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ARTIGO - NATASHA - ANEMIA

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1 INTRODUÇÃO
A anemia é definida por valores de hemoglobina (Hb) no sangue abaixo do normal para idade e gênero. É um dos principais problemas de saúde pública mundial, chegando a afetar mais de um quarto da população do planeta, ou seja, mais de 2 bilhões de pessoas em todo o mundo. A metade dos casos é determinada por deficiência de ferro (DF), a deficiência nutricional mais prevalente e negligenciada no mundo, particularmente entre as mulheres e as crianças dos países em desenvolvimento. É também significativamente prevalente nos países industrializados e afeta pessoas de todas as idades em todos os países.
2 ANEMIA FERROPRIVA 
A anemia é definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como aumento ou diminuição do tamanho das hemácias acompanhada da redução ou não da concentração de hemoglobina. 
Segundo estimativas da OMS a anemia afeta cerca de 30% da população mundial, e pelo menos metade desta prevalência global pode ser atribuída à deficiência de ferro. 
A anemia ferropriva é a carência nutricional mais prevalente no mundo, acarretando prejuízos a curto e longo prazo no desenvolvimento neuropsicomotor e na aprendizagem, além de comprometimento na resposta do sistema imunológico. Os sinais e os sintomas mais freqüentemente observados são inespecíficos, como anorexia, palidez, perversão do apetite, geofagia, apatia, adinamia, irritabilidade, cansaço, fraqueza muscular e dificuldade na realização de atividade física. 
O diagnóstico do estado nutricional relativo ao ferro é realizado principalmente por meio de exames laboratoriais. Os indicadores de deficiência de ferro são difíceis de interpretar em crianças, devido às variações fisiológicas em diversas fases do crescimento e do desenvolvimento, além de sofrerem influência de outros fatores, como os processos infecciosos
Na América Latina, as estimativas, na década de 80, eram de 13,7 milhões de crianças anêmicas, com uma prevalência de 26%. Estima-se que cerca de metade dos casos de anemia ocorra devido à deficiência de ferro, na outra metade das anemias aparecem outras deficiências como: nutricionais (folato, vitamina B12 e vitamina A), processos inflamatórios, infecciosos, câncer e doenças hereditárias que afetam eritrócitos, tais como as talassemias. 
A anemia por deficiência de ferro ou anemia ferropriva resulta da interação de múltiplos fatores etiológicos. Dentre eles, uma das causas mais importantes é a ingestão deficiente de ferro, especialmente na forma heme, devido ao baixo consumo de alimentos de origem animal. 
Outros fatores, como o baixo nível socioeconômico, as precárias condições de saneamento e a alta prevalência de doenças infectoparasitárias, principalmente as que provocam perdas sanguíneas crônicas, também se constituem determinantes desta anemia. 
Dentre as deficiências nutricionais presentes em todo o mundo a anemia ferropriva é reconhecida como uma das mais relevantes, especialmente pelo fato de que qualquer grupo etário é vulnerável a essa deficiência, porém compromete, principalmente, alguns grupos mais sensíveis à escassez de ferro devido ao crescimento rápido ou ao aumento de demanda, como por exemplo crianças entre seis meses e cinco anos de idade, adolescentes do sexo feminino, mulheres em idade fértil, gestantes e nutrizes. 
Além disso, alguns procedimentos cirúrgicos também trazem esta deficiência como um ponto importante, como por exemplo a cirurgia bariátrica. A redução da concentração de Hb sanguínea compromete o transporte de oxigênio para os tecidos, reduzindo a capacidade de trabalho e o desempenho físico em indivíduos anêmicos. Quando a deficiência de ferro ocorre durante os primeiros dois anos de vida, há evidências de atraso no desenvolvimento psicomotor e alterações de comportamento. Segundo alguns autores, estes efeitos parecem persistir após vários meses de tratamento com ferro. 
A anemia ferropriva é a causa mais comum de anemia microcítica. Caracterizase pela diminuição do volume corpuscular médio (VCM), geralmente acompanhada pela diminuição da hemoglobina corpuscular média (HCM) e da concentração de hemoglobina corpuscular média (CHCM), caracterizando a presença de hipocromia associada. 
