Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO AS NOVAS CONFIGURAÇÕES FAMILIARES E OS EFEITOS JURÍDICO- PATRIMONIAIS RECONHECIDOS EM SEDE JURISPRUDENCIAL CARLOS EDUARDO FERREIRA DE SOUZA Rio de Janeiro 2019 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO AS NOVAS CONFIGURAÇÕES FAMILIARES E OS EFEITOS JURÍDICO- PATRIMONIAIS RECONHECIDOS EM SEDE JURISPRUDENCIAL CARLOS EDUARDO FERREIRA DE SOUZA Plano de pesquisa elaborado como requisito para processo seletivo em Mestrado do Programa de Pós- Graduação em Direito da Universidade do Rio de Janeiro para o primeiro semestre de 2020. Rio de Janeiro 2019 Sumário 1. Introdução ............................................................................................................................................... 4 2. Justificativa ............................................................................................................................................. 6 3. Objetivos ................................................................................................................................................. 8 4. Bibliografia inicial ................................................................................................................................ 10 1. Introdução A promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88) foi um marco histórico para o ordenamento jurídico pátrio, sobretudo por sua maior efetividade, com atribuição de força normativa, e pelo efeito irradiante que teve sobre todos os ramos do direito, dentre os quais se inclui o Direito de Família, que foi consideravelmente alterado por meio das novas previsões constitucionais. Dentre as diversas mudanças, nos chama atenção a ampliação do rol de famílias, que previu as famílias matrimoniais, já tuteladas por constituições anteriores, acrescentando, porém, as famílias monoparentais, formada por um dos pais e seus respectivos filhos, e aquelas formadas pela união estável entre o homem e a mulher. O destaque a essa mudança não é feito apenas pelo alargamento literal da tipologia de famílias, mas, sobretudo, pelo princípio do pluralismo familiar que pode ser extraído do texto constitucional, segundo o qual o art. 226, da CRFB traria hipóteses meramente exemplificativas, às quais podem ser acrescidas outras formas de configuração de família não previstas expressamente. O reconhecimento do princípio foi definitivamente assentado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento conjunto da ADPF 132 e da ADI 4277, do qual se extraiu a constitucionalidade das uniões homoafetivas, que muitas vezes eram tuteladas apenas pelo direito das obrigações, sendo excluídas do conceito de família, o que acabava retirando diversos direitos de ordem existencial e patrimonial. Com o princípio do pluralismo familiar, restou possível a defesa de outras formas de configurações familiares, dentre as quais destacamos as famílias simultâneas, formadas pelas famílias paralelas ou por uniões poliafetivas, temas de pesquisa que se propõe por meio deste projeto. Por famílias paralelas, temos aquelas formadas a partir da relação afetiva que surge concomitantemente a um casamento ou uma união estável anterior, havendo um dos elementos daqueles relacionamentos em comum, com desconhecimento ou, pelo menos, discordância do cônjuge ou companheiro supostamente traído. Já nas famílias poliafetivas, temos a pluralidade de vínculos afetivos, mas todos os integrantes da relação, vivam alguns em monogamia ou não, conhecem e anuem com a situação. Nada obstante os conceitos apresentados, enfrentamos forte divergência doutrinária e jurisprudencial que, conjugadas com a ausência de regulamentação expressa, acabam por deixar desemparados diversos sujeitos que se encontram em relações afetivas como as delineadas acima e cujas incertezas sequer possibilitam a previsão dos direitos que possuem e da natureza das relações que integram. É que existem três principais correntes: a primeira defende a impossibilidade das famílias paralelas e poliafetivas, em razão do princípio monogâmico; a segunda traz solução intermediária, negando o status de família à tipologia aqui tratada, mas reconhecendo seus efeitos quando presente o requisito da boa-fé, em verdadeira analogia ao casamento putativo; e a terceira, que informa que aqueles relacionamentos que possuem as características de união estável devem ser reconhecidos como tal, ainda que em concomitância com outras relações semelhantes. Ainda