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Patp Grupo 3 - 6 semestre (1) (1)

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INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL DE BAGÉ LTDA.
FACULDADE IDEAU DE BAGÉ
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA ENTRE CASAIS HOMOSSEXUAIS: a invisibilidade jurídica e a aplicabilidade da lei maria da penha
 
BENEVIDES, Mikaella Christyna Magalhães¹
BITTENCOURT, Eduardo Gusmão¹
GONÇALVES, Aaron Moura¹
KANAAN, Gabriel Lucas¹
MOREIRA, Álisson Gularte¹
POETINI, Maria Eduarda Mello¹
BITTENCOURT, Patricia Xavier²
OLIVEIRA, Juliana Gonçalves de²
RODRIGUES, Natália Centeno²
PINTO FERREIRA, Lóren²
VERDI, Roberta²
RESUMO: O presente artigo trata sobre a violência doméstica entre casais homossexuais e a invisibilidade jurídica e aplicabilidade da Lei Maria da Penha, vez que é sabido que a violência doméstica está cada vez mais em pauta na sociedade como um todo, e embora a Lei Maria da Penha e a violência doméstica sejam assuntos frequentemente tratados e noticiados, há ainda invisibilidade no tocante a violência doméstica entre casais homossexuais e de que maneira a Lei nº 11.340/06 oferece guarida nestes casos. Insta salientar que o cenário é composto de invisibilidade, tendo em vista que as decisões proferidas ocorrem por analogia e a critério do julgador, e há o desconhecimento das prerrogativas por parte da população em geral. Diante disso, será analisada a importância social no reconhecimento do Direito, que até então contrariava os princípios constitucionais, tratando as questões do direito de família, bem como a ação pública condicionada e incondicionada, demonstrando quem dispõem de titularidade para propositura da ação e como se dá ínicio ao processo, bem como a análise das tutelas jurisdicionais sobre a ótica cível, e o enfoque da aplicabilidade da Lei nº 11.340/06 e a violência doméstica nas relações homossexuais, realizando uma breve análise jurisprudencial. A metodologia empregada foi a pesquisa bibliográfica, aliada a pesquisa documental, com enfoque nos ensinamentos registrados a cerca do tema, bem como a técnica de entrevista com profissionais atuantes em relações que envolvam a temática trazida, de forma a alcançar a integração da teoria e prática.
Palavras-chave: violência; doméstica; homossexuais; Lei Maria da Penha.
 
ABSTRACT: This article deals with domestic violence between homosexual couples and the legal invisibility and applicability of the Maria da Penha Law, as it is well known that domestic violence is increasingly on the agenda in society as a whole, and although the Maria da Penha Law and domestic violence is a matter frequently dealt with and reported, there is still invisibility regarding domestic violence between homosexual couples and how Law 11,340 / 06 offers shelter in these cases. It should be emphasized that the scenario is made up of invisibility, given that the decisions given are made by analogy and at the discretion of the judge, and there is a lack of knowledge of the prerogatives of the general population. Given this, it will be analyzed the social importance in the recognition of the Law, which until then contradicted the constitutional principles, addressing the issues of family law, as well as the conditioned and unconditional public action, demonstrating who has ownership to bring the action and how it begins the process, as well as the analysis of jurisdictional protections on the civil view, and the focus on the applicability of Law No. 11,340 / 06 and domestic violence in homosexual relations, performing a brief jurisprudential analysis. The methodology used was bibliographic research, allied to documentary research, focusing on the teachings recorded on the subject, as well as the interview technique with professionals working in relationships involving the theme brought in order to achieve the integration of theory and practice.
Keywords: violence; domestic; homosexuals; Maria da Penha Law.
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A violência doméstica está cada vez mais em pauta e discussão na sociedade como um todo, deixou de ser um assunto privado, vindo a se tornar cada vez mais público, sendo colocado em discussão. Embora seja um assunto de notório conhecimento público, quando se fala da violência doméstica em relações homoafetivas, é notório o pouco debate sobre a temática, bem como uma escassez de pesquisas atreladas ao viés homoafetivo.
	Com as modificações quanto as definições de família, bem como os diferentes tipos de relações afetivas que se têm atualmente, necessário se faz analisar a violência doméstica como um todo e observar de que maneira é encontrado respaldo legal para abarcar situações de violência doméstica em casal homoafetivos.
	Sendo assim, se analisará o contexto histórico familiar, no tradicional direito de família brasileiro com foco no vínculo conjugal, em tela a união estável e o casamento, com foco na normativa para os pares afetivos e em que momento do contexto social, foi possível reconhecer os casais homoafetivos enquanto núcleo familiar.
	Através do prelúdio da Lei 11.340/2006, a qual busca abarcar situações de violência doméstica e familiar contra a mulher, configurando como tal qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, conforme preceitua o artigo 5º da Lei Federal supracitada, ainda respaldado no parágrafo único do artigo 5º que as relações pessoais enunciadas independem de orientação sexual.
	Conforme se depreende, a referida Lei abrange a violência doméstica e familiar sofrida nas relações homoafetivas, consequentemente é necessário compreender que embora haja essa prerrogativa, o cenário é composto de invisibilidade, tendo em vista que as decisões proferidas ocorrem por analogia, e a critério do julgador, sem falar que, não possui estrutura necessária para tratar tal violência.
