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Do Feudalismo Ao Capitalismo Transições - S S Salinas

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discutindo 
a história 
do feudalismo 
ao capitalismo: 
transições 
samuel sérgio salinas 
coord.: jaime pinsky 
Capa: Sylvio Ulhoa Cintra Filho 
Fotos de capa e de miolo: Vilu Salvatore 
Pesquisa iconográfica: Letícia V. de Sousa Reis 
Composição: Linoart Ltda. 
Impressão e Acabamento: DAG Gráfica e Editorial 
Copyright © Samuel Sérgio Salinas 
Dados de Catalogação na Publicação (CIP) Internacional 
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) 
Salinas, Samuel Sérgio. 
S16d Do feudalismo ao capitalismo : transições / Samuel Sérgio 
Salinas. — São Paulo : Atual, 1987. 
(Discutindo a história) 
Bibliografia. 
1. Capitalismo — História 2. Feudalismo 
3. História econômica — Idade Média, 500-1500 I. Título. II. 
Série. 
CDD-330.902 
-330.12209 
87-1297 -940.14 
índices para catálogo sistemático: 
1. Capitalismo : História 330.12209 
2. Economia medieval : História 330.902 
3. Feudalismo : Europa : História 940.14 
4. Idade Média : Economia : História 330.902 
Todos os direitos reservados à 
ATUAL EDITORA LTDA. 
Rua José Antônio Coelho, 785 
Telefone: 575-1544 
04011 — São Paulo — SP 
LUYLIVI 
2 4 6 8 10 9 7 5 3 1 
NOS PEDIDOS TELEGRAFICOS BASTA CITAR O CÓDIGO: ANCH0132E 
sumário 
Bate-papo com o Autor 1 
1. O que muda na História 3 
2. Roma 6 
3. O feudalismo europeu 15 
4. O capitalismo 31 
5. América Latina: capitalismo mercantil , feudalismo . . . 49 
6. Observações finais 56 
Bibliografia 59 
Cronologia 61 
Discutindo o texto 63 
"Os capitalistas se distinguem dos senhores feudais, na 
medida em que estes últimos têm uma relação externa com 
a produção, pois eles são beneficiários externos — com aju-
da de meios repressivos particulares — através dos tributos 
ou da renda, num processo de trabalho onde eles não apare-
cem estruturalmente integrados. O capitalista teria então 
uma situação nova junto à produção, pois à diferença dos 
outros representantes das classes dominantes dos modos de 
produção pré-capitalista, ele está integrado na produção 
como organizador da produção e da circulação. A burguesia 
tem uma atividade no processo de sua reprodução — seu 
direito de propriedade — que é, e constitui, tanto uma pre-
sença direta quanto uma presença delegada. Estudar a bur-
guesia como classe é estudar o Estado, pois é através deste 
aparelho que a burguesia como tal se constitui em classe 
dominante." 
(Carlos Henrique Escobar, Ciência da História e Ideologia,) 
bate-papo com o autor 
Nascido em 1932, em Araraquara, Samuel Sérgio Salinas 
foi jornalista e bacharelou-se em Direito pela USP em 1955, 
tendo ingressado no Ministério Público do Estado de São 
Paulo, onde se aposentou como Procurador da Justiça. For-
mou-se em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, 
Ciências e Letras de Rio Claro, e t rabalhou na UNICAMP. 
Foi t ambém aluno do I Curso Taller, organizado no 
México pelo Ins t i tu to Latino-americano de Pesquisas Econô-
micas e Sociais. Atuou como consultor das Nações Unidas 
pa ra o II Curso Taller de Estratégias Econômicas e Sociais. 
É autor do livro O bando dos quatro, sobre a industria-
lização do sudeste asiático, e integra o Conselho Curador da 
Fundação Cásper Libero. 
A seguir, Samuel Salinas responde a três questões: 
1. Qual a atualidade de seu livro? 
O tema é pa r te do conjunto de preocupações teóricas 
que redimensionaram a História a par t i r do século XIX, 
projetando-a como a mais dinâmica das Ciências Sociais 
contemporâneas. 
1 
2. O feudalismo termina através de morte natural ou pro-
vocada? 
Para nos s i tuarmos no contexto da pergunta, dir íamos 
que pelos dois motivos, mas não se deve atr ibuir a "na tura l" 
qualquer conotação providencialista. Não há "mãos invisí-
veis" na História. A par t i r de um dado período, a classe 
social ascendente torna-se consciente da existência de obstá-
culos à sua hegemonia. É o momento em que elabora a ideo-
logia da "Idade das Trevas", no nosso caso. A luta ideoló-
gica é, por tanto , uma forma de provocar a mor te do feuda-
lismo. Pelo menos no campo das idéias, ou da teoria. 
3. Qual o papel do comércio e da cidade na transição? 
O capital comercial torna-se par te do processo capita-
lista de transição. Perde a sua "independência" se pensarmos, 
por exemplo, no capital mercanti l dos fenícios etc. 
As cidades passam a integrar, intensamente, o processo 
produt ivo nuclear, ou seja, o industrial — daí as conseqüên-
cias sociais, econômicas e políticas que conhecemos, dentre 
elas a concentração proletár ia e a politização das "massas" . 
2 
1. O que muda na história 
Temos a convicção de que nossas instituições, ciências, 
costumes, política etc. são, hoje, profundamente diferentes 
das instituições, ciências, costumes etc. de out ras épocas. 
Não basta, porém, descrever e tentar situar, no tempo, 
essas mudanças. Os antigos cronistas e gerações de historia-
dores acumularam fatos em grossos volumes, sem desemba-
raçar o enredo das transformações ocorridas em milênios de 
história da humanidade. 
As inquietações e, mais do que isso, a metódica reflexão 
de investigadores surpreendidos com o dinamismo da época 
contemporânea, época de revoluções burguesas e socialistas, 
al teraram o rumo modorrento das pesquisas e do discurso 
histórico. A atenção deslocou-se da coleta de fatos para os 
fundamentos das mudanças no compor tamento e na organi-
zação, quer de povos habitantes das mais distantes regiões 
do globo, quer dos modos como os homens se organizam 
para produzir a sua vida social. O que muda? Como muda? 
Por que muda? 
Este conjunto de questões ocupa o palco da história, da 
"nova história", e por si só desperta enorme interesse e am-
plo debate, não apenas científico, mas político. 
A história das mudanças, das transições, mensurando os 
tempos longos e curtos, as conjunturas e as séries seculares 
de preços, torna-se par te do nosso cotidiano. Sentimo-nos 
obrigados a interpelar o passado para compreender e, se 
possível, entrever o futuro. A única resposta para o que vai 
3 
acontecer está no que já aconteceu. Não temos outros parâ-
metros . A cada dia vivemos o nosso passado, como passado 
histórico e como repertório das indagações que ele nos per-
mite propor para o futuro. 
Sabemos hoje que as sociedades mudam, estão mudando, 
e compreendemos que devem mudar . 
O que muda? O indivíduo ou a sociedade? Os idealistas, 
entendida a palavra no sentido filosófico, privilegiam o papel 
do indivíduo e suas idéias, deslocando-o pa ra o proscênio 
dos acontecimentos. A corrente materialista, por sua vez, não 
descarta a relevância do indivíduo, mas procura situá-lo na 
sociedade, de que é par te . O homem muda, não porque tenha 
vontade de mudar, nem poder individual pa ra produzir a 
mudança, mas porque a sociedade, onde atua, muda. 
Se não é a consciência dos indivíduos que produz a mu-
dança, o que explica a certeza dessas mudanças? As respostas 
dos historiadores são controvertidas, em qualquer campo 
onde se queira classificá-los. 
Neste livro o autor toma par t ido para afirmar: muda a 
maneira como os homens produzem e reproduzem a sua vida 
econômica, social, política etc. Por outro lado, a vida mate-
rial, a produção cotidiana dos meios de sobrevivência, histo-
r icamente concretizada, revela como os homens se organizam 
para assegurá-la, despendendo energias no t rabalho e nas 
condições de emprego do trabalho, desta ou daquela forma, 
deste ou daquele modo. Nessas relações, cristalizadas pelo 
emprego da força de t rabalho, residem os elementos subs-
tanciais quer das mudanças nos "tempos de longa duração", 
quer das "revoluções" que assinalam a transição acelerada 
de um modo de produção para outro. 
A leitura das periodizações, propostas em obras e cole-
ções famosas de história, permite perceber que entrea Idade 
Média e a Época Contemporânea as diferenças residem es-
sencialmente na forma como, na primeira, o t rabalho servil 
assegura a reprodução da vida material e, na segunda, a pro-
dução de mercadorias e o trabalho assalariado consti tuem 
aspectos decisivos para compreender as profundas transfor-
mações que os aumentos de produtividade do t rabalho pro-
piciaram nos últ imos séculos. A história aí não se esgota; no 
entanto, par te daí. 
4 
Feudalismo e capitalismo definem os dois momentos 
indicados por esta conceituação da história. Como ocorreram 
as mudanças que acarre taram a transição do feudalismo para 
o capitalismo — eis o tema central deste t rabalho, abordan-
do-se pelo menos alguns aspectos de matér ia tão ampla, 
complexa e polêmica da historiografia contemporânea. 
2. roma 
A formação social romana 
Vejamos, inicialmente, como ocorreu a derrocada do 
Império Romano e a emergência do feudalismo na Europa. 
A formação social romana, em sua fase de maior expan-
são, tendeu a polarizar-se entre duas classes sociais, a dos 
homens livres e a dos escravos. 
