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Língua Portuguesa: Estilística e Estudos Semânticos Divisão da Estilística Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Ms. Celso Antônio Bacheschi Revisão Textual: Profa. Ms. Silvia Augusta Albert. 5 Trataremos, nesta unidade, da divisão da Estilística de acordo com a modalidade da língua (escrita e falada) e dos diferentes tipos de recursos expressivos. Também conheceremos a divisão da disciplina de acordo com o nível de análise e estudaremos a Estilística Fônica. Para obter um bom desempenho, você deve percorrer todos os espaços, materiais e atividades disponibilizadas na unidade. Nesta unidade da disciplina de Língua Portuguesa – Estilística e Estudos Semânticos, estudaremos a divisão da Estilística de acordo com a modalidade da língua (escrita e falada) e os diferentes tipos de recursos expressivos. Também conheceremos a divisão da disciplina de acordo com o nível de análise e estudaremos a Estilística Fônica. Para um bom aproveitamento na disciplina, é muito importante a interação e o compartilhamento de ideias para a construção de novos conhecimentos. Divisão da Estilística · Divisão da Estilística (1) · Divisão da Estilística (2) · Combinação sonora 6 Unidade: Divisão da Estilística Contextualização Antes de iniciarmos nossos estudos na disciplina Língua Portuguesa – Estilística e Estudos Semânticos, convidamos você a ler o texto pluvial / fluvial, de Augusto de Campos: p p l p l u p l u v p l u v i p l u v i a f l u v i a l f l u v i a l f l u v i a l f l u v i a l f l u v i a l f l u v i a l No texto, notamos que o autor utiliza apenas duas palavras (dispostas graficamente de modo conveniente) para descrever o ciclo da água. O que possibilita que as palavras sejam dispostas de modo a cruzarem-se é a semelhança de sonoridade, com alternância apenas dos fonemas [p] e [f]. Nesta unidade, vamos estudar as divisões da Estilística e o aproveitamento da sonoridade das palavras para fins estilísticos. 7 Divisão da Estilística (1) A Estilística pode ser dividida em subáreas, levando-se em consideração diferentes aspectos. Pode-se diferenciar a abordagem de acordo com o objeto de análise, o qual pode ser um texto escrito ou falado. As características de cada uma das modalidades da língua implicam diferentes recursos de expressividade, como veremos. Vamos imaginar duas pessoas que conversam frente a frente e analisar os recursos de que elas dispõem durante a conversação. Em primeiro lugar, pensemos nas expressões faciais, que podem ser usadas para manifestar diversas emoções, como serenidade, admiração, nervosismo etc., que serão captadas pelo interlocutor. Além disso, há os gestos, que também nos servem de indicação a respeito do estado de espírito dos falantes. Embora esses elementos sejam parte integrante de toda conversação face a face, não são linguísticos, porém visuais. Além desses recursos, o tom de voz do falante pode transmitir-nos outras informações (involuntariamente ou, até, de modo fingido), como o cansaço, sonolência, disposição etc. Esses traços são chamados paralinguísticos. Tratemos dos elementos linguísticos. Sabemos que podemos dizer um mesmo enunciado com diferentes entonações, produzindo, assim, diferentes impressões em nosso(s) ouvinte(s). Isso ocorre porque há vários recursos, chamados de prosódicos (ou suprassegmentais), que podem provocar diferentes efeitos de sentido. A seguir, vamos analisar alguns desses recursos, como o alongamento de vogais e as pausas. Para isso, utilizaremos uma transcrição de um diálogo real do Projeto NURC/SP1 : L2 acaba sendo uma loucura... e/eu agora falo depressa... é tudo correndo... não é mais assim aquela pessoa admirável aquelas pessoas cal::mas [ Doc. tranqui::la L2 tranqui::las... que:: dificilmente... perdem a cal::ma perdem o contro::le... falam