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DIAS - Filosofia da Educacao parte b

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UAB – UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL
FUESPI – FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ
NEAD – NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
LICENCIATURA PLENA EM LETRAS ESPANHOL
FUESPI
2011
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
Antônio Francisco Lopes Dias
Presidente da República
Dilma Vana Rousseff
Vice-presidente da República
Michel Miguel Elias Temer Lulia
Ministro da Educação
Fernando Haddad
Secretário de Educação a Distância
Carlos Eduardo Bielschowsky
Diretor de Educação a Distância CAPES/MEC
Celso José da Costa
Governador do Piauí
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Secretário Estadual de Educação e Cultura do Piauí
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Reitor da FUESPI – Fundação Universidade Estadual do Piauí
Carlos Alberto Pereira da Silva
Vice-reitor da FUESPI
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Pró-reitor de Ensino de Graduação – PREG
Marcelo de Sousa Neto
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Coordenador Adjunto da UAB-FUESPI
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Pró-reitora de Extensão, Assuntos Estudantis e Comunitários – PREX
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Pró-reitor de Administração e Recursos Humanos – PRAD
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Pró-reitor de Planejamento e Finanças – PROPLAN
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Coordenadora do curso de Licenciatura Plena em Letras Espanhol – EAD
Margareth Torres de Alencar Costa
Edição
UAB - FNDE - CAPES
UESPI/NEAD
Diretora do NEAD
Márcia Percília Moura Parente
Diretor Adjunto do NEAD
Raimundo Isídio de Sousa
Coordenadora do Curso de Licenciatura
Plena em Letras – Espanhol
Margareth Torres de Alencar Costa
Coordenador de Tutoria
Omar Mario Albornoz
Coordenadora de Produção de Material
Didático
Cândida Helena de Alencar Andrade
Autores do Livro
Antônio Francisco Lopes Dias
MATERIAL PARA FINS EDUCACIONAIS
DISTRIBUIÇÃO GRATUITA AOS CURSISTAS UAB/UESPI
Revisão
Teresinha de Jesus Ferreira
Diagramação
Jeydson Jonys Barros Batista
Capa
Luiz Paulo de Araújo Freitas
UAB/UESPI/NEAD
Campus Poeta Torquato Neto (Pirajá),
NEAD, Rua João Cabral, 2231, bairro
Pirajá, Teresina (PI). CEP: 64002-150,
Telefones: (86) 3213-5471 / 3213-1182
Web: ead.uespi.br
E-mail:eaduespi@hotmail.com
SUMARIO
UNIDADE 1: O CONHECIMENTO ..........................................................07
1 Conceitos e caracterizações .................................................................. 11
2 Teoria do Conhecimento e Epistemologia ..............................................15
3 Conhecimento, verdade e realidade.......................................................19
4 Níveis de Conhecimento ........................................................................21
5 Tipos de Conhecimento .........................................................................23
5.1 Senso comum .....................................................................................23
5.2 Conhecimento religioso ......................................................................24
5.3 Conhecimento científico ......................................................................26
6 Objetivos e perigos do conhecimento.....................................................31
7 Posições filosóficas acerca do conhecimento ........................................36
7.1A preocupação dos gregos antigos com o saber .................................36
7.2 Possibilidades do conhecimento: ceticismo e dogmatismo ................39
7.3 As fontes ou da natureza do conhecimento ..........................................41
7.4 Fundamentação Lógico-filosófica do conhecimento ............................42
7.4.1 Teoria Inatista-racionalista ................................................................43
7.4.2 Teoria Empirista-realista ..................................................................44
7.4.3 Os limites do Inatismo-racionalista e do empirismo-realista .............46
7.4.4 Criticismo.........................................................................................47
7.5 A Dialética...........................................................................................49
UNIDADE 2: A EDUCAÇÃO E A FILOSOFIA ..........................................53
1 A Educação ...........................................................................................55
1.1Conceitos e caracterizações da Educação ..........................................55
1.2 Educação formal e informal .................................................................58
1.3Agentes da Educação..........................................................................59
1.4 Fins e valores da Educação ................................................................61
2 A Filosofia ..............................................................................................66
2.1 Origens da Filosofia ............................................................................66
2.2 Noções conceituais .............................................................................68
2.3 A Filosofia e o filosofar ........................................................................69
2.4 Desenvolvimento do pensamento filosófico .........................................70
2.5 Filosofia e ciências .............................................................................73
2.6 A Filosofia como atividade formativa do humano ................................. 75
UNIDADE 3: A FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO .......................................... 81
1 A inseparabilidade do educar e do filosofar............................................ 83
2A Filosofia como fundamento da Educação ............................................ 85
2.1 Caracterização da Filosofia como fundamento da Educação ..............85
2.2 Os filósofos pensam a Educação? ...................................................... 87
2.3 Os fundamentos filosóficos da Educação: antropológicos, epistemológicos
e axiológicos .............................................................................................90
3 Problemas da Educação à luz da Filosofia ............................................ 93
3.1 O caráter interdisciplinar da Filosofia da Educação ............................93
3.2 A Filosofia contra a ideológica e a alienação ......................................94
3.3 Educação e emancipação .................................................................. 97
3.4 O Estado e o ideal da “Educação para todos” .....................................99
4 O professor reflexivo ............................................................................101
5 A Educação como prática dialética ...................................................... 104
6 Aspectos filosóficos das principais correntes pedagógicas .................106
6.1 Pedagogia Tradicional ......................................................................106
6.2 Pedagogia da Escola Nova ..............................................................107
6.3 Escola Tecnicista .............................................................................. 108
6.4 Teorias Progressistas .......................................................................109
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................... 115
OBJETIVO
UNIDADE 1
O CONHECIMENTO
FUESPI/NEAD Letras Espanhol
9
INTRODUÇÃO
Você pode estar estranhando que essa aposti-
la não seja iniciada com um capítulo que trate da Filo-
sofia ou da Educação. Devemos, por isso, explicar-lhe
o motivo de começarmos falando do conhecimento. A
verdade é que a Filosofia é uma das mais importantes
formas de conhecimento; ela é uma dentre as várias
formas de se conhecer a realidade. Quanto à Educação, é certo dizer que os
processos educativos só acontecem por meio do conhecimento. Este é, ao
mesmo tempo, o meio e o objetivo, por excelência, das atividades educacio-
nais. É oconhecimento o principal instrumento de trabalho do educador, bem
como é ele a meta do educando. Em suma: o conhecimento é o elemento
mediador da relação professor/aluno, do processo de ensino/aprendizagem,
seja ele formal ou informal. Por causa disto, podemos afirmar que, ao tratar-
mos do conhecimento numa perspectiva filosófica, isto é, critica, estamos já
filosofando sobre o processo educacional, portanto sobre a Educação.
 Ao iniciarmos nossa vida começamos a conhecer. Da infância, pas-
samos à adolescência e desta à juventude para alcançarmos a fase adulta e
a maturidade. Em cada um destas fases da vida, iniciamos e ampliamos os
contatos com outras pessoas, aprendemos a ler e escrever, obtemos infor-
mações sobre a vida passada e o presente, fazemos projeções para o futuro
etc., seja na família ou nas escolas, com ajuda dos pais, professores e livros,
seja por intermédio dos meios de comunicação de massa, tais como a televi-
são, o rádio, os jornais impressos, as revistas, a internet etc. Em resumo: ao
longo das nossas vidas, conhecemos cada vez mais. Será, contudo, que sa-
bemos explicar o que é conhecimento? Pare um instante esta leitura e tente
responder, agora, para si mesmo, essa indagação.
Imagino que você sentiu dificuldades para encontrar uma resposta à
pergunta o que é conhecimento. Apesar desta constatação, você ainda pode
Filosofia da Educação
10
não estar convencido da importância de refletir e discutir sobre este tema.
Afinal de contas, no mundo em que vivemos, costumamos ler e ouvir que im-
porta é que conhecemos e sabemos fazer isto e/ou aquilo, que temos conta-
tos com este e/ou aquele indivíduo, que já aprendemos muitas coisas através
dos livros e da televisão, utilizando para tanto nossa visão, nossa audição, o
tato etc. De fato, você certamente conhece muitas coisas e, por exemplo, tal-
vez não tenha maiores dificuldades para responder algumas questões de
matemática ou de língua portuguesa, ou de localizar um endereço aonde nun-
ca esteve antes.
Não podemos, entretanto, por esses motivos, ignorar a discussão
acerca do conhecimento. Afinal, convenhamos que, no mínimo, é constrange-
dor que você afirme cotidianamente que conhece algo, um lugar ou alguém,
sem saber exatamente o que significa conhecimento. Foi por
essas razões que decidimos iniciar nosso fascículo chaman-
do sua atenção para importância de entendermos algumas
noções básicas sobre: o que quer dizer conhecimento?
Como se dá o processo de conhecer? Quais seus limites?
Quais as principais posições filosóficas acerca do conheci-
mento?
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11
1 Conceitos e Caracterizações
Devemos dizer, antes de tudo, que é possível conceituar
conhecimento com base em diversas perspectivas, bem como
apontar, nele, uma variedade de características. Temos, pois,
que fazer algumas escolhas.
Primeiramente, a problemática do conceito. Segundo
Luckesi e Passos (2002, p. 16), “no que se refere ao conheci-
mento, há quatro elementos a serem destacados: um sujeito
que conhece; um objeto que é conhecido; um ato de conhecer e, finalmente,
um resultado”. Escolhemos conceituar o conhecimento tomando-o, por um lado,
como processo (ato de conhecer) e, por outro lado, como produto (resultado)
do esforço para conhecer.
