
que por vezes, são roubados das crianças, quando se tem
os espaços das creches e pré-escolas organizados de modo
empobrecedor. A sensibilidade tem um papel importante
quando pensamos na construção de nossas concepções
de mundo e sobre o mundo, incidindo no modo como o
projetamos e o construímos (GOBBI, 2010, p. 3).
No que se refere aos diferentes saberes, como consta no Art. 7º, inciso
III das Diretrizes, ressalta-se a importância da convivência entre crianças
e entre adultos. Também são mencionados: a valorização, os saberes e os
conhecimentos de diferentes naturezas.
Percebeu o quanto é importante permitir às crianças o acesso aos
conhecimentos diferenciados? Veja que no Art. 8º, referente à garantia de
acesso aos conhecimentos e aprendizagens das diferentes linguagens,
há a preocupação com a ruptura de um modelo tradicional em prol de um
paradigma que reconheça o ser humano como um todo indivisível, um ser
holístico. Observemos:
23
A Cultura e as Múltiplas Linguagens da Criança Capítulo 1
Art. 8º A proposta pedagógica das instituições de Educação
Infantil deve ter como objetivo garantir à criança acesso a
processos de apropriação, renovação e articulação de
conhecimentos e aprendizagens de diferentes linguagens,
assim como o direito à proteção, à saúde, à liberdade,
à confiança, ao respeito, à dignidade, à brincadeira, à
convivência e à interação com outras crianças.
[...]
II - a indivisibilidade das dimensões expressivo-motora,
afetiva, cognitiva, linguística, ética, estética e sociocultural
da criança;
[...]
V - prever a oferta de brinquedos e equipamentos que
respeitem as características ambientais e socioculturais da
comunidade (BRASIL, 2010, p. 3).
Ainda no contexto desses saberes, consta no Art. 9º das Diretrizes
que as práticas pedagógicas voltadas à Educação Infantil devem ter como
foco principal as interações e brincadeiras, as quais estimulem e garantam
experiências entre outras diferentes linguagens, conforme incisos deste
mesmo artigo:
[...] I - promovam o conhecimento de si e do mundo por
meio da ampliação de experiências sensoriais, expressivas,
corporais que possibilitem movimentação ampla, expressão
da individualidade e respeito pelos ritmos e desejos da
criança;
II - favoreçam a imersão das crianças nas diferentes
linguagens e o progressivo domínio por elas de vários
gêneros e formas de expressão: gestual, verbal, plástica,
dramática e musical;
III - possibilitem às crianças experiências de narrativas, de
apreciação e interação com a linguagem oral e escrita,
e convívio com diferentes suportes e gêneros textuais
orais e escritos;
[...]
IX - promovam o relacionamento e a interação das crianças
com diversificadas manifestações de música, artes
plásticas e gráficas, cinema, fotografia, dança, teatro,
poesia e literatura; (BRASIL, 2010, p. 4, grifo nosso).
Perceba que as diferentes linguagens reconhecidas pelas Diretrizes
Curriculares Nacionais também são discutidas por renomados autores.
Antes de adentrarmos nas diferentes linguagens da criança, apresentaremos
indicações de livros sobre os assuntos tratados até agora:
24
Linguagem e Ludicidade na Infância
O Paradigma Educacional Emergente, 13ª Edição – Maria
Cândida Moraes.
Este livro tece seus discursos sobre o novo
paradigma sustentado pelas atuais demandas
da sociedade. A autora discute os impactos do
paradigma científico na educação e seus efeitos
até hoje. Aponta caminhos para o novo paradigma
sustentado na inteireza do ser.
O Sentido dos Sentidos – João Francisco Duarte Junior.
Por muitos anos a razão dominou os sentidos
humanos e hoje se pretende que ela responda
pelos mais íntimos e pessoais setores de nossa
vida, acarretando uma desconsideração para
com o saber sensível detido pelo corpo humano e
mesmo um embotamento e não desenvolvimento
da sensibilidade dos indivíduos.
O livro de Duarte Júnior trata das questões do saber sensível
tão urgente na educação e formação do sujeito.
Caro (a) pós-graduando (a), atente para a ilustração acerca das diferentes
linguagens da criança com base nas Diretrizes Curriculares Nacionais de 1998:
Quadro 2 – Diferentes linguagens da criança
MOVIMENTO
• A dimensão corporal integra-se ao conjunto da atividade da criança.
• O ato motor faz-se presente em suas funções expressiva, instrumental
ou de sustentação às posturas e aos gestos.
• A criança se expressa e se comunica por meio dos gestos e das
mímicas faciais e interage utilizando fortemente o apoio do corpo.
MÚSICA
• Exercício sensível e expressivo que também oferece condições para
o desenvolvimento de habilidades.
• A música é a linguagem em forma sonora que expressa e comunica
sensações, sentimentos e pensamentos.
• Compreende-se a música como linguagem e forma de conhecimento.
25
A Cultura e as Múltiplas Linguagens da Criança Capítulo 1
LINGUAGEM
ORAL E ESCRITA
• A aprendizagem da linguagem oral e escrita é um dos elementos importantes
para as crianças ampliarem suas possibilidades de inserção
e de participação nas diversas práticas sociais.
• O trabalho com a linguagem se constitui um dos eixos básicos na
educação infantil.
• Pesquisas na área da linguagem tendem a reconhecer que o processo
de letramento está associado tanto à construção do discurso oral
como do discurso escrito.
MATEMÁTICA
• A participação ativa da criança e a natureza lúdica e prazerosa
inerentes a diferentes tipos de jogos têm servido de argumento para
fortalecer essa concepção, segundo a qual aprende-se Matemática
brincando.
• O jogo pode tornar-se uma estratégia didática quando as situações
são planejadas e orientadas pelo adulto visando a uma finalidade de
aprendizagem.
• As crianças participam de uma série de situações envolvendo números,
relações entre quantidades, noções sobre espaço.
ARTES VISUAIS
• Expressam, comunicam e atribuem sentido a sensações, sentimentos,
pensamentos e realidade por meio da organização de linhas,
formas, pontos, tanto bidimensional como tridimensional.
• A integração entre os aspectos sensíveis, afetivos, intuitivos, estéticos
e cognitivos, assim como a promoção de interação e comunicação
social, conferem caráter significativo às Artes Visuais.
• Artes Visuais são linguagens e, portanto, uma das formas importantes
de expressão e comunicação humanas.
NATUREZA E
SOCIEDADE
• O eixo de trabalho denominado Natureza e Sociedade reúne temas
pertinentes ao mundo social e natural.