Entretanto, outras condições podem cursar com anemia microcítica, tais como: talassemias, anemia de doença crônica, anemia sideroblástica e envenenamento por chumbo. O principal diagnóstico diferencial da anemia ferropriva é a talassemia-beta menor. A produção das cadeias de globina beta é controlada por dois genes. Assim, a mutação em apenas um dos genes causa o traço talassêmico, enquanto a mutação de ambos os genes causa a doença. Na talassemia beta menor, observa-se contagem normal ou aumentada de glóbulos vermelhos, RDW (Red Cell Distribution Width) menor que 18%, redução discreta da hemoglobina A e aumento da hemoglobina A2. 
A presença de resistência globular aumentada é exame diagnóstico auxiliar. Entretanto, em alguns casos, apenas a análise molecular do DNA pode fornecer o diagnóstico definitivo. Por outro lado, a associação entre talassemia-β menor e anemia ferropriva pode ocorrer, reduzindo a concentração de hemoglobina A2. Logo, para evitar falsos diagnósticos, na suspeita desta associação deve-se corrigir o estoque de ferro corpóreo para avaliação posterior da eletroforese de hemoglobina. 
O diagnóstico de deficiência de ferro poderia ser simples se não houvesse uma série de situações clínicas que influenciam o perfil do ferro. A anemia de doença crônica é a anemia mais comum em pacientes hospitalizados e, em geral, incide em indivíduos com doenças inflamatórias crônicas devido aos elevados níveis de citocinas inflamatórias, que interferem na utilização da eritropoetina e no metabolismo do ferro. 
A anemia altera os testes de triagem na avaliação do perfil do ferro, sendo que a adequada diferenciação entre a anemia de doença crônica e anemia ferropriva requer a mensuração tecidual do ferro, que pode ser inferida pela medida do receptor solúvel da transferrina.
2.1 DIAGNÓSTICO CLÍNICO 
A avaliação inicial do paciente com anemia inclui anamnese e exame físico minuciosos, além de exames laboratoriais. Os sintomas relacionados à anemia dependem da idade, da capacidade física, do grau de anemia e do tempo de evolução. Pacientes com evolução aguda apresentam sintomas com valores mais altos de hemoglobina, enquanto que os de evolução crônica exibem valores mais baixos. Os sintomas usuais incluem astenia, cansaço, fraqueza, falta de ar e palpitações. No exame físico o achado mais característico é a palidez mucocutânea.
Os sintomas usuais da ADF incluem fraqueza, cefaleia, irritabilidade, síndrome das pernas inquietas e vários graus de fadiga e intolerância aos exercícios ou pica (apetite pervertido por barro ou terra, papeis, amido). Pode ainda ocorrer pica por gelo, que é considerada bastante específica para DF.
 No entanto, muitos pacientes são assintomáticos, sem clínica típica e só reconhecem os sintomas retrospectivamente, após o tratamento. Pacientes com ferritina baixa e sem anemia podem ter os mesmos sintomas. Idosos costumam apresentar início insidioso com sintomas relacionados à exacerbação de suas comorbidades subjacentes (piora da angina, aumento da confusão mental, dispneia).
Alguns pacientes com DF, com ou sem anemia, podem se queixar de dor na língua, diminuição do fluxo salivar com boca seca e atrofia das papilas linguais e, ocasionalmente, de alopecia. 
2.2 DIAGNÓSTICO LABORATORIAL 
Na suspeita de ADF, deve-se solicitar um hemograma completo (com os índices hematimétricos e avaliação de esfregaço periférico) e dosagem de ferritina. Outras medidas, como ferro sérico, transferrina e a saturação da transferrina não são obrigatórios. Pacientes com ADF têm ferro sérico baixo, transferrina alta e uma saturação da transferrina baixa.
De acordo com os padrões diagnósticos da OMS, a ADF é leve a moderada, se a Hb fica entre 7 a 12 g/ dL, e grave, se a Hb for menor que 7 g/dL, com pequenas variações de acordo com a idade, gênero ou presença de gestação. 
Para as criançasentre 6 e 59 meses de idade, a anemia é definida como uma Hb abaixo de 11 g/dL, entre 5 e 11 anos como uma Hb abaixo de 11,5 g/dL e entre 12 e 14 anos como uma Hb abaixo de 12 g/dL. Para estudos populacionais, considera-se anemia uma Hb abaixo de 11,5 g/dL para idade maior de 2 anos. 
