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Narrador A narração é feita em primeira pessoa e postumamente, ou seja, o narrador se autointitula um defunto-autor – um morto que resolveu escrever suas memórias. Assim, temos toda uma vida contada por alguém que não pertence mais ao mundo terrestre. Com esse procedimento, o narrador consegue ficar além de nosso julgamento terreno e, desse modo, pode contar as memórias da forma como melhor lhe convém. Tempo A obra é apoiada em dois tempos. Um é o tempo psicológico, do autor além-túmulo, que, desse modo, pode contar sua vida de maneira arbitrária, com digressões e manipulando os fatos à revelia, sem seguir uma ordem temporal linear. A morte, por exemplo, é contada antes do nascimento e dos fatos da vida. No tempo cronológico, os acontecimentos obedecem a uma ordem lógica: infância, adolescência, ida para Coimbra, volta ao Brasil e morte. A estranheza da obra começa pelo título, que sugere as memórias narradas por um defunto. O próprio narrador, no início do livro, ressalta sua condição: trata-se de um defunto-autor, e não de um autor defunto. Isso consiste em afirmar seus méritos não como os de um grande escritor que morreu, mas de um morto que é capaz de escrever. O pacto de verossimilhança sofre um choque aqui, pois os leitores da época, acostumados com a linearidade das obras (início, meio e fim), veem-se obrigados a situar-se nessa incomum situação. Não-realizações Publicado em 1881, o livro aborda as experiências de um filho abastado da elite brasileira do século XIX, Brás Cubas. Começa pela sua morte, descreve a cena do enterro, dos delírios antes de morrer, até retornar a sua infância, quando a narrativa segue de forma mais ou menos linear – interrompida apenas por comentários digressivos do narrador. O romance não apresenta grandes feitos, não há um acontecimento significativo que se realize por completo. A obra termina, nas palavras do narrador, com um capítulo só de negativas. Brás Cubas não se casa; não consegue concluir o emplasto, medicamento que imaginara criar para conquistar a glória na sociedade; acaba se tornando deputado, mas seu desempenho é medíocre; e não tem filhos. A força da obra está justamente nessas não-realizações, nesses detalhes. Os leitores ficam sempre à espera do desenlace que a narrativa parece prometer. Ao fim, o que permanece é o vazio da existência do protagonista. É preciso ficar atento para a maneira como os fatos são narrados. Tudo está mediado pela posição de classe do narrador, por sua ideologia. Assim, esse romance poderia ser conceituado como a história dos caprichos da elite brasileira do século XIX e seus desdobramentos, contexto do qual Brás Cubas é, metonimicamente, um representante. O que está em jogo é se esses caprichos vão ou não ser realizados. Alguns exemplos: a hesitação ao começar a obra pelo fim ou pelo começo; comparar suas memórias às sagradas escrituras; desqualificar o leitor: dar-lhe um piparote, chamá-lo de ébrio; e o próprio fato de escrever após a morte. Se Brás Cubas teve uma vida repleta de caprichos, em virtude de sua posição de classe, é natural que, ao escrever suas memórias, o livro se componha desse mesmo jeito. O mais importante não é a realização ou não dessas veleidades, mas o direito de tê-las, que está reservado apenas a uns poucos da sociedade da época. Veja-se o exemplo de Dona Plácida e do negro Prudêncio. Ambos são personagens secundários e trabalham para os grandes. A primeira nasceu para uma vida de sofrimentos: “Chamamos-te para queimar os dedos nos tachos, os olhos na costura, comer mal, ou não comer, andar de um lado pro outro, na faina, adoecendo e sarando…”, descreve Brás. Além da vida de trabalhos e doenças e sem nenhum sabor, Dona Plácida serve ainda de álibi para que Brás e Virgília possam concretizar o amor adúltero numa casa alugada para isso. Com Prudêncio, vê-se como a estrutura social se