Considerado como produto, conhecimento é o
resultado ou explicação produzida, elaborada e apre-
sentada, por exemplo, sob a forma de proposição ou
conceito. Temos esta ideia de conhecimento quando o
aluno lê e assimila o conteúdo de um livro que, por exem-
plo, trata das principais teorias da educação, ou quan-
do o professor toma esse mesmo livro como base para realizar uma aula
expositiva dos principais aspectos das teorias educacionais. Nestes dois
casos, a condição tanto a do aluno quanto a do professor é a de usuário de
um conhecimento que está contido em um livro como resultado ou conclusão
da pesquisa do seu autor. Enfim, como produto, conhecimento é o que resul-
tou da relação processual entre o sujeito que conhece (cognoscente) e o obje-
to que foi conhecido (cognoscível). Do ponto de vista filosófico, contudo, im-
porta mais discutir o conhecimento como processo.
Entendido como processo, conhecimento é o conjunto de atos do
sujeito (do indivíduo) que quer conhecer, empreendidos com a finalidade de
responder, de descobrir ou elucidar algum problema, acerca de alguma coisa
GLOSSÁRIO
Proposição: em sen-
tido lógico- filosófico, é
a expressão em que se
afirma ou se nega al-
guma coisa em relação
a um sujeito ou objeto.
Filosofia da Educação
12
ou objeto, de algum fenômeno da natureza, de alguém, ou mesmo de alguma
situação social, política etc. Perceba que, neste caso, o sujeito tem um papel
ativo: ele produz conhecimento sobre, e não apenas utiliza conhecimento para.
Sem desconsiderar a ideia de conhecimento como produto, Severino nos apre-
senta um conceito de conhecimento que expressa bem o que é o conheci-
mento como processo. Ele diz:
conhecimento é a relação estabelecida entre sujeito e objeto, na
qual o sujeito apreende informações sobre o objeto. É atividade o
psiquismo humano que torna presente à sensibilidade ou à inteli-
gência um determinado conteúdo, seja ele do campo empírico ou
do próprio campo ideal. (SEVERINO, 1994b, p. 38).
Das palavras de Severino, destacamos a ideia de que conhecimento
não é somente sobre fatos da realidade material, mas é também saber acer-
ca das questões ditas teóricas, abstratas. Por essa razão, podemos elaborar
conhecimento sobre o que é a liberdade, Deus, o amor, o pensamento etc.
Você agora é aluno de uma instituição universitária. Deve ter ouvido
dizer por aí que, nas Universidades, desenvolve-se o ensino, a pesquisa e a
extensão. Pois bem, na forma como o ensino é desenvolvido hoje em grande
parte das escolas, é exemplo claro da situação em que você, como educan-
do, torna-se um sujeito passivo, mero usuário do conhecimento. Esta condi-
ção de aluno usuário do conhecimento é limitante, na medida em que ela não
desperta no indivíduo estudante o posicionamento crítico sobre a realidade,
sobre aquilo que lhe é ensinado.
Já a atividade da pesquisa é típica situação em que nos você pode
se tornar sujeito ativo, produtor de conhecimentos. Pesquisar exige o uso do
raciocínio, da reflexão, requer anáalise, comparação, estimula o senso crítico
sobre o Eu, o Outro e o Mundo. Se você se conformar unicamente com a
condição de simples usuário ou sujeito passivo do conhecimento, talvez nun-
ca saiba o que é conhecer, se o que aprendeu tem algum fundamento ou não.
Ao contrário disso, na atividade de pesquisa, é necessária a postura do indi-
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13
víduo como sujeito ativo no processo de conhecimento, o que faz com que ele
seja reconhecido por seus pare como ser-pensante, diferenciando-se, assim,
dos demais animais. Por isso mesmo, é especialmente o conhecimento como
processo, que exige que o homem se manifeste como ser de pensamentos,
que iremos considerar e analisar, sob o ponto de vista filosófico, em nossa
disciplina.
Partindo do conceito de conhecimento como processo, há pouco apre-
sentado, podemos apontar-lhe algumas características importantes do conhe-
cimento. Em primeiro lugar, como consequência de ser um processo e de
estar diretamente ligada à atividade do pensamento dos homens, o conheci-
mento não pode ser tomado como algo pronto e acabado. O homem está
sempre renovando o pensamento, seus conceitos e práticas e formulando
novas ideias, novas teses, teorias etc. Porque é sempre processual, o conhe-
cimento é necessariamente um eterno movimento, de modo que não pode
ser considerado como verdade absoluta, estática.
Outra importante característica do conhecimento é que ele não é neu-
tro, imparcial. A verdade é que sempre que queremos e agimos para conhe-
cer algum objeto ou alguém, um ser qualquer ou um fenômeno da natureza,
fazemos isto paraatender determinados interesses pessoais, profissionais,
ou de terceiros. Não existe, por conseguinte, conhecimento desinteressado:
o conhecimento é sempre conhecimento de e para. No caso específico do
conhecimento de natureza científica, o filósofo e epistemólogo Hilton Japiassu,
em diversos livros que publicou tratando das relações do conhecimento, de-
nuncia o que chama de “mito da neutralidade científica”, isto é, a tese de que
o conhecimento científico é objetivo e, por isso mesmo, livre de interesses
subjetivos.
Para caracterizamos o conhecimento, no sentido em que estamos
DESAFIO
Pesquise buscando encontrar argumentos que demonstrem que o conhecimento
não é neutro.
Filosofia da Educação
14
considerando, como saber processual elaborado e fun-
damentado, podemos distinguí-lo do simples ato de opi-
nar. Foi isso que fez Platão, na Grécia antiga. Para este
filósofo, devemos diferenciar a doxa, a opinião, da
epistéme, ou seja, do conhecimento verdadeiro e justifi-
cado. (Platão, 1998, p. 72-73). Segundo Zilles (2005, p.
20), referindo-se aos Diálogos Mênom e A República,
ambos escritos por Platão, duas “características” ajudam nessa distinção: “ver-
dade e certeza. Essas [duas características] distinguem conhecimento de
opinião, à qual falta uma ou outras, ou ambas”; ou seja: a opinião é sempre
desprovida da verdade ou da certeza, ou mesmo das duas. Para Platão, o
conhecimento só é confiável se corresponder à verdade, se for certo, justifica-
do. A ciência ou epistéme, quer dizer, o verdadeiro conhecimento, é sempre
marcado pela verdade e pela certeza. Ao contrário disso, as opiniões, em
geral, são enganadoras, falsas, são simulacros.
Por fim, destacamos uma outra forma de caracterizar o conhecimen-
to, especialmente o de natureza científica. No século XX, o filósofo Karl Popper
apresentou suas teorias sobre o conhecimento. Para este filósofo, a ciência,
o conhecimento científico, tem caráter meramente hipotético. Isto significa que
uma teoria científica não pode ser afirmada como certeza, como verdade ab-
soluta. Uma teoria científica é válida tão-somente como saber provisório, en-
quanto não é refutada por uma outra teoria que explique melhor a realidade.
Enquanto determinada teoria não é falsificada por uma outra, ela permanece
aceita pela comunidade científica. Esta posição aberta de Popper contrasta
com a opinião típica do senso comum de que o conhecimento, sobretudo o
científico, é sempre portador da verdade.
PARA REFLETIR
Teria sido possível
o chamado “pro-
gresso das ciênci-
as” caso a ativida-
de de conhecer
fosse paralisada?
Consulte as obras de Popper: Lógica da pesquisa científica e Conhecimento objetivo.
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2 Teoria do Conhecimento e Epistemologia
Visto que argumentamos para lhe convencer da
importância de se discutir e analisar criticamente a res-
peito do conhecimento humano, você pode está agora
se questionando se há alguma disciplina específica
encarregada de estudar sobre a problemática do co-
nhecimento. Pois bem, podemos lhe assegurar que sim.
Um ponto consensual entre os teóricos que se dedicam à problemá-
tica do conhecimento é de que este e suas relações e determinações são
objeto de estudo tanto da Filosofia quanto das ciências, notadamente as cha-
madas ciências humanas ou sociais. A que área compete tal tarefa — eis a
questão. O fato é que tanto a Teoria do conhecimento quanto a
Epistemologia são disciplinas que visam compreender o fenômeno do co-
nhecimento. Esta situação parece ser a causa de muitos estudiosos e inte-
ressados neste tema tratarem estas duas disciplinas, ora como sinônimas,
ora como distintas. Devemos lhe dizer, todavia, que, no nosso modo de con-
ceber, devemos considerar a Teoria do conhecimento como a parte da
Filosofia responsável por refletir acerca do conhecimento, reservando o
título de Epistemologia para a disciplina que analisa o conhecimento do
ponto de vista científico. Em face disto, precisamos fazer breves conside-
rações sobre ambas, recorrendo às posições dos teóricos.
Na base de toda essa discussão — Epistemologia ou Teoria do co-
nhecimento — parece estar o significado da palavra epistéme. Segundo Ma-
chado (1982, p. 148-149), o filósofo francês Michel Foucault (1926-1984)
conceitua epistemê assim:
Epistemê não é sinônimo de saber; [...]. A epistemê é a ordem
específica do saber; é a configuração, a disposição que o saber
assume em determinada época e que lhe confere uma positividade
enquanto saber.
Filosofia da Educação
16
 Para Foucault, pois, cada época tem uma
epistemê (epistéme) específica, quer dizer, possui
um modo ou paradigma (Thomas Kuhn, 1922-1996)
particular que fundamenta a elaboração e organiza-
ção do conhecimento. Isto implica dizer que, em cada
período da nossa história, o conhecimento que obtemos do Eu, do Outro e do
Mundo é elaborado e modificado de acordo com certos preceitos admitidos
como pertinentes nesta época. O conhecimento, por isso mesmo, deve ser
visto como um processo histórico. Foucault não se mostra preocupado em
decidir por uma ou outra opção: se Epistemologia ou Teoria do conhecimen-
to. Seu interesse parece ser o de mostrar que, em virtude da natureza proces-
sual-histórica, a compreensão do conhecimento exige sempre uma espécie
de arqueologia do saber. Para se entender sobre o conhecimento, seja da
perspectiva filosófica seja na científica, requer em todo caso que se compre-
enda a epistéme de cada período histórico.
