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2010 Literatura Portuguesa Prof. Célio Antonio Sardagna Copyright © UNIASSELVI 2010 Elaboração: Prof. Célio Antonio Sardagna Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: 869 S244l Sardagna, Célio Antonio. Literatura Portuguesa/ Célio Antonio Sardagna Centro Universitário Leonardo da Vinci – Indaial, Grupo UNIASSELVI, 2010.x ; 266 p.: il Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7830-350-1 1. Literatura Portuguesa 2. Brasil - Literatura I.Centro Universitário Leonardo da Vinci II. Núcleo de Ensino a Distância III. Título III aPresentação Como proposta de reflexão, leitura e estudo, apresentamos o caderno da disciplina de Literatura Portuguesa, objetivando o conhecimento das principais manifestações literárias portuguesas, tanto da lírica quanto da prosa, bem como os textos mais representativos, que vão do período medieval à contemporaneidade. Num momento inicial (Primeira Unidade), nossa atenção se concentrará na visão geral acerca da literatura, no estudo das primeiras manifestações literárias de Portugal (Trovadorismo), com suas cantigas e novelas, e no Humanismo Português, principalmente o teatro de Gil Vicente. Na sequência (Segunda Unidade), analisaremos a importância do Classicismo, do Barroco e do Arcadismo lusitanos, centrando a atenção em Camões – épico e lírico –, em Padre Vieira e em Bocage, por considerá-los colunas mestras na composição da literatura portuguesa dentro dos períodos a que pertencem. Na última parte (Terceira Unidade), o olhar se volta para os períodos romântico, realista, moderno e para a contemporaneidade. Num primeiro momento, nesta unidade, as principais linhas de força se concentram nas manifestações literárias do século XIX, desenhadas pelo Romantismo, Realismo e Simbolismo. A parte final desta unidade terá como filão as manifestações literárias do século XX, ou seja, o período moderno e contemporâneo da Literatura Portuguesa. Nesta parte, as lentes voltar-se-ão especialmente às personalidades de Fernando Pessoa e José Saramago. Na composição deste material, pensando em você, caro/a acadêmico/a de Ensino a Distância, optamos por uma metodologia que possa facilitar o autoestudo. Assim, inicialmente, enfocar-se-á historiograficamente e criticamente cada período literário, a fim de que você possa ter uma melhor compreensão de cada um dos períodos formativos da Literatura Portuguesa. Dentro de cada tópico, ainda, analisar-se-ão textos representativos de cada escola literária, com vistas a que se conheçam os textos literários dos autores mais expressivos, com os quais é possível trabalhar na sala de aula. Há que se ressaltar que o estudo da Literatura Portuguesa não pode se limitar à pura leitura deste caderno. Você deveria, sim, ir além, ou seja, procurar outras obras e leituras críticas nas bibliotecas, na internet, assistir a filmes alusivos aos diferentes períodos etc. Enfim, colocamos em você nossas melhores apostas, confiamos na sua dedicação, cremos que você se valerá deste material da melhor maneira possível para a sua reflexão. Mãos à obra... Prof. Célio Antonio Sardagna IV Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA V VI VII UNIDADE 1 – LITERATURA PORTUGUESA: ORIGENS E ESCOLAS LITERÁRIAS DO PERÍODO MEDIEVAL ................................................................................................ 1 TÓPICO 1 – A FORMAÇÃO DA LITERATURA PORTUGUESA ................................................. 3 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 3 2 LITERATURA: A ESTÉTICA, A ESCRITURA E A IMAGEM ..................................................... 4 3 O MUNDO MEDIEVAL E A PENÍNSULA IBÉRICA.................................................................... 9 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 13 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 15 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 17 TÓPICO 2 – O PERÍODO MEDIEVAL: A POESIA E A PROSA TROVADORESCA ................ 19 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 19 2 AS CANTIGAS ..................................................................................................................................... 19 2.1 CANTIGAS DE GÊNERO LÍRICO ................................................................................................ 21 2.2 CANTIGAS DE GÊNERO SATÍRICO ........................................................................................... 27 3 AS NOVELAS DE CAVALARIA ........................................................................................................ 31 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 40 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 42 TÓPICO 3 – A PROSA, A POESIA E O TEATRO: A ESTÉTICA DO HUMANISMO PORTUGUÊS ..................................................................................................................... 43 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 43 2 A PROSA: HISTORIOGRAFIA ......................................................................................................... 44 3 A PROSA DIDÁTICA .......................................................................................................................... 48 4 LIRISMO: A POESIA MEDIEVAL PORTUGUESA ...................................................................... 51 5 TRADIÇÃO DRAMÁTICA: O TEATRO DE GIL VICENTE....................................................... 55 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 66 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................69 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 72 UNIDADE 2 – A PRODUÇÃO LITERÁRIA PORTUGUESA CLÁSSICA, BARROCA E ÁRCADE ......................................................................................................................... 75 TÓPICO 1 – O PERÍODO LITERÁRIO CLÁSSICO: CAMÕES ÉPICO E CAMÕES LÍRICO ...... 77 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 77 2 ASPECTOS GERAIS DO CLASSICISMO ...................................................................................... 78 3 A ÉPICA PORTUGUESA: “OS LUSÍADAS” .................................................................................. 83 4 A POESIA LÍRICA DE CAMÕES ...................................................................................................... 105 5 OS POETAS MENORES DA LÍRICA QUINHENTISTA PORTUGUESA................................ 115 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 120 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 125 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 127 sumário VIII TÓPICO 2 – UMA ÉPOCA DE DUALISMOS: O BARROCO PORTUGUÊS ............................. 