no interior desta última corrente, temos a divergência quanto à possibilidade de reconhecimento da relação formada a partir da simultaneidade entre união estável e casamento e entre uniões estáveis apenas. Portanto, traremos neste plano de pesquisa a proposta de examinar o ordenamento jurídico pátrio, bem como bibliografia, que se torna cada vez mais vasta em relação ao tema, e decisões judiciais que vêm sendo prolatadas. Ademais, com o avanço da pesquisa, buscaremos nos socorrer da legislação comparada, que pode contribuir para o enriquecimento dos trabalhos a serem desenvolvidos, haja vista termos casos em que constituições, legislações infraconstitucionais ou a jurisprudência passam a reconhecer os direitos daquelas famílias. No ensejo, ressalto que a proposta que se apresenta parece viável, o que se tem percebido a partir do desenvolvimento de pesquisas que iniciamos na elaboração de monografia e cuja continuidade se dá em grupo de pesquisa do qual faço parte, que versa sobre grupos vulneráveis no direito privado, dentre os quais destaco o das mulheres e o daqueles que vivem em uniões homoafetivas concomitantes entre si ou concomitantes a relações heteroafetivas, principais afetados pela insegurança jurídica que se apresenta. 2. Justificativa A importância da temática é extraída de três fatores, resumidamente: (i) a existência de situações fáticas não tuteladas de forma adequada pelo ordenamento jurídico; (ii) a presença de divergência doutrinária e jurisprudencial acerca do tema; (iii) a necessidade de regulamentação da temática, com intuito de tutelar direitos possuídos por aqueles que mantêm relacionamentos afetivos com características semelhantes à união estável, ainda que pela via jurisprudencial. Nas linhas a seguir, serão detalhados os itens supramencionados. Vejamos: Quanto à existência de situações no mundo concreto que se encontram em desamparo jurídico, fizemos a constatação a partir de análise jurisprudencial, por meio da qual se extrai o ajuizamento de considerável número de ações que buscam o reconhecimento de direitos patrimoniais e existenciais que emanam do reconhecimento do status familiar às relações concomitantes estabelecidas. Entretanto, soluções frequentemente insatisfatórias e contraditórias entre si são dadas a casos semelhantes, o que decorre, em grande parte, da ausência de regulamentação expressa do tema, com previsão de requisitos objetivos e atribuição dos respectivos direitos. O número de situações encontradas é considerável, sem contar casos abarcados pelo segredo de justiça, com fins de tutelar direitos da personalidade e proteger a intimidade familiar. É o caso, por exemplo, do RE 1.045.273/SE, novo leading case do tema, já pautado algumas vezes, mas ainda não julgado pelo STF e que avaliará a constitucionalidade do tema, com a seguinte ementa exarada de julgamento que lhe atribuiu repercussão geral: “Possibilidade dereconhecimento jurídico de união estável e de relação homoafetiva concomitantes, com o consequente rateio de pensão por morte.”. Assim, nada obstante o segredo de justiça dificulte a identificação de todos os casos semelhantes, número considerável é extraído de análise jurisprudencial, com soluções distintas e controversas e são estas hipóteses que expõem a problemática da ausência de normatização. Ao exposto, some-se a existência de profunda divergência doutrinária e jurisprudencial acerca do tema. É que, ante a ausência de regulamentação expressa, muitas vezes se socorre o operador do direito da leitura de autorizada doutrina, bem como de jurisprudência fixada pelos tribunais superiores ou pelas instâncias ordinárias de revisão das decisões. Ocorre que, neste tocante, também alcançamos terreno de instabilidade e soluções diametralmente opostas. Apenas para exemplificar, a doutrina traz três principais correntes: a primeira nega o reconhecimento de todas as uniões estáveis concomitantes, a segunda não reconhece como família, mas aplica, em analogia ao casamento putativo, a teoria da união estável putativa em caso de boa-fé, e a terceira advoga em favor do reconhecimento das uniões paralelas e poliafetivas. Ainda, é possível extrair divergência dentro desta última corrente, havendo aqueles que defendem a possibilidade de união estável concomitante ao casamento e aqueles que somente a admitem quando em concomitância com outra união estável. Na mesma linha, os tribunais pátrios, nada obstante a corrente que nega a constituição de famílias