Isto ocorreu depois que a concentração da te r ra em po-
der dos latifundiários enfraqueceu a pequena propriedade 
camponesa, após contínuas lutas sociais e políticas. A resis-
tência dos pequenos proprietários rurais foi sendo minada, 
quer nos conflitos denominados guerras civis, quer pela com-
petição da grande propriedade agrícola, al imentada pela 
mão-de-obra escravizada nas guerras romanas pa ra dominar 
a bacia do Mediterrâneo, par te da Ásia, enfim, pa ra erigir o 
Império. À medida que o imperialismo romano se expandia, 
a imposição de tr ibutos aos povos vencidos permit ia consi-
derável importação de cereais, desestimulando a produção 
interna. O imperialismo romano propiciou aos latifundiários 
a atenuação das tensões sociais e o envio, pa ra as guerras 
de conquista, dos proprietár ios arruinados. Os soldados-cam-
poneses consti tuíram as famosas legiões que impuseram a 
supremacia romana. 
6 
A concentração da terra em mãos dos latifundiários romanos 
enfraqueceu a pequena propriedade camponesa. 
Na foto, uma gravura existente em um manual de criação 
e métodos agrícolas da Roma Antiga. 
Tributos e escravos 
Os romanos não mudavam o modo de produção, as rela-
ções de t rabalho e a vida política e cultural dos povos domi-
nados. Esse não era o propósito imediato. Obtinham tribu-
tos, em riquezas ou escravos, e compeliam os povos vencidos 
a ceder par te do que produziam. O imperialismo romano era 
predominantemente militar, e o t r ibuto uma relação de for-
ça, conseqüência da conquista. Os romanos não foram comer-
ciantes nem colonizadores, e os t r ibutos obtidos raramente 
eram retirados sob a forma de moeda. 
7 
Num detalhe dos relevos do arco de Tito, soldados romanos, 
carregados com um butim, atravessam o arco, 
após debelarem a rebelião de 66 d.C. e destruírem Jerusalém. 
Os camponeses livres, concomitantemente à expansão da 
grande propriedade, abandonavam o campo, deslocando-se 
para as cidades, onde viviam dos favores do patriciado, ob-
tendo cereais a baixo preço, transformando-se em "clientes" 
de seus benfeitores, dispostos a secundar a conduta política 
por estes adotada nas lutas pelo poder. 
A mão-de-obra escrava 
A produção agrícola dependia, por tanto , cada vez mais 
da mão-de-obra escrava. O imperialismo e a escravização de-
terioravam a situação dos trabalhadores livres, em virtude 
de a mão-de-obra escrava e os tr ibutos estrei tarem o espaço 
social e econômico dos camponeses. 
As rebeliões escravas, nesse contexto, não adquir i ram 
conotação revolucionária, mas levaram a classe dominante 
ameaçada a intensificar a repressão, c imentando os apare-
lhos militar e burocrát ico. Esta centralização burocrát ica 
8 
beneficia, ainda mais, a crescente urbanização. As cidades, 
nesse contexto, consti tuem centros de supervisão adminis-
trativa, de onde as classes agrárias dominantes exercem o 
governo. Não há qualquer oposição entre cidade e campo. A 
cidade é a expressão política do Império, sede da burocracia 
e domicílio dos grandes latifundiários. 
Os escravos aríesanais constituíam grande parte da mão-de-obra 
urbana. Na foto, trabalhadores numa oficina de serralheria. 
A produção agrícola e a artesanal dependeram, ainda 
mais, após as conquistas, da mão-de-obra escrava. Evidente-
mente esta mão-de-obra não vendia sua força de trabalho, 
nem adquiria, no mercado, os bens necessários à sua sub-
sistência. A produção manufatureira, escorada também na 
mão-de-obra escrava, alimentava um comércio de bens de 
luxo. Nada de produção em massa ou de competição entre 
empresas para aumenta r a produtividade e maximizar as 
taxas de lucro. Por conseguinte, inútil pensar em revolução 
científica e tecnológica. 
Sem o Estado romano, seria inconcebível a sobrevivência 
do Império. Cícero, cônsul, discursa 
no Senado romano (quadro de Maccari, século XIX). 
10 
O exército romano 
Os romanos não inventaram armas muito superiores às 
dos povos por eles derrotados. Organizaram exércitos de 
pequenos camponeses (evidentemente não havia um plano 
para isto) — homens livres que passaram a lutar contra os 
povos vizinhos, mais tarde liberados de tarefas no campo 
pela mão-de-obra escrava que ajudavam a apresar nos cam-
pos de batalha e, finalmente, sem alternativas a não ser alis-
tar-se no exército ou engrossar a plebe urbana. 
A aristocracia 
A aristocracia romana, cultivando o direito (o famoso 
Direito Romano) e os assuntos da res publica, revelava a sua 
posição central , nuclear, em relação à es t rutura de poder 
que aglutinava a formação social romana. Sem o Estado ro-
mano seria inconcebível a sobrevivência do Império. Roma 
suportou uma balança comercial deficitária porque o dese-
quilíbrio era suprido pelos ingressos extraídos de suas áreas 
de dominação. Esta não seria tarefa realizável sem um Esta-
do centralizado, apto a coordenar os esforços militares e 
impor uma es t rutura administrativa complexa, preparada 
para resolver, nos imensos espaços dominados, intr incados 
problemas. Somente o Estado poderia empreender a conquis-
ta, mantê-la e assegurar a submissão dos escravos. A impor-
tância do Estado não foi desconhecida pelos juris tas roma-
nos, que pela primeira vez, de maneira sistemática, discerni-
ram o Direito Público do Direito Privado. 
A decadência 
A conquista, as instituições burocrát icas, a organização 
do exército, a formalização do Direito, e ram instrumentos 
que reproduziam a formação social romana. Porém, esse 
complexo arcabouço não consegue subsistir indefinidamente. 
Roma sucumbiu. Como ocorreu? Quais as fissuras do edifício, 
montado para a conquista e a imposição de tr ibutos, que o 
11 
abalaram, a ponto de, na Europa ocidental, ao poderoso apa-
relho do Estado Romano seguir-se a dispersão do poder, en-
clausurado nos feudos, disperso nos part icularismos locais 
e enfraquecido diante das classes dominadas? 
O balanço dos debates sobre as "causas" da decadência 
de Roma exigiria cuidadosa apreciação de numerosas corren-
tes de historiadores que se debruçaram sobre o assunto. 
Examinaremos, apenas, algumas dessas orientações, sem a 
preocupação de sistematizar o tema. 
"O latifúndio perdeu a Itália" 
A corrente que se apoia em Plínio, o Velho, sustenta que 
o latifúndio e a escravidão const i tuíram as causas da deca-
dência e queda do Império Romano. Se a escravidão houves-
se sido abolida e uma distribuição mais eqüitativa da ter ra 
houvesse estabelecido um regime de pequena e média pro-
priedade, provavelmente, infere-se deste raciocínio, o Império 
teria superado as suas contradições internas. 
A degeneração moral 
M. Rostovtzeff exprime persistente orientação idealista, 
que atribui a mudanças espirituais das classesdominantes 
romanas, agora desfibradas e desencorajadas pelas riquezas 
e costumes orientais, as causas profundas da decadência da 
"civilização antiga". O esplendor romano, e t ambém o grego, 
deveu-se à energia e criatividade dessas classes; no entanto, 
acentua esse autor , "a natureza aristocrática e exclusivista 
destas civilizações" precipitou o seu declínio. 
Por que não o capitalismo? 
Outros a rgumentam com o pequeno desenvolvimento da 
indústria e do comércio, afirmando ser o t rabalho escravo 
incompatível com um mercado interno suficientemente am-
plo para est imular a produção de mercadorias . Em suma: o 
12 
Império Romano fragmentou-se porque não evoluiu para o ca-
pitalismo e o trabalho assalariado. Os romanos sabiam go-
vernar o Império, porém não eram capazes de adminis t rar a 
sua economia. O legado que deixaram ao mundo foi jurídico, 
não científico. 
A periferia insurgente 
A pressão romana sobre os povos vencidos, obrigados a 
fornecer excedentes de toda espécie, inclusive mão-de-obra, 
alimenta a revolta contra Roma. O exército romano resiste 
durante séculos; no entanto, desta feita, os agressores não são 
escravos lutando nos territórios controlados por Roma, mal 
alimentados, sem instrução, querendo mais fugir de Roma do 
que vencê-la, mas povos inteiros, combatendo por suas terras , 
colheitas e cobiçando os férteis terri tórios que os romanos 
ocuparam durante séculos de conquistas e exações. 
Essas rebeliões contra Roma foram constantes. Os maio-
res inimigos do Império procuraram aliar-se aos povos sub-
jugados, a fim de organizarem alianças contra a dominação 
romana e se apoderarem dos terri tórios dominados pelas 
legiões. 
A cena da coluna de Trajano ilustra um ataque romano 
a um acampamento bárbaro. 
13 
Por sua vez, o intercâmbio com Roma propiciou a diver-
sificação social e política dos povos que reagiram contra o 
Império, que passaram a usar as mesmas armas, estratégias 
e táticas que contr ibuíram para erigi-lo, transformando-o na 
formidável máquina militar e burocrát ica sempre pronta à 
conquista pelas a rmas ou pela diplomacia, ou por ambas , 
concomitantemente. 
A disposição para antagonizar o predomínio romano 
incluía a luta direta, as infiltrações terr i toriais , alianças mi-
litares e políticas, numa palavra, todos os meios que propi-
ciaram aos povos desafiantes do poder romano instrumentos 
para escapar à opressão, alcançar autonomia e espalhar-se 
sobre os campos e cidades outrora dominados pelo Império. 
Concluindo, não foi o latifúndio que "perdeu a Itália", 
nem a degeneração dos costumes, mui to menos o insuficiente 
desenvolvimento político, mas a revolta da periferia romana 
e o desgaste interno provocado pelas tensões sociais diante 
da impotência mili tar para conter os "bárbaros" . 