Entre aqueles que admitem a possibilidade da Epistemologia ser con-
siderada, em determinados contextos, como sinônima de Teoria do conheci-
mento, temos o professor Antonio Severino, para quem:
A epistemologia é a área da Filosofia que estuda a questão do
conhecimento humano, tendo assumido dois sentidos na tradição
filosófica ocidental. Um sentido geral: estudo descritivo e crítico
dos processos gerais do conhecimento, tendo por sinônimos
gnosiologia, teoria do conhecimento; e um sentido mais restrito:
estudo descritivo e crítico do conhecimento científico em particu-
lar. Só o contexto de seu uso no texto poderá esclarecer em que
sentido o temo está sendo tomado. (SEVERINO, 1994b, p. 38).
Aranha e Martins (1996, p. 128), simplificam afirmando de maneira
clara, que “a teoria do conhecimento é a parte da filosofia que investiga as
relações entre o sujeito cognoscente (que conhece) e o objeto cognoscível
(que pode ser conhecido).” Já para ChauÍ (1994, p. 55),
GLOSSÁRIO
Epistemé é uma palavra
de origem grega, que
quer dizer “fazer ciência”.
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epistemologia é: análise crítica das ciências, tanto as ciências
exatas ou matemáticas, quanto as naturais e as humanas; avalia-
ção dos métodos e resultados das ciências; compatibilidade e in-
compatibilidade entre as ciências; formas de relações entre as
ciências, etc.
 Teoria do conhecimento é o estudo das diferentes modalidades de
conhecimento humano: o conhecimento sensorial ou sensação e percepção;
a memória e a imaginação; o conhecimento intelectual; a ideia de verdade e
falsidade; a ideia de ilusão e realidade; formas de conhecer o espaço e o
tempo; formas de conhecer relações; conhecimento ingênuo e conhecimento
científico; diferença entre conhecimento científico e filosófico, etc.
Outra posição esclarecedora nos é dada por Urbano Zilles. Segundo
este autor, “a palavra epistemologia significa, etimologicamente, ‘discurso,
sobre a ciência’ ou ‘teoria da ciência’. Estuda não o conteúdo, mas a forma
da ciência.” (Zilles, 2005, p. 34). Para Zilles, é apropriado sempre considerar
a Teoria do Conhecimento como a área da Filosofia que se ocupa exclusiva-
mente das questões relativas à origem ou fontes do conhecimento e suas
possibilidades, e reservar o termo Epistemologia para designar a área de
conhecimento responsável por estudar as questões relações referentes às
ciências.Considerando especialmente as palavras de Zilles e Chauí, pode-
mos afirmar-lhe, conclusivamente, que interessa à Epistemologia, também
chamada de Teoria das ciências, o estudo dos métodos científicos, os princí-
pios ou critérios necessários para que um saber possa ser dito científico, a
análise crítica dos resultados apresentados pelas diversas ciências, relações
entre as várias ciências etc. Já a questão essencial da Teoria do conhecimen-
to, que aqui assumimos como sendo a área da Filosofia que se preocupa
com a problemática do conhecimento, consiste na busca pela compreen-
são da origem ou fontes do conhecimento, sua fundamentação e pos-
sibilidades.
A existência e certa concorrência entre a Epistemologia e a Teoria do
Filosofia da Educação
18
conhecimento testemunham o fato de que o conhecimen-
to não é objeto de interesse exclusivo dos filósofos. Os
cientistas, também, têm empreendido esforços no senti-
do de discutir e compreender sobre o conhecimento. Quan-
do agem neste sentido, entretanto, estão fazendo
Epistemologia ou Teoria da ciência, até porque o interes-
se deles é específico, particular, isto é, focaliza somente o
campo específico das ciências. Em relação à Teoria do
Conhecimento, como atividade filosófica, pergunta pela possibilidade e pela
fundamentação do conhecimento em sentido geral, seja ele conhecimento
mítico, científico, teológico, artístico e até o próprio conhecimento filosófico.
A Epistemologia se preocupa com as formas e os resultados assu-
midos pelo fazer ciência. Quando perguntamos pela validade dos métodos (a
experimentação, a observação) e instrumentos da ciência, sua estrutura lógi-
ca ou a coerência dos termos das proposições da teoria científica, quando
indagamos se o melhor caminho é o procedimento dedutivo, o indutivo ou o
dialético, ou ainda, quando queremos avaliar, sob o ponto de vista técnico e
ético, os efeitos da aplicação prática de certos experimentos em pesquisas
medicinais, biológicas etc., os efeitos práticos na vida sóciopolítica, econô-
mica dos homens etc., estamos diante de questões epistemológicas.
Quanto à Teoria do conhecimento, as três questões básicas com as
quais ela se ocupa são:
1) O que é conhecimento?
2) Quais as possibilidades do conhecimento?
3) Sendo possível, quais são as fontes, isto é, os pressupostos ou
fundamentos teórico-práticos do conhecimento?
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19
Ao longo da História, as respostas dos filósofos a essas questões
são múltiplas, e estão relacionadas, como diria Foucault, à epistéme ou ao
contexto histórico em que esses filósofos viveram. Além disso, você já deve
ter concluído quão difícil é a tarefa de elaborar uma Teoria do conhecimento
porque, afinal, trata-se de formular um conhecimento que trate do conheci-
mento. Isto nos autoriza a aceitar a existência de uma pluralidade de teorias
relativas ao conhecimento.
Por fim, chamamos sua atenção para reforçar a ideia de que o co-
nhecimento, seja ele concebido como processo, quer seja entendido como
produto, nomeado de científico, religioso, metafísico etc., ele é sempre objeto
de interesse da Filosofia. Por conseguinte, interessa também à Filosofia da
Educação, afinal, como já destacamos antes, o conhecimento é o meio por
excelência que possibilita e dá sentido às atividades do educador e do edu-
cando.
3 Conhecimento, Verdade e Realidade
Quando pensamos em conhecimento logo nos vem à mente a ideia
de um saber verdadeiro sobre determinada realidade. De fato, quando que-
remos conhecer acerca de algum objeto, um fenômeno da natureza, alguém,
estamos à procura de respostas verdadeiras ou próximas da verdade. Por
isso mesmo, é pertinente escrever algo sobre a relação conhecimento/
verdade/realidade.
Em primeiro lugar, chamamos sua atenção para o sentido dos ter-
mos realidade e verdade. Realidade é tudo que constitui o mundo real; é,
pode-se dizer de modo sintético, tudo o que existe. O termo verdade vem do
grego a-létheia e significa desnudar, tirar o véu, elucidar. Assim, verdade é um
desvendar, um elucidar, emitindo um juízo sobre a realidade. Assim, conheci-
mento verdadeiro é o conjunto de ideias, teses, teorias que, segundo nosso
juízo, correspondem à realidade, ao que existe.
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Existem vários critérios para se estabelecer um conhecimento como
verdadeiro. Um dos principais é a condição de que só pode haver conheci-
mento verdadeiro acerca da realidade se existir concordância entre pelo me-
nos dois pólos distintos. Esta concordância pode ocorrer de diversas manei-
ras. Uma destas formas é a que o pensamento con-
corda com o objeto; neste caso, temos a verdade
de natureza lógica. Se você, logo que vê ou toca
em um livro pensa exatamente a ideia de livro, en-
tão você pensou a verdade, uma vez que seu pen-
samento concordou logicamente com o objeto que
você viu.
Outro tipo é a verdade de natureza
moral. Ocorre quando há concordância entre a
atitude do indivíduo, diante de uma situação práti-
ca de vida, e seu modo de pensar. Assim, por
exemplo, ainda que não tenha visto certa pessoa
cometer um crime, mesmo assim você ainda ga-
rante ter presenciado que ela o fez, estás mentin-
do em relação ao que efetivamente aconteceu e
que está em sua consciência; ou seja, estás faltando com a verdade moral.
Uma terceira forma é a verdade das coisas, caso em que o objeto
concorda com outro objeto que lhe serve de modelo. Temos essa situação
quando, por exemplo, o dinheiro que manuseamos está em conformidade com
o padrão estabelecido pelo Banco oficial encarregado de fabricar tal moeda.
Destacamos, pois, algumas das principais relações entre conheci-
mento, verdade e realidade. Você deve convir, afinal de contas, quão estra-
nho seria admitir uma informação como verdadeira, ainda que a mesma seja
contrariada pela realidade. Neste sentido é que argumentamos para dizer
que um conhecimento se estabelece como verdadeiro, dentre outras condi-
ções, quando há concordância entre pensamento e objeto (verdade lógica),
GLOSSÁRIO
Lógica é a parte da
Filosofia que ocupa
de estudar as leis do
raciocínio.
GLOSSÁRIO
Os valores morais de uma
sociedade são o conjunto
de valores e práticas que
que estão na cosnciência
dos indivíduos e que regem
a vida social sem, neces-
sariamente, fazer parte de
uma legislação.
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e/ou entre o modo de agir e de pensar do indivíduo (verdade moral), e/ou
entre a coisa e o modelo dela aceito como autêntico (verdade das coisas).
4 Níveis de Conhecimento
O conhecimento possui diferentes fontes, tais como: os sentidos, a
fé, a intuição, a imaginação e o intelecto. Estas fontes, todavia, não traba-
lham de modo separado, de modo que, em geral, se integram para
potencializar nossa capacidade de conhecer. Mediante o sentido da visão,
por exemplo, você pode observar o que acontece ao seu redor. Diante de
problemas que não se sabe por onde começar a solucioná-lo, você pode ter
alguma intuição ou imaginar um caminho que possa lhe levar a resolvê-lo. Em
qualquer destes casos, encontrar a resposta ou solução exige sempre a com-
binação dos mesmos com o trabalho da faculdade do intelecto ou da razão.