	No presente artigo, será analisado a importância social no reconhecimento do Direito, que até então contrariava os princípios constitucionais, tratando as questões do direito de família, bem como apresentar a ação pública condicionada e incondicionada, desmonstrando quem pode propô-la e como se dá o ínicio, analisando a persecução penal em casos de violência doméstica contra mulheres, salientando a posição consolidada pelo STF e STJ, a análise sobre as tutelas jurisdicionais, dispostas na Lei Processual Civil, com enfoque na aplicabilidade da Lei Maria da Penha nos casos de violência doméstica, e a violência doméstica entre casais homossexuais abarcada pela Lei Maria da Penha, bem como análise jurisprudencial a respeito do tema.
2 DESENVOLVIMENTO
O referencial teórico do presente artigo tratará sobre o casamento homoafetivo e a invisibilidade jurídica quanto ao reconhecimento da violência doméstica, a violência doméstica entre casais homoafetivas e a aplicabilidade da Lei Maria da Penha, levando em conta o gênero mulher e a análise sobre as tutelas jurisdicionais no enfoque cível processualista, com a aplicabilidade da Lei Maria da Penha.
2.1 Referencial Teórico
2.1.1. A evolução histórica dos direitos homoafetivos no direito de Família brasileiro e a invisibilidade jurídica quanto ao reconhecimento da violência doméstica
Família, é o primeiro contato social de todas as pessoas, é o núcleo das relações individuais. Portanto, o conceito de direito de família é nas palavras de Gonçalves, 2017 “o mais intimamente ligado à própria vida, uma vez que, de modo geral, as pessoas provêm de um organismo familiar e a ele conservam-se vinculadas durante a sua existência” Citação direta, falta a página
A família tradicional, prevista no código civil de 1916 é vista por Maria Berenice Dias (2009), como “um modelo conservador, era uma entidade matrimonializada, patriarcal, patrimonializada, indissolúvel, hierarquizada e heterossexual [...]”p. 2. Era inadmissível, invisível e passível de sanções o que fosse ou minimamente aparentasse ser distinto disso. Tal modelo também é abordado por Gonçalves, 2017 (p. 301) tem em seu núcleo essencial os pais, especificamente de sexos diferentes, originários de união estável ou casamento,
e sua prole (os filhos). Desta maneira, temos três tipos de vínculos possíveis, o conjugal, o de parentesco e o de afinidade. 
O núcleo principal regido pelo tradicional direito de família, no código civil e abordado mais intimamente neste artigo será o vínculo conjugal, com o reconhecimento do casamento e da união estável ao longo do tempo, saindo da tradicionalidade do primeiro requisito para este instituto, a diferença de sexo entre os cônjuges, para o reconhecimento também do direito das famílias homoafetivas, bem como a dificuldade em caracterizar a violência familiar nestes moldes. 
Madaleno, 2017 reconhece que num primeiro momento somente as famílias de cônjuges de sexos diferentes eram reconhecidas e, portanto, amparadas e assistidas pela lei, seja para reconhecimento de casamento ou de união estável e até mesmo violência doméstica.
A família homoafetiva conhece os efeitos jurídicos, pela primeira vez com a jurispudrência, com a denominação de pares afetivos. Em suas próprias palavras “até pouco tempo atrás o caminho da união estável foi o espaço encontrado por alguns poucos tribunais brasileiros para alicerçar, por analogia jurisprudencial, o reconhecimento das relações homoafetivas que externassem uma convivência pública, contínua e duradoura” [...].
O requisito de convivência pública externa, não poderia ser atributo obrigatório para o reconhecimento de união estável homoafetiva, embora exista o afeto e a convivência familiar; pois alerta Maria Berenice 2009, “seguiam os homoafetivos sendo alvo de incessante preconceito, sendo perfeitamente compreensível a sua necessidade de discrição [...]” Dias, 2009 lembra ainda, que ao Estado reconhecer a somente a união estável entre um homem e uma mulher, está deixando implícito que somente esse modelo de convivência é digno da proteção jurídica, assevera a autora “exigir a diferenciação de sexos do casal para merecer a proteção do Estado é fazer distinção odiosa, postura nitidamente discriminatória que contraria o princípio da igualdade ignorando a vedação de diferenciar pessoas em razão de seu sexo” [...] 
Deve-se levar em consideração que, a não previsão legal do instituto, não significa que, fatidicamente não houvessem famílias homoafetivas. Cabe ao judiciário orientar-se pelo caso concreto, no caso de o legislador ser silente aos aspectos do cotidiano, por mais conservadora que fosse a sociedade. 
Como foi supramencionado, a primeira vez que houve o reconhecimento das famílias homoafetivas, se deu com a jurisprudência. A ADI nº 4277 faz-se agora a pluralização de interpretação do artigo 226 CC/2002, tal qual a luz da constituição federal que exclui qualquer significado impeditivo para o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura. Desta maneira, a partir disso todo juiz tem a obrigação de reconhecimento de união estável, qualquer que seja os pares, homem e mulher, dois homens, duas mulheres. 
Mister se faz esse posicionamento do judiciário, pois a partir dele, pautado no princípio fundamental da dignidade da pessoa humana o ativismo do judiciário vem tomando uma postura que podem e devem causar a mutação constitucional.