O imperialismo romano era uma relação de força, de 
violência bem organizada. Quando esta violência enfrenta a 
contraviolência da "periferia", a resistência pertinaz dos po-
vos, inicia-se a decadência. Enrijece-se a burocracia, desman-
tela-se a disciplina militar. O poder civil, que César houvera 
apr imorado, sofre os embates dos líderes militares, do mili-
tarismo. Desarticula-se, finalmente, o apara to mili tar e buro-
crático. No ocidente europeu, o feudalismo está na linha do 
horizonte. A periferia bárbara , celta, germana, eslava, golpeia 
o Império, mas não o reabilita. O feudalismo será outra for-
mação social e política. O Império está mor to . 
14 
3. o feudalismo europeu 
A fragmentação do poder 
As formações sociais do feudalismo europeu ocidental 
constituíram-se no interior das ruínas da formação imperial-
tr ibutária romana. Esta transformação não foi provocada por 
"profunda e súbi ta" revolução social e política, conduzida 
por uma classe social, mas decorreu da derrota do Império 
Romano, incapaz de sustentar suas fronteiras e terr i tórios 
paulat inamente minados pelos povos invasores. 
A extração de excedentes externos era vital para Roma, 
e o escravismo dependia do abastecimento constante da mão-
de-obra capturada ou obtida de outras maneiras, decorrentes 
dos mecanismos jurídicos e políticos associados à escraviza-
ção. Quando esta ordem torna-se insustentável, Roma não 
consegue reproduzir os seus exércitos e a sua burocracia de 
Estado. Embora a agonia imperial houvesse durado séculos, 
com maior ou menor resistência à desagregação, o centra-
lismo estatal sucumbe. 
O Império Romano não foi subjugado por um povo con-
quistador que houvesse assumido as instituições políticas 
romanas para renovar, a par t i r do seu interior, do seu âma-
go, a pujança da formação imperial-tributária. Não houve um 
invasor, mas diversos. As invasões, por sua vez, não ocorre-
ram subitamente, mas dura ram séculos. 
Nem por isso o feudalismo europeu é a anarquia, o iso-
lamento cultural , as trevas, enfim, uma era de decadência, 
como muitos historiadores, a par t i r do Renascimento, disso 
nos procuram convencer. 
15 
Por sua vez não é o feudalismo, também, o herdeiro de 
Roma. Nem sequer a Igreja Católica era a mesma; a Igreja 
Romana tornou-se instituição feudal. 
Os conflitos entre senhores feudais pelo domínio das 
terras suscitavam as denominadas guerras privadas, tão co-
muns que a Igreja as tolerava a princípio, impondo, em de-
terminadas circunstâncias, as "tréguas de Deus". Vejamos 
qual o alcance e o significado prático destas tréguas e o que 
elas denotavam: uma situação de permanente antagonismo, 
admitido e tolerado como regra para a solução dos conflitos 
entre os senhores de terras . Prescrevendo para determinados 
dias a "trégua de Deus", sancionava pelo resto do tempo as 
guerras privadas. A paz permanente, por outro lado, era vista 
como contrária à natureza humana, como certa feita afirmou, 
energicamente, Gérard, bispo de Cambrai. 
Georges Duby, famoso medievalista francês, afirma que 
uma "civilização nascida das grandes migrações dos povos 
era uma civilização da guerra e da agressão". As pequenas 
Castelo francês, próximo a Bordéus, sitiado pelos ingleses em fins de 7377. 
16 
guerras privadas, no entanto, não significavam poderio das 
formações sociais do feudalismo europeu, mas consti tuíam 
indicador visível da sua fragilidade. 
Produção, consumo e laços de dependência 
A produção é limitada pelo consumo. Não se deve con-
siderar, porém, que não houvesse alguma planificação da 
atividade econômica, pois era indispensável estabelecer as 
condições para uma produção adequada às necessidades da 
população, sem desperdício de trabalhos e terras. 
Numa ilustração do Livro das horas, do duque de Berry, 
servos trabalham numa plantação, enquanto outros realizam a tosquia 
de ovelhas, nas imediações de um castelo medieval. 
17 
Dessa forma o feudalismo, ou melhor, as formações so-
ciais de natureza feudal, constituídas após a decadência do 
Império Romano em várias regiões da Europa ocidental e 
oriental, compõem out ra maneira de organizar a produção, 
extrair excedentes e distribuí-los. 
O desmantelamento do Império Romano acarreta a des-
centralização do poder político que, agora, irá recompor-se 
a par t i r do feudo, onde o domínio dos senhores apresta-se 
para garantir a segurança dos povos. Envolvido pelas amea-
ças externas, o feudo se constitui, mas deve contar com as 
próprias forças, quer pa ra enfrentar os inimigos, quer para 
auto-sustentar-se, produzindo o que necessita. 
Os laços de dependência que unem os servos ao senhor 
feudal resul tam dessa descentralização política e econômica. 
A situação dos servos deve ser examinada em relação aos 
problemas de constituição e reprodução das relações feudais. 
O papel da produção é, assim, a chave pa ra desvendar a na-
tureza dessas relações. A produção agrícola, sem mencionar 
o pequeno ar tesanato doméstico, não poderia ser estocadapor muito tempo, nem era indispensável que o fosse, pois 
não havia mercados suficientes para absorvê-la. A pressão 
sobre os produtores diretos, dessa maneira , não era intensa 
e, se aliarmos a esta circunstância a relativa escassez de 
mão-de-obra, verificaremos que os laços de dependência não 
eram da mesma natureza da escravidão; ao contrário, a si-
tuação dos servos era mui to superior, sob todos os aspectos, 
à escravidão romana. 
A fixação dos camponeses à terra, por tan to , não decorre 
de pressão senhorial absoluta, mas de ajustes recíprocos que, 
embora constituídos em situação desigual de poder, permi-
tem aos camponeses adquir i r condições nas quais direitos e 
deveres tenderam a se consolidar nos costumes. 
Teria ocorrido situação melhor para os camponeses, a 
ponto de incentivar a produtividade, melhorar o cultivo e 
propiciar dieta mais adequada para as populações? A res-
posta pode, em sentido geral, ser afirmativa. Hodjett , que 
estudou o assunto, pondera: "Em conclusão, a despeito da 
lentidão do progresso na agropecuária, dos fracassos desas-
trosos nas lavouras, dos ataques de enfermidades nos reba-
nhos e da ausência de qualquer invenção tecnológica de 
18 
grande alcance, a agricultura medieval conseguiu — uma vez 
terminada a explosão demográfica dos séculos XI, XII e XI I I 
— assegurar melhor padrão de vida para proporção maior 
da população em fins do século XIV e no século XV. Até 
certo ponto a riqueza estava distr ibuída com maior eqüidade. 
Esse feito da agricultura medieval foi alcançado através do 
cultivo laborioso do solo, pois a agricultura medieval era de 
utilização intensiva de mão-de-obra e não de capital e estava 
auxiliada por administração eficiente, da qual os t ra tados 
sobre contabilidade são indício". 
Verifica-se, por tanto , que o aumento da produtividade, 
quando as circunstâncias que impunham o contingenciamen-
to mencionado não se manifestavam, era real, dado o interes-
se do produtor direto em reter par te do excedente produzido. 
A Igreja feudal 
A feudalização da Igreja resultou em grande par te da 
sua riqueza fundiária. Sem dúvida a Igreja tenta, alcançando 
privilégios, libertar-se o quanto pode do direito comum, mas 
alguns dos privilégios solicitados feudalizam-na ainda mais . 
Essa feudalização teve conseqüências políticas e sociais de 
amplo alcance. Como no ambiente feudal tudo decorre da 
posse da terra , o prelado torna-se senhor feudal. Capacete 
na cabeça, vemo-lo combater nos campos de batalha. Terá a 
sua justiça. Perceberá direitos feudais e senhoriais. 
A propr iedade feudal da Igreja Católica sobre as ter ras 
constituiu empecilho ao desenvolvimento das relações capi-
talistas de produção. Marx, no célebre capítulo de O capital 
sobre "A chamada acumulação primitiva", descreve a forma 
como enorme parcela da população camponesa foi desapos-
sada das suas terras e também o que aconteceu com as pro-
priedades terri toriais da Igreja Católica: "O processo violen-
to de expropriação do povo recebeu terrível impulso, no 
século XVI, com a Reforma e o imenso saque dos bens da 
Igreja que a acompanhou. À época da Reforma, a Igreja Ca-
tólica era proprietár ia feudal de grande par te do solo inglês. 
A supressão dos conventos etc. enxotou os habitantes de suas 
terras, os quais passaram a engrossar o proletariado. Os bens 
19 
Miniaturas de um manuscrito francês de princípios do século XII, 
mostrando o trabalho de padres nos campos eclesiásticos. 
20 
eclesiásticos foram amplamente doados a vorazes favoritos 
da Corte ou vendidos a preço ridículo a especuladores, agri-
cultores ou burgueses, os quais expulsaram, em massa, os 
velhos moradores hereditários e incorporaram as suas pro-
pr iedades . . . A propriedade da Igreja constituía baluar te re-
ligioso das antigas relações de propriedade. Ao cair aquela, 
estas não mais se poderiam manter" . Por outro lado, a ex-
propriação das terras comuns, na órbita da Igreja, pelos 
avanços do capitalismo, empobrecia os camponeses, deixan-
do-os em situação inferior à desfrutada no feudalismo, ou 
seja, sem terras comuns onde pudessem levar os seus ani-
mais, obter as sobras das colheitas para al imentação do 
gado, aproveitamento de lenha etc. 
Vale a pena mencionar que esta apropriação capitalista 
dos bens da Igreja obedece a r i tmos e tempos diversos e su-
blinha a transição do feudalismo para o capitalismo, em di-
versos países. 