O uso combinado dos sentidos com a intuição e o intelecto potencializa
as chances de encontrarmos respostas verdadeiras ou mais pertinentes aos
problemas que temos para resolver. Ocorre, porém, que, por comodismo ou
algum tipo de limitação, abrimos mão de realizar esta junção. Além disto, ou-
tros fatores de ordem política, social, religiosa, cultural etc., limitam ou até
mesmo impedem que o processo para conhecer seja desenvolvido satisfato-
riamente.
Outros fatores são igualmente importantes para classificar o nível de
conhecimento, por exemplo, o uso de uma metodologia e de uma linguagem
rigorosa, não ambígua. Um método rigoroso é fundamental no momento da
constituição do conhecimento,no processo de elaboração da tese ou teoria.
Já o rigor da linguagem se faz necessário para expressar ou comunicar de
maneira técnica e precisa, portanto sem ambiguidades, o conhecimento obti-
do. Em razão destes motivos é que podemos classificar o conhecimento em
dois níveis: o crítico e não crítico.
Dentro da perspectiva filosófica, o uso das atividades racionais, pró-
Filosofia da Educação
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prias da razão, tais como a capacidade de raciocí-
nio, a reflexão, a crítica, a análise, a ponderação,
etc., são os princípios determinantes do conheci-
mento crítico. Quando realizamos estas operações
intelectuais, o conhecimento resultante tende a ser
mais consistente e abrangente, portanto, nos ajuda
a compreender mais e melhor a realidade. São
exemplos deste nível o conhecimento filosófico e
o científico. Quando, ao contrário, ideias ou teorias são estruturadas alheias
ao crivo da razão, da nossa capacidade de julgar, de escolher, temos então o
nível acrítico de conhecimento. São exemplos deste nível de conhecimen-
to o senso comum e o conhecimento religioso etc.
Antes de procedermos com a exposição acerca dos tipos de conhe-
cimento, porém, devemos ressaltar que, acima de tudo, o conhecimento for-
ma uma totalidade, um todo no sentido que, no mais das vezes, a melhor
explicação sobre algo ou alguém exige a conjunção das várias formas de
conhecimento. Assim é que as divisões que apresentamos neste texto têm
caráter essencialmente pedagógico, isto é, visam a facilitar que você assimi-
le a especificidade de cada tipo de conhecimento.
A divisão dos saberes em diversas disciplinas escolares — a Mate-
mática trata de medidas, propriedades e relações de quantidades e grande-
za, enquanto que a Física se ocupa das propriedades e leis da matéria etc. —
, não quer dizer que se pode compreender a Física ignorando a Matemática.
Ao contrário, o cálculo físico pressupõe algum domínio de operações mate-
máticas. No mesmo sentido, devemos conceber que, por exemplo, o conheci-
mento religioso e o senso comum, apesar de não serem críticos, não quer
dizer que não tenham importância na tarefa do homem de compreender o
mundo no qual ele está inserido.
Pense nisto:
O fato de um conhecimen-
to não ser essencialmente
crítico não implica que seja
falso ou de menor valor;
quer dizer somente que ele
não foi submetido ao crivo
da razão. O conhecimento
artístico ou religioso, por
exemplo, tem sua impor-
tância no contexto social.
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5 Tipos de Conhecimento
Você pôde compreender, ao longo da seção anterior, que a faculda-
de humana da razão, as operações ou atividades racionais, tais como a atitu-
de crítica e reflexiva, o exercício analítico e analógico, aliado ao uso adequa-
do da linguagem e a um rigor metodológico e, no caso das ciências, do uso
de instrumentos de aferição e testes, são elementos que caracterizam um
conhecimento como crítico. E que, de outra parte, o conhecimento que não
possui estes caracteres é denominado de não crítico. Você também ficou
sabendo que Filosofia e Ciência se enquadram no primeiro caso e que o
conhecimento Senso comum e o Religioso são exemplos da segunda situa-
ção. Apresentaremos, a seguir, brevemente, as duas formas acríticas de co-
nhecimento: o Senso comum e a Religiosa. Falaremos em seguida da Ciên-
cia. Todavia, pedimos a você um pouco de paciência porque só apresentare-
mos sobre a Filosofia, como forma crítica de conhecimento, na próxima uni-
dade deste nosso fascículo, quando então nos dedicaremos a discutir sobre
Filosofia e Educação.
5.1 Senso comum
O conhecimento denominado de senso comum, que ainda alguns
autores chamam de “conhecimento vulgar”, caracteriza-se por ser o saber
nosso de cada dia, de natureza espontânea, ou que recebemos como se fos-
se uma espécie de herança cultural de gerações anteriores. Este conheci-
mento é também caracterizado por ser recepcionado por nós de maneira
assistemática e sem nenhuma contestação. Cervo e Bervian (1976, p. 16),
chamam o Senso comum de conhecimento empírico e se manifestam sobre
ele nos seguintes termos:
pelo conhecimento empírico o homem conhece o fato e sua ordem
Filosofia da Educação
24
aparente, tem explicações concernentes às razões de ser das
coisas e dos homens e tudo isso obtido pelas experiências feitas
ao acaso, sem método, e por investigações pessoais feitas ao
sabor das circunstâncias da vida; ou então haurido no saber dos
outros e nas tradições da coletividade.
Dizer que o Senso comum é cotidiano é res-
saltar que ele nasce das conversas e contatos espon-
tâneos e diários que mantemos com outras pessoas.
Grande parte destas conversas e contatos são con-
vertidos, por força das tradições, ou mesmo de cir-
cunstâncias atuais, numa espécie de consenso en-
tre os indivíduos, de modo que passam a ser admitidos como uma espécie
de herança formadora de um saber “verdadeiro” ou aceitável, ainda que não
seja objeto de análise crítica ou comprovação. Eis porque passam a ser cha-
madas de Senso comum.
O fato de ser comum a todo um grupo social, ou mesmo à toda uma
sociedade, não garante legitimidade e veracidade ao conhecimento Senso
comum. Aliás, se você observar os diálogos cotidianos entre as pessoas com
as quais convive, perceberá o quanto estas conversas são marcadas por fra-
ses equivocadas, falsas, preconceituosas, generalizadoras etc. Por causa
disso é que Cotrim (2002, p. 47) diz:
o que caracteriza basicamente as noções pertencentes ao senso
comum não é a sua verdade ou falsidade. É a falta de fundamen-
tação sistemática. Isto é, as pessoas não sabem o porquê des-
sas noções. Trata-se, portanto, de um conhecimento adquirido sem
uma base crítica, precisa, coerente e sistemática.
5.2 Conhecimento religioso
Existe um Ser criador do universo e de tudo o que nele existe? Este
Ser é Deus? Quem/que criou Deus? Sua natureza é espiritual? Que poderes
o Ser criador possui? Existe vida após a morte? Existem espíritos, alma?
PARA REFLETIR
Apesar de toda essa ca-
racterização negativa,
podemos abrir mão do
Senso comum?
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Segundo os religiosos, respostas convincentes para estas e outras
perguntas, respostas estas que parecem escapar do campo de domínio das
formas críticas de saber (a Filosofia e a Ciência), são respondidas, de manei-
ra satisfatória, pelo conhecimento Religioso. A validade das ideias e solu-
ções oferecidas por este tipo de conhecimento exigem por parte do sujeito,
necessariamente, que admita como legítimo o critério da fé, que tenha a con-
dição de crente; a condição de acreditar em determinadas ideias e teorias,
independentemente de comprovação científica ou demonstração filosófica.
O conhecimento Religioso consiste em se considerar uma ideia ou
teoria como verdadeira, ou simplesmente aceitá-la sem nenhum
questionamento. Ele pressupõe que se acredite na posição de terceiros que,
por sua vez, está respaldada em documentos ou acontecimentos de origem
“sagrada”, “divina”, “sobrenatural”, na palavra revelada pelo Ser transcendental
criador, que os povos ocidentais chamam de Deus. Devemos, enfim, ter fé ou
total confiança para que o conhecimento Religioso possa fazer sentido para
nós.
O conhecimento religioso tem a pretensão de se estabelecer como
uma verdade universal. O problema é que, devido à ampla aceitação do
princípio de que o homem é um ser essencialmente racional, a fé perde a
capacidade de conseguir novas adesões, em virtude de seus conhecimentos
não serem demonstrados mediante a razão humana.
O conhecimento religioso se distingue do conhecimento filosófico
porque a base de estruturação deste, a fé, não é a mesma que sustenta a
Filosofia, que por sua vez é fundamentada na razão. Por motivos semelhan-
tes, a Filosofia também se diferencia do Senso comum, uma vez que este tem
como base opiniões não demonstradas, muitas vezes contraditórias, impre-cisas, ao passo que o conhecimento filosófico é caracterizado pelo rigor da
razão, pelo uso do raciocínio, da reflexão crítica, de modo que a ideia ou teo-
ria filosófica seja sempre a mais coerente e precisa.
Cabe anotar, aqui, um decisivo reparo sobre o conhecimento religio-
Filosofia da Educação
26
so e senso comum. Você não pode esquecer que, neste momento, tem em
mãos um fascículo de uma disciplina de um curso universitário. Que significa
isto? Significa que, em textos como estes, é muito comum a valorização do
saber das ciências e da Filosofia enquanto formas de conhecimento e con-
teúdos que constituem, por excelência, os processos de ensino/aprendiza-
gem nas universidades. Isto, porém, não quer dizer que devamos desprezar o
conhecimento religioso e o senso comum. Ora, o homem não é um ser exclu-
sivamente racional; portanto, não pode ser compreendido apenas por meio
da razão. E, afinal, podemos ignorar a linguagem comum e fazermos uso
cotidiano, em todas as situações, unicamente do conhecimento científico e/
ou filosófico?