A exemplo disso, somente com a resolução do CNJ nº 175 de 14/05/2013 ficou estabelecido, finalmente não só a previsão de habilitação, celebração de casamento civil ou ainda a conversão de união estável em casamento, para pessoas do mesmo sexo. Foi o alívio para muitas famílias homoafetivas, que viviam a mercê da lei. Desamparadas pelos direitos fundamentais constitucionais, agora se casam, e podem gozar dos plenos direitos das famílias.
Desta maneira encontramos no panorama atual, que o desamparo legal que é vivido por casais homoafetivos masculinos na esfera da violência doméstica continua gigantesca, mesmo com leis que combatem esta violência. A Lei 11.240/2006, conhecida como Lei Maria da Penha foi desenvolvida como sistema de proteção à mulher vítima de violência doméstica, e também a pioneira em explanar, o conceito moderno de família, alcançando as uniões homoafetivas, no momento em que define que não há distinção de gênero para o tratamento jurídico da mulher. 
Conforme conferimos no art. 2º desta Lei: “Toda mulher, independente de classe, raça, etnia, orientação sexual (...) goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana (...)”.E em seu parágrafo único, assegura a proteção legal contra a violência doméstica, nas relações pessoais, independente da orientação sexual da mulher. Já em seu art. 5º, inc. II compreende como família: “a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa”. Portanto, embora a Constituição Federal, através do Art. 226, não tenha estabelecido a unidade familiar formada por homossexuais, o fato é que os mesmos são uma família. Obtendo plenos direitos de união-estável e casamento quando do julgamento das ADIn 4277 e a ADPF 132 pelo Supremo Tribunal Federal em 2011. 
Contudo para tratativa jurisdicional relativa a casais homossexuais do sexo masculino, há uma grande lacuna interpretativa. Em um primeiro momento nos deparamos com a situação de desconformidade perante a Lei 11.240/2006.
De acordo com Silveira (2016), tal distinção é extremamente relevante, pois de sua interpretação, decorre a constatação de que o juiz, na aplicação da lei, não pode dar tratamento desigual a situações equiparadas, ou tratamento igual a situações diferentes, pois a inexistência de igualdade na lei não impede a existência de igualdade perante a lei.
	
2.1.2. A violência doméstica nas relações homoafetivas e a aplicabilidade da Lei Maria da Penha com enfoque penal
Embora comparada a outras temáticas e a outros grupos, a violência doméstica entre casais homossexuais ainda é pouco tratada no cotidiano, bem como em estudos, pesquisas, artigos, legislação. Destarte, podemos classificar a supracitada violência como invisível perante a sociedade.
	Sendo assim, o caráter de invisibilidade é atrelado a diversos fatores, Luz e Gonçalves (2014, p. 88) preceituam que o primeiro fator para tal violência estar recoberta, é a visão heterocentrista da sociedade, vez que o heterocentrismo compreende a violência entre o homem e a mulher, sendo o primeiro o agressor e a segunda a vítima.
	Ainda, Luz e Gonçalves (2014, p. 89) elencam que a violência nas relações homoafetivas é semelhante a que ocorre entre casais heterossexuais, dispondo o seguinte:
A primeira delas diz respeito ao ciclo da violência (NUNAN, 2006), que mantém a relação e se caracteriza pela esperança da vítima de que o agressor irá mudar. Depois de ocorrida a agressão, o casal vive uma fase de “lua-de-mel”, onde o agressor tenta reconquistar o amor e a confiança da vítima. Após a reconciliação, observa-se uma fase de tensão que culmina, novamente, no evento agressor. Há dificuldades tanto emocionais quanto financeiras para desfazer o relacionamento e a vítima, muitas vezes, considera-se culpada pela violência. A frustração diante do relacionamento é grande uma vez que, tratando-se de relacionamento homossexual e por isso socialmente rejeitado, a vítima dedicou grande investimento afetivo àquela relação, e recusa-se a enfrentar seu fracasso. Sente-se culpada, então, por não ter conseguido provar para todos à sua volta que um relacionamento homoafetivo pode ser saudável como qualquer outro (Ibid.). É comum, também, a vítima minimizar ou negar a violência, o que pode ter relação com a ausência de relações homoafetivas como referência para definir o que é ou não violência, uma vez que essas relações não têm aprovação social e, portanto, não estão em evidência (Ibid.).
	 A Lei nº 11.340/06, intitulada como Lei Maria da Penha, tem como o objetivo elencado em seu art. 1º, in verbis (BRASIL, 2006):
Art. 1º Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.
A Lei Federal supracitada, em seu artigo 5º, explicita que (BRASIL, 2006):
Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: 
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
            Embora, seja necessário compreender que nem todas as violências contra a mulher serão abarcadas pela Lei Maria da Penha, cabe salientar que é necessário que a violência tenha ocorrido em função do gênero mulher, e não da condição sexual. Tanto é verdade, que a Lei oferece respaldo a homossexuais, desde que a violência ocorrida seja em função do gênero, respeitando as prerrogativas trazidas no diploma legal citado acima.
            Por conseguinte, o parágrafo único do art. 5º da Lei 11.340/06, estipula que “as relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual”. Precedentemente, o art. 2º da supracitada Lei Federal, dispõe que “toda mulher, independentemente de [...] orientação sexual, [...] goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana [...]”. Isto posto, é nítido que a Lei busca conferir a proteção independentemente de orientação sexual, configurando como maior preocupação a condição de gênero.