Para a população feminina adulta, considera-se anemia valores de Hb abaixo de 12 g/dL e para homens valores de Hb abaixo de 13 g/dL. 
Para as gestantes, a anemia é definida por Hb abaixo de 11 g/dL. Classificase a anemia na gestação em leve, moderada ou grave, conforme taxas entre 9 e 11 g/dL, 7 e 9 g/dL e abaixo de 7 g/dL, respectivamente. 
A anemia da puérpera é definida com uma taxa de Hb abaixo de 10 g/dL nas primeiras 48 horas ou abaixo de 12 g/dL nas primeiras semanas após o parto. 
Para os idosos as taxas que definem anemia são de Hb abaixo de 13,2 g/dL para homens e 12,2 g/dL para mulheres brancas. Para os idosos negros, estes valores são um pouco menores, com o corte na Hb abaixo de 12,7 g/dL para os homens e de 11,5 g/dL para as mulheres.
Embora a Hb seja amplamente utilizada para a avaliação de ADF, ela tem baixas especificidade e sensibilidade, e um biomarcador do status do ferro, como a ferritina sérica, deve ser solicitado em conjunto. 
Inicialmente aparece anemia (Hb abaixo dos valores determinados para idade e gênero) normocítica (volume corpuscular médio - VCM – normal), com valor absoluto de reticulócitos normais e com marcadores do status do ferro baixos, como ferritina abaixo de 30 mcg/L, ferro abaixo de 330 mcg/L, capacidade ferropéxica sérica acima de 4 mg/L, aumento de transferrina e diminuição da saturação da mesma (abaixo de 20%). 
Com a continuação da perda sanguínea, aparecerá anemia hipocrômica clássica (com hemoglobina corpuscular média - CHCM baixa) e microcitose (com VCM baixo). Com a piora da anemia e da DF, surgem a anisocitose (células de tamanhos variados) e a poiquilocitose (células de formas variadas). 
A concentração da ferritina sérica (FS) é o mais confiável marcador das reservas de ferro do corpo, substituindo a avaliação da medula óssea realizada anteriormente. Os valores normais variam de 40 a 200 ng/mL (mcg/L), não havendo nenhuma situação clínica em que índices baixos não signifiquem deficiência de ferro. Portanto, todo indivíduo com concentração de ferritina menor do que 10 a 15 ng/mL tem deficiência de ferro, com uma sensibilidade de 59% e uma especificidade de 99%. 
No entanto, devido à baixa sensibilidade do nível abaixo de 15 ng/mL, um valor de corte mais alto é mais apropriado. Desde que os pacientes com ADF 30 Anemi a por deficiência de ferro Anemia por deficiência de ferro não tenham uma infecção ou uma doença inflamatória junto, o valor limite de 30 ou 41 ng/mL dá uma melhor eficiência diagnóstica com uma sensibilidade e especificidade de 92% e 98% ou 98% e 98%, respectivamente. 
Como a ferritina é um reator de fase aguda, com níveis aumentados em doenças inflamatórias, infecciosas, malignas ou hepáticas, pode haver uma ferritina falsamente elevada na presença destas doenças e ADF. O efeito da inflamação sobre a ferritina é de aumentála em três vezes. Portanto, nestes pacientes a regra de ouro é dividir o valor da ferritina por 3 e valores menores ou igual a 20 ng/mL sugerem ADF concomitante. 
A investigação laboratorial inicial consiste na realização dos seguintes exames: 
 Hematócrito, hemoglobina e contagem de eritrócitos para avaliar o grau de anemia. 
 Índices hematimétricos (VCM, HCM e CHCM) para determinar se os eritrócitos são, em média, normocíticos, macrocíticos (VCM > 100) ou microcíticos (VCM < 80) e se são hipocrômicos. 
O aumento da amplitude de distribuição do volume dos eritrócitos (RDW) é uma medida de anisocitose. 
 Contagem de reticulócitos para estimar se aresposta medular sugere incapacidade da produção- ou hemólise-ou perda sanguínea recente. 
 Exame microscópico da distensão sanguínea (lâmina de sangue periférico) para avaliar o aspecto dos eritrócitos e as alterações concomitantes dos leucócitos e das plaquetas.
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