falam pausadamen::te que não tem aquele rosto sua::do assim:: e agora não eu estou estou sempre correndo estou sempre falando tudo depressa porque não dá tempo... (Projeto NURC/SP, D2/ 360, linhas 120-129)2 O alongamento das vogais – representado pelos dois-pontos (:) – é um recurso prosódico, que, aliado às pausas, produz um efeito de intensificação, acentuando a ideia de calma e tranquilidade, pois é uma forma de reproduzir o modo de falar de uma pessoa despreocupada. No trecho que segue (iniciado por “e agora não”), a ausência de pausas transmite a ideia oposta, ou seja, de uma pessoa atarefada, que faz tudo às pressas. 1 No Brasil, o Projeto NURC foi desenvolvido em cinco capitais – São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Salvador e Porto Alegre – com o objetivo de coletar dados para análise da norma urbana culta (daí a sigla). Para isso, realizaram-se milhares de horas de gravação. Parte das gravações foi transcrita e publicada em livros (veja bibliografia ao final da unidade). 2 No trecho, estão transcritas as falas do locutor 2 (L2) e do documentador (Doc.), responsável pela gravação. As reticências (...) indicam pausas, o colchete ( [ ) indica que as falas foram simultâneas, a barra ( / ) indica interrupção, e os dois-pontos (:), que se repetem (::), indicam alongamento da vogal. 8 Unidade: Divisão da Estilística Outro recurso prosódico ocorre no trecho a seguir, em que o falante trata das opções de lazer dos paulistanos: congestionamento eu principalmente não... deTESto ir para Santos... por vários problemas eu:: não suPORto a:: a Via Anchieta na hora de volta... (Projeto NURC/SP, DID/161, linhas 845-847). Nesse trecho, as letras maiúsculas em “deTESto” e “suPORto” indicam o acento de insistência, ou seja, que o falante pronunciou essas sílabas com intensidade bem superior à das demais sílabas do enunciado. Esse acento transmite um conteúdo emocional, que, no caso, é a irritação do falante diante da rodovia congestionada. Considerando os recursos de que tratamos até aqui, podemos formar o quadro a seguir (adaptado de Urbano, 1997): Recursos Expressivos Não linguístico Gestos, expressões faciais e etc.. Paralinguístico Tom, propriedade da voz etc.. Linguístico Prosódicos Entonação, acento etc. Verbais Ordem das palavras De todos os recursos apresentados, vamos nos concentrar nos linguísticos. Entre eles, podemos notar que os prosódicos são exclusivamente da língua falada, embora a escrita disponha de recursos gráficos, como as reticências e o ponto de exclamação, para representá- los (com grandes limitações). Os recursos verbais são comuns à língua escrita e à língua falada, porém podem-se realizar de modo bastante diferente em uma e outra modalidade, devido a características próprias de cada uma. Segundo Mattoso Câmara (2004: 114), a expressividade é “a capacidade de fixar e atrair a atenção alheia em referência ao que se fala ou escreve, constituindo objetivo essencial do esforço estilístico”. Ao refletirmos bem a respeito dessa afirmação, notaremos que a língua escrita é o lugar próprio do “esforço estilístico” a que se refere o autor, uma vez que nela é possível se planejar detalhadamente a construção do texto; e o autor, de acordo com a sua criatividade e o seu domínio do idioma, pode analisar diferentes opções quanto ao vocabulário, à construção dos enunciados, explorando a sonoridade das palavras etc. Além disso, sempre existe a possibilidade de uma ou mais revisões antes que se chegue à versão final. Na língua oral, ao contrário, o planejamento e a produção do texto são praticamente simultâneos, impedindo que haja uma elaboração mais refletida, um “esforço estilístico” mais demorado. Por isso, a expressividade na língua falada se dá não por meio dos mesmos recursos utilizados na escrita; mas por meio da utilização, mais ou menos original e criativa, de meiospertencentes a um “celeiro comum”. Da mesma forma que se emprega um provérbio que se amolda a uma determinada situação, o falante vai entremeando, em seu discurso, recursos padronizados, cujos efeitos de sentido são reconhecíveis pelo interlocutor, atingindo assim determinados resultados expressivos. 