Insta salientar, que para melhor compreensão da Lei, é necessário entender o que significa a violência de gênero, para que assim seja possível abarcar a importância da proteção de determinado fator. De acordo com Teles e Melo (2002 apud BIANCHINI, 2016, p. 32), a violência de gênero demonstra “uma relação de poder de dominação do homem e de submissão da mulher. Demonstra que os papéis impostos às mulheres e aos homens, consolidados ao longo da história e reforçados pelo patriarcado e sua ideologia, induzem relações violentas entre os sexos”.
	Bianchini (2016) elenca a vítima homossexual no rol de destinatários da Lei Maria da Penha, conferindo ênfase à questão da afetividade, elencando que o próprio artigo 5º da referida Lei, respalda que as relações pessoais tratadas no artigo vão independer de orientação sexual. Ainda, no artigo 2º já enfatiza a questão de que irá independer da orientação sexual da mulher.
	Embora haja a descrição do gênero mulher e seja conferida pela Lei 11.340/06 a prerrogativa da não discriminação, deixando clara a exclusão da análise da orientação sexual, o cenário ainda é composto por invisibilidade, vez que fica nas mãos do julgador, entender cabível a aplicação da Lei Maria da Penha aos casos concretos.
	Em 23 de fevereiro de 2011, o Juiz de Direito, Osmar de Aguiar Pacheco, da Comarca de Rio Pardo, no Estado do Rio Grande do Sul, concedeu medida protetiva em um caso de relação homoafetiva, em que um homem estava sendo ameaçado por seu companheiro em decorrência do término da relação. Vejamos a fundamentação:
[...] a vedação constitucional de qualquer discriminação e mesmo a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República, insculpido no art. 1º, III, da Carta Política, obrigam que se reconheça a união homoafetiva como fenômeno social, merecedor não só de respeito como de proteção efetiva com os instrumentos contidos na legislação.
Nesse quadro, verifica-se com clareza que E. S. N., enquanto se dizente vítima de atos motivados por relacionamento recém-findo, ainda que de natureza homossexual, tem direito à proteção pelo Estado prevista no direito positivo.
	
	Ainda, entendeu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no acórdão proferido nos autos da apelação crime nº70036742047, ser cabível a aplicação da Lei Maria da Penha em caso de casal homoafetivo, composto por duas mulheres, aduzindo que não importaria a opção sexual, e nem mesmo o fato da agressora ser outra mulher, entendendo que a ação é de competência do Juizado Especializado, vejamos:
1- A Lei 11.340/06 destina-se a proteger a mulher de violência doméstica, não importa sua opção sexual, nem que envolva relações homoafetivas e a agressora seja outra mulher. 2- O artigo 5º da Lei estabelece como âmbito de incidência a proteção da mulher na unidade doméstica, abrangendo os indivíduos que nela convivem ou qualquer relação de afeto, vínculo familiar, mesmo que não mais coabitem, independente da orientação sexual. A lei não é limitada pelo gênero do agressor, sua finalidade é sempre proteger a mulher, independente de opção sexual (parágrafo único do artigo 5º). 3- Competente a Vara de Violência Doméstica  exercida na Comarca pela Vara de Família. CONFLITO PROCEDENTE. (Conflito de Jurisdição, Nº 70036742047, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ivan Leomar Bruxel, Redator: Elba Aparecida Nicolli Bastos, Julgado em: 22-07-2010)
Ademais, o Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1.183.378, decidiu que a opção sexual não pode ser fator determinante para a concessão ou não de direitos de natureza civil.
	Embora haja julgados aplicando a analogia para decidir em casos semelhantes, e a proteção ao gênero mulher que a Lei Maria da Penha trata em seu texto, tendo como maior norteador o gênero e a afetividade, não é possível alegar que o tema é de passível compreensão no cenário atual, visto que abarca questões maiores como a discriminação pela condição de gênero, a falta de preparação de Delegacias para receber este grupo, e até mesmo para compreender uma situação específica. 
2.1.3. Ação Penal e a Lei Maria da Penha
O Código Penal, em seu Título VII – Da Ação Penal, menciona a existência de Ação Penal Pública e Ação Penal de Iniciativa Privada. A regra geral é que a ação penal seja pública, conforme se extrai da redação do seu art. 100 “A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido”. Disso se tem o entendimento, como bem salientado por Tourinho Filho (2017), que a lei não precisa mencionar, a cada tipo penal, que a ação penal é pública, pois o art. 100 já estabelece esta como regra geral. Sendo assim, a lei só deve mencionar o tipo de ação penal quando se tratar de exceção à Ação Penal Pública.
	Boschi (2010, p. 100) destaca ser a ação penal pública “um singular poder-dever de não omissão, que implica num agir automático do Estado ante a mera notícia do crime [...]”. É a determinação do art. 24 do Código de Processo Penal, in verbis
Nos crimes de ação pública, esta será promovida por denúncia do Ministério Público, mas dependerá, quando a lei o exigir, de requisição do Ministro da Justiça, ou de representação do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo (BRASIL, Código de Processo Penal, artigo 24).
	
Percebe-se, assim como no Código Penal, que a exceção é a ação penal pública dependente de representação.