129 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 129 2 ASPECTOS GERAIS DA ESTÉTICA BARROCA .......................................................................... 130 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 140 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 142 TÓPICO 3 – AS LUZES DA RAZÃO: O ARCADISMO................................................................... 145 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 145 2 AS IDEIAS ILUMINISTAS E A ESTÉTICA NEOCLÁSSICA ..................................................... 146 3 BOCAGE: A EXPRESSÃO DO LIRISMO PORTUGUÊS ............................................................. 152 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 158 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 159 UNIDADE 3 – DO ROMANTISMO À CONTEMPORANEIDADE: A ESTÉTICA E A PRODUÇÃO LITERÁRIA .......................................................................................... 161 TÓPICO 1 – O ESPÍRITO CRIADOR E LIVRE: PERÍODO ROMÂNTICO ................................ 163 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 163 2 A ESTÉTICA DA POESIA E DA PROSA ROMÂNTICA ............................................................. 164 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 177 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 179 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 181 TÓPICO 2 – A REVOLUÇÃO DA MENTALIDADE E O CULTO AO ETÉREO: AS ESCOLAS REALISTA E SIMBOLISTA ............................................................................................ 183 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 183 2 ASPECTOS GERAIS DO REALISMO ............................................................................................. 185 3 ASPECTOS GERAIS DO SIMBOLISMO ........................................................................................ 196 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 204 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 206 TÓPICO 3 – LIBERDADE DE CONCEPÇÃO E EXPRESSÃO E A ATUALIDADE: A ERA MODERNA E A PRODUÇÃO LITERÁRIA CONTEMPORÂNEA ....................... 207 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 207 2 PANORAMA DO MODERNISMO E DA EXPRESSÃO LITERÁRIA CONTEMPORÂNEA .......208 3 EXPOENTES DA POESIA E DA PROSA MODERNA E JOSÉ SARAMAGO ......................... 217 4 MANIFESTAÇÕES DA LITERATURA PORTUGUESA ALÉM-PORTUGAL ......................... 239 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 243 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 245 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 247 TÓPICO 4 – A LITERATURA PORTUGUESA E O ENSINO: ALGUMAS IDEIAS .................. 249 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 249 2 A LITERTURA PORTUGUESA E O ENSINO: UM COMEÇO ................................................... 249 RESUMO DO TÓPICO 4........................................................................................................................ 256 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 257 REFERÊNCIAS ......................................................................................................................................... 259 1 UNIDADE 1 LITERATURA PORTUGUESA: ORIGENS E ESCOLAS LITERÁRIAS DO PERÍODO MEDIEVAL OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, o/a acadêmico/a estará apto/a a: • refletir acerca da literatura, estética literária e suas diferentes manifesta- ções: escrita, imagem etc.; • compreender o processo de formação da Literatura Portuguesa; • refletir acerca das primeiras manifestações literárias portuguesas: cantigas e novelas; • analisar as manifestações literárias clássica e barroca portuguesa e com- preender sua importância e influência na formação dos primeiros perío- dos literários brasileiros. Esta unidade está dividida em três tópicos. Ao final de cada um deles, você poderá dispor de atividades que o/a auxiliarão na fixação do conteúdo. TÓPICO 1 – A FORMAÇÃO DA LITERATURA PORTUGUESA TÓPICO 2 – O PERÍODO MEDIEVAL: A POESIA E A PROSA TROVADORESCA TÓPICO 3 – A PROSA, A POESIA E O TEATRO: A ESTÉTICA DO HUMANISMO PORTUGUÊS 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 A FORMAÇÃO DA LITERATURA PORTUGUESA 1 INTRODUÇÃO “O poeta é um fingidor. Finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente.” (PESSOA, Fernando. Autopsicografia, 1932.) A função da Literatura e suas diferentes concepções foi, desde os tempos primordiais, objeto de muitas discussões. É sabido, porém, que, nas diferentes épocas em que ela se manifesta, lhe são atribuídas funções e naturezas diversas, em consonância com a sua realidade cultural e social. A literatura é umaforma de manifestação da linguagem. Há autores que veem a linguagem a partir de uma ótica social, entre os quais poder-se-ia citar Roland Barthes, que a concebe como a expressão do poder social, ao qual toda a sociedade está submetida. Diz ele que “[...] esse objeto em que se inscreve o poder, desde toda eternidade humana, é a linguagem – ou, para ser mais preciso, sua expressão obrigatória: a língua.” (BARTHES, 1978, p. 2). Isto posto, percebe- se que Barthes (1978) atribui à linguagem a expressão do pensamento humano, numa determinada época, ou período histórico. Porém, no que diz respeito especificamente à literatura, diz o autor em questão que há maneiras de o ser humano libertar-se da submissão da linguagem, valendo-se, para isto, da própria língua. O crítico francês revela ainda que “[...] essa trapaça, salutar, essa esquiva [...], eu a chamo, quanto a mim: literatura.” (BARTHES, 1978, p. 16). Diante do exposto, percebe-se que, na ideia de Barthes, a literatura é retratada como a maneira de se utilizar a linguagem sem a sujeição ao poder, distante da escravidão das regras. Assim, o autor (escritor literário) tem a liberdade de escolha e criação das palavras e estruturas, a fim de exprimir pensamentos, emoções e ideias. Na linguagem literária, as palavras adquirem novos significados, sabor diferente. É, pois, caro/a acadêmico/a, com esta visão que, nas próximas seções deste tópico, passaremos a refletir acerca da literatura e da estética literária, para focar, ao final, a manifestação literária portuguesa medieval. UNIDADE 1 | LITERATURA PORTUGUESA: ORIGENS E ESCOLAS LITERÁRIAS DO PERÍODO MEDIEVAL 4 2 LITERATURA: A ESTÉTICA, A ESCRITURA E A IMAGEM Dentre as muitas manifestações da arte, está a literatura. Em relação às demais manifestações artísticas, ela apresenta muitas semelhanças e pontos distintivos. Talvez o elemento a partir do qual ela se distingue das outras artes seja o modo de expressar, a matéria-prima a partir da qual o artista trabalha. E aqui, passe-se