• O brincar de faz de conta, por sua vez, possibilita que as crianças
reflitam sobre o mundo. Ao brincar, as crianças podem reconstruir
elementos do mundo que as cerca com novos significados.
• É importante que as crianças tenham contato com diferentes
elementos, fenômenos e acontecimentos do mundo.Fonte: Disponível em: <http://www.editoradobrasil.com.br/educacaoinfantil/
educacao_infantil/eixos.aspx>. Acesso em: 10 jun. 2015.
De acordo com as informações contidas nas figuras, cada uma das
linguagens apresenta características próprias e permite o desenvolvimento
integral da criança, pois explora o cognitivo, o artístico, o motor, os sentimentos,
as relações, as expressões, as culturas, envolvendo os diferentes saberes.
Nesse sentido, devemos proporcionar à criança, na Educação Infantil,
trabalhos que supram interesses e vontades de suas necessidades vitais, por
meio das múltiplas linguagens. Para Freinet (1974, p. 13), “[...] o desenho, a
26
Linguagem e Ludicidade na Infância
Um ambiente que
permita as múltiplas
linguagens colabora
não só para o
desenvolvimento das
habilidades próprias
que cada linguagem
proporciona, mas para
a formação plena do
cidadão, uma vez que
lida com os diferentes
saberes.
pintura e a música livres, expressão complementar pela via afetiva de tudo o
que a criança tem em si de possibilidades, difusão e, não obstante, superiores,
de acesso à cultura, não apenas escolar, mas cultural, social e humana”.
Um ambiente que permita as múltiplas linguagens colabora não só para o
desenvolvimento das habilidades próprias que cada linguagem proporciona, mas
para a formação plena do cidadão, uma vez que lida com os diferentes saberes.
Todavia, para favorecermos o desenvolvimento das diferentes linguagens
é imprescindível que estejamos abertos para o ato da escuta. Olhar e ouvir o
que as crianças têm a nos dizer é o caminho para compreendermos sua forma
de ver o mundo e as manifestações de suas diferentes elocuções.
Sobre a pedagogia da escuta e as implicações no ato do brincar,
discutiremos no capítulo a seguir.
Atividades de Estudos:
1) As Diretrizes Curriculares Nacionais de 1998 estabelecem um
trabalho com a Educação Infantil pautado em seis (6) eixos,
que seriam as diferentes linguagens da criança. Sobre essas
linguagens, cite cada uma delas e apresente três características
que lhes corresponda.
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27
A Cultura e as Múltiplas Linguagens da Criança Capítulo 1
2) O trabalho com as diferentes linguagens na Educação Infantil
depende de algumas estratégias do professor em sala de aula.
Elabore algumas ações que contribuem para esta prática.
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Algumas Considerações
A criança reflete sua cultura e contextos nas brincadeiras e interações
com seus pares. Possui diferentes linguagens pelas quais seu mundo é
representado. Suas experiências são construídas no convívio com o outro e na
diversidade de contextos.
As atividades lúdicas proporcionam formas diferentes de ver o mundo,
pois lidam com sentimentos, regras, valores, superando desafios e criando
novas habilidades.
Uma proposta educacional destinada à infância, que proporciona um
trabalho a partir das múltiplas linguagens, permite o desenvolvimento integral
da criança, respeitando seu saber sensível e inteligível, contribuindo para o
avanço cognitivo, emocional e corporal.
No próximo capítulo, discutiremos a pedagogia da escuta e as implicações
no ato do brincar.
28
Linguagem e Ludicidade na Infância
Referências
BRANDÃO, Ilana Figueiredo A criança ressignifica a cultura: a
reprodução interpretativa nas brincadeiras de faz-de-conta em três contextos
diferenciados. 2010. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Instituto de
Psicologia, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2010.
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______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica.
Parâmetros nacionais de qualidade para a educação infantil/Ministério da
Educação. Secretaria de Educação Básica – Brasília. DF. 2006.
______. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação
Fundamental. Referencial curricular nacional para a educação infantil.
Brasília: MEC/SEF, 1998.
______. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares
nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: introdução aos
parâmetros curriculares nacionais / Secretaria de Educação Fundamental. –
Brasília: MEC/SEF, 1998.
DUARTE JÚNIOR, João Francisco. O sentido dos sentidos: a educação do
sensível. 3. ed. Curitiba: Criar, 2004.
______. Fundamentos estéticos da educação. Campinas: Papirus, 2013.
EDWARDS, Carolyn; GANDINI, Lella; FORMAN, George. As cem
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FREINET, Célestin. O Jornal Escolar. Lisboa: Estampa, 1974.
GOBBI, Márcia. As múltiplas linguagens de meninos e meninas e a educação
infantil. In: SEMINÁRIO NACIONAL: CURRÍCULO EM MOVIMENTO, 1., Belo
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JUNQUEIRA FILHO, Gabriel de A. Linguagens geradoras: seleção e
articulação de conteúdos em educação infantil. Porto Alegre: Mediação, 2005.
29
A Cultura e as Múltiplas Linguagens da Criança Capítulo 1
KRAMER, Sonia. Crianças e adultos em diferentes contextos. IN:
SARMENTO, Manuel; GOUVEA, Maria Cristina Soares. Estudos da infância:
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MALAGUZZI, Loris. História, ideias e filosofia básica. In: EDWARDS, C.;
GANDINI, L.; FORMAN, G. As cem linguagens da criança. Porto Alegre:
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MORAES, Maria Cândida. O paradigma educacional emergente. São
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NEITZEL, Adair de Aguiar; CARVALHO, C. Convite à arte: a fruição
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VIGOTSKI, Lev Semenovitch. Linguagem e desenvolvimento intelectual
na idade escolar. In: VIGOTSKI, L. S.; LURIA, A.R.; LEONTIEV, A.N.
Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. 6. ed. São Paulo: EDUSP,
1998.
WALLON, Henri. Psicologia da Educação e da Infância. Lisboa, Portugal:
Editorial Estampa, 1975.
30
Linguagem e Ludicidade na Infância
 CAPÍTULO 2 
A PedagogiadaEscutae as Implicaçõesno Desenvolvimento daCriança
e no Ato do Brinca
A partir da concepção do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: 
3Conhecer os fundamentos e os princípios básicos da Pedagogia da Escuta. 
3Valorizar a prática da Escuta no contexto infantil. 
3Utilizar a escuta como proposta de conhecimento do universo lúdico e formas de comunicação da criança. 