A ação penal pública é de exercício do Ministério Público, o qual deve, por determinação constitucional (art. 127, CF) defender os interesses individuais indisponíveis quando lesados por condutas tipificadas na legislação penal. Boschi (2010) posiciona o Ministério Público em sua atuação como garantidor do Pacto Social entre o Estado e sua população por não fazer essa atuação em nome próprio, mas sim na defesa dos direitos e liberdades que o Estado garantiu a seus indivíduos.
A propósito, Tourinho Filho (2017, p. 173),
comenta que “o Ministério Público tem o exercício da ação penal, mas esta não lhe pertence, e sim ao Estado”. Claro está, portanto, que ao dar início a uma ação penal, o Ministério Público atua para que o Estado efetive sua tutela sobre a sociedade. Por ser um órgão oficial do Estado, Tourinho Filho (2017) explica que essa é a manifestação do princípio da Oficialidade da ação penal pública incondicionada.
Soma-se a isso o comando do art. 42 do Código de Processo Penal “O Ministério Público não poderá desistir da ação penal”. Sendo assim,
aquele a quem se atribui seu exercício, o Ministério Público, não pode dela dispor. E por não lhes pertencer, não podem os órgãos do Ministério Público dela desistir, transigindo ou acordando, pouco importando seja ela incondicionada ou condicionada (TOURINHO FILHO, 2017, p. 173).
	A isso o autor dá o nome de princípio da Indisponibilidade e deixa claro como o Código de Processo Penal impõe ao Estado, na figura do Ministério Público, a busca pela elucidação dos fatos em uma ação penal e, assim, zelar pelo interesse da sociedade.
	No mesmo entendimento, Boschi (2010, p. 100) qualifica a ação penal pública como “um singular poder-dever de não omissão, que implica num agir automático do Estado ante a mera notícia do crime”. Ou seja, a notícia do fato criminoso impõe que o Estado, por meio de seus órgãos competentes para tanto, aja para investigar o acontecimento e, se necessário, promover a ação penal.
	A ação penal pública inicia-se com o oferecimento da denúncia, que é
o ato processual por meio do qual o Representante do Ministério Público leva ao conhecimento do Juiz [...] a notícia de uma infração penal, diz quem a cometeu e pede seja instaurado o respectivo processo em relação a ele (TOURINHO FILHO, 2017, p. 205).
	
Após oferecida a denúncia, “o juiz deverá proferir despacho recebendo-a ou rejeitando-a” (GRECO FILHO, 2015, p. 149). 
Formada a ação penal pública, há dois polos contrapostos: o ativo e o passivo. No polo ativo, por expresso comando constitucional (art. 129, I, CF), estará o Ministério Público. Já o polo passivo será ocupado pelo(s) praticante(s) do delito. Boschi (2010, p. 103) explica que o polo passivo só pode ser ocupado pela pessoa humana, “por ser a única capaz de valorar e de compreender as consequências do seu gesto”.
A Lei nº 11.340/2006 – Lei Maria da Penha institui mecanismos para que a persecução penal em casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, desde o registro de boletim de ocorrência em delegacia de polícia, seja mais efetivo na proteção da mulher. Pela situação bastante delicada que a violência doméstica e familiar ocorre, a doutrina aponta a necessidade de se ter extrema cautela com essa persecução, evitando o que se chama de “vitimização secundária”.
Comenta Fagundes (2015, p. 193) que “A vitimização primária é atribuída ao próprio agente que, com sua conduta, causa sofrimento físico e mental à vítima”. Já a vitimização secundária, como relata a mesma autora, é “o sofrimento das vítimas e testemunhas causado pelas instituições ‘encarregadas de fazer justiça [...]’”. Ou seja, a Lei Maria da Penha tenta trazer ao processo penal uma forma de proteger a vítima, que muitas vezes já sofre em demasia pela violência que foi vítima, devendo o processo penal resguardá-la de novos sofrimentos.
Em função disso, a Lei Maria da Penha, em seu art. 16, permite a renúncia a representação com certas condições, a saber
Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público (BRASIL, Lei nº 11.340/2006).
Nota-se que a lei impõe certas condições, como ser a renúncia feita perante o juiz, antes do recebimento da denúncia e com a participação do Ministério Público.
Essa questão foi enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.424 Distrito Federal, julgada em fevereiro de 2012, a qual considerou “A ação penal relativa a lesão corporal resultante de violência doméstica contra a mulher é pública incondicionada” (STF, ADIn 4.424 DF, 2012).
Em seu voto, o ministro Marco Aurélio destacou o grande índice de desistência das ações de lesão corporal leve noticiadas por mulheres em situação de violência doméstica. Conclui o ministro, “Iniludivelmente, isso se deve não ao exercício da manifestação livre e espontânea da vítima, mas ao fato de vislumbrar uma possibilidade de evolução do agente [...]” (STF, ADIn 4.424 DF, p. 8, 2012).
Por esse motivo, o STF, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade mencionada acima, classificou como ação penal pública incondicionada quando o fato a ser punido tratar-se de lesão corporal em casos de violência contra a mulher no ambiente doméstico.
O tema de a ação penal pública ser condicionada ou incondicionada nos crimes de lesão corporal contra mulher em ambiente doméstico também mereceu atenção do Superior Tribunal de Justiça, que sumulou a questão em 2015.
Adotando entendimento que vai ao encontro do manifestado pelo STF, o STJ editou a Súmula 542 “A ação penal relativa ao crime de lesão corporal resultante deviolência doméstica contra a mulher é pública incondicionada” (STJ, Súmula 542, 2015). 