paralelas e poliafetivas tenha prevalecido, vêm se filiando às mais diversas propostas doutrinárias, o que acaba por trazer resultados lesivos àqueles que compõem estas formas de família, sobretudo em prejuízo da isonomia, da segurança jurídica e da dignidade humana dos indivíduos, pois verificamos que, em um mesmo tribunal, a solução pode ser diversa a depender do juízo, da turma ou da câmara que analisará o pleito. Se agrava a situação diante da inércia do Supremo Tribunal Federal, que reconheceu repercussão geral da temática, sinalizando que apreciaria a questão, mas que até a presente data não proferiu decisão vinculante com intuito de pacificar a questão. Em terceiro lugar, insta salientar que as famílias paralelas e poliafetivas requerem regulamentação do tema, pois o direito não pode negar fatos, determinando que situações concretas simplesmente não existem, em verdadeiro conflito com aquilo que se reproduz na realidade. Acreditamos, ainda, que a regulamentação da questão dificilmente será produzida pelo Poder Legislativo, cabendo ao Poder Judiciário, ante a omissão flagrante dos demais poderes constituídos, tutelar os direitos daqueles que se encontram em desamparo e incerteza jurídicos, tal como o fez no julgamento das uniões homoafetivas, pacificando o entendimento, trazendo solução às famílias que se encontravam marginalizadas pelo direito e regulando de forma mais adequada o tema. Não se propõe, aqui, uma usurpação de poderes legislativos pela atividade jurisdicional, mas uma reflexão que contribui para assentamento de teses que beneficiem os jurisdicionados. É que, em verdade, as demandas que versam sobre o assunto já chegam ao conhecimento do Poder Judiciário (e continuam chegando), sendo certo que o juízo não pode se escusar de solucionar a lide, razão pela qual se socorre de fontes diversas do direito para solucionar o tema. Assim, o que se quer é aprofundar pesquisa que contribua para o entendimento do que se tratam as famílias paralelas e poliafetivas e quais os fatores que podem levar ao seu reconhecimento ou à sua negação jurídica, ao invés de silenciar o Direito sobre essas situações fáticas. Pelo exposto, é em razão da atualidade do tema e da necessidade de analisá-lo e discuti-lo que se propõe o presente plano de pesquisa, com intuito de compreender a questão de forma mais profunda e refletida, bem como de debater as soluções já apresentadas e, eventualmente, sugerir contribuições para o tratamento da questão. 3. Objetivos Como objetivos, nossa pesquisa buscará apreciar a viabilidade do reconhecimento jurídico das novas configurações familiares que são propostas, com enfoque para as famílias paralelas e poliafetivas, bem como dos efeitos jurídicos que decorrem de eventual licitude desses núcleos familiares. Quanto à viabilidade do reconhecimento, buscaremos confrontar a pluralidade de teorias que versam sobre a questão, com intuito de apresentar seus argumentos e propor reflexões acerca de cada um deles. Da mesma forma, serão abordadas produções científicas que tratem diretamente das famílias paralelas e poliafetivas, bem como de estudos que explorem assuntos afetos, tais como os novos princípios constitucionais, o status que se deve conferir à monogamia, a boa-fé e a autonomia privada aplicadas no âmbito do direito de família e os deveres que emanam do casamento e da união estável. Ainda, se buscará analisar o comportamento dos tribunais perante a temática, bem como a tendência de alteração, ou não, da jurisprudência, a partir das entrevistas, artigos, votos e produção científica já concedidos ou produzidos por magistrados, em especial por aqueles que compõem o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, sem negligenciar, contudo, da análise de instâncias inferiores. Aliás, é partindo destas últimas que iremos apreciar como a questão é tratada no início do processo de conhecimento e como evolui por meio das instâncias recursais, nos interessando perceber como têm decidido as instâncias inferiores e se o entendimento vem sendo mantido ou alterado. Em relação aos efeitos jurídicos, interessam, principalmente, aqueles que tratam da seara do direito de família e do direito previdenciário, com destaque aos seguintes: alimentos, partilha de bens e benefício previdenciário de pensão por morte. A busca da compreensão de como esses efeitos devem ser tratados guardam consonância com a presente proposta, pois a análise será concentrada nas questões que mais afetam os