incorpora ao indivíduo. Ele fora escravo de Brás na infância e sofrera os espancamentos do senhor. Um dia, Brás Cubas o encontra, depois de alforriado, e o vê batendo num negro fugitivo. Depois de breve espanto, Brás pede para que pare com aquilo, no que é prontamente atendido por Prudêncio. O ex-escravo tinha passado a ser dono de escravo e, nessa condição, tratava outro ser humano como um animal. Sua única referência de como lidar com a situação era essa, afinal era o modo como ele próprio havia sido tratado anteriormente. Prudêncio não hesita, porém, em atender ao pedido do ex-dono, com o qual não tinha mais nenhum tipo de dívida nem obrigação a cumprir. Os personagens da obra são basicamente representantes da elite brasileira do século XIX. Há, no entanto, figuras de menor expressão social, pertencentes à escravidão ou à classe média, que têm significado relevante nas relações sociais entre as classes. Assim, "Memórias Póstumas de Brás Cubas", além de seu enorme valor literário, funciona como instrumento de entendimento desse aspecto social de nossas classes, como se verá adiante nas caracterizações de Dona Plácida e do negro Prudêncio. A sociedade da época se estruturava a partir de uma divisão nítida. Havia, de um lado, os donos de escravos, urbanos e rurais, que constituíam a classe mandante do país. Estão representados invariavelmente como políticos: ministros, senadores e deputados. De outro, a escravidão é a responsável direta pelo trabalho e pelo sustento da nação e, por assim dizer, das elites. No meio, há uma classe média formada por pequenos comerciantes, funcionários públicos e outros servidores, que são dependentes e agregados dos favores dos grandes privilegiados. ● Narrado em primeira pessoa, seu autor é Brás Cubas, um "defunto-autor", isto é, um homem que já morreu e que deseja escrever a sua autobiografia . Nascido numa típica família da elite carioca do século XIX, do túmulo o morto escreve suas memórias póstumas começando com uma "Dedicatória": Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas. Seguido da dedicatória, no outro capítulo, "Ao Leitor", o próprio narrador explica o estilo de seu livro, enquanto o próximo, "Óbito do Autor", começa realmente com a narrativa, explicando seus funerais e em seguida a causa mortis , uma pneumonia contraída enquanto inventava o "emplastro Brás Cubas", panaceia medicamentosa que foi sua última obsessão e que lhe "garantiria a glória entre os homens". No Capítulo VII, "O Delírio", narra o que antecedeu ao óbito. No Capítulo IX, "Transição", principiam propriamente as memórias. Brás Cubas começa revendo a própria infância de menino rico, mimado e endiabrado: desde cedo ostentava o apelido de "menino diabo" e já dava mostras da índole perversa quebrando a cabeça das escravas quando não era atendido em algum querer ou montando num dos filhos dos escravos de sua casa, o moleque Prudêncio, que fazia de cavalo. Aos dezessete anos, Brás Cubas apaixona-se por Marcela, "amiga de rapazes e de dinheiro",[5] prostituta de luxo, um amor que durou "quinze meses e onze contos de réis", [6] e que quase acabou com a fortuna da família. A fim de se esquecer dessa decepção amorosa, o protagonista foi enviado a Coimbra, onde se formou em Direito, após alguns anos de boêmia desbravada, "fazendo romantismo prático e liberalismo teórico".