a palavra a Alceu de Amoroso Lima: A distinção entre a literatura e demais artes vai operar-se nos seus elementos intrínsecos, a matéria e a forma do verbo. De que se serve o homem de letras para realizar seu gênio inventivo? Não é, por natureza, nem do movimento como o dançarino, nem da linha como o escultor ou o arquiteto, nem do som como o músico, nem da cor como o pintor. E sim – da palavra. A palavra é, pois, o elemento material intrínseco do homem de letras para realizar sua natureza e alcançar seu objetivo artístico. Por meio das palavras, o ser humano realizou registros de toda ordem: documentou, efetuou acordos, criou todo tipo de mensagem, catalogou dados etc. Muitos textos antigos chegaram às posteridades via palavra escrita. Obras das civilizações passadas perduram até hoje graças à escrita. Assim, há que se dizer que a literatura é uma das partes essenciais da cultura das civilizações. E a arte da escrita revela a criatividade e a imaginação que permeia a cultura dessas civilizações. Conforme você já estudou em outros cadernos durante o curso, somente utilizar palavras para fazer literatura não é o suficiente. A palavra adquire função literária na medida em que a intenção daquele que escreve passa a focalizar a mensagem em si, seja na combinação e seleção das palavras, seja na estrutura da mensagem. O que se requer é que as palavras sejam carregadas de significado, permitam a multiplicidade de interpretações, que encerrem em si o colorido, a sonoridade, que sejam aprazíveis ao leitor-receptor. Importante, aqui, que se dê voz a Umberto Eco (2003, p. 38): “Ora, é sabido que as obras literárias, sejam elas clássicas ou modernas, são abertas, ou ambíguas”, prestando-se, portanto a várias interpretações, o que expõe o leitor a um trabalho criativo, na medida em que tenta interpretá-las, compreendê-las. Uma vez que nem tudo está dado no texto de forma fechada, mas que a obra se organiza com uma ambiguidade fundamental em todos os níveis, isto é, “[...] abre-se numa potencialidade muito grande de sentidos, necessariamente, provoca um trabalho por parte do leitor.” (ECO, 2003, p. 38). Por isso, considera-se que, dentro da questão literária, as palavras vão além do limite de sua significação. Portanto, elas podem conquistar novos espaços e revelar novas possibilidades de se ver a realidade. Assim, caro/a acadêmico/a, você pode observar qual é o caminho que a literatura percorre. Observe que o artista sente, seleciona e manipula as palavras, organiza-as de tal modo que produzam um efeito que ultrapasse a sua significação primeira, avizinhando-as do imaginário. TÓPICO 1 | A FORMAÇÃO DA LITERATURA PORTUGUESA 5 Não é a toa que se diz que a obra do escritor origina-se da sua imaginação, ainda que tenha como base elementos da realidade. A partir de sua aguçada percepção, o autor capta a realidade através de seus sentimentos. Ele consegue explorar as muitas possibilidades linguísticas e manipulá-las nos mais diversos níveis, entre os quais o fonético e o semântico. Com as suas habilidades, o escritor é capaz de criar uma outra realidade, a dita realidade artística, a qual precisa ser concebida e analisada de modo diferente, não como se estivéssemos diante de seres dotados de vida, de carne e de osso. Ela “[...] é caracterizada pela ficção enquanto forma e conteúdo, isto é, enquanto conceito ou modelo.” (COMPAGNON, 2003, p. 38). Anteriormente, em outra parte, você pôde perceber, caro/a acadêmico/a, que a literatura é a arte manifestada via linguagem, a qual procura levar ao máximo a ambiguidade dos termos. Assim, pode-se entender que a arte literária não se caracteriza puramente pela transmissão de informações, mas ela “[...] cria em cada ser aquilo que os sentidos o levam a interpretar. Através da leitura podemos vivenciar aquilo que lemos e criar dentro de nós a imagem proposta pelo texto.” (LAJOLO, 1995, p. 28). Vê-se, assim, que a literatura tanto pode ser percebida sob a ótica do verídico como pode ser concebida como ficção. As personagens, por sua vez, tanto poderiam ter existido como poderiam ter sido criadas pelo autor. Enfim, em literatura tudo é possível. Considere-se, entretanto, que, mesmo na ótica da ficção, há o fundamento real, no qual o autor se apoiou para criar a ficção. Por isso, há quem veja a literatura como uma imitação do real, entre os quais Aristóteles. Ele concebeu a arte literária como mimese, ou seja, imitação. Ela seria, assim, a arte que imita pela palavra. Caro/a acadêmico/a de Letras! Ao estudar literatura é muito importante que você conheça o que se falou na antiguidade acerca dela. Talvez um dos primeiros a falar sobre a literatura como arte tenha sido Aristóteles, filósofo grego do quarto século antes de Cristo. Por isso, sugerimos que você leia a obra “Arte Poética”, na qual ele trata de diferentes gêneros textuais. IMPORTANT E Até aqui, foi possível compreender que a literatura está enraizada na arte da palavra, e que esta suscita uma multiplicidade de interpretações, considerando- se, inclusive a etimologia. Literatura origina-se do termo latino littera, que remete à “arte da escrita”. UNIDADE 1 | LITERATURA PORTUGUESA: ORIGENS E ESCOLAS LITERÁRIAS DO PERÍODO MEDIEVAL 6 Segundo autores como Eagleton (2001, p. 2), esta arte de escrever se dá dentro dos moldes da escrita já existentes e que “[...] intensificam a linguagem comum”, que poderiam sugerir algo diferente da linguagem comum, usual. Se esta linguagem pudesse ser intensificada, far-se-iam necessários certos recursos para dizer do que se trata. Assim, a aplicação da linguagem escrita de modo diferente constitui o que poderia ser chamado de valor estético. E a literatura lida com a estética por excelência. Conforme já mencionado, na literatura, a linguagem adquire status artístico. Essa maneira especial de combinar as palavras, de modo impressionar o leitor e aprazê-lo é que poderia ser chamada de estética literária.Vale aqui dizer-se que, segundo D’Onofrio (2002, p. 23), as funções da literatura são “[...] estética – arte da palavra e expressão do belo –, lúdica – provocar um prazer –, cognitiva – forma de conhecimento de uma realidade –, catártica – purificação dos sentimentos – e pragmática – pregação de uma ideologia.” Dentre as tantas funções das quais está imbuída a arte da literatura, a questão estética é a que cumpre a função de fazer com que o ato de escrever de modo literário seja diferente de todos os outros modos. Isto posto, concebe-se um texto como literário se este busca representar de um modo todo diferente, artístico, a realidade. No aspecto literário, portanto, há que se considerar a combinação forma e conteúdo. Caro/a acadêmico/a, sugere-se que você assista aos seguintes filmes e observe que