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Nutrição Imunomoduladora em Pacientes Hospitalizados

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1.Dietoterapia 
1.1 Nutrição Imunomoduladora e aplicabilidade em pacientes hospitalizados 
A imunonutrição foi definida por Hallay et al. como uma forma de alimentação artificial que objetiva a renovação das células para resposta imune. 
Nos últimos anos, o sistema imunológico tem demonstrado importância cada vez maior em terapia intensiva. Sabe-se que diversas moléculas pró e antiinflamatórias desempenham papel fundamental no desenvolvimento de lesão orgânica e na susceptibilidade a infecções. Conhecimento recente mostra que diversos nutrientes têm capacidade de modular o sistema imunológico, via ativação de linfócitos e macrófagos, produção de moléculas vasodilatadoras, inibição da função neutrofílica e estímulo hormonal. Estudos sugerem a utilização de nutrientes específicos, os quais têm a capacidade de interferir tanto na resposta inflamatória quanto na resposta imune. Esse conceito tem conduzido à suplementação das dietas enterais com tais substâncias, denominadas nutrientes imunomoduladores, que incluem arginina, glutamina, cisteína, nucleotídeos, ácidos graxos, fibras, vitaminas A, C, E, zinco, que podem ter ação direta ou indireta no sistema imune.
A grande questão em relação à utilização desses nutrientes é de como podem contribuir para minimizar as complicações infecciosas, diminuir o tempo de ventilação mecânica e de internação hospitalar, com consequente melhora do prognóstico, sem causar efeitos colaterais para pacientes tão instáveis hemodinamicamente.
No trauma, a presença de hipóxia, hipotensão, injúria tecidual e orgânica, fraturas, isquemias, intervenções cirúrgicas e infecções induzem a uma resposta de defesa, a fim de preservar a integridade imune e estimular mecanismos reparativos (ROTSTEIN, 2003). Isso é caracterizado por liberação sistêmica e local de citocinas pró-inflamatórias, metabólitos do ácido araquidônico, sistema de coagulação, fatores de complemento, proteína de fase aguda, mediadores neuroendócrinos e acúmulo de células imunocompetentes no sítio de injúria tecidual. Esse fenômeno é definido como Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica (SIRS) (VAN GRIENSEN, 2003). Entretanto, em paralelo, mediadores anti-inflamatórios são produzidos, conhecidos como Síndrome da Resposta Anti-inflamatória Compensatória (CARS). O desequilíbrio destas duas respostas imunes parece ser responsável por uma disfunção orgânica e um aumento de susceptibilidade às infecções (MALONE, 2001). A ocorrência de dano celular e distúrbios microcirculatórios conduz a apoptose e necrose celular, com o desenvolvimento de Falência de Múltiplos Órgãos (MOF) ou Síndrome de Disfunção de Múltiplos Órgãos (MODS) (KELL, 2005).
Tendo em vista que o estado catabólico pós-traumático conduz a um aumento do gasto energético e à diminuição das reservas protéicas e, consequentemente, ao comprometimento do estado nutricional, é recomendado o uso de nutrição enteral precoce (24 - 48h após a lesão), pois esta age minimizando esses efeitos catabólicos e aumentando os níveis de insulina. Isto está relacionado a melhora na imunocompetência, menor susceptibilidade às infecções e redução tanto da morbi-mortalidade quanto do tempo de internação hospitalar (KUDSK, 1996; FERREIRA, 2007).
Tem sido demonstrado que, além da nutrição precoce, a adição de nutrientes imunomoduladores na dieta, tais como arginina, glutamina, AGP W-3 e nucleotídeos, reduz o hipermetabolismo pós-traumático e melhora a competência imune (CHUNTRASAKUL, 1998).
Arginina - Auxilia na produção de uréia e na síntese protéica. É um aminoácido essencial em situações especiais como trauma, queimaduras e durante as fases de crescimento. A arginina tem múltiplas propriedades biológicas, incluindo sua habilidade de estimular a secreção de hormônios anabólicos. É precursora do óxido nítrico, que é um importante vasodilatador e agente oxidativo, danoso às células, devendo-se, portanto, ter cuidado com a sua suplementação em pacientes com problemas cardiovasculares. Sua deficiência compromete os mecanismos de imunidade celular, particularmente a função das células T. A suplementação de arginina tem como efeito o aumento do peso do timo e número de linfócitos T, crescimento tumoral diminuído e menor incidência de infecção. A recomendação é de 17 g arginina por dia ou 2 a 4% do valor calórico total (VCT). Outro autor recomenda acima de 12 g por dia (0,3 a 0,5g por kg por dia) ou 4 a 6% VCT.(1-3) 
Glutamina- É um aminoácido não-essencial e principal fonte de energia das células de rápida proliferação, como as células do trato digestório, além de ser utilizado como combustível para os imunócitos, principalmente, macrófagos e linfócitos. A glutamina também é necessária para a síntese de nucleotídeos das células em divisão e é precursora na síntese de glutationa. Auxilia na síntese da uréia, transportando a amônia da periferia para os órgãos viscerais. Baixa concentração intracelular de glutamina pode afetar adversamente o metabolismo protéico corporal em situações de estresse. As principais fontes endógenas de glutamina são os músculos esqueléticos e os pulmões. Em algumas condições específicas como trauma, sepse, corticoterapia e atividade física, as reservas de glutamina diminuem rapidamente e as necessidades de glutamina podem ser maiores à capacidade corpórea de síntese deste aminoácido, levando à diminuição da concentração intracelular e plasmática de glutamina. Esse aminoácido tem papel metabólico duplo nos linfócitos. É fonte primária de energia e de precursores de carbono e nitrogênio para a biossíntese de nucleotídeos necessária à proliferação celular. Foi proposto que a depleção pós-trauma de glutamina é fator fundamental para a supressão das funções macrofágicas nessa condição. A redução da disponibilidade de glutamina em pacientes graves pode provocar a quebra da barreira da mucosa intestinal nesses pacientes, que pode levar ao estado hipermetabólico crônico, falência de múltiplos órgãos e à sepse. A redução da concentração intracelular de glutamina parece estar correlacionada com a gravidade da lesão e da sepse, e está associada à alta mortalidade. A glutamina é o combustível oxidativo preferencial dos enterócitos, essencial para manutenção da estrutura e funções normais do trato gastrintestinal, o que pode prevenir a translocação bacteriana. A recomendação de glutamina para adultos é de 0,57 g/ kg por dia.