Em Portugal, por exemplo, a dissolução dos laços feu-
dais na agricultura processou-se muito mais lentamente, e 
não foi tão adiantada e radical, se comparada à da Inglater-
ra; nem sequer o tempo do processo coincide, pois a apro-
priação privada das terras comuns inicia-se no século XVII, 
intensifica-se no século XVIII e prossegue século XIX aden-
tro. Em Portugal, como era de se esperar, dada a pujança da 
Igreja Católica, a transferência das terras para a burguesia 
não podia amparar-se no movimento religioso da Reforma; 
no entanto, com o tempo, a predominância dos interesses 
capitalistas manifestou-se, principalmente após o triunfo do 
liberalismo, em 1835. 
A usura, o justo preço, os tribunais 
Por outro lado, a ideologia religiosa era feudal à medida 
que, à sua maneira, contribuía para reproduzir as relações 
sociais de produção do tipo feudal. Os obstáculos criados 
por essa ideologia propunham preservar o feudalismo, den-
tre eles a doutr ina do jus to preço, a condenação da usura etc. 
21 
Dessa forma um travo de insegurança e de dúvida per-
turbava os negócios, pois o burguês não era indiferente à 
ideologia e ao prestígio da doutr ina religiosa e sofria na alma 
e na carne o assédio da Igreja contra as transações mercan-
tis e a lógica do lucro capitalista, que se insinuava à medida 
que crescia a atividade comercial e bancária. 
Os preceitos da moral religiosa produziam o efeito pre-
ciso de pau ta r conduta específica diante dos "bens da vida", 
da maneira de apropriá-los e do lugar de cada pessoa nesse 
processo. 
Basta verificar que, como dissemos, como instituição 
feudal, a Igreja participava da ordem jurídica. Possuía jus-
tiça própr ia e tr ibunais. Combatia os heréticos, os usurár ios , 
os comerciantes desviados dos preceitos do jus to preço etc. 
Não será a ideologia religiosa, porém, o maior adversário 
do capitalismo, mas o direito medieval, consubstanciado nos 
costumes, que teciam as relações de produção e de poder, no 
interior dos feudos e nas cidades. 
A ideologia religiosa feudal resistirá menos aos a taques 
dos reformistas e às transformações da Igreja rumo a novas 
alianças de classe do que os costumes. Estes justificarão as 
lutas e revoltas de senhores e servos, quer entre si (quando 
os senhores feudais pretendem obter mais trabalho, rendas 
e t c ) , quer diante do inimigo comum, o capitalista, entravado 
pelas relações feudais que impedem a liberação das te r ras 
e, sobretudo, dos braços, para o t rabalho "livre". 
A ordem jurídica: os costumes 
A ordem jurídica feudal era de formação consuetudiná-
ria. Is to significava a ausência de fonte formal do direito, ao 
contrário do que ocorria em Roma, onde o Estado burocra-
tizado e centralizado impunha normatização geral e abstra ta , 
válida para todos os que estivessem submetidos ao seu regi-
me jurídico. Constitui equívoco afirmar que os textos roma-
nos desapareceram, submergidos nas " t revas" feudais. Os 
t ratados, as inst i tutas, as compilações, tornaram-se inúteis, 
22 
embora conhecidos. O direito feudal europeu ocidental era de 
formação consuetudinária, direito costumeiro, consti tuído no 
dia-a-dia, no face-a-face das classes sociais. Não havia leis no 
sentido de norma posta pelo Estado, poder central , legisla-
dor único, constitucional. A Revolução Francesa, no século 
XVIII, permitiu à burguesia ascendente elaborar a legislação 
correspondenteao seu papel político, social e econômico. 
O direito feudal europeu ocidental era consuetudinário. Em uma miniatura 
de manuscrito medieval, um cavaleiro recebe sua espada das mãos do rei. 
A Revolução Francesa desaguou no famoso Código de 
Napoleão, que consolidou os aspectos sociais e o regime de 
propr iedade vigentes até hoje, no mundo capitalista, dada a 
enorme influência exercida na legislação de quase toda a 
Europa e América Latina. 
23 
O Estado moderno 
Para compreendermos adequadamente as diferenças en-
tre feudalismo e capitalismo neste aspecto, ou seja, em rela-
ção ao direito, basta examinar a formação do Estado moder-
no, nos séculos XVI e XVII, pr incipalmente neste últ imo, o 
século do Absolutismo. A homogeneização do espaço econô-
mico, l iberando a circulação das mercadorias , restringindo 
os part icularismos locais, combatendo a multiplicação de 
poderes fragmentados que const i tuíam obstáculos à realiza-
ção dos negócios, era indispensável à burguesia. A burocrat i -
zação, por seu lado, para desempenhar este papel, exige 
direito formal, certo, capaz de ser compreendido por toda 
par te e executado por especialistas devotados ao seu estudo 
e prática. No Estado romano, por exemplo, o conhecimento 
do direito, a certeza da sua vigência e a uniformidade da 
sua aplicação consti tuíam pilares do poder estatal, encarre-
gado de adminis t rar amplo império, socialmente diversifi-
cado, mas unido, fundamentalmente, pelas legiões e leis 
romanas . A unificação legislativa, conseqüentemente admi-
nistrativa e política, do Estado moderno burguês não é da 
mesma natureza da que ocorreu em Roma. Entretanto, sob 
muitos aspectos a herança romana, embora destinada a 
cumpri r outros objetivos, foi de grande util idade pa ra a 
construção dos modernos institutos jurídicos. 
Nas formações sociais do feudalismo esta centralização 
da ordem jurídica era desconhecida, inútil para ordenar re-
lações que se t ravavam no interior dos feudos. Não havia um 
império, nem legiões, mas o senhorio e monarquias enfra-
quecidas, onde o poder não era absoluto, nem sobre as ter-
ras, nem sobre os homens. 
A autonomia camponesa 
Embora os senhores feudais houvessem tentado impor 
a regra de que toda terra deve ter seu senhor, na prática isto 
não ocorreu. As terras comuns, pastos, prados e florestas, 
24 
além de pequenas propriedades, subsistiram como importan-
tes aspectos da autonomia camponesa e condições de resis-
tência às imposições feudais. Esta resistência camponesa ma-
nifesta-se de forma variada, incluindo a sustentação intran-
sigente de seus direitos contra as tentativas dos senhores feu-
dais de interpretá-los unilateralmente e contra o aniquilamen-
to de conquistas, já consolidadas, da população camponesa. 
Era comum a recusa coletiva de cumprir obrigações de tra-
balho — as "proto-greves" — e freqüentes as pressões para 
obter redução nas rendas e até chicana sobre o peso dos 
produtos entregues ao senhor feudal. 
No feudalismo, o direito, como vimos, era costumeiro e 
os costumes (entendidos no sentido jurídico) de formação 
As transformações dos direitos de propriedade da terra realizavam-se 
em detrimento dos camponeses pobres, Na foto, um quadro de Bosch 
retratando um camponês alemão abandonando a terra arruinada. 
25 
local, daí a sua grande diversidade. E ram iníquos para uns 
e al tamente vantajosos para outros? Sem dúvida, mas urge 
precavermo-nos de uma ótica contemporânea, extrapolada 
para um quadro social e político diferente do nosso. Os cam-
poneses não eram livres, mas os senhores também não dis-
punham de poder absoluto. Os costumes, dada a sua forma-
ção, permit iam aos camponeses espaço de luta e reivindica-
ções, como já assinalamos. Os autores apontam este apego 
dos camponeses aos direitos coletivos, principalmente dos 
camponeses mais pobres. A exploração tradicional do solo 
permitia, em certa medida, aos camponeses pobres compen-
sarem a sua falta de terra. As comunidades aldeãs mant i -
nham-se ativas. Os bens das comunidades — tais como 
pastagens e florestas — e os direitos de uso neles implícitos 
ofereciam recursos aos camponeses. Embora os camponeses 
ricos fossem hostis a esses direitos coletivos, que lhes res-
tringiam a l iberdade de exploração e o direito de proprieda-
de, os pobres, em compensação, a eles se apegavam. Os 
esforços dessas camadas camponesas propunham-se l imitar 
o direito de propriedade individual, e defender os direitos 
coletivos, opondo-se ao individualismo agrário, caracterizado 
pelos cercamentos de terras e t ransformação da agricultura 
em exploração capitalista da terra . Razões por que o pequeno 
camponês não t inha a mesma concepção da propr iedade 
agrícola, própr ia dos nobres ou da burguesia rura l . Sua 
perspectiva da propriedade coletiva opunha-se à noção bur-
guesa de direito absoluto do propr ie tár io em relação ao bem 
imóvel. 
A posse da terra 
A agricultura para consumo era, no feudalismo, a ativi-
dade principal. O comércio, mui to reduzido. As terras não 
t inham valor de troca, de mercado, porque, geralmente, não 
se adquir iam terras comprando-as no mercado, mas mediante 
princípios peculiares à enfeudação. 
A posse da terra, para os senhores feudais, era indispen-
sável, quer para assegurar a subsistência do feudo, quer para 
manter o seu poderio, sempre dependente da obtenção de 
26 
Castelo medieval pertencente ao feudo do duque de Berry em fins 
do século XIV, em uma das iluminuras pintadas 
pelos irmãos de Limburgo para o Livro das horas. 
27 
maiores parcelas de terri tório. A terra , enfim, era riqueza 
decisiva, porque permitia abrigar homens, reforçar o feudo 
com soldados em potencial, aptos a secundar a força e o 
poder dos senhores feudais. "Nós queremos terras" , disseram 
os senhores normandos , recusando os presentes em jóias, ar-
mas, cavalos etc. ofertados pelo seu duque, e acrescentavam 
entre si: "Com as terras será possível manter numerosos ca-
valeiros e o duque não terá maior poder". 
Em geral as terras eram divididas em três porções; o 
domínio ret ido era reservado pelo senhor pa ra abrigar o cas-
telo e os estabelecimentos principais. Nas terras comuns es-
tão as águas, os bosques, os pastos, submetidos a direito de 
uso bem amplo, em proveito dos habi tantes : pastagens de 
gado, direito de colher os frutos, direito de obter madeira 
para combustível e construção, direito de reunir palha para 
os estábulos, direito de obter material pa ra aquecimento etc. 