Linguagem e Ludicidade na Infância
32 
Capítulo 2 
A PedagogiadaEscutae as Implicações no Desenvolvimento daCriançae no Ato do Brincar 
33 
Contextualização 
A Pedagogia da Escuta é uma proposta trazida a partir da obra pedagógica de Loris Malaguzzi. Vamos debatê-la, neste capítulo, trazendo um paralelo entre as escolas de Reggio Emilia, na Itália, e a Escola da Ponte, em Portugal. Discutiremos Reggio Emilia por ter seus projetos vinculados diretamente à proposta de Malaguzzi, e a Escola da Ponte (referência de escola para muitos países) por apresentar um Projeto Educativo pautado, entre outros fundamentos, na Pedagogia da Escuta de Malaguzzi. 
É importante, também, conhecermos as bases que sustentam esta pedagogia pelas contribuições de Piaget, Wallon, Vygotsky e Freinet. Cada uma das teorias envolve dois pontos que convergem na questão do desenvolvimento da criança: a interação e a comunicação. 
A Pedagogia da Escuta e o brincar estão diretamente relacionados, uma vez que trazem o olhar do educando sobre as mais espontâneas ações da criança. É nesse momento que ela revela seu entendimento de mundo e formas de lidar com as emoções. 
Boa leitura! 
PedagogiadaEscuta: Fundamentos e Princípios com Escolas em Reggio Emiliae EscoladaPonte 
A proposta da Escuta fundamenta-se nos eixos da ética, da estética e da solidariedade. Da ética porque respeita o direito da criança de ser ouvida, de expressar seus sentimentos, desejos, emoções, descobertas e anseios. Da estética porque permite a comunicação dos saberes sensíveis presentes na imaginação criadora da criança, pois lida com a fantasia, sentimentos e percepções de mundo. Da solidariedade porque a ação de ouvir é um ato que exprime confiança e entrega ao outro. Nesse sentido, podemos afirmar que a Pedagogia da Escuta é uma corrente que valoriza a pluralidade do sujeito e suas múltiplas linguagens. 
Tanto as escolas de Reggio Emilia, na Itália, quanto a Escola da Ponte, em Portugal, fundamentam sua proposta pedagógica em autores que têm como princípio básico o desenvolvimento físico, emocional e cognitivo da criança. Ambas as escolas têm suas práticas alicerçadas nos estudos de Vygotsky, Wallon, Piaget, Montessori, Dewey, Ferrièri, Freinet, entre outros. Tais 
A Pedagogia da Escuta é uma corrente que valoriza a pluralidade do sujeito e suas múltiplas linguagens. 34 Linguagem e Ludicidade na Infância 
estudiosos lançaram um novo olhar sobre a infância, as particularidades de cada fase. Contribuíram para entender a criança pela sua inteireza, sendo esta capaz de desenvolver o raciocínio lógico, o espírito crítico, a compreensão de mundo a partir de suas relações sociais. 
A PedagogiadaEscutanaEscoladaPonte 
Caro (a) pós-graduando (a), esta sessão apresentará algumas contribuições da pesquisa de mestrado de Offial (2012) e Estudos de Freire (2005 - 2009), pois julgamos indispensável um embasamento teórico ancorado pelas práxis educativas, principalmente porque a Escola da Ponte é referência para muitos educadores e pesquisadores em nível mundial. E, em especial, aqui no Brasil, vem recebendo grande influência pelo seu fundador e educador José Pacheco, atualmente residente em São Paulo, trabalhando como consultor pedagógico e com formações, auxiliando muitas escolas a fazerem a diferença a partir de sua realidade educativa. 
Então, vamos refletir sobre a Pedagogia da Escuta e o projeto educativo desta escola. O que é a escuta senão permissão para o diálogo? 
A Escola da Ponte rompeu com um modelo escolar no qual as aulas eram centradas no professor, lançando-se em um paradigma que centra o aluno em seu projeto educativo, valorizando a voz das crianças. Envolveu os alunos nas tomadas de decisões, coletivas e individuais, por meio do diálogo e da escuta. Permitiu ao aluno dirigir sua própria aprendizagem. Trocou uma organização hierárquica por uma escola com princípios democráticos e não autoritários. Veja abaixo as estratégias pedagógicas que favorecem a voz das crianças: 
Figura 2 - Estratégias Pedagógicas 
Fonte: Offial (2012).35 A PedagogiadaEscutae as Implicações no Desenvolvimento daCriançae no Ato do Brincar Capítulo 2 
Conforme a foto, a estratégia “acho bem e acho mal” traz a opinião dos alunos sobre fatos e situações vivenciadas não só na escola como na comunidade. Há também outros recursos desta escola que convergem para a concepção da pedagogia da escuta, como a caixinha dos segredos, em que a criança expõe seus conflitos e anseios. O aluno sente-se à vontade para registrar seus segredos, sentindo a escola como um aliado seu. Mas, para isso, é necessário o professor estar disponível, aberto ao ato da escuta em todos os momentos, seja no brincar, seja na realização das atividades, seja nos momentos coletivos, individuais, livres. 
Conforme Freire (2009, p. 135), “[...] ensinar exige disponibilidade para o diálogo”. O indivíduo que está aberto para todo seu entorno, como também para o próximo, demonstra nessa ação uma relação dialógica como inquietação e curiosidade, pois compreende que nada está perfeitamente acabado e a história é um eterno movimento. 
Estar disponível é estar sensível aos chamamentos que nos chegam, aos sinais mais diversos que nos apelam, ao canto do pássaro, à chuva que cai ou que se anuncia na nuvem escura, ao riso manso da inocência, à cara carrancuda da desaprovação, aos braços que se abrem para acolher ou ao corpo que se fecha na recusa. É na minha disponibilidade permanente à vida a que me entrego de corpo inteiro, pensar crítico, emoção, curiosidade, desejo, que vou aprendendo a ser eu mesmo em minhas relações com o contrário de mim (FREIRE, 2009, p. 134). 
Nesse processo, entende-se que a relação dialógica deve ser crítica, transformadora, pois é a partir do diálogo que se constroem, problematizam e encontram possíveis soluções. O que Paulo Freire e a Escola da Ponte criticam é um ambiente educacional que não oferece ao aluno a pesquisa, a autonomia e a liberdade de escolha. A desconexão entre currículo, prática pedagógica e contexto do aluno pode ser o vilão da aprendizagem, do conhecimento. Freire (2009) reconhece que ensinar passa muito longe de uma mera transmissão de conhecimento. Pelo contrário, segundo o autor, ensinar exige consciência do inacabado; ensinar exige o reconhecimento do ser condicionado; ensinar exige respeito à autonomia do ser educando; ensinar exige bom senso; ensinar exige humildade, tolerância, alegria e esperança e, acima de tudo, ensinar é um ato de amor. 