Dessa maneira, percebe-se a seriedade com que a violência doméstica contra a mulher é tratada pelos tribunais. Notando-se que a vítima, na grande maioria dos casos, acabava por desistir da representação que havia feito, os tribunais incumbiram o Ministério Público, garante da lei e da ordem democrática, com a função de dar prosseguimento a qualquer caso de lesão corporal contra a mulher em âmbito doméstico que venham a saber pelo instrumento da ação penal pública incondicionada.
2.1.4. Aplicabilidade de Aspectos Processuais Civeís sobre a Lei Maria da Penha	
Por ter uma regular conduta reconhecida como ilícito penal, a Lei 11.340/06 tem seu foco mais detido aos estudiosos do Direito Processual Penal e do Direito Penal, mas devemos convencionar que a violência doméstica e familiar também se enquadra como um ilícito civil, podendo também, gerar efeitos ao agressor como a responsabilidade por perdas e danos, a definição de obrigação de prestação alimentar, uma ação indenizatória, a separação do casal, etc.
Para aprofundarmos o entendimento Processual Civil sobre a Lei Maria da Penha, devemos lembrar que o Estado, por meio da criação da Lei, visa proteger não apenas a mulher, mas também o núcleo familiar. É extremamente necessária a análise desse tipo de violência sob o olhar das tutelas jurisdicionais dispostas pela Lei Processual Civil para coibir o exercício de um ilícito.
Segundo o Ministro Luis Felipe Salomão:
[...] a agregação de caráter cível às medidas protetivas à mulher previstas na Lei Maria da Penha amplia consideravelmente a proteção as vítimas de violência doméstica, uma vez que essas medidas assumem eficácia preventiva. Pois parece claro que o intento de prevenção da violência doméstica pode ser perseguido com medidas judiciais de natureza não criminal, mesmo porque a resposta penal estatal só é desencadeada depois que, concretamente, o ilícito penal é cometido, muitas vezes com consequências irreversíveis como no caso de homicídio ou de lesões corporais graves ou gravíssimas. (O STJ e a aplicação da Lei Maria de Penha na área cível. Disponível em: https://romulomore ira.jusbrasil.com.br/artigos/121938968/o-stj-e-a-aplicacao-da-lei-maria-de-penha-na-area-civel - Acesso em 19/10/2019)
Ainda, nos casos de violência contra a mulher no âmbito doméstico, é possível fixar indenização mínima por dano moral sem a necessidade de prova específica. Segundo Rogério Schietti: 
Nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo indenizatório a título de dano moral, desde que haja pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, ainda que não indicada
a quantia, e independentemente de instrução probatória específica”. (Revista Consultor Jurídico, p. 17, 15 de dezembro de 2017)
Segundo Schietti, não é razoável exigir instrução probatória sobre o dano psíquico, o grau de humilhação, a diminuição da autoestima, “se a própria conduta criminosa empregada pelo agressor já está imbuída de desonra, descrédito e menosprezo à dignidade e ao valor da mulher como pessoa”.
Deixar de exigir produção de prova nesses casos, segundo Schietti, serve para melhorar o atendimento integral à mulher em situação de violência doméstica e reduzir as possibilidades de violência institucional que ela pode sofrer por causa das sucessivas oitivas e pleitos perante juízos diversos.
Nesse mesmo contexto, faz-se a analise de que o agressor deve ser punido civilmente, pagando indenização à vítima por danos morais, pois o dever de indenizar independe de contrariedade a direito ou existência de culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, ou caso fortuito, ou força maior, defendendo assim que o agressor deve ser responsabilizado pelo ato e dano causado a vítima. Conforme jurisprudência abaixo 
[...]RELATOR : MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL RECORRIDO : A L S DOS S ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL EMENTA RECURSO ESPECIAL. RECURSO SUBMETIDO AO RITO DOS REPETITIVOS (ART. 1.036 DO CPC, C/C O ART. 256, I, DO RISTJ). VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. DANOS MORAIS. INDENIZAÇÃO MÍNIMA. ART. 397, IV, DO CPP. PEDIDO NECESSÁRIO. PRODUÇÃO DE PROVA ESPECÍFICA DISPENSÁVEL. DANO IN RE IPSA. FIXAÇÃO CONSOANTE PRUDENTE ARBÍTRIO DO JUÍZO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. O Superior Tribunal de Justiça – sob a influência dos princípios da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), da igualdade (CF, art. 5º, I) e da vedação a qualquer discriminação atentatória dos direitos e das liberdades fundamentais (CF, art. 5º, XLI), e em razão da determinação de que “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações” (art. 226, § 8º) – tem avançado na maximização dos princípios e das regras do novo subsistema jurídico introduzido em nosso ordenamento com a Lei n. 11.340/2006, vencendo a timidez hermenêutica no reproche à violência doméstica e familiar contra a mulher, como deixam claro os verbetes sumulares n. 542, 588, 589 e 600. 2. Refutar, com veemência, a violência contra as mulheres implica defender sua liberdade (para amar, pensar, trabalhar, se expressar), criar mecanismos para seu fortalecimento, ampliar o raio de sua proteção jurídica e otimizar todos os instrumentos normativos que de algum modo compensem ou atenuem o sofrimento e os malefícios causados pela violência sofrida na condição de mulher. 