9 Podemos encontrar novamente em Mattoso Câmara (1975: 138) uma forma interessante de se pensar nessa questão. O autor considera, de um lado, a língua escrita culta (representada na figura de Rui Barbosa3) e, de outro, a língua falada (representada na linguagem de um motorista de táxi), afirmando que “aquele [Rui Barbosa] tem estilo (que dúvida! me dirão) [...]; mas este [o motorista] também tem um ‘estilo’, que é justamente a ‘gíria’, de que a cada passo se serve”. Para finalizar estas considerações, é preciso levar em conta que não se pode estabelecer uma contraposição entre língua escrita e língua falada, como se fossem dois polos opostos, pois há gêneros da fala em que a linguagem se aproxima da escrita, como uma conferência; e, da mesma forma, há gêneros da escrita em que a linguagem se aproxima da fala, como um bilhete. Divisão da Estilística (2) Todos os elementos que fazem parte do processo de comunicação têm um potencial expressivo. Segundo Koch e Oesterreicher (2007: 168), “os diferentes EFEITOS DE EXPRESSIVIDADE se alcançam graças a diversos PROCEDIMENTOS, que podem proceder dos níveis léxico, de formação de palavras, morfológico e sintático (destaques dos autores)”. Desse modo, vamos abordar o fenômeno da expressividade sob todos os aspectos da análise linguística. Inicialmente, trataremos da Estilística Fônica ou Fonoestilística. Estilística fônica A expressividade ligada à sonoridade da língua relaciona-se diretamente com uma questão: há motivação no signo linguístico? Em termos mais simples, há relação entre uma palavra, como “céu”, e seu significado, “firmamento”, “espaço em que se movem os astros”? Em que essa relação se basearia? Essa é uma questão muito antiga. Ela já aparece em um dos diálogos do filósofo grego Platão, o Crátilo, em que se defende a ideia de que as palavras são motivadas. Outros filósofos da mesma época (século IV a. C.) discordavam do grande pensador. Na verdade, essa questão ainda não está definitivamente resolvida até hoje, pois há argumentos (ainda que insuficientes) a favor da motivação. No início do século XX, Saussure (s/d) lançou as bases da Linguística contemporânea, defendendo que as palavras sofrem alterações em sua sonoridade e em seu significado, o que impediria a permanência da relação entre palavra (significante) e significado. Cressot (1970) dá- nos um exemplo claro a esse respeito, citando a palavra francesa pigeon, “pombo”, que provém do latim vulgar pipio, “pássaro jovem”, a qual se associa claramente ao som produzido pelos pássaros (no latim), mas perdeu essa relação no francês. A palavra pigeon, do inglês (idêntica na grafia e no significado), tem a mesma origem. 3 Grande intelectual brasileiro, autor de obra extensa e diversificada. Fo nt e: W ik im ed ia C om m on s 10 Unidade: Divisão da Estilística A teoria da motivação não se sustenta diante de uma questão bastante simples: se há uma relação entre a palavra “céu” e seu significado, por que, em outras línguas, o conceito de “céu” corresponde a palavras tão diferentes? Em inglês, por exemplo, “céu” corresponde a duas palavras, sky e heaven (nada semelhantes ao português). Vamos um pouco além? Por que palavras como finestra (italiano), ventana (espanhol) e window (inglês) correspondem ao português “janela”, já que essas palavras soam tão distintas? O argumento de que uma palavra como “cuco” (nome de um passarinho) é muito semelhante em várias línguas, como italiano, alemão, espanhol, francês, inglês, entre