imbricações eles têm com a Literatura. Observe os aspectos literários ressaltados em cada um: “Sociedade dos poetas mortos” e “O carteiro e o poeta”. NOTA No que se refere à questão estética, seja via palavra, seja via imagem, é importante considerar as palavras de Mikhail Bakhtin (2006, p. 84), no texto “O todo espacial da personagem e do seu mundo. Teoria do horizonte e do ambiente”. Para um bom entendimento do que o autor revela neste texto, a seguir, você, caro/a acadêmico/a, encontra alguns tópicos resumidos. Leia-os nas palavras do próprio autor e faça as devidas ligações com os aspectos tratados anteriormente acerca da literatura. • A forma material, que determina se uma obra é de pintura, poesia ou música, determina de maneira substancial também a estrutura do objeto estético correspondente, tornando-o um tanto unilateral e acentuando um ou outro aspecto seu. Ainda assim, o objeto estético é multifacetado, concreto como TÓPICO 1 | A FORMAÇÃO DA LITERATURA PORTUGUESA 7 a realidade ético-cognitiva (o mundo vivenciável) que nele se justifica e se conclui artisticamente, cabendo observar que é na obra verbalizada (o menos possível na música) que esse mundo artístico é mais concreto e multifacetado. A criação verbalizada não constrói forma espacial externa, porquanto não opera com material espacial como a pintura, a escultura, o desenho: seu material é a palavra (a forma espacial da disposição do texto – estrofes, capítulos, figuras complexas da poesia escolástica etc. – sumamente insignificante), material não-espacial pela própria substância (o som na música é ainda menos espacial); no entanto, o próprio objeto estético, representado pela palavra, evidentemente não se constitui só de palavras, embora haja nele muito de puramente verbal, e esse objeto da visão estética possui uma forma espacial interna artisticamente significativa, representada pelas palavras da mesma obra (enquanto na pintura essa forma é representada pelas cores, no desenho pelas linhas, de onde tampouco se conclui que o objeto estético correspondente seja constituído apenas de linhas ou apenas [de] cores; trata- se precisamente de criar um objeto concreto de linhas ou cores. • Outra questão é saber como se realiza essa forma espacial: deve ela reproduzir-se numa representação puramente visual, nítida e completa, ou só se realiza o seu equivalente volitivo-emocional, o tom sensorial que lhe corresponde, o colorido emocional, sendo que a representação visual pode ser descontínua, fugidia ou até estar ausente, substituída pela palavra? (O tom volitivo-emocional, embora vinculado à palavra e como que fixado à sua imagem sonora tonalizante, evidentemente não diz respeito à palavra, mas ao objeto que esta exprime, mesmo que este não se realize na consciência como imagem visual; só pelo objeto assimila-se o tom emocional, mesmo que este se desenvolva junto com o som da palavra.) Um estudo detalhado da questão assim colocada está fora do alcance deste ensaio; seu lugar é na estética da criação verbalizada. No nosso caso, bastam algumas indicações sumaríssimas sobre essa questão. A forma espacial interna nunca se realiza com toda sua perfeição visual e plenitude (aliás, o mesmo se dá com a forma temporal com toda a sua perfeição sonora e sua plenitude) nem no campo das artes plásticas; a plenitude visual e a perfeição só são próprias da forma material externa da obra, cujas qualidades são como que transferidas para a forma interna (até as artes plásticas, a imagem visual da forma interna é consideravelmente subjetiva). A forma visual interna é vivenciada de modo volitivo-emocional, como se fosse perfeita e acabada, mas essa perfeição e esse acabamento nunca podem ser uma concepção efetivamente realizada. É claro que o grau de realização da forma interna da representação visual é diferente em modalidades diversas de criação verbalizada e em diversas obras particulares. • Visto que o artista lida com a existência e o mundo do homem, lida também com a sua concretude espacial, com suas fronteiras exteriores como elemento indispensável dessa existência, e, ao transferir essa existência do homem para o plano estético, deve transferir para esse plano também a imagem externa UNIDADE 1 | LITERATURA PORTUGUESA: ORIGENS E ESCOLAS LITERÁRIAS DO PERÍODO MEDIEVAL 8 dela nos limites determinados pela espécie do material (cores, sons etc.). O poeta cria a imagem, a forma espacial da personagem e de seu mundo com material verbal: por via estética assimila e justifica de dentro o vazio de sentido e de fora a riqueza factual cognitiva dessa imagem, dando-lhe significação artística. • A imagem externa expressa em palavras, representada visualmente (até certo ponto no romance, por exemplo) ou apenas vivenciada de modo volitivo-emocional, tem significado de acabamento formal, ou seja, não é só expressiva, mas também artisticamente impressiva. Aqui se aplicam todas as teses que expusemos, o retrato verbal se subordina a elas assim como o retrato pictural. Também aqui, só a posição de distância cria o valor estético da imagem externa, a forma espacial expressa a relação do autor com a personagem; ele deve ocupar uma posição firme desta e de seu mundo e usar todos os elementos transgredientes à imagem externa da personagem. • A obra de criação verbal é criada de fora para cada personagem, e, quando a lemos, é de fora e não de dentro que devemos seguir as personagens. Mas é justamente na criação verbal (e, acima de tudo, na música) que parece muito sedutora e convincente a interpretação puramente expressiva da imagem externa (da personagem e do objeto), porquanto a distância do autor-espectador não tem a precisão espacial como nas artes plásticas (a substituição das representações visuais pelo equivalente volitivo-emocional fixado à palavra). Por outro lado, a linguagem como material não é suficientemente neutra em face da esfera ético-cognitiva, onde é empregada como autoexpressão e comunicação, ou seja, como recurso expressivo, e nós transferimos essas habilidades expressivas da linguagem (de traduzir a si mesmo e designar o objeto) para a percepção das obras de arte verbal. • O conteúdo (aquele que se insere na personagem, sua vida de dentro) e a forma não se justificam nem se explicam no plano de uma consciência, mas tão somente nas fronteiras de duas consciências: nas fronteiras do corpo realizam-se o encontro e a dádiva artística da forma. Sem essa atribuição de princípio ao outro como uma dádiva a que ele o justifica e o conclui (com a justificação estético-imanente), a forma, sem encontrar a fundamentação interna de dentro do ativismo do autor-contemplador, deve degenerar fatalmente em algo hedonicamente agradável, simplesmente “bonito” e imediatamente agradável para mim, assim como eu sinto diretamente frio ou calor: o autor cria tecnicamente o objeto do prazer, o contemplador se proporciona passivamente esse prazer. FONTE: Extraído e adaptado de: BAKHTIN, Mikhail. O todo espacial da personagem e do seu mundo. Teoria do horizonte e do ambiente. In: ______. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes,2006. p. 84-90. TÓPICO 1 | A FORMAÇÃO DA LITERATURA PORTUGUESA 9 Ao lermos alguns tópicos do texto de Bakhtin, percebemos o tratamento que ele dá à questão literária, seja enquanto palavra ou como imagem. O crítico russo dedica especial atenção à personagem e à linguagem literária enquanto artefatos literários que concorrem para deixar em aberto a relação da obra literária com o mundo, a qual é passível de uma multiplicidade de interpretações, de acordo com as leituras e de acordo com os leitores das diferentes épocas. Caro/a acadêmico/a! Agora que tivemos a oportunidade de refletir acerca da literatura enquanto obra, linguagem, criação, estética e arte, passemos a uma reflexão acerca do contexto histórico e cultural da Península Ibérica do período medieval, ressaltando en passant os fatores que possibilitaram o surgimento das primeiras manifestações literárias. É importante que se destaque que a obra literária é fruto da inspiração individual do seu criador (artista), mas acima de tudo ela é um fenômeno social, graças ao seu idioma de criação, aos problemas e inquietações que ela retrata. Do mesmo modo, a Literatura Portuguesa também não foge a isto. Por isso, a ligação entre história literária, história política e história social é importante, evidenciando sempre que esta constitui o cenário que favoreceu a criação das primeiras manifestações literárias. 3 O MUNDO MEDIEVAL E A PENÍNSULA IBÉRICA FONTE: De Giovanni (2007, p. 17) FIGURA 1 – LISBOA, LARGO DE CAMÕES (PRINCÍPIOS DO SÉCULO XX) Entre os muitos modos de conceber a literatura, está a visão de Antonio Candido (1997, p. 26) que a define “como um conjunto de textos escritos (muitas vezes também fixados na oralidade), esteticamente elaborados a partir da linguagem comum, que dão conta da especificidade cultural de uma comunidade. A comunidade, a propósito da presente seção, seria a Península Ibérica do período medieval”. E dentro desta visão, está a literatura portuguesa, a qual se constituiu a partir de um espaço geográfico uno, ou seja, o território português. Sabe-se, outrossim, que ela se alargou pelas várias partes do mundo, via aventuras marítimas das UNIDADE 1 | LITERATURA PORTUGUESA: ORIGENS E ESCOLAS LITERÁRIAS DO PERÍODO MEDIEVAL 10 grandes navegações, as quais resultaram nos descobrimentos ultramarinos, na ampliação do comércio, na concretização de interesses religiosos com a propagação do cristianismo, nos séculos XV e XVI. Tudo isto possibilitou que se concretizasse numa riquíssima tradição literária de viagens e que tivesse como consequência a expansão do falar português. E a tradição literária lusitana evolui juntamente com a estética da cultura ocidental, oriunda de uma matriz medieval que tem base latina, dentro da qual se constitui e se aperfeiçoa a língua literária. Historicamente, tem-se que a independência de Portugal foi resultado de uma luta gradativa contra os reinos cristãos da Península Ibérica, região que compreende os atuais territórios de Portugal e Espanha. Este processo de independência está ligado à diferenciação das atividades econômicas desta região e às rivalidades entre os diferentes grupos feudais. Por isso, é importante dizer- se que “[...] foi o povo quem participou ativamente desse processo, através das organizações municipais, os conselhos populares. Havia neles maior liberdade e relações sociais mais avançadas, que levavam a população a lutar para afastar do país a servidão de outras regiões cristãs.” (ABDALA JÚNIOR; PASCHOALIN, 1985, p. 9). Após várias lutas, somente em 1143 negociou-se um tratado definitivo de paz, na chamada Conferência de Zamora. O título de rei a Afonso Henriques só foi dado pelo papa Alexandre III, em 1179. Portugal tornou-se uma nação autônoma, mas a luta para concretizar esta independência avançou ainda muitos anos, até o reinado de D. Afonso III (1248-1279), com a definitiva expulsão dos sarracenos. Para seu maior conhecimento, caro/a acadêmico/a, sobre a Independência de Portugal, é importante lembrar que, em 1139, depois de uma estrondosa vitória na batalha de Ourique contra um forte contingente mouro, D. Afonso Henriques afirma-se como rei de Portugal, e com o apoio dos nobres portugueses, é aclamado como rei soberano. Nascia, assim, em 1139, o reino de Portugal e sua primeira dinastia e Casa Real: a Borgonha, com o rei Afonso I de Portugal (ex-D. Afonso Henriques). Só a 5 de outubro de 1143 é reconhecida a independência de Portugal pelo rei Afonso VII de Leão e Castela, no Tratado de Zamora, assinando-se a paz definitiva. Desde então, D. Afonso Henriques (Afonso I) procurou consolidar a independência por si declarada. Fez importantes doações à Igreja e fundou diversos conventos. Dirigiu-se ao papa Inocêncio II e declarou Portugal tributário da Santa Sé, tendo reclamado para a nova monarquia a proteção pontifícia. Em 1179, o papa Alexandre III, através da Bula Manifestis Probatum, confirma e reconhece Portugal como país independente e soberano protegido pela Igreja. Na continuação das conquistas, procurou também terreno ao sul, povoado, até então, por Mouros e, após ver malograda a primeira tentativa de conquistar Lisboa, em 1142, feito que só conseguiu realizar em 24 de outubro do mesmo ano, após conquistar Santarém, no dia 15 de março, com o auxílio de uma poderosa esquadra com 160 navios e um contingente de 12 a 13 mil cruzados, que se dirigiam para a Terra Santa. FONTE: Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira. Lisboa; Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia Limitada, 1978. v. 25. p. 317. NOTA TÓPICO 1 | A FORMAÇÃO DA LITERATURA PORTUGUESA 11 No que concerne à língua, esta tem origem no latim, já que os romanos chegaram à Península Ibérica em 61 a. C. Esta língua radicou-se na península até meados do século V, com a invasão dos bárbaros. Por causa das invasões árabes no século VII, ocorreu a decadência do latim. “O latim reduziu-se a falares vernáculos e quase desapareceu.” (PINHEIRO, 2007, p. 12). O norte, região nunca conquistada pelos árabes, serviu de ponto de organização para prepararem o processo de reconquista do território, a qual assumiu caráter de Cruzada. Para o enfrentamento, apresentaram-se muitos cavaleiros cristãos. As lutas estenderam-se por muito tempo, inclusive após a morte de D. Afonso Henriques. A expulsão total se dá sob D. Sancho, o qual consolida a primeira dinastia portuguesa, a