Zilles (2005, p. 26), introduz bem a distinção entre conhecimento reli-
gioso/senso comum, e entre senso comum/ciências. Ele diz: “do ponto de
vista da Teoria do conhecimento, a crença [...] é mais forte que a opinião, mas
mais fraca que o conhecimento [racional científico e filosófico].” Para finalizar,
ressaltamos que filósofos como Karl Popper destacam a importância do sen-
so comum para o início das ciências, enquanto que outros, como René Des-
cartes e Immanuel Kant, outrora afirmaram que, embora possam não ser de-
monstrados empiricamente, muitas ideias religiosas são decisivas para a for-
mulação de leis das ciências e à prática de valores morais necessários à vida
em sociedade.
5.3 Conhecimento científico
Para iniciarmos esta leitura, considere como verdadeira a tese de
que foi um conjunto de situações de ordem natural e material, sentimental e
intelectual, que deram margem para o surgimento e desenvolvimento das ci-
ências tal como as conhecemos nos dias de hoje. É o que podemos designar
de tese do surgimento histórico e processual das ciências. Podemos
exemplificar essa tese dizendo ter sido a impotência do homem diante dos
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poderes e da força da natureza (terremotos, enchen-
tes, doenças, o ataque de animais selvagens etc.), e
simultaneamente a necessidade de superar tais con-
dições, que fizeram com que ele se desenvolvesse
como homo sapiens e passasse a buscar desen-
volver meios materiais e intelectuais de sobrevivên-
cia e proteção física de sua espécie.
Foi por insegurança, por medo, pela necessidade de comunicação e
de estabelecer relações comerciais e intelectuais com seus pares, etc., que
fizeram o homem buscar respostas racionais, lógicas, objetivas, que lhe aju-
dassem a enfrentar os desafios da navegação, enviar satélites para a órbita
terrestre, desenvolver modernos meios de transporte e comunicação, tudo
isso e muito mais para satisfazer suas necessidades orgânicas, seus interes-
ses pessoais e coletivos, sua intelectualidade como uma das principais for-
mas de superação de seu caráter meramente animal. Enfim, é nestas circuns-
tâncias que a Ciência nasce, ainda na antiguidade, e se desenvolveu continu-
amente como saber de aplicação prática capaz de melhorar a vida humana,
como produto do esforço humano para vencer os desafios naturais e sociais,
bem como sendo um tipo de saber que, definitivamente, afirma a capacidade
racional e crítica dos homens.
Além da já aludida natureza histórica, que expomos há pouco, desta-
camos ainda que as ciências derivam-se do interior do conhecimento filosófi-
co. (Estudaremos este processo de derivação na próxima unidade, por oca-
sião da apresentação e caracterização do conhecimento filosófico). Além dis-
so, elas resultam também de uma série de descobertas ocasionais e intenci-
onais, bem como da invenção e aprimoramento de técnicas e instrumentos
de trabalho e de pesquisas que possibilitaram a constituição de conhecimen-
tos acerca do universo, da natureza e dos homens.
Estes conhecimentos, técnicas e instrumentos, desenvolvidos por
povos antigos, como os gregos, os fenícios, os hindus, os egípcios, os
Filosofia da Educação
28
babilônios etc., propiciaram a organização de um caminho (método) a seguir
na procura pelo conhecimento pela objetividade, na busca pelo saber verda-
deiro da realidade, quer dizer, do Eu do Outro e do Mundo. Estes caracteres
tornaram-se, portanto, as marcas determinantes
do advento das “ciências modernas” com suas
inúmeras conquistas e descobertas, as quais
você mesmo pode constatar observando diaria-
mente as novidades tecnológicas que estão ao
seu redor.
Comparativamente a outras formas de conhecer, como a mítica, a
religiosa, o senso comum e a filosófica, a ciência que temos hoje é um bebê;
ela é uma atividade relativamente nova, tendo aproximadamente cerca de
500 anos contra cerca de 2500 anos da Filosofia. As bases estruturais do
fazer ciência nos dias atuais foram construídas a partir dos séculos XVI e XVII
pelos filósofos Francis Bacon, Nicolau Copérnico, René Descartes, Galileu
Galilei (1564-1642), dentre outros. Este último, alias, é considerado o “pai” ou
precursor da ciência moderna.
Que é Ciência, afinal? Pelo que já expomos, cremos que você já é
capaz de formular um conceito/definição de Ciência. Em razão de sua nature-
za, contudo, a concepção de Ciência muda de acordo com as condições de
cada época histórica. É esse movimento que faz Paviani (2006, p. 73) afirmar
que, “no passado recente, a ciência era vista como um conjunto de resulta-
dos, [e] hoje é entendida como um processo permanente de investigação.”
Tentando conceituar e caracterizar a Ciência, Aranha (1996, p. 105), afirma:
o recurso da experimentação, e da matematização, tornou possí-
vel à ciência delimitar os objetos a serem estudados, descobrindo
regularidades que permitiram estabelecer leis gerais e teorias nos
fenômenos observados. As consequências de um saber tão rigoro-
so e elaborado não demoraram a se fazer sentir, com as transfor-
mações tecnológicas que mudaram a face do mundo.
GLOSSÁRIO
Filosoficamente falando, pode-
se dizer que a tecnologia é o
resultado do casamento entre
as Ciências e as técnicas.
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29
A Ciência é uma atividade racional, crítica, que objetiva, por meio de
métodos rigorosos e sistemáticos de pesquisa e investigação, elaborar um
conhecimento acerca de alguém, de algo, de um fato ou fenômeno particular
da realidade, visando estabelecer leis de caráter universal e necessárias. Este
conhecimento, para ser efetivamente de cunho científico, deve ser convertido
numa precisa e objetiva linguagem lógica e matemática, a ponto de poderem
se constituir em leis científicas e, desta forma, servirem de base para previ-
sões ou serem repetidas por outras pessoas, desde que estas estejam nas
mesmas condições (temperatura, espaço etc.) em que a lei científica foi for-
mulada.
As leis científicas são formuladas com
bases em critérios de regularidades observa-
das e/ou experimentadas em relação a alguns
fatos particulares. A lei científica, para ser con-
siderada universal, deve fazer a generalização
de verdades particulares. Por exemplo, a observação de que o ferro, o cobre
e outros tantos metais são condutores de energia, induzem à conclusão e
formulação da lei científica de que todos os metais são condutores de ener-
gia. É o que se pode denominar de generalização, ou indução, com bases em
particularidades. Assim, com base em certas regularidades constatadas pela
observação e experimentação de fatos particulares empíricos, a Ciência al-
meja estabelecer um tipo de conhecimento que tenha o status de universal e
necessário.
A Ciência também se pretende como saber objetivo e neutro. Para
tanto, apresenta seus resultados na forma de uma linguagem técnicade natu-
reza lógica e matemática. Os cientistas crêem que este procedimento imuni-
za-os das costumeiras ambigüidades da linguagem que usamos cotidiana-
mente, assim como os livra da interferência de sentimentos e interesses sub-
jetivos do pesquisador quando da apresentação dos resultados da pesquisa.
Sendo, pois, dados inteiramente objetivos, a Ciência, então, pode ser confi-
Fique Sabendo
O método científico indutivo con-
siste em partir de fatos parti-
culares para se chegar a con-
clusões gerais.
Filosofia da Educação
30
gurada como saber neutro, imparcial.
Sobre esta pretensão do saber científico, é preciso fazermos algu-
mas considerações. Em primeiro lugar, lembramos a você que já argumenta-
mos — e esperamos ter lhe convencido — de que toda forma de saber, por-
tanto também, a Ciência, é sempre saber de, sobre e para. Não há saber
desinteressado. Logo, o conhecimento é também saber parcial; ele atende a
determinados interesses de grupos políticos, econômicos, educacionais etc.
Conforme já enunciamos, o epistemólogo brasileiro Hilton Japiassu
denunciou por diversas vezes o que chamou de “mito da neutralidade científi-
ca”, ou seja, a suposta neutralidade das ciências naturais e sociais. Nesta
mesma linha de raciocínio contra a tese da neutralidade e da plena objetivida-
de dos resultados das pesquisas científica, em relação ao proclamado rigor
do conhecimento cientifico, o filósofo Paul Feyerabend (1942-1994), citado
por Alan Chalmers (1995, p. 175) se manifesta nos seguintes termos:
a ideia de que a ciência pode e deve ser governada de acordo com
regras fixas e universais [...] é prejudicial à ciência, pois negligen-
cia as complexas condições físicas e históricas que influenciam a
mudança científica. Ela torna a ciência menos adaptável e mais
dogmática.
Na mesma linha de raciocínio, Zilles destaca a problemática da obje-
tividade e neutralidade do saber científico como uma questão de ordem ética.
Ele se manifesta nos seguintes termos:
A história mostra que os cientistas são seres humanos capazes tanto
de grande engajamento político quanto de fanatismos. Sob este aspecto, são
profissionais muitas vezes guiados por paixões, como políticos ou religiosos,
com tendências fundamentalistas, prisioneiros de seu próprio mundo. Entre-
tanto. A institucionalização de uma ordem moral imposta de fora, com contro-
les correspondentes, certamente será problemática, como o demonstrou pas-
sado. (ZILLES, 2005, p. 156).
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Por fim, apresentamos um conceito bastante simples, porém preci-
so, do que seja Ciência, que nos é dado por Severino, filósofo da educação.
Para Severino (1994, p. 119b), “a ciência é, ao mesmo tempo, um saber teó-
rico sobre o mundo e um saber prático sobre ele” De fato, embora comumente
pensemos apenas nos objetos eletroeletrônicos, ou em medicamentos em
que se fez alguma aplicação prática das ciências, é certo, contudo, que tais
práticas não seriam possíveis se não houvessem teorias que as guiassem.