Todo este conjunto constituía os direitos costumeiros que, 
como vimos, e ram defendidos pelos camponeses. Esses direi-
tos de uso eram formas coletivas fixadas pelos costumes e 
permit i ram aos camponeses tomar consciência da sua comu-
nidade em relação ao senhor feudal. Freqüentemente os ha-
bitantes dessas comunidades pre tenderam que esses direitos 
de uso tivessem sido, realmente, propr iedade coletiva antiga. 
Miséria feudal? 
Estas questões levam-nos a indagar: era o feudalismo 
ocidental o reino da pobreza e da miséria? Pobreza e miséria 
são meras palavras, dependentes, para serem bem entendidas, 
de tantas explicações que corremos o risco de não podermos 
empregá-las com propriedade quando nos referimos à histó-
ria. Em termos de equipamentos variados e abundância de 
bens de consumo, certamente o homem feudal não dispunha 
de tanta variedade quanto a média dos habi tantes dos gran-
des centros urbanos de hoje, no entanto t ambém não estava 
submetido aos numerosos desconfortos da vida contempo-
rânea. Os dias santificados eram numerosos e as atividades 
religiosas propiciavam entretenimento, recreação e oportuni-
dade para manifestações artísticas. As grandes catedrais 
28 
A ilustração, que se encontra em um manuscrito francês de 1448 
retrata o trabalho na construção das igrejas medievais.tes temunham a existência de excedentes disponíveis para 
sustentar artesãos e artífices. O t rabalho era árduo, mas en-
tremeado de lazeres, definidos pela religião, que suavizavam 
os rigores da labuta no campo e nas cidades. As cerimônias 
religiosas agrupavam os fiéis — e quem não o era? — pro-
piciando encontros e oportunidades de congregação. 
Na Idade Média, as festividades religiosas e os dias santificados 
eram numerosos. Na ilustração, camponeses dançam, 
tendo ao fundo as muralhas de uma cidade medieval. 
30 
4. o capitalismo 
O espírito burguês 
Como ocorreu a transição do feudalismo para o capita-
lismo? As teorias se multiplicam, mas o debate fixou-se em 
torno de algumas orientações fundamentais. Será o capita-
lismo a manifestação de nova mental idade do homem mo-
derno, conjunto de atr ibutos psíquicos apto a desencadear 
o processo de liquidação do feudalismo e implantar a eco-
nomia de produção para o mercado? Quais seriam as carac-
terísticas desse homem novo, dinâmico e disposto a tudo re-
formular? Alguns autores acredi tam que as formações sociais 
capitalistas decorreram do espíri to empreendedor do burguês. 
Werner Sombar t afirma que, na época do capitalismo inci-
piente, era o empresário quem fazia o capitalismo, enquanto 
na época do capitalismo pleno é o capitalismo quem faz o 
empresár io . 
Sombar t , em seus primeiros trabalhos, a tr ibuíra o capi-
tal ismo emergente à independência dos judeus em relação 
às proibições católicas da usura e ganhos do capital, o que 
assegurava a eles liberdade de iniciativa na manipulação de 
operações financeiras e bancárias , capaz de consti tuir em-
brião da nova mentalidade empresarial que desencadeou o 
capitalismo. Em obras subseqüentes, Sombart modificaria 
31 
essa interpretação dos fenômenos sociais ligados ao apareci-
mento do capitalismo, e concederia ao espírito burguês — 
"em todo empresário capitalista se esconde um burguês" — 
a mola dinamizadora das novas formações sociais. A aspira-
ção suprema desse burguês inovador é poupar. Para Sombar t 
a economia do senhor feudal havia sido uma economia de 
dispêndios, por tanto os seus ingressos variavam conforme 
as suas necessidades. Pois bem, esta economia converte-se, 
no capitalismo, em economia de poupança. Referindo-se a 
Leon Batista Alberti, o famoso autor do I libri della famiglia, 
considerado o burguês mais representat ivo da época renas-
centista italiana, diz Sombart que o credo do bom burguês, 
estampado na obra de Alberti, o lema da nova era, "que ago-
ra amanhece, a quintessência da concepção universal desta 
Cena pintada em Gênova, no final da Idade Média, mostrando 
alguns banqueiros e as arcas do banco da cidade. 
32 
gente", condensa-se nesta frase: "Recordai sempre isto, meus 
filhos, nunca permitais que vossos gastos superem vossos 
ingressos". 
Max Weber 
Max Weber distancia-se do pensamento de Sombar t , 
embora também para ele o capitalismo resulte da projeção 
espiritual do homem moderno. Já não se t rata de poupar por 
um princípio intrinsecamente burguês, ou seja, decorrente de 
considerações meramente econômicas, mas o espírito do ca-
pitalismo, para Weber, condensa determinada ética religiosa, 
como afirma no seu famoso livro A ética protestante e o 
espírito do capitalismo. Na verdade o que aqui é pregado, 
diz ele, referindo-se à religião, não é uma simples técnica de 
vida, mas sim uma ética peculiar, cuja infração não é t ra tada 
como uma tolice, mas como um esquecimento do dever. Essa 
é a essência do problema. "O que é aqui preconizado não é 
mero bom senso comercial: o que não seria nada de original, 
mas sim um ethos." 
Essa ética é peculiar à concepção puri tana da vocação 
religiosa e à exigência de compor tamento ascético diante da 
vida. Com esse comportamento sóbrio, frugal, e operosidade 
constante, o fiel evitava usufruir das riquezas e restr ingia o 
consumo, voluntariamente. Por outro lado essa ética não 
condenava a acumulação proveniente do trabalho e a sua 
inevitável conseqüência: a acumulação da riqueza. Enrique-
cer sem ostentação não era considerado desobediência aos 
princípios religiosos. 
Por sua vez, como observa Max Weber, o poder de ascese 
religiosa produzia e colocava à disposição dos parcimoniosos 
burgueses " t rabalhadores sóbrios", conscientes e incompara-
velmente industriosos, que se aferravam ao t rabalho "como 
a uma finalidade desejada por Deus". Acrescenta Weber que 
Calvino já tivera a opinião "mui tas vezes ci tada" de que so-
mente quando o povo, isto é, a maioria dos operários e ar-
tesãos, fosse mantido pobre, é que se conservaria obediente 
a Deus. 
A história, nesse ponto, é o cenário das aparições de um 
33 
espírito que, em suas múltiplas emergências, engendra as 
formas de convivência humana. Para Weber a ética protes-
tante é uma dessas aparições, "pronta a mudar a alma das 
pessoas e a t rajetória da razão humana" . 
A escravidão do salário 
Vimos que os camponeses e também os servos não foram 
desapossados dos instrumentos de produção, e os "direi tos" 
sobre a terra não excluíam participação maior destas classes 
e frações de classe no excedente produzido. As classes domi-
nantes feudais, pr ivadas do Estado e seus aparelhos, não dis-
põem de meios de dominação semelhantes aos que permiti-
ram, no Império Romano, a verdadeira expulsão, dos cam-
pos, do campesinato livre, do pequeno proprietár io , constran-
gido a vegetar nos centros urbanos, engrossando a camada 
do que hoje denominaríamos lumpemproletar iado e quase 
integralmente substi tuído pela mão-de-obra escrava, na agri-
cultura. 
No feudalismo europeu surge u m a fração de classe, a dos 
camponeses proprietár ios, que contracena com os senhores 
feudais e a burguesia urbana. A especificidade do feudalismo 
europeu não é só a fraqueza das classes dominantes, mas a 
existência de frações de classes dominadas que resistem e 
impedem a sua total dominação pelos senhores feudais. É 
nesse espaço, nesse campo das lutas de classes e frações de 
classe que a burguesia vinga e o pequeno produtor sobrevive 
quer mercanti l izando os excedentes, quer conduzindo o pro-
cesso de industrialização doméstica, ou compondo alianças 
políticas que solapam o poder feudal. Nesse espaço, através 
de combinações sociais diversas, ressalta a fragilidade dos se-
nhores feudais, que ora se aliam aos burgueses, ora resistem 
e enfrentam revoluções. Os camponeses, por sua vez, ora se 
aproximam dos senhores feudais (independentemente dos 
conflitos entre essas classes), ora os enfrentam, auxiliados 
pela burguesia. De qualquer maneira, os camponeses, futuros 
proletários, serão os grandes perdedores, saindo de uma ser-
vidão para outra, mui to mais cruel, principalmente para as 
primeiras e numerosas gerações — a escravidão do salário. 
34 
O feudalismo cede caminho 
As linhas de investigação sobre a transição feudalismo— 
capitalismo convergem para a especificidade das formações 
sociais do feudalismo europeu, ou seja, do conjunto de 
condições que, inegavelmente, favoreceu o desenvolvimen-
to do comércio e a acumulação de dinheiro nas mãos de 
comerciantes que, estrategicamente, ocupavam posições pri-
vilegiadas para concentrar tais recursos. 
Discussão que se impõe, de imediato, decorre da natu-
reza das lutas de classe t ravadas no interior das formações 
sociais feudais e do papel que cada uma dessas classes de-
sempenha no aparecimento de condições propícias à acumu-
lação de capital-dinheiro, em poder da burguesia mercanti l . 
O feudalismo europeu ocidental, como procuramos de-
mons t ra r no capítulo anterior, é entremeado por lutas e 
disputas entre os produtores diretos, os camponeses, e os 
detentores da posse da terra, os senhores. O produtor di-
reto não é, invariavelmente, um desvalido, que produz ex-
cedentes pa ra o senhor deterras , nada conservando pa ra si. 