de Borgonha. Este fato possibilitou ao povo português a opção de não mais falar árabe, como também não mais se voltou a falar o latim. A nova língua passou a ser a mistura de falares da gente humilde, enquanto para a literatura adotou-se o galaico-português. Usa-se a expressão galaico-português (ou galego-português ou ainda galécio- português) para caracterizar “esta nova língua falada em Portugal”, composta por uma mescla de palavras entre uma língua e outra. A origem está em Galiza (Espanha) e Portugal. NOTA As primeiras palavras portuguesas de que se têm conhecimento aparecem em documentos do século IX e são redigidas em latim bárbaro, que seria o já futuro português. Não são propriamente textos literários, mas documentos de utilidade, como partilhas, testamentos, cartas de doação, cartas de quitação, instrumentos jurídicos de vários tipos. Quanto às primeiras manifestações literárias portuguesas, estas são registradas em galego-português e ocorrem entre os séculos XII e XV. Esta foi a língua com que os rudes guerreiros das cruzadas manifestaram seus anseios amorosos e as suas aspirações ideais. Foi também esta língua que levou “[...] os trovadores a revelarem a sua vida interior e o jardim secreto de suas meditações. Foi também o bordão florido em que se apoiaram os primitivos poetas para o descobrimento e conquista da própria alma.” (FIGUEIREDO, 1980, p. 35). Após estar solidificado o território português, como também definida a língua, já é possível empreender tempo para o povo desenvolver e cultivar a arte. No nosso caso, a arte literária que, viamanifestações poéticas, começa a aparecer UNIDADE 1 | LITERATURA PORTUGUESA: ORIGENS E ESCOLAS LITERÁRIAS DO PERÍODO MEDIEVAL 12 na corte de D. Sancho. A data que se toma para marcar o início da atividade literária em Portugal é 1189 (ou 1198), quando o trovador Paio Soares Taveirós compõe uma cantiga, endereçada a Maria Pais Ribeiro, também chamada “A Ribeirinha”. FONTE: De Giovanni (2007, p. 20) FIGURA 2 – CANTIGA DA RIBEIRINHA OU CANTIGA DA GUARVAIA Caro/a acadêmico/a, a composição do primeiro texto literário em língua portuguesa (A “Cantiga da Ribeirinha”, de Paio Soares de Taveirós) marca o início da primeira escola literária portuguesa, o Trovadorismo. Este assunto será tratado no próximo tópico. A Cantiga da Ribeirinha, de Paio Soares de Taveirós, é também conhecida como “cantiga da guarvaia”. Guarvaia significa um vestido luxuoso usado na corte. NOTA TÓPICO 1 | A FORMAÇÃO DA LITERATURA PORTUGUESA 13 A LITERATURA PORTUGUESA Massaud Moisés Portugal ocupa especial posição geográfica no mapa da Europa. Reduzido território de menos de noventa mil quilômetros quadrados, limita-se com a Galiza ao norte, com a Espanha a leste, e com o Oceano Atlântico ao sul e ao oeste. Como empurrado contra o mar, toda a sua história, literária ou não, atesta o sentimento de busca dum caminho que só ele representa e pode representar. Tal condicionamento geográfico, enriquecido por exclusivas e marcantes influências étnicas e culturais (árabes, germânicas, francesas, inglesas etc.), havia de gerar, como gerou, uma literatura com características próprias e permanentes. A fatalidade de ser a língua portuguesa o seu meio de comunicação ajuda a completar e explicar o quadro. Diante da angústia geográfica, o escritor português opta pela fuga ou pelo apego à terra de origem, matriz de todas as inquietudes e confidente de todas as dores, centro de inspiração e nutridora de sonhos e esperanças. A fuga dá-se pelo mar, o descobrimento, fonte de riqueza algumas vezes, de males incríveis e de emoção quase sempre; ou, transcendendo a estreiteza do solo físico, para o plano mítico, à procura de visualizar numa dimensão universal e perene a inquietação particular e egocêntrica. Assim, a Literatura Portuguesa oscila entre posições externas, com certeza porque uma compensa a outra. Ao lirismo da raiz, por vezes carregado de pieguice e morbidez, corresponde um sentimento hipercrítico, exagerado, pronto a agredir, a ofender, a mostrar no “outro” a chaga ou a fraqueza. A sátira, não raro levando ao desbocamento e ao destempero pessoal, dialoga com o culto fetichista da sensação, do sentimento, exacerbado por atitudes de confessionalismo adolescente. Uma atitude esconde a outra, a tal ponto que na base íntima de todo satírico ou erótico se percebe logo o sentimental, o hipersensível, que defende suas tibiezas com o verniz do procedimento contrário. E vice-versa. Vem daí que seja uma literatura rica de poetas: aquela ambivalência constitui o suporte do “fingimento poético”, na expressão feliz, e hoje tornada lugar-comum, de Fernando Pessoa. A poesia é o melhor que oferece a Literatura Portuguesa, dividida entre o apelo metafísico, que significa a vivência e a expressão de problemas fundamentais e perenes (a relação conflitiva com o divino, o ser e o não-ser, a condição humana, os valores eróticos etc.) e a atração amorosa da terra (representada por temas populares, folclóricos), ou um sentimento superficial, feito da confissão de estados da alma provocados pelos embates afetivos primários, tendo por fulcro o eterno “eu-te-gosto-você-me-gosta”, de que fala LEITURA COMPLEMENTAR UNIDADE 1 | LITERATURA PORTUGUESA: ORIGENS E ESCOLAS LITERÁRIAS DO PERÍODO MEDIEVAL 14 Carlos Drummond de Andrade. Não obstante essa derradeira tendência constitua polo permanente, a Literatura Portuguesa ocupa lugar de relevo no mapa literário europeu, graças a alguns poetas vocacionados para a contemplação metafísica, como Camões, Bocage, Antero, Fernando Pessoa, entre outros. Literatura pobre em teatro, eis outra afirmação indiscutível. Decorrência natural do arraigado lirismo egocêntrico e sentimental, a dramaturgia portuguesa só poucas vezes alcançou sair do nível mediano ou razoável. Tirante Gil Vicente, Garret (sobretudo o de Frei Luís de Sousa) e alguma coisa de Antônio José da Silva e Bernardo Santareno, tudo o mais vive no esquecimento. O grande surto teatral operado nos dias que correm, embora prometedor e já realizador de peças notáveis, é ainda muito recente para permitir afirmar que a atividade cênica de Portugal conhece uma época de reviravolta e mudança radical. [...] Assim sendo, compreende-se que este panorama histórico da atividade literária de Portugal esteja dividido nos seus fundamentais momentos evolutivos. No tocante às datas empregadas para os delimitar, constituem somente pontos de referência, pois nunca se sabe com precisão quando começa ou termina um processo histórico: funcionam, na verdade, como indício de que alguma coisa de novo está acontecendo, sem caracterizar a morte definitiva do padrão velho até aí em voga. [...] A data que se tem utilizado para marcar o início da atividade literária