De acordo com a concepção de Freire (2009), ensinar exige tanto do educador quanto do educando e, por isso, o processo de educar deve ser pautado na ação e na reflexão. 
Na comparação entre as ideias de Paulo Freire e os fundamentos que sustentam a Escola da Ponte, é perceptível verificar suas ressonâncias 
Ensinar exige tanto do educador quanto do educando e, por isso, o processo de educar deve ser pautado na ação e na reflexão. 36 Linguagem e Ludicidade na Infância 
na prática cotidiana, começando pela organização dos alunos em grupos, pela valorização do diálogo e pela troca de experiência, em um ambiente democrático de ação comunicativa e afetiva. Tudo se resolve, ou pelo menos tenta se resolver, de forma democrática entre alunos, professores e pais, pois todos são responsáveis pela própria escola. “Direitos e deveres”, “Assembleias”, “Comissão de Ajuda” são exemplos de atividades realizadas na Escola da Ponte os quais proporcionam um ambiente de diálogo e de democracia. 
Figura 3 - Momento de assembleia na Escola da Ponte 
Fonte: Offial (2012). 
Nessas atividades de diálogo, os alunos e os professores discutemos problemas, ideias, sugestões e tentam trazer melhorias para a escola. Os membros responsáveis pela assembleia organizam a pauta no decorrer da semana, buscando informações em cada núcleo. Assim, todos podem participar e interagir. Toda a assembleia é dirigida por alunos participantes. Os professores, assim como os educandos, precisam levantar as mãos para falar. Vivenciam, assim, a democracia. 
Segundo Freire (2005, p. 90): “Não é no silêncio que os homens se fazem, mas nas palavras, no trabalho, na ação-reflexão”. O educador diz, ainda: “O diálogo é este encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto na relação eu-tu” (FREIRE, 2005, p. 90). Essa mediação que Paulo Freire cita e que José Pacheco aplica em seu “círculo de estudos” é uma mediação aberta, crítica e ativa. 
Na questão do diálogo, Freire (2009) discute a sua relação com o amor. Aponta que só é possível uma relação de diálogo onde existe amor, pois quem não possui uma relação de amor com o mundo, a vida e os homens, consequentemente não torna possível o diálogo. O filósofo defende, também, a importante relação do diálogo com a humildade, com o pensar crítico, com a fé nos homens. Conforme a ideia do autor, indaga-se: Como educar sem dialogar? Como interferir no mundo sem dialogar? “Só educadoras e educadores autoritários negam a solidariedade entre o ato de educar e o ato 
Na questão do diálogo, Freire (2009) discute a sua relação com o amor. Aponta que só é possível uma relação de diálogo onde existe amor, pois quem não possui uma relação de amor com o mundo, a vida e os homens, consequentemente não torna possível o diálogo. 37 A PedagogiadaEscutae as Implicações no Desenvolvimento daCriançae no Ato do Brincar Capítulo 2 
de serem educados pelos educandos; só eles separam o ato de ensinar do de aprender, de tal modo que ensina quem se supõe sabendo e aprende quem é tido como quem nada sabe” (FREIRE, 2009, p. 27). 
Os ambientes escolares nem sempre contribuem para uma prática dialógica. O que existe, muitas vezes, é um monólogo que contribui somente para o engessamento do educando, levando-o à possível alienação e à ingenuidade. Segundo Freire, a base do diálogo é o amor, pois o amor é humildade, é compromisso, e nas palavras do autor: “Se não amo o mundo, se não amo a vida, se não amo os homens, não é possível o diálogo” (FREIRE, 2005, p. 92). Nessa lógica, segundo o educador: “O sujeito que se abre ao mundo e aos outros inaugura com seu gesto a relação dialógica em que se confirma como inquietação e curiosidade, como inconclusão em permanente movimento na história” (FREIRE, 1996, p. 154). 
Uma escola que não promove o diálogo está fechada para seu entorno social e geográfico. Para a pedagogia da escuta se fazer valer no cotidiano escolar, é necessário que o educador tenha clareza dessa compreensão, que pense de forma coerente e reconheça as diferentes linguagens da criança. 
Conheceremos, na próxima sessão, a Pedagogia da Escuta por meio das escolas de Reggio Emilia, incentivada pelo educador Malaguzzi. 
A PedagogiadaEscutanas Escolas 
de Reggio Emilia
Os professores de Reggio Emilia têm uma forte preocupação com o desenvolvimento da criança, por isso, estão atentos ao que elas têm a lhes dizer. O cumprimento do currículo e processo de ensino e aprendizagem não está em primeiro plano, aliás, esses são consequências de todo um processo pautado nas experiências com os alunos. A proposta pedagógica das escolas da infância de Reggio incide em instituir firmemente um tecido de comunicação. Os discursos entre criança-criança, criança-professor e entre professores é o que faz diferença para que se desenvolva a Pedagogia da Escuta. 
Conheça um pouco mais a respeito do trabalho pedagógico nas escolas de Reggio Emilia.38 Linguagem e Ludicidade na Infância 
Essencialmente, o trabalho pedagógico realizado nas escolas de Reggio é centrado em projetos. As crianças participam ativamente desde a seleção do tema à análise dos conteúdos que servem/servirão de estímulo para a elaboração de novos conteúdos e novos projetos. Lilian Katz (1999, p. 38), pesquisadora em educação infantil da Universidade de Illinois (EUA), interessou-se pela proposta e concluiu, a partir de observações in loco, que: “o trabalho em projetos visa ajudar crianças pequenas a extrair um sentido mais profundo e completo de eventos e fenômenos de seu próprio ambiente e de experiências que mereçam sua atenção”. 
Os projetos oferecem a parte do currículo na qual as crianças são encorajadas a tomarem suas próprias decisões e a fazerem suas próprias escolhas [...]. O currículo vai tomando corpo conforme os projetos vão se desenvolvendo e as crianças vão produzindo seus desenhos e/ou representações. Isso quer dizer que o currículo em Reggio Emilia não é unificado, nem segue um único padrão estabelecido por diretrizes legais, mas flexível, que vai se adaptando conforme as necessidades /curiosidades /interesses das crianças vão se modificando. Daí o currículo em Reggio Emilia ser chamado de “emergente” (RINALD, 1999, p. 113). 