A situação do servo, embora não tenha sido invejável, não 
o reduzia à escassez permanente . Parte da produção perma-
necia com o produtor direto, deixando de ser transferida ao 
senhor feudal. A disputa por melhores condições, pela posse 
dos ins t rumentos de produção, pelo aproveitamento coletivo 
dos campos, pelas sobras das colheitas, pela lenha colhida 
nos bosques, pelas pastagens etc. denota, examinados os 
costumes locais que dispunham sobre estes assuntos, u m a 
sutil luta de classes, empenhadas em verdadeiro jogo de 
paciência e habilidade, para conquistar e conservar posi-
ções, luta em que a violência desempenhou, como em mui-
tos outros momentos da história, papel ambíguo. Nem sem-
pre a força logra compelir ao t rabalho, sobretudo quando 
os produtores diretos podem se esquivar, desarmando o 
poder mediante resistência obst inada em defesa de toda e 
qualquer pequena conquista. A força, por sua vez, é contida 
pelas exigências da produção. Nos limites e fissuras da sua 
ingerência insinuam-se as relações sociais de produção que 
seguem de per to os equilíbrios alcançados ao longo do per-
fil t raçado pelas lutas a que nos vimos referindo. 
35 
O campo revitaliza o mercado 
Conservando a posse da te r ra e dos instrumentos de 
trabalho, o produtor direto não está inteiramente subme-
tido ao nível de subsistência, dadas as condições de então, 
mas a perspectiva de dispor de excedentes depende das pe-
culiaridades regionais das lutas de classe, acirradas em de-
corrência da pulverização do poder no feudalismo. 
A presença de excedentes no mercado, por tanto , não é 
privilégio exclusivo de bens disponíveis pelos senhores feu-
dais. Efetiva e potencialmente, o p rodu tor direto assegura 
a sua part icipação no mercado, quer como produtor , quer 
como consumidor. 
Desta maneira o campo oferece u m a gama de potencia-
lidades revitalizadoras do mercado, criando condições pa ra 
o desenvolvimento do comércio, o qual, por sua vez, a pa r t i r 
da esfera da circulação interna, ingressa na atividade pro-
dutora, aproveitando o excesso de mão-de-obra, ou o tempo 
livre desta mão-de-obra, e compelindo-a a t rabalhar pa ra o 
comerciante, no campo mesmo, sistema conhecido por tra-
balho a domicílio. Aos poucos o comerciante domina e co-
manda esta mão-de-obra, assenhoreando-se, também, do 
processo produtivo. A manufa tura e, posteriormente, o 
t rabalho nas fábricas complementam este processo em que 
o capital mercanti l (não me refiro ao conceito equivocado 
de capitalismo mercantil) exerceu significativo papel. Ine-
xistindo as disponibilidades de tempo e os excedentes do 
camponês feudal, o capital comercial não teria meios pa ra 
ingressar no processo produtivo. Em Roma, onde dominavam 
o t rabalho escravo no campo e a obtenção de excedentes 
pelos mecanismos da conquista, não vingou o capital mer-
cantil, confinado aos grandes circuitos internacionais sem, 
porém, penet rar na capilaridade do terr i tório italiano. 
As teses sobre o papel exclusivo do comércio na tran-
sição feudalismo—capitalismo têm sido muito combatidas . 
Para expressiva maioria dos autores, não é o comércio a ma-
triz do capitalismo. Quer seja ele o de grande curso, deno-
minado comércio externo, quer o pequeno intercâmbio local. 
36 
É comumente citada a frase do economista fisiocrata Fran-
çois Quesnay, autor do Tableau Êconomique: "Os negocian-
tes não fazem nem os preços, nem a possibilidade do comér-
cio, mas é a possibilidade do comércio que faz surgir o 
comerciante". 
Através do sistema conhecido por "trabalho a domicílio", o comerciante 
manufatureiro, aos poucos, assenhora-se do processo 
produtivo. Na ilustração, uma família trabalha na tecelagem manual. 
As cidades e o campo 
O crescimento demográfico das cidades, embora com 
altos e baixos em alguns séculos, foi permanente. Por que 
isto ocorreu? Quais foram os agentes desse crescimento? 
Segundo Pirenne, a razão teria sido o renascimento do co-
mércio a longa distância. Autores de recentes monografias 
de história urbana acreditam em outras explicações, pelas 
37 
A ilustração, proveniente de um manuscrito de Hamburgo 
século XV, retraia o movimento de navios, 
mercadorias e comerciantes no porto. 
38 
quais a prosperidade dos campos circundantes às cidades 
teria sido decisiva. As perspectivas parecem, hoje, inverti-
das: o que suscitou o desenvolvimento foi a demanda de 
produtos provenientes de mercados distantes, conforme 
Pirenne; foi a oferta de excedentes agrícolas, provenientes 
dos mercados locais, estimam numerosos economistas, que, 
por sua vez, admitem o papel acelerador do processo susci-
Para muitos historiadores, a propriedade dos campos próximos 
às cidades foi decisiva para o desenvolvimento do comércio. 
Na foto, o mercado de gado do centro comercial de Hamburgo; 
observa-se, ao fundo, o tribunal do mercado durante uma sessão. 
39 
tado pela demanda de mercadorias importadas de mercados 
distantes, mas recusam-lhe a condição de fator decisivo para 
o predomínio do capitalismo no ocidente europeu. 
Quanto aos agentes do crescimento, Pirenne julgava 
tê-los descoberto nos mercadores it inerantes (as primeiras 
jurisdições comerciantes na Inglaterra chamavam-se cortes 
dos pés-poeirentos, alusão aos comerciantes regionais), os 
quais ter iam se fixado junto de um castelo ou de uma anti-
ga cidade. Seus entrepostos e habitações (portus) ficaram 
conhecidos como "burgo de fora" (foris-burgus, de onde 
"falso-burgo"). Este, por sua vez, cercado de muralhas, inte-
grar-se-ia nos limites da cidade ampliada. 
Sem negar a importância desempenhada pelos comer-
ciantes de longo curso, destaca-se, atualmente, o papel de-
senvolvido pelos mercadores locais e pelos artesãos, tanto 
do setor têxtil quanto da metalurgia, no crescimento de 
numerosas cidades. 
Aspectos da vida urbana numa cidade medieval. 
40 
Comércio e capitalismo 
Vimos que há discordância entre os autores quanto ao 
papel do comércio no desenvolvimento de relações capita-
listas. Nem sequer o papel das cidades é t ratado sem dis-
putas acaloradas. Quanto ao comércio a longa distância, 
afirma-se que sempre existiu na Antigüidade — grandes 
cidades eram centros mercantis , e nem por isso o capita-
lismo nelas vingou. 
A questão remete a uma precisa indagação: qual a 
especificidade do caso europeu ocidental? 
O feudalismo europeu ocidental não foi impermeável 
ao comércio, quer desencadeado pelos mercadores de longo 
curso, quer pela atividade incessante dos bufarinheiros. 
Como vimos, a penetração do mercador só foi possível, no 
grau e intensidade capazes de incentivar a produção para o 
mercado, porque as populações dispunham de excedentes 
No feudalismo europeu ocidental, a atividade comercial não se resumia 
às transações de longa distância, mas penetrava nos poros das 
malhas feudais. A foto mostra o comércio em Paris no século XIV; 
observa-se um descarregamento de carvão, enquanto 
trabalhadores empurram toneis de vinho pela ponte. 
41 
para vender ou trocar. Este é o aspecto crucial. O comércio 
não se reduzia às transações de grande curso, mas penetra-
va nos interstícios, nos poros das frouxas malhas feudais. 
Era, nesse caso, a atividade comercial que tinha de se ajustar 
aos preços e fatores locais, ou seja, não dependia intensa-
mente de circunstâncias aleatórias, ligadas às transações 
entre formações sociais diferentes, onde os preços manti-
nham pouca ou quase nenhuma relação com o mercado. Não 
se t ra ta do comércio aventureiro das caravanas asiáticas ou 
dos périplos indianos, mas de produção local e de intercâm-
bio sensível aos valores de troca e preços dos mercados 
próximos. 
O valor de troca 
Esse comércio é beneficiado pela expansão agrícola 
do ocidente feudal. Por seu lado, odesenvolvimento do co-
mércio age no sentido de estender, por toda parte, o valor 
de troca, diversificando a produção de mercadorias e t rans-
formando o dinheiro em moeda universal. Dessa maneira o 
comércio contr ibuiu para dissolver o modo de produção 
feudal. 
Este papel do comércio depende, antes de mais nada , 
da solidez e es t rutura do antigo modo de produção. Na hi-
pótese que estamos examinando, a fragilidade política e 
econômica do modo de produção feudal abre perspectivas 
para o comércio interagir com o mercado local e voltar-se 
para a produção de mercadorias, com possibilidade de obter 
resultados e incrementar a atividade em geral. 
No mundo antigo, a atuação do comércio e o desenvol-
vimento do capital mercantil resul tavam em economia escra-
vista, ou, de acordo com o ponto de par t ida, ocasionavam, 
apenas, a t ransformação de um sistema escravista patr iarcal , 
baseado na produção de meios de subsistência imediatos, 
num sistema voltado para a produção de excedentes apro-
priados pelas classes dominantes. No mundo moderno, ao 
contrário, levam ao modo capitalista de produção. Infere-se 
daí que out ras circunstâncias, além do desenvolvimento 
mercantil , provocam esses resultados. 
42 
Comércio: Antigüidade, feudalismo 
O comércio, embora relevante nas formações sociais da 
Antigüidade, não lograva desagregar essas formações, u m a 
vez que o poder das classes dominantes concentrava, pro-
fundamente, o excedente produzido, reduzindo o p rodu to r 
direto a enorme dependência. 
No ocidente feudal, o excedente agrícola, enquanto não 
é todo absorvido pelos senhores, é destinado ao comércio 
local. Se acrescentarmos que os produtores diretos re têm 
par te da sua força de t rabalho e dispõem de parcelas de ter-
ras de seu próprio uso, depreende-se que a possibilidade de 
comercialização de excedentes estimula a produtividade. A 
produção já tem endereço mercanti l , e os bens produzidos 
adquirem o caráter de mercadoria . 