em Portugal é a de 1189 (ou 1198), quando o trovador Paio Soares de Taveirós compõe uma cantiga (celebrizada como “cantiga da garvaia”, vocábulo este que designava um luxuoso vestido de Corte), endereçada a Maria Pais Ribeiro, também chamada A Ribeirinha, favorita de D. Sancho I. A cantiga, oscilando entre ser de amor e de escárnio, revela tal complexidade na estrutura da arte de poetar. Decerto houve, antes dessa cantiga, considerável atividade lírica, infelizmente desaparecida: no geral, os trovadores memorizavam as composições que interpretavam, fossem suas ou alheias, e só em alguns casos as transcreviam em cadernos de notas, que podiam extraviar-se, perder-se ou ser descartados. Por isso, toda uma anterior produção poética – cujo volume e cujos limites jamais poderão ser fixados – desapareceu por completo. Em vista de tal circunstância, compreende-se que se tome a cantiga de Paio Soares de Taveirós como o marco inicial da Literatura Portuguesa, pois trata-se do primeiro documento literário que se conhece em vernáculo, o que de forma alguma significa negar a existência duma intensa atividade poética antes de 1198. FONTE: Adaptado de: MOISÉS, Massaud. Introdução. A Literatura Portuguesa. São Paulo: Cultrix, 2008. p. 17-22. 15 Caro/a acadêmico/a, no presente tópico, você teve oportunidade de estudar aspectos importantes relacionados à Literatura Portuguesa, os quais revemos, resumidamente, a seguir: • Nas diferentes épocas em que a Literatura se manifesta, são atribuídas funções e naturezas diversas a ela, em consonância com a sua realidade cultural e social. • A literatura é uma forma de manifestação da linguagem. Há autores que veem a linguagem numa ótica puramente social, entre os quais citamos Roland Barthes, que a concebe como a expressão do poder social, ao qual toda a sociedade está submetida. • Na linguagem literária, as palavras adquirem novos significados, sabor diferente. O elemento a partir do qual a literatura se distingue das outras artes é o modo de expressar, a matéria-prima a partir da qual o artista trabalha. • A literatura é uma das partes essenciais da cultura das civilizações. E a arte da escrita revela a criatividade e a imaginação que permeiam a cultura dessas civilizações. • A palavra adquire função literária na medida em que a intenção daquele que escreve passa a focalizar a mensagem em si, seja na combinação e seleção das palavras, seja na estrutura da mensagem. Por meio das palavras, o ser humano realizou registros de toda ordem: documentou, efetuou acordos, criou todo tipo de mensagem, catalogou dados etc. • O artista sente, seleciona e manipula as palavras, organiza-as de tal modo que produzam um efeito que ultrapasse a sua significação primeira, avizinhando- as do imaginário. • Aobra do escritor origina-se da sua imaginação, ainda que tenha como base elementos da realidade. A partir de sua aguçada percepção, o autor capta a realidade através de seus sentimentos. Ele consegue explorar as muitas possibilidades linguísticas e manipulá-las nos mais diversos níveis, entre os quais o fonético e o semântico. • O escritor é capaz de criar uma outra realidade, a dita realidade artística, a qual precisa ser concebida e analisada de modo diferente, não como se estivéssemos diante de seres dotados de vida, de carne e de osso. RESUMO DO TÓPICO 1 16 • A literatura tanto pode ser percebida sob a ótica do verídico como pode ser concebida como ficção. Por sua vez, as personagens tanto poderiam ter existido como poderiam ter sido criadas pelo autor. Enfim, em literatura tudo é possível. • A literatura é vista também como uma imitação do real, como Aristóteles. Ele concebeu a arte literária como mimese, ou seja, imitação. Ela seria, assim, a arte que imita pela palavra. Ela está enraizada na arte da palavra e suscita uma multiplicidade de interpretações, considerando-se, inclusive, a etimologia. Literatura origina-se do termo latino littera, que remete à “arte da escrita”. • A literatura lida com a estética por excelência. O autor (de literatura) tem o cuidado de selecionar e combinar as palavras, colocando em evidência o lado palpável, material dos signos. Ao selecionar e combinar de um modo todo particular e especial os termos, o autor procura obter alguns elementos fundamentais no que diz respeito à linguagem, entre os quais o ritmo, a sonoridade, o belo, o inusitado das imagens. • A maneira especial de combinar as palavras, de modo a impressionar o autor e aprazê-lo é que poderia ser chamada de estética literária. A questão estética é a que cumpre a função de fazer com que o ato de escrever de modo literário seja diferente de todos os outros modos. • A obra literária é fruto da inspiração individual do seu criador (artista), mas acima de tudo ela é um fenômeno social, graças ao seu idioma de criação, aos problemas e inquietações que ela retrata. • A história da literatura lusitana evolui juntamente com a estética da cultura ocidental, oriunda de uma matriz medieval que tem base latina, dentro da qual se constitui e se aperfeiçoa a língua literária. • A nova língua (português) passou a ser a mistura de falares da gente humilde, enquanto para a literatura se adotou o galaico-português. • As primeiras palavras portuguesas de que se tem conhecimento aparecem em documentos do século IX e são redigidas em latim bárbaro, que seria o já futuro português. • A data que se toma para marcar o início da atividade literária em Portugal é 1189 (ou 1198), quando o trovador Paio Soares Taveirós compõe uma cantiga, endereçada a Maria Pais Ribeiro, também chamada “A Ribeirinha”. 17 Caro/a acadêmico/a, para que você possa melhor fixar o conteúdo deste tópico, apresentamos, a seguir, uma atividade. Procure resolvê-la com base no que você estudou. 1 Releia o texto de Mikhail Bakhtin. Nele você pode observar as diferentes maneiras de o artista representar esteticamente as imagens, os objetos, ambiente, personagens. Assim, comente como o artista que lida com a palavra (escritor) representa esteticamente os objetos. 2 No primeiro capítulo deste tópico são apresentadas muitas definições de Literatura. Caro/a acadêmico/a, utilize a internet ou livros e pesquise outra definição de Literatura. Em seguida, transcreva-a e socialize-a com os demais acadêmicos no próximo encontro. 