Como diz um velho ditado: o que seria do bolo sem a receita?
No capítulo 2, quando formos lhe apresentar acerca da Filosofia,
diremos algo mais sobre as ciências. Procederemos assim porque o nasci-
mento e até o desenvolvimento do conhecimento científico está intrinseca-
mente ligado ao desenvolvimento do conhecimento filosófico.
6 Objetivos e perigos do conhecimento
O conhecimento é produto da atividade humana intencional. Ele é sem-
pre saber sobre o Eu, o Outro e o Mundo em determinado tempo, lugar e
circunstâncias (sociais, políticas, econômicas, culturais etc.); é saber sobre e
para. O processo para conhecer é desencadeado toda vez que nos encontra-
mos diante de problemas ou teorias sem respostas satisfatórias, quando bus-
camos ideias que possam ser transformadas em práticas que melhorem nos-
sa qualidade de vida, gerando o que se costuma chamar de progresso. Deve-
mos, por isso mesmo, ficarmos atentos para entender os objetivos sadios e
os riscos que representam o conhecimento.
Se você observar atentamente o comportamento cotidiano das crian-
ças em seu redor, facilmente poderá constatar que, nelas, a busca pelo co-
nhecimento é uma atividade constante a ponto de podermos concluir que o
ser humano possui uma espécie de vocação natural do ser humano. Na infân-
cia, especialmente, a todo instante, os adultos são surpreendidos pelos
questionamentos das crianças com as quais convivem. O fato de não conhe-
Filosofia da Educação
32
cer sobre os objetos, as pessoas, faz com que elas indaguem. Sendo assim,
a questão que não quer calar é: por que depois que passa da fase da infância
o indivíduo, na maioria dos casos, perde essa característica de ser
questionador? Em geral, isto ocorre em função da natureza de nossa forma-
ção educacional e cultural, dos processos de ensino-aprendizagem que insis-
tem em formar o aluno como ser ouvinte e passivo, e não como ser-pensante
e ativo.
Tomando o exemplo das crianças, vimos que a busca pelo conheci-
mento é uma tendência natural do ser humano. Isto evidencia a tese de que o
conhecimento é necessário à arte de viver; quanto mais sabemos, melhor
vivemos. O conhecimento satisfaz nossas curiosidades, nos auxilia no que
fazer, mostra-nos o caminho que devemos trilhar etc. Este processo de
questionamento segue por toda a vida do indivíduo porque as respostas são
necessárias para o indivíduo subsistir. Este caráter prático do conhecimento,
aliás, é o que podemos denominar de sabedoria.
Ainda em relação aos objetivos do conhecimento, como já destaca-
mos antes, seu propósito maior é proporcionar a compreensão da essência e
da existência do Eu, do Outro e do Mundo. De fato, o homem é um animal
social, um ser que vive em sociedade, de modo que sua sobrevivência como
tal exige o conhecimento da essência humana (da alma, do espírito, dos valo-
res morais e intelectuais etc.), bem como das condições materiais (moradia,
alimentação, trabalho etc.) com base nas quais o indivíduo constrói sua exis-
tência. Eis uma tarefa grandiosa, razão pela qual costumamos dizer que “a
vida é um eterno aprender” ou que “morreremos e não saberemos tudo”. Esta
complexa e enorme tarefa, contudo, o homem não pode dela fugir.
Isto considerado, você já pode vislumbrar que o principal objetivo do
conhecimento é a conquista de um saber que proporcione ao homem com-
preender a realidade (a Si mesmo, ao Outro e ao Mundo), habilitando-o para
agir de maneira consciente, ativa, sensata, viabilizando sua integração ou
adaptação ao ambiente social, biológico, ecológico, político, econômico, cul-
FUESPI/NEAD Letras Espanhol
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tural, moral etc., em que vive. Na base dos processos de conhecimento está a
Filosofia; é por meio dela que, primeiramente, formulamos conceitos de “ver-
dade” e “validade”, de “argumento”, de “método” etc., sem os quais o proces-
so do conhecimento não pode se desenvolver. O conhecimento, uma vez ela-
borado, formulado, possibilita aos indivíduos se sentirem seguros para en-
frentar as adversidades advindas da natureza ou mesmo decorrentes da pró-
pria ação humana, bem como para agir e transformar o mundo de acordo
com seus interesses e necessidades.
Conforme sugerimos com o título desta seção, não existe conheci-
mento desinteressado; ele é sempre conhecimento de, que serve ou pode
ser usado para atingir determinados fins que não são propriamente estimu-
lantes da vida moral, orgânica e socialmente sadia. O conhecimento, na mai-
oria das situações, pode ser configurado como uma faca de dois gumes: ele
pode facultar tanto o bem quanto o mal. Isto requer, portanto, que tenhamos
muita atenção com o uso prático e/ou verbal que se faz do conhecimento.
Para tanto, a atitude filosófica, cuja natureza é crítico-reflexiva, aparece sem-
pre como uma aliada imprescindível.
Do ponto de vista material, prático, você consegue perceber os peri-
gos da aplicaçãoou concretização do conhecimento quando, por exemplo,
relembra do uso de conhecimentos físico-químicos para construção de armas
de destruição em massa, como exemplo a bomba atômica que arrasou as
cidades japonesas de Nagazaski e Hiroshima, no Japão, quase no final da
Segunda Guerra Mundial. O conhecimento também pode se tornar uma arma
perigosa quando é monopolizado. Neste caso, você pode pensar nos gran-
des laboratórios farmacêuticos que possuem o domínio exclusivo de fórmulas
de medicamentos, ou ainda nas empresas multinacionais de informática de-
tentoras do saber da chamada nanotecnologia, da fabricação de chips e ou-
tros componentes eletrônicos.
 O conhecimento, entretanto, pode se constituir em fonte de melhorias
ou de desenvolvimento de meios que geram melhores condições de vida na
Filosofia da Educação
34
Terra. Os avanços de pesquisas na área da Medicina e da Biologia têm pro-
porcionado a cura ou meios de controle para muitas doenças. Foi fazendo
uso humanitário do conhecimento que se descobriu uma vacina para cura da
poliomielite e da tuberculose etc. Apesar das questões de ordem bioética, é
fato que a elucidação de códigos genéticos e as pesquisas com células-tron-
cos oferecem boas perspectivas àquelas pessoas que sofrem de doenças
como o mal de Parkinson, o mal de Alzheimer ou doenças tetraplégicas etc.
 Todas estas questões podem ser objeto de reflexão filosófica. Nota-
mos, porém, que, em virtude mesmo da natureza teórica da Filosofia, os filó-
sofos têm se ocupado mais com o perigo do conhecimento quando este apa-
rece sob a forma de ideais ou teorias compostas por falácias e ideologias.
Assim, nesta direção, é que Severino (1994a, p. 115-125) nos fala das “peri-
gosas relações entre saber e poder”.
 A verdade é que o conhecimento é força. Quan-
do esta força é convertida em instrumento de deturpa-
ção ou de ocultação da realidade e da verdade, o co-
nhecimento perde sua função de esclarecer e
conscientizar os homens e passa a obscurecer e alie-
nar as mentes dos indivíduos. Neste caso, o conheci-
mento pode estar contaminado por falácias ou ideo-
logias.
 Discutiremos o tema da ideologia nos próximos capítulos. Por enquan-
to, trataremos das falácias. Você sabe o que é uma falácia? Falácia é um tipo
de raciocínio ou argumentação enganosa que, contudo, tenta se passar como
legítima e verdadeira. Em muitas situações, o discurso falacioso é intencio-
nal, quer dizer, seu autor age deliberadamente visando a ludibriar seu
interlocutor. É diante de uma situação como esta que se pode perceber clara-
mente quão perigosas são as relações entre saber e poder. Existem vários
tipos de argumentos falaciosos. A seguir, apresentamos alguns a você.
GLOSSÁRIO
Falácia é um tipo de
raciocínio ou argu-
mentação enganosa
que, porém, tenta se
passar como legíti-
mo e verdadeiro.
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a) Apelo à autoridade. Quando se utiliza a autoridade de alguém em de-
terminada área de conhecimento ou atividade para respaldar uma ideia
ou prática noutra área distinta. Exemplo: aceitarmos os conselhos de um
ator ou atriz que recomenda em um comercial de televisão que façamos
uso de certo medicamento.
b) Círculo vicioso. Quando uma determinada conclusão é obtida com
base em argumentos ou premissas não demonstradas. Exemplo: afirmar
que as ações de determinada empresa multinacional, na bolsa de valores,
caíram porque os investidores perderam a confiança na mesma. Ora, aca-
so foi feita uma pesquisa em todo o mundo com os eventuais investidores
desta empresa? Por acaso existe um aparelho que meça tão rapidamen-
te o grau de confiança das pessoas?
c) Falácia da causa comum. Afirma-se algo, com base em um só causa,
desconsiderando as demais. Exemplo: asseverar categoricamente que a
má Educação é produto exclusivo do despreparo dos professores. Se
aceitarmos isto como verdade, estaremos ignorando outros motivos cau-
sadores da má-educação formal (nas escolas, nas universidades etc.).
d) Causa falsa. Quando, mesmo sem a comprovação da relação causa
efeito, deduzimos algo de determinado acontecimento. Exemplo: “— Co-
meu manga; depois tomou leite; consequentemente, passou mal e mor-
reu.” Ora, você por acaso conhece alguém que comprovadamente morreu
após tomar uma vitamina de manga com leite?
d) Causa falsa. Quando, mesmo sem a comprovação da relação causa
efeito, deduzimos algo de determinado acontecimento. Exemplo: “—
Comeu manga; depois tomou leite; consequentemente, passou mal e
Filosofia da Educação
36
 Citamos apenas alguns exemplos de falácias, mas isto já é o bas-
tante para demonstrar quão complexo e perigoso pode ser o conhecimento.