Esse conceito não implica uma ausência de planejamento ou de cuidados com relação ao aprendizado dos estudantes, mas seus resultados demonstram clara compreensão da multiplicidade subjetiva que é intrínseca ao ser humano e, como metáfora, remete à simbologia do nascimento. Dar à luz, explica Bruce Mitford (1997, p. 71), é a representação máxima da criação humana. Eis o baldrame de toda pedagogia da escuta: respeito ao movimento dialético entre imaginação e produção, na qual um alimenta o outro e vice-versa, nutrindo, dessa forma, a faculdade humana de aprender/desenvolver/criar. Faculdade abusivamente anestesiada pela hegemonia educacional em vigor. Dito de outra maneira, enquanto no modelo educacional, pautado na educação pela padronização, os atos de criar e fantasiar são sempre limitados pela ordem e pela obrigação de se avaliar pela mesma régua, na Pedagogia da Escuta tais atos (criar e fantasiar) são não apenas permitidos, mas encorajados nos projetos. 
As crianças em Reggio Emilia podem experimentar, imaginar e dar “voz” às suas criações através de alguma linguagem que não apenas engordam um portfólio ou são exibidas na reunião de pais ou acomodadas em um arquivo até serem eliminadas. As 39 A PedagogiadaEscutae as Implicações no Desenvolvimento daCriançae no Ato do Brincar Capítulo 2 
criações são observadas e analisadas pelos professores, alunos e comunidade com o propósito de retroalimentar a aprendizagem e indicar próximos passos para a progressão do aluno. Isso acontece porque há na concepção de escola em Reggio que se aproxima da concepção de família tradicional/convencional. Há responsabilidades compartilhadas, mas também há a existência da dimensão da afetividade nas relações educacionais que, como já demonstrado anteriormente (FORTUNATO et al., 2010), não pode ser suprimida do processo educacional. Escola e família operam juntos na educação das crianças. 
Os trabalhos produzidos pelos alunos, explica Miranda (2005), tornam-se objeto de estudo do seu potencial e serve “para cultivar e promover o processo criativo, apontar a importância do respeito às ideias do outro e entender que as crianças criam verdadeiras teorias a partir de suas observações e a liberdade de manifestação de suas ideias”. 
A liberdade na ação educativa é sempre uma reação ao movimento hegemônico que prevê a padronização como condição para alcance da qualidade no ensino. Essa qualidade objetivada gera inquietações, como as descritas por Nunes (2000) após longo período de observação em uma escola de educação infantil. Segundo a pesquisadora: 
Tudo era feito para a criança, não pela criança. Raramente ela agia de forma autônoma, sendo sua ação geralmente vista como perturbadora da tranquilidade. A organização da rotina visava impor formas de ação que incomodassem o menos possível a suposta tranquilidade da escola, sendo que as filas eram seu instrumento privilegiado. Assim, a criança acabava tendo de ficar a maiorparte do tempo à espera (NUNES, 2000, p. 126). 
Em nome da autonomia e na contramão dessa “pedagogia da espera” que procura sempre a ordem em detrimento de qualquer outra conduta, buscamos a prática das escolas de Reggio Emilia, principalmente por causa das seis importantes lições que sua Pedagogia da Escuta oferta aos educadores. 
Sinteticamente temos: 
1. Os tópicos para os projetos são estabelecidos a partir do interesse das crianças, e a profundidade do aprendizado é explorada nas representações criadas pelas crianças; 40 Linguagem e Ludicidade na Infância 
2. O trabalho produzido é utilizado para a aprendizagem, porque servem de base para discussões e trabalhos adicionais; 
3. Permitir a livre expressão criativa das crianças estimula e amplia o interesse pelas artes e motiva a criatividade e a imaginação; 
4. O trabalho com projetos secreta rico conteúdo; 
5. Na relação professor-aluno o interesse pelo gosto e pelas produções das crianças é sincero, possibilitando novas e mais complexas criações; 
6. O relacionamento escolar é próximo ao relacionamento familiar/ comunitário. 
Fonte: Fortunato (2010, p.164). 
Os professores de Reggio Emilia estão abertos para entender a criança nos seus diferentes contextos. Por exemplo, ao trabalharem num projeto, os professores estão atentos constantemente às atividades que os alunos realizam, pois entendem que ao executarem uma tarefa os desafios irão surgir, e é neste momento que o professor entra em cena para ouvir e observar como a criança se desenvolve, ou seja, como ela resolverá seu suposto problema. 
Saber ouvir e observar são características primordiais dos professores que aderem em sua prática à Pedagogia da Escuta. Ouvir os alunos é compreender além de uma linguagem verbal, é perceber a linguagem das expressões corporais e suas múltiplas faces. Pois, muitas vezes, o aluno verbaliza algo que não sente, mas que poderá ser capturado se observado em suas expressões, posturas e demais sinais corporais. 
O conflito intelectual é compreendido como máquina de todo o crescimento em Reggio Emilia. Portanto, os professores tentam trazer à tona, em vez de suprimir os conflitos de opinião entre crianças. Similarmente, entre eles mesmos, aceitam prontamente discordâncias e esperam uma discussão extensa e críticas construtivas; isso é visto como melhor meio de avançar. O prazer dos professores com a equipe de trabalho e a aceitação de diferenças de opinião oferecem um modelo para crianças e pais (EDWARDS, 1999, p.168). 
A abertura para a escuta e a aceitação das diferentes opiniões facilita o avanço intelectual e permite o respeito ao saber do outro. O professor que sabe ouvir ensina não só lições de consideração na relação professor/aluno, mas favorece para que essa relação se estenda entre os próprios alunos.
Saber ouvir e observar são características primordiais dos professores que aderem em sua prática à Pedagogia da Escuta. 41 A PedagogiadaEscutae as Implicações no Desenvolvimento daCriançae no Ato do Brincar Capítulo 2 
Fundamentos paraaPedagogiadaEscuta
e aRelação com o Brincar 
A pedagogia da Escuta sustenta suas bases também nos estudos de Freinet, Piaget, Wallon e Vygotsky. Para você entender melhor a contribuição de cada um deles, apresentaremos um breve resumo no quadro a seguir: 
Quadro 3 - Contribuições para a Pedagogia da Escuta 
	FREINET 
	WALLON 
	VYGOTSKY 
	PIAGET 
	O princípio da cooperação - Permite relações que conduzem: à conversa livre, ao conselho de classe, à reunião cooperativa em acordo com a idade dos alunos. A reunião cooperativa é a mola mestra de todas as decisões. 
A comunicação e a expressão livre - Valoriza uma aprendizagem viva, pois traz a liberdade de expressar o seu pensamento em todas as atividades. 