Importância do mercado interno 
A criação de um mercado interno europeu ocidental 
permit i rá a introdução de novas matérias-primas e de outros 
produtos e ramos de produção até então inexistentes. Mer-
cado interno e mercado externo tendem a se integrar e, 
quando os continentes americanos são conquistados, acelera-
se todo o processo, ampliando-se consideravelmente o merca-
do pa ra os novos ramos da construção naval, do abasteci-
mento das colônias etc. 
A suposição de que o desenvolvimento das condições 
para o aparecimento de formações sociais capitalistas decor-
ra da ampliação do comércio de bens de luxo não é confir-
mada pela historiografia contemporânea. Os bens de luxo, 
destinados às camadas privilegiadas do feudalismo europeu 
ocidental, nunca foram produzidos em grande escala; resul-
tavam oferecidos ao mercado restr i to destas camadas pelas 
importações, a princípio da Ásia; mais tarde, alguns produtos 
americanos também seduziram os consumidores europeus 
de largas posses. 
43 
O capitalismo não é filho do luxo dessas classes domi-
nantes, mas da presença, no mercado local, de excedentes 
produzidos por camponeses e artesãos urbanos e da sua 
disponibilidade de tempo livre para vender a força de 
trabalho. 
O capitalismo é fruto da presença, no mercado local, 
de excedentes produzidos por camponeses e artesãos urbanos. 
44 
A "segunda servidão" 
As reações feudais ao capitalismo foram tardias e em 
alguns lugares corresponderam a tentativas, a lgumas bem-
sucedidas, de extrair mais t rabalho dos servos, não afastada 
a possibilidade de se t ra ta r de empreendimento dest inado a 
satisfazer as novas necessidades de consumo, induzidas por 
esta ampliação dos mercados, tanto no aspecto quali tat ivo 
como no quantitativo. As resistências dos servos e das popu-
lações camponesas e a fuga pa ra as cidades opuseram obstá-
culos a esta "segunda servidão", contribuindo para aumenta r 
a mão-de-obra disponível nas cidades. 
Lutas e alianças de classes 
A transição feudalismo—capitalismo está inscrita, por-
tanto, no espaço das lutas de classes que se t ravam no univer-
so feudal. Não se cuida, somente, de um período de grandes 
revoltas camponesas, rebeliões urbanas , mas de profundas 
disputas entre classes e frações de classe que nem sempre 
t ransparecem, no embate surdo, mas vigoroso, do enfrenta-
mento cotidiano. Luta-se pa lmo a palmo pelas condições de 
sobrevivência e garantia de conquistas milimétricas mas de-
cisivas pa ra o processo de t ransformação do servo em "tra-
ba lhador livre". 
Neste intrincado mas fecundo mosaico social, as alianças 
se cruzam e entrecruzam, compondo um quadro nem sempre 
familiar ao observador. 
O jogo das alianças de classes e frações de classe arti-
cula as combinações de forma complexa, por vezes de região 
pa ra região. Na Inglaterra, para exemplificar, este jogo cris-
taliza alianças entre a burguesia e a nobreza, desempenhando 
este impor tante papel político. Na França, as lutas entre a 
burguesia e a nobreza não associam combinações deste t ipo 
— o tecido social e político é mais complexo, se considerar-
mos o papel desempenhado pelos camponeses, pequenos pro-
prietár ios rurais etc. 
O feudalismo europeu não engendrou uma classe domi-
nante suficientemente forte pa ra impor ao p rodu to r direto 
45 
submissão total e, dessa maneira, quando tem de enfrentar 
a burguesia e o proletariado emergente, cede terreno e poder . 
A burguesia, fortalecida pela contínua penetração no 
aparelho produt ivo (que ajuda a criar), manobra política e 
ideologicamente entre as classes, firmando-se definitivamente 
como expressão não só econômica, mas política. 
Desses embates o resultado é, invariavelmente, o enfra-
quecimento da nobreza fundiária, reduzida a fração no poder, 
quase sempre sob a hegemonia burguesa. 
A burguesia firma-se como expressão econômica e política. 
Na foto, um quadro de Quentin Massys, 
intitulado "O banqueiro e sua esposa", 1514, Paris, Louvre. 
46 
Todos são iguais . . . perante a lei 
O declínio do feudalismo não melhoraria a sorte dos 
produtores diretos. O cercamento dos campos, a perda dos 
direitos consolidados nos costumes, despojaria mais do que 
beneficiaria o trabalhador, a tal ponto que doravante só lhe 
restaria vender, no mercado que ajudara a consolidar e criar, 
a sua força de trabalho. Livres dos laços feudais, mas prole-
tários — eis a situação que caracteriza o assalariado no capi-
talismo. 
Por outro lado, o poder político e militar dos senhores 
feudais foi constantemente reduzido. No feudalismo não ha-
via um poder central, uma burocracia reguladora de todos os 
aspectos da vida social, da política e da economia que repro-
duzisse o modo de produção feudal em todas as instâncias. 
Livres dos laços feudais, mas proletários — eis a situação 
que caracteriza o assalariado no capitalismo. 
47 
A unificação capitalista dos mercados arruinaria defini-
tivamente o feudalismo, minando o poderio dos senhores, 
centralizando o poder dos estados absolutistas, abolindo os 
costumes e substituindo-os por uma legislação unitária que 
desaguaria na codificação napoleônica. Os costumes, o di-
reito consuetudinário, eram de lenta elaboração, no face-a-
face, como vimos, dos agentes sociais. A lei codificada é agora 
geral, abs t ra ta , formal. No feudalismo a desigualdade era 
visível, estava em toda parte . Havia um direito dos nobres 
e outro dos comerciantes; um direito de uso dos rios e ou t ro 
de uso das florestas. Estes costumes ou direitos variavam de 
região para região, conforme o destino das lutas que se tra-
vavam para obter vantagens específicas. Agora, com a mo-
derna codificação, todos são iguais perante a lei. Uma liber-
dade que tem exigido a maior concentração de força que a 
história já conheceu. 
48 
5.américa latina: capitalismomercantil, feudalismo 
Numerosos historiadores e cientistas sociais insistem em 
considerar a expansão européia nas Américas um fenômeno 
peculiar do capitalismo mercantil. A fase de transição feu-
dalismo—capitalismo teria sido dominada pelo capital ismo 
mercanti l , gerado, diretamente, no processo de circulação de 
mercadorias e agente dinamizador de toda a vida econômica 
subseqüente. 
Em princípio sabemos que a circulação ou a t roca não 
cr iam valor. O ciclo do comércio não produz mercadorias , 
mas , por ocasião do antigo comércio a longa distância ent re 
continentes, beneficia-se dos preços relativos das mercadorias , 
das diferenças culturais ent re os povos e t c , obtendo fartos 
lucros. Trata-se, como vimos, de acumulação estéril. Capita-
lismo é, substancialmente, produção de mercadorias. Nesta 
linha, quando o comércio não está unido à realização da 
mercadoria produzida, mas limita-se a especular com a pro-
dução, não se pode falar, impunemente , da existência de ca-
pital ismo mercantil . No capitalismo, uma par te do capital 
total é empregada na esfera da circulação. Na transição 
feudalismo—capitalismo, par te do capital comercial aban-
dona o caráter meramente especulativo, ingressa no circuito 
da produção ou realização de mercadorias e se dedica à 
tarefa de realizar o valor nelas contido, dadas as condições 
sociais e econômicas favoráveis, acima descritas. 
49 
Capitalismo tardio 
Outro equívoco consiste em supor a existência de capi-
talismo tardio na América Latina (a expressão foi cunhada 
por Sombar t ) . O capital comercial, em nosso continente, não 
se l imitou a explorar os modos de produção preexistentes 
— afirmam os epígonos desta tese — mas teria desdobrado o 
âmbi to da circulação, que lhe é próprio , e invadido a esfera 
da produção, constituindo a economia colonial. 
Esta hipótese não suporta algumas observações, dent re 
elas a de que os conquistadores não dispunham de capitais 
expressivos, nem de experiência no r amo comercial. O capital 
comercial da época não se interessava pelos espaços vazios, 
mui to menos pela modesta e exótica produção ar tesanal de 
astecas e incas. Não havia o que explorar nesse sentido. A 
conquista, em semelhantes circunstâncias, não é empresa 
mercanti l . Os primeiros conquistadores, sobretudo na Nova 
Espanha (México), tiveram de organizar a produção, a princí-
pio pa ra subsistência própria, poster iormente, descobertas as 
minas de prata , surgem pólos de desenvolvimento u rbano 
com produção mais diversificada. A mão-de-obra indígena foi 
empregada na mineração, em grande escala no Peru, em me-
nor número no México. A atividade agrícola, quer de subsis-
tência, quer de exportação, serviu-se do celeiro de mão-de-
obra indígena. Os comerciantes, nestas regiões, não se empe-
nha ram na atividade produtiva, quer na agricultura, quer na 
mineração, a não ser de maneira esporádica. 
Os comerciantes se interessavam por essas atividades, 
no entanto não foram os seus iniciadores. Viriam mais tarde , 
para intermediar as transações, financiar a produção (forne-
cendo adiantamento em víveres, implementos etc. aos minei-
ros, por exemplo), abastecer os mercados incipientes e esta-
belecer o intercâmbio europeu-americano, à proporção que 
aumentava a demanda americana por produtos europeus de-
corrente da expansão da fronteira agrícola e do setor mineiro . 
O capital mercantil , dessa maneira , não invadiu a produ-
ção americana, mas dela foi complemento e interagiu com 
ela em alguns ramos, ra ramente abandonando a esfera da 
circulação, que lhe é própria . 
50 
Na América, a atividade agrícola, quer de subsistência, quer de 
exportação, serviu-se do celeiro de mão-de-obra indígena. 