3. A evolução legislativa ocorrida na última década em nosso sistema jurídico evidencia uma tendência, também verificada em âmbito internacional, a uma maior valorização e legitimação da vítima, p 4. Entre diversas outras inovações introduzidas no Código de Processo Penal com a reforma de 2008, nomeadamente com a Lei n. 11.719/2008, destaca-se a inclusão do inciso IV ao art. 387, que, consoante pacífica jurisprudência desta Corte Superior, contempla a viabilidade de indenização para as duas espécies de dano – o material e o moral –, desde que tenha havido a dedução de seu pedido na denúncia ou na queixa. [...]8. Também justifica a não exigência de produção de prova dos danos morais sofridos com a violência doméstica a necessidade de melhor concretizar, com o suporte processual já existente, o atendimento integral à mulher em situação de violência doméstica, de sorte a reduzir sua revitimização e as possibilidades de violência institucional, consubstanciadas em sucessivas oitivas e pleitos perante juízos diversos. 9. O que se há de exigir como prova, mediante o respeito ao devido processo penal, de que são expressão o contraditório e a ampla defesa, é a própria imputação criminosa – sob a regra, derivada da presunção de inocência, de que o onus probandi é integralmente do órgão de acusação –, porque, uma vez demonstrada a agressão à mulher, os danos psíquicos dela derivados são evidentes e nem têm mesmo como ser demonstrados. 10. Recurso especial provido para restabelecer a indenização mínima fixada em favor pelo Juízo de primeiro grau, a título de danos morais à vítima da violência doméstica. (Doc. LEGJUR 103.1674.7569.5000 - STJ. RECURSO ESPECIAL: REsp 1643051 MS 2016/0325967-4. Relator Ministro Rogério Schietti Cruz.– acesso em 06/09/19).
	O agressor não é apenas responsabilizado pelo ato, mas também pelo dano, como nos casos acima a indenizar a vítima, pois a violência faz com que a vítima sinta-se desvalorizada, desprotegida, humilhada, já que a agressão ocorre dentro do seu próprio lar.
Sob o mesmo prisma, afirma-se que tal como as famílias formadas por lésbicas, as unidades familiares formadas por dois homens apresentam a mesma fragilidade e complexidade daquelas, significando, portanto, que independentemente de quem sejam os integrantes da família, os mesmos merecem a mesma proteção nos casos de violência doméstica. 
Embora a Lei Maria da Penha tenha como beneficiária apenas o gênero mulher – finalidade confirmada pelo Supremo Tribunal Federal –, o princípio constitucional da isonomia estabelece a necessidade do tratamento igualitário entre homens e mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. 
Assim, a aplicação da Lei 11.340/2006 reflete a busca da justiça e da igualdade para o caso concreto, de modo que as disposições legislativas não se esgotem na vontade do legislador, mas caminhem de acordo com as necessidades da sociedade atual.
2.2 Metodologia
Utilizou-se a pesquisa bibliográfica, que é a pesquisa feita com livros e artigos publicados. Ou seja, “Utiliza-se de dados ou de categorias teóricas já trabalhados por outros pesquisadores e devidamente registrados” (SEVERINO, 2008, p. 122). A isso também chamamos revisão da literatura, quando “para a geração de idéias novas, discute-se e reage-se sobre o que se vai encontrando” (BOAVENTURA, 2012, p. 46). A pesquisa bibliográfica foi então realizada com ensinamentos sobre o tema registrados na doutrina.
	Aliada à pesquisa bibliográfica, foi realizada também pesquisa documental que, como bem destaca Severino (2008), é a verificação de documentos em sentido amplo, incluindo-se neste rol os documentos legais. Registra o autor que a pesquisa documental é realizada quando “os conteúdos dos textos ainda não tiveram nenhum tratamento analítico [...] a partir da qual o pesquisador vai desenvolver sua investigação e análise” (SEVERINO, 2008, p. 123).
A verificação documental faz-se necessária em pesquisas jurídicas, já que existe “no atendimento à norma, certo experimentalismo a ser observado e detectado no comportamento judiciário em contraste com a especulação doutrinária” (BOAVENTURA, 2012, p. 101). Sendo assim, se depreende que a prática demonstrada pelas entrevistas com advogadas e delegada de polícia demonstra como a norma legal e a doutrina sobre o tema são trabalhadas cotidianamente.
Além disso, foi aplicada a técnica de entrevista, que “é uma conversa efetuada face a face, de maneira metódica, que proporciona ao entrevistador, verbalmente, a informação que lhe é necessária” (LAKATOS, 2017, p. 108).
	Dessa forma, deu-se a integração entre teoria e prática, pois “só a teoria pode caracterizar como científicos os dados empíricos. Mas, em compensação, ela só gera ciência se estiver articulando dados empíricos” (SEVERINO, 2008, p. 126).
	Nota-se, pelo exposto, que a pesquisa realizada se enquadra como pesquisa de caráter explicativo. Severino (2008) ensina que pesquisas explicativas estudam e interpretam seu objeto de pesquisa, investigando possíveis causas e motivações de determinados acontecimentos.