outras, também não se sustenta, dado que todas tiveram, em sua origem, a palavra cuculus (do latim, “idem”). Proponho que aceitemos a ideia de que não há motivação para que associemos uma palavra como “céu” (nem outra qualquer) a seu significado . Aí nos vem outra questão: isso significa que não podemos fazer qualquer relação entre o modo como que as palavras soam e o conteúdo que exprimem? Também não, pois, às vezes, as palavras nos permitem (por uma sorte do acaso) intuir, de certa forma, o que expressam. Dito de outro modo, às vezes, as palavras “se casam” perfeitamente com a noção que elas nos transmitem. Por exemplo, a palavra “transatlântico” – com todas essas sílabas – parece combinar-se perfeitamente com a ideia de algo bem grande. Fonte: iStock / G etty im ages Da mesma forma, a palavra “guri” (“menino”, mais frequente no Sul do Brasil) parece sugerir- nos a noção de pequenez. Ainda além, numa palavra como “roer”, a presença do fonema [r] parece nos sugerir a ação de desgastar alguma coisa lentamente com os dentes. Isso nos permite concluir que, em uma obra literária, a habilidade do autor pode levá-lo a selecionar certas palavras com base na harmonia entre elas e o efeito de sentido que ele quer provocar nos leitores, ou seja, ele pode buscar um modo de “casar” o que quer expressa com o que a sonoridade das palavras sugestiona ao leitor. Esse objetivo foi o alvo principal de um estilo literário de grande vigor na França, conhecido como Simbolismo. Vejamos agora, como podemos analisar na língua as sugestões sonoras utilizadas como recursos expressivos na literatura por muitos autores de diferentes épocas. 11 O potencial expressivos dos fonemas A seguir, apresentaremos alguns exemplos de associação entre sonoridade e sentido que foram colhidos da obra da professora Nilce Martins (2008). 1. Vogais Orais O [a] é o fonema mais sonoro do nosso sistema fonológico, logo traduz sons fortes e nítidos, como se observa em interjeições e onomatopeias que sugerem: » risadas, vozes altas, tagarelice: quá-quá-quá, blá-blá-blá, gargalhada, algazarra, matraca etc. » batidas bem audíveis: pá, plaft, craque etc. » claridade, brancura, amplidão: claro, alvo, vasto, alvorada etc. As vogais [e], [é] e [i] são próprias para expressar sons agudos, estridentes, como em grito, trilo, apito, pio, estrídulo, estrépito, berro. O estreitamento bucal da vogal [i] se coaduna com a expressão de pequenez, estreiteza: mínimo, estrito, fio, fino, espinho, formiga etc. As vogais [o], [ó] e [u] sugerem ideia de fechamento, escuridão, tristeza, morte, além de ruídos surdos: murmúrio, queixume, sussurro, gruta, choro, fúnebre, luto, túmulo etc. 2. Vogais nasais As vogais nasais tendem a exprimir sons prolongados e sugerem ideia de distância, lentidão, monotonia: longe, distante, manso, pranto, lamento etc. 3. Consoantes As labiodentais [f] e [v] sugerem ideia de sopro, como em voz, vento, fala, fofoca. As alveolares [s] e [z] são próprias para imitação de sons sibilantes: sibilo, assovio, cicio, suspiro, zunido, zumbir etc. As fricativas palatais [x] e [ch] são também denominadas chiantes devido à sugestão de chiado: chuá, enxame, cochilo, xixi, esguicho etc. A vibrante [R] ajusta-se à noção de vibração, atrito, rompimento, abalo, como em rachar, ranger, rasgar, romper, roer, ruir, arranhar, etc. As consoantes nasais [n], [m], [nh] expressam ideia de suavidade delicadeza, como em ameno, manso, mole, mimoso, meigo, ninar, melodia, harmonia, ninho, sonho etc. 12 Unidade: Divisão da Estilística Fonte: iStock / G etty im ages E essas associações entre sonoridade e sentido, podem não ocorrer de forma isolada. Vejamos como elas se combinam. Combinação sonora A sonoridade das palavras pode gerar efeitos muito interessantes para atrair a atenção dos ouvintes (ou leitores) para o conteúdo que se pretende