Ácido linoleico- (Ômega 6 ou w6) Componente essencial das membranas celulares, o ácido linoléico é metabolizado para numerosos compostos biologicamente ativos, incluindo prostaglandinas, prostaciclinas, e tromboxanos da série 2 e leucotrienos da série 4. Estas prostaglandinas possuem ação inumossupressora, causam agregação plaquetária e vasoconstrição. A deficiência do w6 pode causar dermatite e retardo na cicatrização de feridas cirúrgicas. A oferta excessiva de w6 tem um impacto negativo sobre a imunocompetência e sobrevida. A composição das membranas é modificada pela composição de ácidos graxos da dieta, sendo que a quantidade de w3 e w6 veiculada pela alimentação modula o teor destes na parede celular. A recomendação de ômega 6 é de 10 a 15 g por dia e a relação W6:W3 é de 4 a 10:1, e para pacientes graves é 3:1.
Fibras- Podem colaborar na resposta imunológica por meio de uma ação sistêmica e local. A ação local é decorrente da própria presença das fibras no tubo digestivo e é resultado das características físico-químicas dessas. A ação sistêmica acontece após a fermentação das fibras pelas bactérias colônicas, resultando na produção de acetato, butirato e propionato, os quais, após absorção e metabolização pelo fígado, atuam sobre a manutenção da integridade das células intestinais, prevenindo a translocação bacteriana e desempenhando papel imunomodulador indireto.
Vitamina A- É necessária para resposta inflamatória normal. Deficiência de vitamina A vem sendo associada a aumento da susceptibilidade à infecções e diminuição da produção de leucócitos e linfócitos, de células T e B, complemento e síntese de colágeno, bem como reaçãode hipersensibilidade retardada e aumento da susceptibilidade a alguns tumores. O aumento da ingestão de vitamina A melhora a função imune em casos de queimaduras, traumas cirúrgicos e câncer.
Vitaminas E e C- Dietas com suplementação de antioxidantes como vitaminas E e C são usadas com o objetivo de prevenir a atuação dos radicais livres, que são produzidos em muitas doenças agudas e crônicas e levam à peroxidação lipídica e à ruptura de membranas celulares, com conseqüente morte celular. Até o momento, os estudos sobre o papel protetor destes nutrientes imunomoduladores indiretos ainda são inconclusivos e limitados.
O papel da dieta imunomoduladora em pacientes criticamente doentes é controverso. Embora as dietas imunomoduladoras representem uma classe de fórmulas nutricionais especializadas, é importante reconhecer que as fórmulas diferem substancialmente quanto a composição (tipos diferentes, números e concentrações de nutrientes suplementados) e ação fisiológica, variando de acordo com estado do paciente, por exemplo, sepse/SIRS, pacientes com trauma ou queimados. Os pacientes que recebem o maior benefício são aqueles que apresentam desnutrição pregressa.
REFERENCIAS 
CHUNTRASAKUL, C. et al Metabolic and immune effects of dietary arginine, glutamine and omega-3 fatty acids supplementation in immunocompromised patients. J Med Assoc Thai, v. 81, p. 334-343, 1998.
FERREIRA, C.K.I. Considerações metabólicas e nutricionais em pacientes com traumatismo Crânioencefálico grave. Rev Bras Nutr Clin, v. 2, n. 22, p. 133-138, maio, 2007.
HALLAY J, KOVÁCS G, KISS SZ S, FARKAS M, LAKOS G, SIPKA S, BODOLAY E, SÁPY P. Changes in nutritional state and immune-serological parameters of esophagectomized patients fed jejunely with glutamine-poor and glutaminerich nutriments. HepatoGastroenterology. 2002 Nov-Dec; 49(48):1555-59.
KUDSK, K.A. et al. A randomized trial of isonitrogenous enteral diets after severe trauma: an immune-enhancing diet reduces septic complications. Ann of surg, n. 224, p. 531-543, 1996.
MALONE, D.L. et al. Back to basics: validation of the admission systemic inflammatory response syndrome score in predicting outcome in trauma. J Trauma, v. 51, p. 458-463, 2001.
ROTSTEIN, O.D. Modeling the two-hit hypothesis for evaluating strategies to prevent organ injury after shock/resuscitation. J Trauma, n. 54 (suppl.5), p. 203-206, 2003.
SILVIA MARIA FRAGA PIOVACARI. Saúde Alimentar- Imunonutrição, 2008.
VAN GRIENSEN, M.; KRETTEK, C.; PAPE, H.C. Immune reactions after trauma. Eur J Trauma, n. 29, p. 181-192, 2003.

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