sujeitos que vivem em relações afetivas concomitantes, o que se extraiu da análise dos casos que são apreciados pelos tribunais em geral. Percebemos que, em primeiro lugar, muito se discute acerca do benefício previdenciário de pensão por morte e a consequente possibilidade de rateio pelos beneficiários deixados. É que companheiros e cônjuges integram, indistintamente, a mesma categoria, para fins da Lei 8.213/91. A afirmação é ratificada pela eleição de todos os casos que versam sobre o tema e, em algum momento, já foram tratados como leading case pelo Supremo Tribunal Federal, quais sejam: o RE 669.465/ES, posteriormente substituído pelo RE 883.168/RS e que agora dá lugar ao já mencionado RE 1.045.273/SE. Dois fatos podem ser extraídos das ementas: todos versam sobre relações concomitantes e todos tratam do benefício previdenciário de pensão por morte que, diga-se, ainda que por questões históricas, foi o tema que primeiro levou ao reconhecimento de direitos aos que viviam concubinatos puros (atual união estável) e, posteriormente, àqueles que compunham uniões homoafetivas, estas últimas já na vigência da CRFB/88. Entretanto, outros dois aspectos merecem relevo jurisprudencial, como são os casos de alimentos e de partilha de bens. Ressaltamos que ambos nos interessam, porque também alcançam as instâncias judiciais sem encontrar segurança jurídica, em razão da divergência encontrada e da ausência da regulamentação expressa. Quanto aos alimentos, se questiona sobre a possibilidade daquele sujeito que integra ambos os relacionamentos os prestar e sobre a forma como se dará. É que, em especial nas famíliasparalelas, tais prestações afetarão o patrimônio em comum de uma das famílias constituídas. De outro lado, não se pode deixar em desamparo aquele sujeito que, integrando apenas uma das relações, preencha os requisitos para auferir alimentos. De outro lado, temos a partilha de bens, que encontra contornos semelhantes aos alimentos quando tratamos do patrimônio de uma das famílias. É que, na seara da partilha, temos a discussão acerca dos bens que devem integrar a meação, existindo desde teorias que admitem apenas tutela de direitos semelhante àquela que se daria a eventual sociedade de fato até teorias que determinam a triação, ou seja, a tripartição do patrimônio por todos os componentes das relações paralelas e, por analogia, poliafetivas, pois todos teriam contribuído, ainda que indiretamente, para a formação patrimonial. Logo, é possível observar os objetivos traçados no presente plano de pesquisa e a metodologia que se pretende utilizar para alcançá-los. 4. Bibliografia inicial 1. DE FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias – V. 6. 11ª ed. Rio de Janeiro: JusPodivm, 2019. 2. DE OLIVEIRA, Euclides; AMORIM, Sebastião. Inventário e Partilha: teoria e prática. 25ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. 3. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 12ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. 4. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família - Vol. 5. 33ª. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. 5. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Família. 9ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. 6. JORGE, Társis Nametala Sarlo. Direitos Humanos, Direito de Família, Sucessões e Previdência Social: Temas Controversos. Curitiba: Instituto Memória, 2017. 7. LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias - Vol. 5. 9ª. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. 8. MADALENO, Rolf. Direito de Família. 9ª ed. revista, atualizada e ampliada. Rio de Janeiro: Forense, 2019. 9. MULTEDO, Renata Vilela. Liberdade e Família: Limites para a intervenção do estado nas relações conjugais e parentais. Rio de Janeiro: Processo, 2016. 10. PIANOVSKY, Carlos Eduardo. Famílias Simultâneas e Monogamia. In: Congresso Brasileiro de Direito de Família, 5, 2005, Belo Horizonte. Anais... Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br>. Acesso em 31/08/2019. 11. SARMENTO, Daniel. Os princípios constitucionais da liberdade e da autonomia privada. In: Boletim Científico ESMPU. Disponível em: <http://boletimcientifico.escola.mpu.mp.br>. Acesso em 02/09/2019. 12. SCHREIBER, Anderson. Manual de Direito Civil Contemporâneo. 2ª. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. 13. TARTUCE, Flavio. Direito Civil: direito de família – V. 5. 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.
Compartilhar