expressar. Pensemos em como é fácil memorizar o conteúdo de provérbios como o que segue: » Água moleem pedra dura (1) » tanto bate até que fura (2). Isso decorre de dois fatos: o paralelismo – o número de sílabas é igual em (1) e (2) – e a rima (harmonia sonora entre “dura” e “fura”). Além da rima, outros recursos estilísticos de grande efeito são a aliteração e o homeoteleuto. Vejamos exemplos. A aliteração é a repetição de fonemas no início das palavras, que se percebe nos “jogos de palavras” de brincadeiras infantis, como “um prato de trigo para três tigres tristes”, ou como no seguinte trecho, de Fernando Pessoa: » O teu silêncio é uma nau com todas as velas pandas... » Brandas, as brisas brincam nas flâmulas. (Obra Completa. Rio de Janeiro: Ediouro, s/d.) Você deve ter notado o efeito da repetição do encontro consonantal “br” em “brandas”, “brisas” e “brincam”. 13 O homeoteleuto é um recurso que consiste na repetição dos fonemas finais das palavras, como ocorre em expressões como “fulano, sicrano e beltrano”. Ele também foi bastante explorado pelos poetas simbolistas, como se percebe, a seguir, no trecho de Eugênio de Castro: » Na messe, que enlourece, estremece a quermesse... » O sol, celestial girassol, esmorece... » (Obras Poéticas. Lisboa: Parceria A. M. Pereira 1968.) O homeoteleuto difere da rima porque a repetição da sonoridade não ocorre somente na palavra final de cada verso. Onomatopeia A onomatopeia é a formação de palavras que consiste na imitação de sons que não pertencem à linguagem verbal. Por exemplo, a palavra “zumbir” imita o som produzido por um inseto voando, assim como “pio” é uma reprodução aproximada do som produzido pelos passarinhos. Essa definição, aparentemente simples, oculta-nos uma série de “casos nebulosos” e claramente divergentes, como nos ensina o professor Herculano de Carvalho (1973), cuja consulta é altamente recomendada. Já que o que nos interessa, no momento, é a exploração da sonoridade afetiva das palavras, tomaremos um exemplo de um poeta modernista, que nos fornecerá elementos que nos levarão à compreensão de que a onomatopeia é um poderoso recurso estilístico. Vamos à leitura que segue:45 Soldados Verdes 1 O cafezal é a soldadesca verde que salta morros na distância iluminada um dois um dois, de batalhão em batalhão, na sua arremetida acelerada 5 contra o sertão! Manhã de terra roxa. manhã de estampa, ou cromo, onde a fumaça de um trem que passa risca o céu de fogaréu. Parece que há, nos clarins da alvorada, 10 alguma coisa de marcial. Longas palmeiras lembram lanças fincadas na paisagem, como se andasse galopando em plena serrania uma legião alvorotada de bandeiras. Como um zunzum de mamangava4 ouve-se o estrondo da cachoeira 15 a vida inteira a bater bumbo, a bater bumbo, a bater bumbo. Avanhandava5 . Um grande exército colorido de imigrantes, de enxadas a brilhar ao sol revolve o chão dando a ilusão de que a lavoura é sangue vivo 4 Espécie de abelha. 5 Município situado no estado de São Paulo 14 Unidade: Divisão da Estilística 20 e a terra nova revolvida é um coração... Um dia de verão, em luminosa pincelada, inaugurou agora mesmo a nova estrada. Acompanhando a estrada em douda disparada os postes de carvão como espantalhos 25 levam seus fios telegráficos sobre os ombros. As casas dos colonos são cartazes muito brancos encarreirados no silêncio dos barrancos. Bate o sol no tambor de anil do céu redondo. O dia general que amanheceu com o punho azul cheio de estrelas, 30 com dragonas6 de sol nos girassóis comanda os cafeeiros paralelos de farda verde e botões rubros e amarelos. Soa nos morros o clarim vermelho da manhã. Soldados verdes! rataplã. (Cassiano Ricardo. Antologia Poética. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1964.) Nesse texto, o poeta faz referência ao desenvolvimento da cultura do café em São Paulo, personificando os cafezais como “soldados verdes”, que marcham em direção ao interior do estado.6 Entre os vários recursos expressivos do texto, destacamos a exploração da sonoridade em “zunzum” (linha 14), que se associa ao estrondo da cachoeira. Note, também, o efeito da aliteração em “a bater bumbo, a bater bumbo, a bater bumbo”, que nos sugere a queda d’água soando continuamente. Finalmente, a forma onomatopeica “rataplã” é um fato bastante raro, pois não é uma palavra dicionarizada, é uma criação do autor, exclusiva para a ocasião. Seu objetivo é sugerir, provavelmente, o som do rufo dos tambores militares que convocam os soldados ao amanhecer. Nesta unidade, vimos que o objeto de estudo da Estilística pode ser dividido segundo diferentes critérios. Primeiramente, considerando o objeto da análise, o interesse pode ser dirigido à fala espontânea ou à escrita (sobretudo aos textos literários). Em segundo lugar, pode- se delimitar o estudo de acordo com o nível de análise linguística que se põe em posição central. Glossário Interjeição: classe de palavras que exprimem sentimentos ou sensações, como espanto, dor, admiração, alegria etc. Onomatopeia: processo de formação de palavras por meio da imitação de um som natural, como “pio”, “miau” etc. i 6 Peça ornamental de uniformes militares, que se usa sobre os ombros. 15 Material Complementar Para aprender mais a respeito das questões apresentadas nesta unidade, faça as seguintes leituras: GUIRAUD, Pierre. A Estilística. São Paulo: Mestre Jou, 1970. MARTINS, Nilce Sant’anna. Introdução à Estilística: a expressividade na Língua Portuguesa. São Paulo: Edusp, 2008. Obras disponíveis online DUARTE, Paulo Mosânio Teixeira. Estilística ou estilísticas? Disponível em: • http://www.filologia.org.br/revista/34/05.htm - Acesso em 27 jan. 2015. LOSS, Andréa Cristina Portella. A Estilística do Som. Disponível em: • http://www.filologia.org.br/vcnlf/anais%20v/civ2_05.htm. Acesso em 24 jan. 2015. ROMUALDO, Edson Carlos. A Expressividade fônica e o trabalho do professor de língua portuguesa. Disponível em: • http://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/polifonia/article/viewFile/22/539 - Acesso em 27 jan. 2015. SILVA, Gustavo Adolfo Pinheiro da. Aspectos da estilística portuguesa: Disponível em http://www.filologia.org.br/ixcnlf/5/08.htm. Acesso em 23 jan. 2015. 16 Unidade: Divisão da Estilística Referências CASTILHO, Ataliba Teixeira de; PRETI, Dino (orgs.). A Linguagem Falada Culta na Cidade de São Paulo: v. II – Diálogos entre dois informantes. São Paulo: T. A. Queirós, 1987. CRESSOT, Michel. O Estilo e as suas Técnicas. Lisboa: Edições 70, 1980. HERCULANO DE CARVALHO, José G. Teoria da Linguagem: Natureza do fenômeno linguístico e a análise das línguas. t. 1. 5. ed. Coimbra: Atlântida, 1973. KOCH, Peter; OESTERREICHER, Wulf. Lengua Hablada na Romania: español, francés, italiano. Madrid: Gredos, 2007. MATTOSO CÂMARA JR., Joaquim. Dicionário de Linguística e Gramática. 25. ed. Petrópolis: Vozes, 2004. ________. Considerações sobre o estilo. In: MATTOSO CÂMARA JR., Joaquim Mattoso. Dispersos. 2. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1975. PRETI, Dino; URBANO, Hudinílson. A Linguagem Falada Culta na Cidade de São Paulo: v. III – Diálogos entre informante e documentador. São Paulo: T. A. Queirós, 1988. SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. 11. ed. São Paulo: Cultrix, s. d. URBANO, Hudinílson. A expressividade na língua falada de pessoas cultas. In: PRETI, Dino (org.). O Discurso Oral Culto. 2. ed. São Paulo: Humanitas, 1997. Referências Bibliográficas (disponível para consulta) MARTINS, Nilce Sant’anna. Introdução à Estilística: a expressividade na Língua Portuguesa. São Paulo: Edusp, 2008 17 Anotações
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