Detalhe do mural "História da Independência Mexicana", mostrando a 
subjugação de trabalhadores indígenas no período colonial. 
51 
Feudalismo colonial? 
A hipótese da existência de feudalismo nas formações 
sociais do denominado colonialismo americano tem susci-
tado polêmicas infindáveis. Os seus part idários af irmam que 
o feudalismo era o modo de produção dominante no per íodo 
colonial e além dele. Argumentam com a existência de gran-
des latifúndios, operando mão-de-obra escrava ou em regime 
de semi-servidão. Os t rabalhadores , acrescentam, estavam 
submetidos ao sistema de barracão, ou seja, eram obrigados 
a comprar o pouco de que necessitavam nesses barracões , 
de propr iedade de latifundiários, a preços de tal monta que 
acabavam, pelas dívidas contraídas, obtendo recursos apenas 
suficientes pa ra reproduzir precar iamente a sua força de 
t rabalho. 
O regime das grandes fazendas, das plantações, contudo, 
não foi idêntico em toda a América Latina. 
A força de trabalho escrava, nessas empresas agrícolas, 
era mercador ia adquirida por custo determinado e entrava 
no cálculo da produtividade que já dominava o mercado 
mundial (evidentemente estamos nos referindo às explorações 
agrícolas e industriais voltadas para este tipo de produção) . 
O t raba lhador livre das fazendas não era servo da gleba. 
Formalmente podia abandonar as fazendas e isto acontecia 
freqüentemente. 
As Américas e o mercado mundial 
As Américas, a part i r da conquista e da colonização, 
integraram o conjunto de mudanças estruturais que sepulta-
ram o feudalismo europeu e consol idaram o caminho pa ra a 
hegemonia do capitalismo. 
A contribuição americana pa ra este processo consistiu 
na ampliação do comércio europeu-americano e, conseqüen-
temente, intra-europeu, no desenvolvimento da indústria, da 
tecnologia, da construção naval etc. A produção em massa 
de panos de qualidade inferior, em par te destinada a abas-
tecer os novos mercados americanos, constituiu o alicerce 
52 
da indústr ia têxtil inglesa. A integração americana no merca-
do internacional concorreu para compor esta economia mun-
dial capitalista e as sucessivas hegemonias dos grandes paí-
ses industrializados. 
A contribuição americana para a hegemonia capitalista consistiu na 
ampliação do comércio euroamericano. A ilustração mostra a 
atividade comercial no importante porto inglês de Bristol. 
As Américas e a acumulação capitalista 
A acumulação de capital dá-se no que se convencionou 
chamar de economias centrais. Na transição feudalismo— 
capitalismo esta acumulação ocorre nas áreas européias que 
ingressavam na produção intensiva de bens de consumo, com 
produtividade crescente para a época. A Inglaterra assumiu 
53 
a dianteira da industrialização em massa e a sua indústr ia 
dominar ia os séculos XVII a XIX, declinando no século XX. 
As Américas, principalmente a América Latina, bem como 
a periferia européia, não escaparam à hegemonia exercida 
pelos países industrializados; entretanto, esta nova articula-
ção nada tem a ver com feudalismo. Ao contrário, a nova 
divisão do trabalho, a nível internacional, não só reduzia os 
vestígios de formações sociais pré-colombianas como acele-
rava a participação americana no mercado de matérias-pri-
mas , produzidas nas fazendas, plantações e áreas minera-
doras . 
Para as regiões latino-americanas as grandes fazendas 
ofereciam duas faces ao observador. Uma, voltada à produ-
ção de excedentes para o mercado interno e, substancialmen-
te, pa ra o mercado externo. Outra, revelando acentuada 
tendência para a autarcização. Este últ imo fenômeno ocorre 
durante o período de queda nas atividades de algumas regiões 
européias no século XVII (menciona-se até a "crise do século 
XVII") , caso da acentuada decadência do Império Espanhol . 
Nem sempre isto significou queda nas atividades latino-ame-
As Américas tornaram-se fornecedoras de matérias-primas e consumidoras 
dos produtos industrializados, particularmente ingleses. Na foto, 
uma plantação de algodão para exportação, no vale do Mississippi, EUA. 
54 
ricanas, mas provocoualterações no r i tmo de crescimento e 
vinculações externas. 
Retomadas as atividades em volume ascendente no sé-
culo da "Revolução Industr ia l" , as Américas, sobretudo as 
de expressão ibérica, especializaram as suas economias, tor-
nando-se fornecedoras de matérias-primas e importando, 
pr imordialmente da Inglaterra, produtos industrializados. 
O tesouro americano e o capitalismo 
Há uma teoria que atr ibui ao ouro e à p ra t a americanos 
papel decisivo no processo de acumulação capitalista. Os 
metais preciosos ter iam acarretado a alta dos preços euro-
peus e esta, por sua vez, teria estimulado a indústr ia , o co-
mércio e a agricultura. É o fenômeno que o economista John 
Maynard Keynes denominou de "inflação nos lucros" (profit 
inflation). Os salários, por sua vez, não acompanharam os 
preços e a mais-valia obtida permitiu reinvestimentos e 
acumulação crescentes. 
Historiadores, como Pierre Vilar, replicam que os preços 
já estavam subindo quando os metais preciosos americanos 
começaram a chegar na Europa, via Sevilha. A relação preços 
—salários também não teria ocorrido de forma tão prejudi-
cial aos assalariados. A expansão capitalista do século XVI 
é que incentivou a produção de metais preciosos, quer na 
Europa, quer na América. 
Em resumo, não é a moeda que faz o capitalismo, mas 
o capitalismo que faz a moeda. Cresce a produção de merca-
dorias e, entre elas, a da mercadoria dinheiro. Aumenta a 
produção de metais preciosos, e esta atividade na América 
alimenta e desenvolve pólos de crescimento demográfico, 
econômico e t c . . . 
55 
6. observações finais 
Preferi encerrar este breve tópico com o t í tulo de 
"Observações Finais" para evitar a tentação de denominá-lo 
"Conclusão". 
O tema do livro ofereceu a ocasião para suscitar reno-
vadas indagações, nunca para concluir peremptor iamente . 
O leitor paciente descobriu que o autor não recomenda, 
como fazem alguns, soluções que esquivam a luta de classes 
num específico contexto social, político e econômico e atri-
buem ao "Comércio", à Moeda, ao "Espír i to", ao "Empresá-
r io", a "gênese do capitalismo". Dentre estes adversários da 
luta de classes como cenário da transição, o conceito de 
"capital ismo mercanti l" é o mais sutil e apto a seduzir mui-
tos historiadores. A produção de mercadorias é subst i tuída 
pela circulação e a mais-valia diluída num aspecto mais apra-
zível do processo global. É a diferença entre os preços das 
mercadorias que, nessa concepção, ocupa o palco dos acon-
tecimentos. A natureza do preço, do valor nele contido, deixa 
de consti tuir a questão decisiva. O capital mercantil, pa r te 
de um todo, é metamorfoseado em capitalismo mercantil, 
ou seja, passa a representar o todo. 
Procuramos, ao contrár io dessas teses, sustentar que o 
capital mercanti l não engendra a disponibilidade de mão-de-
obra e o embrião do mercado interno emergente no feuda-
lismo europeu, mas interage com essa mão-de-obra que 
não foi "escravizada" pelos senhores feudais. O " t raba lho 
l ivre" não é resultado do capitalismo e de suas "revoluções 
burguesas" , mas propicia requisitos para o capitalismo, quer 
produzindo para o mercado, quer ofertando mão-de-obra pa ra 
as manufaturas . 
56 
A oferta precede a procura, embora os ideólogos da 
economia de mercado se refiram ao predomínio do "consumi-
dor" . Esta oferta de mercadorias e t rabalho, por sua vez, 
ocorreu no ocidente europeu feudal pelas razões que nos 
esforçamos por sintetizar nas páginas precedentes. 
Não há simplicidade no processo histórico esboçado, 
nem linearidade. Se o leitor tem a sensação de que este livro 
é imperfeito, polêmico, inacabado, lembre-se de que o autor 
caminhou sobre o fio de uma navalha, entre os abismos da 
teoria, de um lado, e da prática, de outro. 
57 
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60 
cronologia 
Roma 
230 — Invasões bárbaras ; godos (a par t i r de 230); fran-
cos e alemães (a par t i r de 260); persas (a par t i r 
de meados do século III) . 
306-337 — Imperador Constantino. Transferência da capital 
do Império pa ra o Oriente (330); aliança com a 
igreja cristã através do Edito de Milão (331). 
379-395 — Imperador Teodósio I. Desmembramento do Im-
pério em Impér io do Ocidente e Impér io do 
Oriente. 
410 — Captura de Roma por Alarico. 
455 — Roma é saqueada pelos vândalos. 
476 — Queda do Impér io Romano do Ocidente. 
493 — O rei dos ostrogodos, Teodorico, domina a Itália. 
O Ocidente europeu — o feudalismo 
496 — Conversão de Clóvis, rei dos francos, ao crist ianismo. 
653 — Os lombardos na Itália; em 653 convertem-se ao 
cristianismo. 
732 — Carlos Martel impede a invasão á rabe da Europa 
ocidental. 
771 — Carlos Magno é coroado rei dos francos. 
800 — Carlos Magno é coroado Imperador . 
814 — Morte de Carlos Magno e subseqüente desmembra-
mento do Impér io — Tratado de Verdun (843). 
Seguem-se invasões do Ocidente pelos normandos , 
húngaros e t c , independentemente da tentativa de 
criação, por Oto, o Grande, do Santo Impér io Roma-
no-Germânico. 
61 
Transição do feudalismo para o capitalismo 
Século XI — Recuperação do comércio e da indústria. A 
pr imeira cruzada. 
Século XII — Consolida-se a monarquia dos capetos

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