[7] Retorna ao Rio de Janeiro por ocasião da morte da mãe. Depois de namorar inconsequentemente Eugênia, "coxa de nascença",[8]filha de D. Eusébia, amiga pobre da família, o pai planeja induzi-lo na política através do casamento e encaminha o relacionamento do filho com Virgília, filha do Conselheiro Dutra, que apadrinharia o futuro genro. Porém Virgília prefere casar-se com Lobo Neves, também candidato a uma carreira política. Com a morte do pai de Brás Cubas, instaura-se um conflito entre ele e sua irmã, Sabrina, casada com Cotrim, por conta daherança. Quando Virgília reaparece, anunciada pelo primo Luís Dutra, reencontra-se com Brás Cubas e tornam-se amantes, vivendo no adultério a paixão que não tiveram quando noivos. Virgília engravida, no entanto a criança morre antes de nascer. Para manter discreta sua relação amorosa, Brás Cubas corrompe Dona Plácida, que por cinco contos de réis aceita figurar-se como moradora de uma casinha na Gamboa, que na verdade serve de encontro entre os amantes. Então segue-se o encontro do protagonista com Quincas Borba, amigo de infância que agora miserável lhe rouba o relógio, devolvendo-lhe depois. Quincas Borba, filósofo doido, apresenta ao amigo o Humanitismo . Perseguindo a celebridade ou procurando uma vida menos tediosa, Brás Cubas torna-se deputado, enquanto Lobo Neves é nomeado presidente de uma província e parte com Virgília para o Norte, porquanto que termina a relação dos amantes. Sabina arranja uma noiva para Brás Cubas, a Nhã-Loló, sobrinha de Cotrim, de 19 anos, mas ela morre de febre amarela e Brás Cubas torna-se definitivamente um solteirão. Tenta ser ministro de estado mas fracassa; funda um jornal de oposição e fracassa. Quincas Borba dá os primeiros sinais de demência. Virgília, já velha e desfigurada em sua beleza, solicita a ele o amparo à indigência de Dona Plácida, que morre em seguida. Morrem também Lobo Neves, Marcela e Quincas Borba. Eugênia é encontrada num cortiço. A última tentativa de glória, portanto, é o "emplasto Brás Cubas", remédio que curaria todas as doenças; ironicamente, numa de suas saídas à rua para cuidar de seu projeto, molha-se na chuva e apanha uma pneumonia, da qual vem a falecer, aos 64 anos. Virgília, acompanhada do filho, vai visitá-lo na cama e, após longo delírio, morre assistido por alguns familiares. Depois de morto, começa a contar, de trás para frente, a história de sua vida e escreve assim as últimas linhas do capítulo derradeiro: Este último capítulo é todo de negativas. Não alcancei a celebridade do emplasto, não fui ministro, não fui califa, não conheci o casamento. Verdade é que, ao lado dessas faltas, coube-me a boa fortuna de não comprar o pão com o suor do meu rosto. Mais; não padeci a morte de D. Plácida, nem a semidemência do Quincas Borba. Somadas umas coisas e outras, qualquer pessoa imaginará que não houve míngua nem sobra, e conseguintemente que saí quite com a vida. E imaginará mal; porque ao chegar a este outro lado do mistério, achei-me com um pequeno saldo, que é a derradeira negativa deste capítulo de negativas: — Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria. Machado de Assis, no seu romance Memória Póstumas de Brás Cubas, narra uma história de trás para diante. Começa com a morte da personagem contada por ela mesma. Por meio do Flashback, a narrativa se refazendo para o passado, com os dados das personagens que vão surgindo. O romance se fecha por onde começou com a morte da personagem. É o chamado romance fechado em círculo: "Morri de uma pneumonia; mas se lhe disser que foi menos a pneumonia, de que uma ideia grandiosa e útil, a causa de minha morte, é possível que o leitor não me creia, e, todavia é verdade. Vou expor-lhe sumariamente o caso julgue-o por si mesmo." Marcela:Apresentava um comportamento ousado , dotado de sensualidade ,ambiciosa e interesseira , era uma prostituta de elite , que baseava seu relacionamento com Brás no dinheiro , nas jóias que recebia. “...Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis; nada menos.” • Virgília: Foi o grande amor de Brás , era uma mulher ambiciosa que casou-se por interesse , e mesmo gostando de Brás Cubas não rompia seu relacionamento pois não queria perder seu prestigio na sociedade , já que seu Marido era grande deputado. “Naquele tempo contava apenas uns quinze ou dezesseis anos; era talvez a mais atrevida criatura da nossa raça, e, com certeza, a mais voluntariosa.”
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