O tateamento experimental - Não é uma técnica pedagógica, é um processo que se inscreve no “devir” global de cada criança como parte integrante da formação de sua personalidade. 
É um ato inteligente desempenhado por um ser que busca a construção do seu conhecimento. 
	A criança, para Wallon, é essencialmente emocional��������������e gradualmente vai constituindo-se em um ser sociocognitivo. 
O autor estudou a criança contextualizada, como uma realidade viva e total no conjunto de seus comportamentos, suas condições de existência. 
Antes do surgimento da linguagem falada, as crianças comunicam-se e constituem-se como sujeitos com significado, através da ação e interpretação do meio entre humanos, construindo suas próprias emoções, que é seu primeiro sistema de comunicação expressiva. 
	Segundo Vygotsky, o homem se produz na e pela linguagem, isto é, é na interação com outros sujeitos que formas de pensar são construídas por meio da apropriação do saber da comunidade em que está inserido o sujeito. 
A relação entre homem e mundo é uma relação mediada, na qual entre o homem e o mundo existem elementos que auxiliam a atividade humana. 
A capacidade humana para a linguagem faz com que as crianças providenciem instrumentos que auxiliem na solução de tarefas difíceis, planejem uma solução para um problema e controlem seu comportamento. 
	Para Piaget, o desenvolvimento mental ocorre espontaneamente de acordo com a potencialidade de cada criança e sua interação com o meio. 
Piaget afirma que, para a criança adquirir pensamento e linguagem deve passar por várias fases de desenvolvimento psicológico, partindo do individual para o social. 
Segundo ele, o falante passa por pensamento autístico, fala egocêntrica para atingir o pensamento lógico, sendo o egocentrismo o elo das operações lógicas da criança. 
O que é o “Devir”? 
Acreditamos que um devir possa ser entendido como o conjunto de características fundamentais concebidas pelo ser, assim como pelo mundo (suas realidades, diferenças e desejos), em seu transcurso por meio de um continuum movimento de transformações. Destarte, acreditamos que o significado de devir aduz um conjunto de premissas teóricas, empíricas e filosóficas que auxiliam conceber postulados para a construção de sentidos nas ações humanas. (SILVA; GOMES, 2013). 
Se analisarmos cada uma das contribuições dos autores, veremos que, apesar das peculiaridades diferenciadoras, há em cada uma delas semelhanças relevantes no que diz respeito à comunicação e interação. Afinal o que é a Pedagogia da Escuta se não o entendimento dessas duas ações? Interagir com o meio é estar aberto às relações, é ouvir e ser ouvido. Para que haja uma comunicação, é preciso antes de tudo estar disposto a ouvir. 
A livre expressão da criança, proferida por Freinet; a comunicação das emoções, trazida por Wallon; o sujeito sociocultural, conforme Vygotsky; e os estágios do desenvolvimento de Piaget indicam o quanto a criança e suas diferentes linguagens se manifestam nas relações com o meio a partir de suas potencialidades e fases de desenvolvimento. 
Na Pedagogia da Escuta os professores devem saber ouvir a criança, mas antes de tudo conhecê-la como sujeito de grande potencial. 
Devem perceber que escutar as crianças é tanto necessário quanto prático. Devem saber que as atividades devem ser tão numerosas quanto as teclas de um piano, e que todas envolvem atos infinitos da inteligência quando as crianças recebem uma ampla variedade de opções a partir das quais escolher (MALAGUZZI, 1999, p.82). 
Malaguzzi (1999) ressalta a importância de atividades variadas para que possibilidades sejam criadas. Observar a criança na ação seja de uma brincadeira livre, seja de uma ação dirigida, é, sem dúvida, abrir-se para entender seus saberes, suas linguagens, sua forma de atuar no coletivo ou individual.43 A PedagogiadaEscutae as Implicações no Desenvolvimento daCriançae no Ato do Brincar Capítulo 2 
Nas brincadeiras espontâneas, a criança utiliza, de maneira prazerosa, sua capacidade de separar o significado do objeto, sem dar conta do que está fazendo. Mais adiante o brinquedo lhe fornecerá a possibilidade de transição entre o pensamento da situação concreta e imediata para uma situação imaginária, ou seja,ele garante a passagem de um pensamento puramente situacional, característico da primeira infância, a pensamentos menos sincréticos e confusos, mais próximos aos do adulto, que podem ser totalmente desvinculados de situações reais (VASCONCELOS, 2009, p. 75). 
Nesse sentido, precisamos, além de observar e escutar a criança, compreender seus sentidos de mundo e sua atuação com os objetos. De acordo com Vygotsky e Piaget, são nos momentos lúdicos que as crianças desenvolvem sua relação com o mundo externo, construindo condições comunicativas e interações sociais. Desenvolvem autonomia, competência de raciocinar e de julgar. Aprendem a fazer escolhas quanto à forma de brincar e brinquedos, bem como as regras que irão seguir. 
De acordo com Vygotsky, o brinquedo serve como referência dos valores das gerações anteriores que o produziram, tendo papel fundamental na construção /produção da realidade da criança. Mediada pelo brinquedo, a criança aprende e age no mundo social, construindo sua própria história de vida e de conhecimento. A criança utiliza o brinquedo como orientador externo, que acaba por produzir movimentos de transição no seu próprio processo de desenvolvimento (VASCONCELOS, 2009, p.74). 
É no ato de brincar que a criança desenvolve seu discurso externo e o interioriza, elaborando seu próprio pensamento. Diante disso, justifica-se a importância de ouvir as crianças em momentos de brincadeiras, pois revelam o pensamento espontâneo do seu imaginário. É no instante no qual ela pega um brinquedo, ou transforma o objeto em algo real, que devemos estar atentos para escutar o que a criança tem a nos dizer, principalmente em seus momentos espontâneos. 
A Pedagogia da Escuta no ato de brincar colabora para percebermos o que ocorre no interior da criança. Ao ouvi-la nessas situações lúdicas percebemos como constrói seu pensamento, seus enlaces afetivos e cognitivos. Permite conhecer sua lógica e a estrutura de seu pensamento. Por isso, é primordial que o docente tenha entendimento do potencial da criança, para que, ao escutá-la em momentos lúdicos, favoreça “[...] condições para que a criança seja o sujeito dos seus processos de desenvolvimento e aprendizagem, o protagonista da sua história vivendo um processo de investigação, experiências e descobertas” (RISTOW, 2012, p. 30). Nesse aspecto, “ouvir a criança não é interferir na brincadeira ou fazer as vontades dela, é antes de tudo abrir-se 
De acordo com Vygotsky e Piaget, são nos momentos lúdicos que as crianças desenvolvem sua relação com o mundo externo, construindo condições comunicativas e interações sociais. Desenvolvem autonomia, competência de raciocinar e de julgar. Aprendem a fazer escolhas quanto à forma de brincar e brinquedos, bem como as regras que irão seguir. 44 Linguagem e Ludicidade na Infância 
para compreensão de seu mundo, de sua lógica e de sua interação com seus pares” (MOYLES, 2002, p.12). 