O mesmo conhecimento que pode transformar e promover o progresso da
sociedade pode, quando em mãos de certas pessoas, tornar-se o instrumen-
to de destruição de uma sociedade ou mesmo de toda a população da Terra.
O discurso falacioso é fundamento para a constituição do discurso e da práti-
ca ideológica. Ele também se faz presente nos processos educacionais, ra-
zão pela qual a Educação não pode abrir mão da Filosofia. Esta, em virtude
de sua natureza crítico-reflexiva, confronta-se com a falácia e, portanto, com a
ideologia. A Filosofia é, portanto, um conhecimento antifalacioso e
contraideológico.
7 Posições filosóficas acerca do conhecimento
7.1 A preocupação dos gregos antigos com o saber
Conforme você já aprendeu anteriormente, Teoria
do Conhecimento é a parte da Filosofia que se ocupa das
tarefas de compreender sobre as possibilidades, a gênese
(ou fontes) do conhecimento, bem como sua explicação ou
morreu.” Ora, você por acaso conhece alguém que comprovadamente
morreu após tomar uma vitamina de manga com leite?
f) Equívoco. Temos este caso toda vez que a falácia se forma por causa
do uso ambíguo ou obscuro de determinada palavra, de modo que torna a
frase com sentido incompleto ou impreciso. Exemplo: temos que perseguir
nossos fins, sem esquecer que os fins justificam os meios. Observe que
em cada uma das vezes que aparece na frase, a palavra “fins” tem
significados diferentes.
PLATÃO
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fundamentação lógico-filosófica. Nas civilizações ocidentais, o começo da
busca por respostas racionais a essas tarefas reporta à Grécia antiga.
Naqueles tempos, o filósofo grego Platão (427-347 a.C.), num livro
intitulado de Mênon, narra o diálogo entre seu Mestre Sócrates e o interlocutor
deste, Mênon. Perguntado por este sobre se a virtude pode ou não ser ensi-
nada, Sócrates responde assim:
“— Na realidade, confesso-te que não sei se a virtude pode ser
ensinada ou não; para dizer tudo, não sei sequer o que é a virtude!
[...] E, não sabendo o que é uma coisa, como queres que saiba
como ela é [ou se pode ser ensinada e aprendida].” (PLATÃO,
1996, p. 44) Ainda no mesmo diálogo, Platão assegura que “o co-
nhecimento é anamnese, isto é, uma forma de recordação, um vir
à tona do que já existe sempre no interior da nossa alma” (REALE,
1990, p. 153-154).
Este dois trechos dos diálogos platônicos parecem encerrar um pa-
radoxo. No primeiro, quando se questiona sobre a possibilidade do conheci-
mento, percebe-se certa tendência ao ceticismo; no segundo, quando se
enfatiza que o conhecimento está, a priori, presente na alma (espírito), temos
princípios da posição dogmática.
A posição filosófica cética e a dogmática têm, pois, origem históri-
ca na Grécia antiga. O ceticismo foi abraçado pelos filósofos gregos Górgias
(487-380 a.C.) e Protágoras (480-410 a.C.), que expressou sua posição ao
dizer “que o homem é a medida de todas as coisas”. Talvez pelo radicalismo
destes céticos, Platão ficou mais marcado como defensor da posição
dogmática.
O dogmatismo platônico torna-se evidente quando ele defende a exis-
tência perene de um “mundo das ideias verdadeiras”, em oposição a este
mundo terreno dominadopor simulacros,
por ideias falsas produzidas pelos senti-
dos físicos. Na tradição filosófica, esta
forma de dogmatismo foi nomeada de
DESAFIO
Reflita para descobrir acerca de que
fatos ou questões você se comporta
de modo dogmático ou cético.
Filosofia da Educação
38
inatismo- idealista. É assim que Platão se tornará o precursor do inatismo-
racionalismo do qual falaremos adiante. Em oposição a Platão, seu antigo
mestre, Aristóteles propõe a tese de que os sentidos humanos é que são,
legitimamente, a porta de entrada dos conteúdos ou matéria-prima necessá-
ria à constituição do conhecimento verdadeiro.
Para Platão, o que nossos sentidos físicos captam são apenas con-
teúdos que nos faz formular falsas opiniões (doxa). O verdadeiro conheci-
mento (epistemé), só pode ser alcançado por meio do uso da razão. A verda-
de está contida num plano ou “mundo inteligível” e só pode ser acessada me-
diante o conhecimento filosófico ou científico. Este “mundo sensível, habitado
pelos homens, é composto tão-somente por simulacros, cópias imperfeitas,
do mundo verdadeiro “mundo das ideias” ou “inteligível”. Para sustentar estas
ideias, Platão defendeu a reencarnação do Espírito. Dizia então que, outrora,
a alma já havia habitado o mundo das ideias, e que por algum motivo havia
saído de lá. Portanto, a alma, hoje encarnada num corpo aqui na Terra, já
conhecera as verdadeira ideias e as armazenara, de modo que ao reencarnar
em um novo corpo, a alma já traz em si as ideias. As ideias são, pois, inatas.
Agora, uma vez habitando este planeta, as sensações, advindas dos sentidos
físicos humanos, proporcionam à alma a condição de relembrar o conheci-
mento verdadeiro que outrora experimentara. Assim, para Platão, o conheci-
mento é reminiscência (recordação), e o mundo físico terreno apenas fornece
as circunstâncias para que a alma possa lembrar o que ela, na verdade, já
sabe.
A posição de Aristóteles opõe-se ao posicionamento de Platão. Para
Aristóteles, os sentidos humanos funcionam como legítimos captadores de
matéria-prima necessária à constituição do conhecimento verdadeiro. Con-
forme o pensamento aristotélico, ao contrário do que afirmava Platão, não há
um mundo aquém ou além deste mundo sensível; não existe um plano inteligí-
vel separado ou superior a este mundo terreno. Logo, não há verdades inatas.
O que conhecemos ou podemos conhecer depende do bom ou mau uso que
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fazemos dos nossos sentidos. São os objetos, os acontecimentos, os conta-
tos com as pessoas que nos possibilitam as ocasiões para apreendermos e
ampliarmos nossos conhecimentos.
7.2 Possibilidades do conhecimento: ceticismo e dogmatismo
A questão primeira é a de saber: o conhecimento, sobretudo o verda-
deiro, é possível? Pelo que lhe apresentamos na seção anterior a esta, você
já deve ter concluído que, desde os primeiros momentos da Filosofia, existem
basicamente duas respostas a essa indagação: a cética e a dogmática. Es-
tas posições, por sua vez, subdividem-se em moderadas e radicais.
a) O Ceticismo
Como princípio geral, os defensores do ceticismo sustentam que o
conhecimento absoluto da verdade é impossível, visto que o processo do co-
nhecimento é influenciado por múltiplos fatores que afetam tanto o objeto
cognoscível quanto o sujeito cognoscente, o que torna qualquer conhecimento
relativo. De forma didática, Paviani sintetiza a posição moderada e a radical
nos seguintes termos:
Uma das posições céticas consiste em afirmar a [total]
impossibilidade do conhecimento, e a outra posição em
afirmar que não se tem certeza sobre o que se conhe-
ce. Observam-se assim duas espécies de ceticismo: o
universal [radical] e o parcial [moderado]. (PAVIANI,
2006, p. 74).
b) O dogmatismo
A posição dogmática é a defesa de que há uma só direção ou senti-
do da realidade, que a verdade é uma só e pode ser conhecida. Os adeptos
Filosofia da Educação
40
desta posição asseguram que o sujeito tem papel passivo na atividade de
conhecer; o sujeito limita-se a receber os caracteres do objeto, porque é nes-
te que se encontra a verdade. Assim caracterizada, pode-se dizer que o
dogmatismo é uma proposição fechada, autoritária, uma vez que não aceita
ser contradita.
As posições cética e dogmática, em seu sentido radical e universal
foram fragilizadas ao longo do tempo. Nos dias de hoje, não se vê um filósofo
defendendo o dogmatismo ou o ceticismo em toda e qualquer circunstância.
Ambas as posições necessitam de
postulados. Isto ocorre porque a po-
sição cética, em sentido absoluto,
quando garante que nenhum conheci-
mento é possível, cai em contradição.
Afinal, se você se diz cético e afirma
que “nenhum conhecimento verdadeiro é possível”, isto implica dizer que in-
clusive esta sua proposição negativa é falsa. Por outro lado, a posição
dogmática absoluta pode induzir o homem a assumir como verdadeiros sa-
beres que, de fato, são falsos.
Por fim, resta observar que o homem, no seu cotidiano, necessita da
posição moderada cética e dogmática. Apesar de chamarmos de conven-
ção, é certo dizer que quando se assume como verdade que a soma de dois
mais dois é igual a quatro, pode-se, sem prejuízo, dizer que isto nada mais é
do que a aceitação de um dogma. Por outro lado, como bem demonstrou o
filósofo Descartes, pode-se indagar: o que seria do progresso intelectual do
homem se ele não fosse capaz de duvidar, de ser cético? O cético, afinal, em
que pese negar a possibilidade da verdade absoluta, admite pelo menos uma
certeza, a saber, a sua afirmação de que não há verdades absolutas.
GLOSSÁRIO
Postulado é uma proposição que não é
evidente e nem demonstrável, e que, no
entanto, deve ser aceita para sustentar um
raciocínio ou teoria.
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41
7.3 As fontes ou da natureza do conhecimento
Em segundo lugar, no que diz respeito às fontes ou origens do conhe-
cimento. Em linhas gerais, os filósofos concordam que o conhecimento que
se forma na mente humana possui três naturezas ou fontes distintas: a imagi-
nação, os sentidos e o intelecto.