2.3 Resultados e Discussão 
Pouco se ouve falar sobre violência doméstica entre casais homossexuais, menores ainda
os números de casos nos quais as vítimas entram com alguma ação indenizatória para a reparação de danos, sejam eles morais ou materiais. Segundo a Advogada Luciana Paiva (2019) por medo de uma não assistência por parte do Judiciário, muitas vítimas deixam de pedir a reparação de algum dano causado. Afirmou ainda, que a grande maioria das vítimas não possui o conhecimento, que podem ser indenizadas nos casos de violência doméstica e por isso deixam de exigir a reparação do dano.
Outra dificuldade apontada para levar essas ações adiante é o que chamou de “armário duplo”, onde além da dificuldade de admitir a violência e o dano, a vítima tem dificuldade em se identificar LGBT a uma autoridade, seja ela policial ou não. Tudo isso traz implicações em diversos níveis, como a falta de políticas públicas para acolhimento dessas vítimas. Trazer luz ao assunto é o primeiro passo para que ele possa ser encarado.
Ao falar de violência doméstica entre casais homossexuais, é necessário salientar que a ocorrência de casos no cotidiano, é ínfimo quando comparado a violência doméstica contra mulheres. No entanto, embora seja invisível a luz da sociedade e até mesmo do direito, há ocorrências e demandas neste sentindo, as quais podem ser abarcadas e protegidas pela Lei Maria da Penha, vez que o supramencionado diploma legal não impõe distinção quanto ao gênero.
Em visita realizada a Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher da Cidade de Bagé/RS, em conversa com a Delegada Daniela Barbosa, foi narrado que já ocorreu casos de violência entre casais homossexuais. Entretanto, há apenas duas ocorrências registradas, sendo um dos casos entre duas mulheres lésbicas. E outro caso entre um casal homossexual masculino, sendo uma das partes protegidas pela Lei Maria da Penha, visto que notavelmente era parte hipossuficiente na relação, possuindo até mesmo o uso do nome social, de maneira que se caracterizava e sentia-se pertencente ao gênero feminino.
Destaca a Delegada que a partir da mudança quanto a natureza da ação que passou a ser incondicionada, frisa que começou a aplicar imediatamente os tramites dispostos, portanto, não era mais possibilitado a vítima “retirar a queixa”, pois o inquérito é instaurado assim que o crime chega ao conhecimento da autoridade policial. Salientando que essa prática teve início ainda no Cartório da Mulher na Cidade de Bagé/RS, que era o Centro Especializado por estes delitos antes da criação da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher.
Analisando o acórdão Nº 70080833155 2019/CRIME, no qual está sendo discutida o conflito de competência entre a pertubação da tranquilidade e violência doméstica e familiar praticada contra mulher por ex-companheira no contexto da relação familiar, já que a agressora vem perturbando a tranquilidade da vítima por não aceitar o rompimento de anterior relação íntima afetiva existente. A ofendida teme por sua integridade física e de seus familiares.
A análise dos votos demonstram a então fragilidade da aplicação da lei Maria da Penha, no âmbito de violência entre casal homoafetivo. A dificuldade de acolhimento e provimento de medida protetiva contra a vítima, se dá no momento em que ela se sente insegura dentro do próprio seio familiar, assegurado no parágrafo único do artigo 5º da Lei. “As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual”.
O juiz de direito do Juizado da Vara da Violência Doméstica de Santa Maria, que declina de sua competência, alega que o fato de serem duas mulheres não configura a sobreposição de gênero, portanto a Lei Maria da Penha não poderia ser aplicada. 
Em contrapartida a juíza de Direito da 2ª vara criminal de Santa Maria, eu suas próprias palavras “visa a proteção da mulher em situação de fragilidade ou vulnerabilidade diante do homem ou de outra mulher”, demonstrando assim o conhecimento e provimento da lei, inclusive no supracitado artigo da lei. Contrariamente ao argumento sustentado pelo juiz suscitado, é inadimissivel que o único fato jurídico para não acolhimento do caso, seja o âmbito do relacionamento homoafetivo, pois isso não afasta a hipótese de violência doméstica, portanto aplica-se a Lei. 
Ainda nesse sentido, o artigo 2º assenta “independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião”, são direitos fundamentais inerentes à pessoa humana.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A lei nº 11.340/06 é uma conquista importante, entretanto o índice de violência contra a mulher continua elevado. Portanto, responsabilizar o agressor pelos danos causados à vítima através de indenização é um meio de favorecer a diminuição de casos de agressões, porque, infelizmente, muitos só aprendem “sofrendo no bolso”. 
Em muitos casos, o agressor não tem receio do carcere, já que a pena é branda, mas o desfalque no patrimônio financeiro pode surgir efeito satisfatório. o agressor é o responsável pelo ato e dano, devendo realizar a reparação à vítima, mediante o pagamento de indenização. O valor da mesma é definido pelo Poder Judiciário, através da análise de cada caso.
Percebe-se a importante tarefa que o Estado possui de coibir a violência doméstica pela mudança de entendimento em relação a ação penal nos casos de lesão corporal resultante de violência doméstica. Corrobora esse entendimento a entrevista com a Delegada Daniela Barbosa, a qual indicou que a realidade nas delegacias de Polícia Civil era a prestação de queixa-crime pela ofendida e logo após sua retirada, quadro que foi drasticamente modificado com a mudança de entendimento jurisprudencial.
REFERÊNCIAS
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	Projeto de Aperfeiçoamento Teórico e Prático – Bagé – RS – Brasil 	16

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