A escuta em momentos do brincar fundamenta-se na ação de ouvir as crianças a partir de suas experiências. Isso implica, no momento da observação, distanciar-se do mundo adulto para adentrar no infantil, ou seja, enxergar e ouvir pelo contexto da criança. 
Há muitas pesquisas que trazem as vozes da criança e seu entendimento sobre seu entorno, uma delas está em forma de cartilha a partir do “Projeto Criança Pequena em Foco ao longo do ano de 2012”. Desenvolvida pela CEP-BRASIL, Rio de janeiro. Confira a leitura no site: <http:// www.cecip.org.br/images/vamos_ouvir_criancas-ebook.pdf>. 
Atualmente, no cenário científico há uma crescente busca por pesquisas que trazem a voz infantil. Elas procuram investigar, conhecer e entender o universo da criança por meio da interpretação de suas múltiplas linguagens. Vamos conhecer algumas das pesquisas: 
Figura 4 - Pesquisas sobre a voz da criança 
Müller (2007) que a partir de um referencial interdisciplinar analisa o entendimento das crianças sobre a cidade que habitam. Jabur (2007) que investiga quais atividades, rotinas e espaços as crianças mais e menos gostam na instituição que frequentam, com-preendendo as possibilidades dessa avaliação como um instrumento na promoção da quali-dade no atendimento das crianças da Educa-ção Infantil. Teixeira (2008) que, a partir das falas das crianças, procura identificar e mapear os sen-tidos que podem ter para elas as formas de interagir com a escola no momento de transi-ção da Educação Infantil para o Ensino Fun-damental. Em Portugal, na Universidade do Minho, destaca-se a pesquisa de Silva (2003), que investiga a ocupação dos tempos livres não escolares e não familiares e dedica-se a ouvir as vozes das crianças sobre a forma como está construído o seu cotidiano não escolar. Paula (2007) que investiga as ações infantis nos momentos vistos pelos adultos como de transgressão. 
Fonte: Garanhani e Martins (2009, p. 67).45 A PedagogiadaEscutae as Implicações no Desenvolvimento daCriançae no Ato do Brincar Capítulo 2 
Estas pesquisas indicam o quanto avançamos em relação ao entendimento da infância e valorização do brincar e escutar o que as crianças têm a nos dizer, mas, por outro lado, alertamos para o quanto ainda temos que mudar práticas escolares para que, de fato, a Pedagogia da Escuta esteja presente no dia a dia da Educação Infantil. Trata-se de não só dar voz à criança, mas de escutar essa voz, e compreender o que está sendo dito além do que ela diz, nas suas representações gestuais e expressões corporais. 
Atividades de Estudos: 
1) Vamos relembrar alguns momentos de ludicidade de sua infância. Tente lembrar-se de brincadeiras de que você mais gostava, que lhe proporcionavam sentimento de prazer, segurança e satisfação pessoal, e outras que trazem um sentimento de perda, insegurança, abandono. Relacione e registre algumas características (qualidades, falhas, cooperação, competição, momentos agradáveis, etc.) que foram desenvolvidas em você pelas atividades lúdicas vividas na infância. Desenvolva um pequeno texto sobre o assunto. 
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2) Cite quatro (4) características que correspondem à Pedagogia da Escuta no ambiente escolar: 
Algumas Consideracões 
A Pedagogia da Escuta é, sobretudo, uma atitude solidária, pois permite a troca de experiências, o diálogo e a disponibilidade para o outro. Estar para o outro é respeitá-lo de acordo com sua forma de ver o mundo. Entender as crianças é adentrar em seu imaginário e abrir-se para o novo. 
A partir da proposta da escuta podemos compreender o universo infantil e perceber a grandiosidade que é o brinquedo e as brincadeiras para seu desenvolvimento psicossocial, pois ela age, representa e estabelece um canal de comunicação entre o real e o imaginário. 
No próximo capítulo, abordaremos produções simbólicas da criança: imaginação, memória e aprendizagem. 
Referências 
BASSO, M. Cíntia. Algumas reflexões sobre o ensino mediado por computadores. 2010. Disponível em: <http://coral.ufsm.br/lec/02_00/Cintia- L&C4.htm>. Acesso em: 10 jun. 2015. 
EDWARDS,Carolyn; GANDINI, Lella; FORMAN, George. As cem linguagens da criança: a abordagem de Reggio Emilia na educação da primeira infância. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.47 A PedagogiadaEscutae as Implicações no Desenvolvimento daCriançae no Ato do Brincar Capítulo 2 
FORTUNATO, Ivan. Pedagogia da escuta: currículo e projetos em Reggio Emilia. 2010. Disponível em: <http://periodicos.uniso.br/ojs/index.php?journal =quaestio&page=article&op=view&path%5B%5D=182&path%5B%5D=182 >. Acesso em: 10 jun. 2015. 
FREIRE, Paulo. A Importância do Ato de Ler: em três artigos que se completam. 22 ed. São Paulo: Cortez, 2009. 
______. Pedagogia do Oprimido. 43. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. 
______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 15. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996. 
GARANHANI, Marynelma Camargo; MARTINS, Rita de Cássia. Organização do espaço na educação infantil: o que nos contam as crianças? 2009. Disponível em:<http://www.pucpr.br/eventos/educere/educere2009/anais/ pdf/2536_1639.pdf>. Acesso em:10 jun. 2015. 
MALAGUZZI, Loris. História, ideias e filosofia básica. In: EDWARDS, C.; GANDINI, L.; FORMAN, G. As cem linguagens da criança. Porto Alegre: Artmed, 1999. 
MOYLES, J. R. Só brincar? O papel do brincar na educação infantil. Traduzido por Maria Adriana Veríssimo Veronese. Porto Alegre: Artmed, 2002. 
OFFIAL, P. C.P. Formação de leitores do literário: uma experiência na Escola da Ponte.2012. 135f. Dissertação. (Mestrado em Educação) - Universidade do Vale do Itajaí, UNIVALI, Itajaí, 2012. 