Para o físico Albert Einstein, a imaginação é o ponto de partida do
conhecimento. A imaginação, pode-se dizer, é fonte do conhecimento quan-
do, diante de situações problemáticas novas, para as quais ainda não há so-
lução e nem sequer resposta, o indivíduo supõe ou inventa hipóteses que con-
têm meios e critérios, isto é, possibilidades, para resolver o problema. É isto
o que se pode denominar de intuição. As-
sim, por exemplo, diante do desejo de voar
como fazem os pássaros, Santos Dumont
teve a intuição básica de como seria uma
estrutura que pudesse realizar tal desejo e
inventou o avião.
O homem também utiliza seus sentidos físicos como fonte de pro-
dução do conhecimento. Quando você toca determinado objeto (tato), quan-
do assiste a um filme (visão e audição), quando experimenta um pedaço de
doce (paladar), ou ainda quando sente o perfume de uma flor (olfato), todos
esses fenômenos ajudam a formar conhecimentos na mente humana.
Por fim, o conhecimento pode ser formado com a ajuda do inte-
lecto. Neste caso, tem-se o uso da inteligência, o domínio da racionalidade.
Se os demais animais compartilham com o homem a capacidade de usar
os sentidos físicos, não são capazes, porém, de usar o sentido intelectu-
al, o raciocínio, para formar conceitos ou ideias acerca da realidade. Consi-
derando como legítima a tese do filósofo francês Gilles Deleuze de que filoso-
far é criar conceitos, faz sentido então afirmar que o intelecto é a fonte, por
excelência, do campo de desenvolvimento filosófico.
GLOSSÁRIO
Intuição é o conhecimento claro e
imediato de uma verdade.
Filosofia da Educação
42
Importante ressaltar que, na for-
mação do conhecimento humano, os três
elementos citados — imaginação, senti-
dos físicos e intelecto — são complemen-
tares, interdependentes. Istoimplica dizer
que, quase sempre, precisamos da junção dos três para constituir o conheci-
mento de modo mais preciso e, portanto, confiável.
7.4 Fundamentação Lógico-filosófica do conhecimento
As ideias e teorias resultantes do debate acerca da possibilidade ou
não do conhecimento verdadeiro, sobre as fontes ou natureza do conheci-
mento propiciou o surgimento de diversas teorias com o objetivo de explicar
ou fundamentar o conhecimento sob o ponto de vista lógico-filosófico.
Essa fundamentação, que iniciara na Antiguidade grega, foi interrom-
pida no período medieval, em virtude da intrínseca relação entre Razão e Fé.
A problemática acerca do conhecimento, especialmente sua funda-
mentação, ganhou mais espaço no âmbito da Filosofia moderna (século XVII
até meados do século XVIII), notadamente com o filósofo francês René Des-
cartes (1596-1650) e os filósofos ingleses Francis Bacon (1561-1626) e John
Locke (1632-1704), e ainda o escocês David Hume (1711-1776). A Filosofia
moderna tem o mérito de retomar certas posições de Platão, que servem de
base para a fundamentação inatista-racionalista do conhecimento, e ideias
 DESCARTES BACON LOCKE HUME
Locke escreveu Ensaio
sobre o entendimento
humano, obra na qual
propões os fundamen-
tos do conhecimento
empírico.
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de Aristóteles, que ajudaram a estruturar as teorias do empirismo-realismo
do conhecimento. A seguir, apresentamos a você os principais fundamentos
dessas duas teorias.
7.4.1 Teoria Inatista-racionalista
Defende o inatismo da razão e, por extensão, das ideias, uma vez
que estas “moram” no interior da razão. Inato quer dizer que existe indepen-
dentemente da experiência sensorial. Considera que a razão humana é inata
e, como tal, é o fator determinante e fundante do conhecimento verdadeiro.
Dentro da corrente inatista-racionalista, destacamos a figura do filó-
sofo francês René Descartes, considerado o precursor da discussão dessa
problemática no seio da Filosofia. Em seu livro Discurso do método, ele co-
meça por duvidar de tudo e se lança ao de-
safio de encontrar uma primeira certeza para,
daí então, começar a busca pelo conhecimen-
to “claro e evidente” (verdadeiro).
As ideias centrais do inatismo-racionalista cartesiano podem ser
explicadas com base em uma famosa frase de Descartes, a saber: “— Pen-
so, logo existo.” Perceba inicialmente que o verbo “penso”, conjugado na pri-
meira pessoa do singular, indica o papel preponderante do indivíduo como
ser ativo. O predicado “logo existo” é determinado pela existência primeira e
ativa do sujeito. Conforme o teor da frase, se não houver, como princípio, um
sujeito-que-pensa, então não haverá nenhuma existência, nenhum aconteci-
mento. Existir é uma consequência possível somente para quem pensa. Em
síntese: o pensamento é, ainda que uma realidade abstrata, anterior à exis-
tência, enquanto realidade material.
Agora, se você aplicar o princípio cartesiano de que as ideias consti-
tuem o pensamento, que são anteriores e, além disso, até formadoras do
significado da vida material, das experiências sensoriais do indivíduo, deve-
Fique Sabendo
Cartesius é o nome latinizado de
Descartes, daí o termo cartesiano.
Filosofia da Educação
44
mos então concluir que as ideias são inatas. Para Descartes, a criança, ao
nascer, já traz consigo todas as ideias armazenadas na razão, de modo que o
ato de viver, as experiências cotidianas são apenas as ocasiões para que as
ideias possam se tornar conscientes e serem admitidas como conhecimento.
Para facilitar seu entendimento, apresentamos a você a seguinte analogia: o
caule, a flor e os frutos de uma árvore já estão contidos em uma semente;
assim são as ideias que já estão, a priori, dentro da razão. O desabrochar da
planta, seu crescimento até a fase de
florescimento e de frutos são como
que as experiências durante a vida,
o viver.
Para Descartes, o individuo, portanto, desde o nascer, já carrega con-
sigo as ideias que foram colocadas em seu espírito, em sua mente, por Deus.
Deve haver, diz Descartes na obra As Meditações, antes de mim, um Ser
superior a quem tudo é possível, inclusive criar o ser humano como capaz de
pensar. Neste sentido, se pensarmos na vida terrena do homem, é certo dizer
que o sujeito, o espírito, a razão humana, é a fonte, a origem e o critério segu-
ro de verdade de todo o conhecimento. Não há motivo para se procurar o
conhecimento além do homem.
Enfim, ao afirmar o inatismo da razão e das ideias, Descartes está
afirmando o primado do sujeito e do pensamento respectivamente sobre o
objeto e as experiências sensoriais. Para eles, as ideias estão imunes ao
erro, uma vez que foram postas na mente do homem por Deus, o Ser supre-
mo. O conhecimento verdadeiro, pois, está contido no intelecto e não advém
da imaginação ou dos sentidos como pensam “alguns”.
7.4.2 Teoria Empirista-realista
Ocorreu que “alguns” filósofos contemporâneos de Descartes não se
conformaram com sua resposta ao problema da explicação ou fundamenta-
GLOSSÁRIO
A priori: anterior à experiência.
A posteriori: posterior à experiência.
FUESPI/NEAD Letras Espanhol
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ção lógico-filosófica do conhecimento. Deste inconformismo nasceu a Teoria
empirista-realista. Esta defende que o fundamento do conhecimento verda-
deiro da realidade só é possível e legítimo quando deriva, direta ou indireta-
mente, das experiências sensoriais. Ou seja: o conhecimento é a posteriori.
A fonte e, portanto, o fundamento primeiro do conhecimento são as
experiências, a empeiria, formada mediante os sentidos físico-sensoriais.
Estes funcionam como porta de entrada dos saberes para a mente, para a
razão humana, que faz o trabalho secundário de processar e organizar as
informações captadas mediante a visão, o olfato, o tato, a audição e o pala-
dar.
Empirismo é a posição filosófica que defende o primado das experi-
ências que temos através de nossos sentidos como ponto de partida do pro-
cesso para conhecer. Na obra Investigação sobre o entendimento humano,
o filósofo David Hume, defensor do empirismo, afirma que a mente da criança
que nasce é tal como uma “tabula rasa”, espécie de folha em branco. Somen-
te com o passar do tempo, na medida em que passa a fazer uso dos sentidos
físicos, a ter sensações, é que o conhecimento começa a ser impresso na
mente do indivíduo, de forma que o ato de viver faz com que o homem escre-
va, em sua mente, um livro com base nas experiências sensoriais de vida.
Para o empirista, o que podemos ver, tocar, cheirar, ouvir, provar o
gosto, é que são as bases iniciais desencadeadoras do processo de conhe-
cer. Sem a mediação dos sentidos humanos, não podemos produzir conheci-
mento. De acordo com Locke, na obra Ensaio acerca do entendimento hu-
mano, em contato com o mundo tangível, concreto, temos dele diversas sen-
sações: vemos algo, tocamos um objeto, sentimos determinado cheiro etc.
Todas essas sensações são captadas pelos sentidos e transmitidas à parte
do cérebro responsável por processar estas informações e concluir o proces-
so de conhecimento iniciado por intermédio dos sentidos. Portanto, para
Locke, após o trabalho dos sentidos segue-se o trabalho da reflexão, execu-
tado pela razão. Os sentidos, contudo, por serem a porta de entrada do con-
Filosofia da Educação
46
teúdo que formará o conhecimento, são tidos como o critério de verdade para
o conhecimento.
7.4.3 Os limites do Inatismo-racionalista e do empirismo-realista
Os inatistas insistem que se deve sempre desconfiar dos sentidos
porque eles, costumeiramente, nos enganam. O papel do sentido é limitado:
apenas serve de meio para que as ideias, que já estão na mente do indivíduo,
possam florescer. Por outro lado, os empiristas assinalam que de nada adi-
anta haver

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