RISTOW, Elisabet. A arte de ouvir. Disponível em: <http://primeirainfancia.org. br/wp-content/uploads/2012/01/EntrevistaElisabet.pdf>. Acesso em: 12 jun. 2015. 
VASCONCELOS, V. M. R. Infância e Psicologia: marcos teóricos da compreensão do desenvolvimento da criança pequena. In: SARMENTO, M.; GOUVEA, M. C. S. Estudos da Infância: educação e práticas sociais. Petrópolis: Vozes, 2009.
O que é o “Devir”? 
Acreditamos que um devir possa ser entendido como o conjunto de características fundamentais concebidas pelo ser, assim como pelo mundo (suas realidades, diferenças e desejos), em seu transcurso por meio de um continuum movimento de transformações. Destarte, acreditamos que o significado de devir aduz um conjunto de premissas teóricas, empíricas e filosóficas que auxiliam conceber postulados para a construção de sentidos nas ações humanas. (SILVA; GOMES, 2013). 
Se analisarmos cada uma das contribuições dos autores, veremos que, apesar das peculiaridades diferenciadoras, há em cada uma delas semelhanças relevantes no que diz respeito à comunicação e interação. Afinal o que é a Pedagogia da Escuta se não o entendimento dessas duas ações? Interagir com o meio é estar aberto às relações, é ouvir e ser ouvido. Para que haja uma comunicação, é preciso antes de tudo estar disposto a ouvir. 
A livre expressão da criança, proferida por Freinet; a comunicação das emoções, trazida por Wallon; o sujeito sociocultural, conforme Vygotsky; e os estágios do desenvolvimento de Piaget indicam o quanto a criança e suas diferentes linguagens se manifestam nas relações com o meio a partir de suas potencialidades e fases de desenvolvimento. 
Na Pedagogia da Escuta os professores devem saber ouvir a criança, mas antes de tudo conhecê-la como sujeito de grande potencial. 
Devem perceber que escutar as crianças é tanto necessário quanto prático. Devem saber que as atividades devem ser tão numerosas quanto as teclas de um piano, e que todas envolvem atos infinitos da inteligência quando as crianças recebem uma ampla variedade de opções a partir das quais escolher (MALAGUZZI, 1999, p.82). 
Malaguzzi (1999) ressalta a importância de atividades variadas para que possibilidades sejam criadas. Observar a criança na ação seja de uma brincadeira livre, seja de uma ação dirigida, é, sem dúvida, abrir-se para entender seus saberes, suas linguagens, sua forma de atuar no coletivo ou individual.43 A PedagogiadaEscutae as Implicações no Desenvolvimento daCriançae no Ato do Brincar Capítulo 2 
Nas brincadeiras espontâneas, a criança utiliza, de maneira prazerosa, sua capacidade de separar o significado do objeto, sem dar conta do que está fazendo. Mais adiante o brinquedo lhe fornecerá a possibilidade de transição entre o pensamento da situação concreta e imediata para uma situação imaginária, ou seja, ele garante a passagem de um pensamento puramente situacional, característico da primeira infância, a pensamentos menos sincréticos e confusos, mais próximos aos do adulto, que podem ser totalmente desvinculados de situações reais (VASCONCELOS, 2009, p. 75). 
Nesse sentido, precisamos, além de observar e escutar a criança, compreender seus sentidos de mundo e sua atuação com os objetos. De acordo com Vygotsky e Piaget, são nos momentos lúdicos que as crianças desenvolvem sua relação com o mundo externo, construindo condições comunicativas e interações sociais. Desenvolvem autonomia, competência de raciocinar e de julgar. Aprendem a fazer escolhas quanto à forma de brincar e brinquedos, bem como as regras que irão seguir. 
De acordo com Vygotsky, o brinquedo serve como referência dos valores das gerações anteriores que o produziram, tendo papel fundamental na construção /produção da realidade da criança. Mediada pelo brinquedo, a criança aprende e age no mundo social, construindo sua própria história de vida e de conhecimento. A criança utiliza o brinquedo como orientador externo, que acaba por produzir movimentos de transição no seu próprio processo de desenvolvimento (VASCONCELOS, 2009, p.74). 
É no ato de brincar que a criança desenvolve seu discurso externo e o interioriza, elaborando seu próprio pensamento. Diante disso, justifica-se a importância de ouvir as crianças em momentos de brincadeiras, pois revelam o pensamento espontâneo do seu imaginário. É no instante no qual ela pega um brinquedo, ou transforma o objeto em algo real, que devemos estar atentos para escutar o que a criança tem a nos dizer, principalmente em seus momentos espontâneos. 
A Pedagogia da Escuta no ato de brincar colabora para percebermos o que ocorre no interior da criança. Ao ouvi-la nessas situações lúdicas percebemos como constrói seu pensamento, seus enlaces afetivos e cognitivos. Permite conhecer sua lógica e a estrutura de seu pensamento. Por isso, é primordial que o docente tenha entendimento do potencial da criança, para que, ao escutá-la em momentos lúdicos, favoreça “[...] condições para que a criança seja o sujeito dos seus processos de desenvolvimento e aprendizagem, o protagonista da sua história vivendo um processo de investigação, experiências e descobertas” (RISTOW, 2012, p. 30). Nesse aspecto, “ouvir a criança não é interferir na brincadeira ou fazer as vontades dela, é antes de tudo abrir-se 
De acordo com Vygotsky e Piaget, são nos momentos lúdicos que as crianças desenvolvem sua relação com o mundo externo, construindo condições comunicativas e interações sociais. Desenvolvem autonomia, competência de raciocinar e de julgar. Aprendem a fazer escolhas quanto à forma de brincar e brinquedos, bem como as regras que irão seguir. 44 Linguagem e Ludicidade na Infância 
para compreensão de seu mundo, de sua lógica e de sua interação com seus pares” (MOYLES, 2002, p.12). 
A escuta em momentos do brincar fundamenta-se na ação de ouvir as crianças a partir de suas experiências. Isso implica, no momento da observação, distanciar-se do mundo adulto para adentrar no infantil, ou seja, enxergar e ouvir pelo contexto da criança. 
Há muitas pesquisas que trazem as vozes da criança e seu entendimento sobre seu entorno, uma delas está em forma de cartilha a partir do “Projeto Criança Pequena em Foco ao longo do ano de 2012”. Desenvolvida pela CEP-BRASIL, Rio de janeiro. Confira a leitura no site: <http:// www.cecip.org.br/images/vamos_ouvir_criancas-ebook.pdf>. 
Atualmente, no cenário científico há uma crescente busca por pesquisas que trazem a voz infantil. Elas procuram investigar, conhecer e entender o universo

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