3 Conforme apresentado na terceira seção, a língua portuguesa foi levada, via navegações e descobrimentos, às diferentes partes do mundo. Pesquise os diferentes locais em que, no mundo, é falada a língua portuguesa. AUTOATIVIDADE 18 19 TÓPICO 2 O PERÍODO MEDIEVAL: A POESIA E A PROSA TROVADORESCA UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Como um país realmente autônomo, Portugal surge na primeira metade do século XII. É nesse período que aparecem as primeiras manifestações da Literatura Portuguesa, através da poesia. Na verdade, são manifestações orais, quem sabe até sem provas concretas sobre a sua origem. No entanto, toma-se o ano de 1189 (ou 1198) como a data provável do aparecimento do primeiro documento literário. Trata-se da já citada cantiga de amor escrita por Paio Soares de Taveirós, em galego-português, conhecida como Cantiga da Ribeirinha (ou da Guarvaia). É dirigida a Maria Pais Ribeiro (a Ribeirinha). De acordo com o que observa Fujyama (1970, p. 11), “poder-se-ia até crer na existência de uma tradição lírica, oral, até de longa data, haja vista perceber-se na cantiga uma composição já bastante avançada e complexa”. O início da literatura portuguesa traz a marca do lirismo trovadoresco, antecedendo a prosa, para a qual o processo evolutivo será mais lento. Veem-se, assim, dois períodos marcando o surgimento da literatura portuguesa: o primeiro, lírico, que cultivou a poesia lírica (cantigas), e o segundo, a prosa, trazendo as novelas de cavalaria, originárias das canções de gesta, que eram composições poéticas em forma de canções que narravam feitos heróicos. A seguir, caro/a acadêmico/a, você terá oportunidade de estudar separadamente cada um destes períodos e, ao mesmo tempo, apreciar alguns textos representativos de ambas as épocas. 2 AS CANTIGAS O primeiro período da literatura portuguesa, marcado pelo florescimento das chamadas cantigas, recebe o nome de Trovadorismo, por serem estas cantigas poemas criados com o objetivo de que fossem cantados, acompanhados por instrumentos musicais, entre os quais a flauta, a viola, o alaúde além de outros utilizados na época. Os autores de tais cantigas eram conhecidos por trovadores, enquanto aos que as apresentavam de maneira cantada chamavam-se jograis. “A, senhor, ide rogar mia senhor, Por Deus que haja mercee de mi.” (D. Dinis) UNIDADE 1 | LITERATURA PORTUGUESA: ORIGENS E ESCOLAS LITERÁRIAS DO PERÍODO MEDIEVAL 20 O Dicionário Houaiss trata como jogral o artista medieval que cantava e recitava poesia. A partir do século X, os jograis começaram, juntamente com os menestréis, a divulgar a poesia trovadoresca, cantando-a acompanhados de música. NOTA Há quem atribua a origem deste tipo de poesia ao movimento das cruzadas, já que os fiéis cruzados encontravam-se em Lisboa, que era a área portuária mais próxima para embarcar com destino a Jerusalém. Junto com todo este movimento de chegada e partida dos cruzados, havia os jograis, os quais introduziram a nova moda literária em Portugal. Conforme explica Massaud Moisés (2008, p. 24), em Portugal, esta modalidade poética encontrou terreno fértil, haja vista já haver ali uma “[...] espécie de poesia popular de velha tradição. A íntima fusão de ambas as correntes (a provençal e a popular) explicaria o caráter próprio assumido pelo trovadorismo”. Poder-se-ia até imaginar que um papel fundamental era desempenhado pelos jograis, já que estes eram como que os atuais artistas ambulantes, que animavam festas, romarias, feiras, torneios, valendo-se para isto das melodias e canções. Eles levavam, assim, “[...] de cidade em cidade, de castelo em castelo essa nova forma de arte, que fez do amor e da saudade a fonte de uma expressão poética que adquiriu diferentes formas ao longo do tempo.” (TUFANO, 1990, p. 111). Considerando-se as condições em que foram compostas, geralmente uma tradição oral ou, se escritas, provisoriamente anotadas, principalmente por não haver intenção de registrá-las, muitas das cantigas foram perdidas. Mas, há que se considerar a existência de documentos que trazem coletâneas de cantigas de diferentes tipos e autores variados – são os chamados cancioneiros. Pela sua importância, no que concerne ao conhecimento do Trovadorismo português, são relevantes os seguintes cancioneiros: • Cancioneiro da Ajuda: sua composição parece datar do século XIII, no reinado de Afonso III. Contém 310 cantigas, a maiorparte delas de amor. • Cancioneiro da Biblioteca Nacional: conhecido também pelo nome dos dois italianos que o possuíram – Cancioneiro Collocci-Brancuti –, contém 1.647 cantigas, de todos os tipos, cujos autores datam dos reinados de Afonso III e D. Dinis. Trata-se de uma cópia italiana do século XVI. • Cancioneiro da Vaticana: também constitui uma cópia italiana do século XVI e contém uma coletânea de 1.205 cantigas, dos mais diversos tipos: amor, amigo, escárnio e maldizer. Foi localizado em 1840, na Biblioteca do Vaticano. TÓPICO 2 | O PERÍODO MEDIEVAL: A POESIA E A PROSA TROVADORESCA 21 No seu conjunto, as cantigas são distribuídas em dois gêneros maiores e subdivididas em quatro modalidades, conforme segue: 1) Gênero lírico: cantigas de amor e cantigas de amigo. 2) Gênero satírico: cantigas de escárnio e cantigas de maldizer. FONTE: De Giovanni, 2007, p. 23 FIGURA 3 – D. DINIS (1279-1325) 2.1 CANTIGAS DE GÊNERO LÍRICO Este grupo compreende as cantigas de amigo e as de amor. “As cantigas de amigo compreendem uma manifestação poética cujas raízes estão nas próprias manifestações populares da Península Ibérica.” (TUFANO, 1981, p. 9). Portanto, surgiram do próprio sentimento popular. Caracterizam-se pela expressão do sentimento feminino, apesar de terem autoria masculina. São vivências, principalmente amorosas. Nelas, na maior parte das vezes, aparece o termo amigo, no primeiro verso da cantiga. O poeta assume o papel do eu lírico feminino, fazendo esta “mulher”, via tal estratagema, confidências à pessoa amada. Deste modo, observa-se na letra destas cantigas o sofrimento do eu lírico por causa da ausência do “amigo” (namorado, pessoa amada), o que é confessado à mãe, às irmãs, às amigas, ou ainda à natureza de um modo geral – campo, mar, rio, fonte, árvore, flores. No que concerne à ausência do amado, poderia tratar-se da sua partida para alguma batalha, a espera pelo seu regresso. Outras vezes, as cantigas de amigo revelam estados de ânimo mais diversificados, como a alegria pela chegada do amigo, a ansiedade pelo seu regresso, o desejo de vingança, ciúmes. Já no que diz respeito às personagens que tomam parte na estrutura da cantiga, temos: a amiga, que constitui a própria voz poética. Poderia ser vista como ingênua, narcisista, com um comportamento UNIDADE 1 | LITERATURA PORTUGUESA: ORIGENS E ESCOLAS LITERÁRIAS DO PERÍODO MEDIEVAL 22 esquivo ou vingativo, a mãe, a qual representa a norma social do caráter proibitivo, as confidentes, representadas pela figura da mãe, ou uma amiga, a irmã, noivas, a natureza (flores, ondas, mar), o amigo, representando o namorado, geralmente ausente. Com o objetivo de estimular o conhecimento deste tipo de cantiga, caro/a acadêmico/a, passemos à leitura de uma dentre as muitas cantigas de amigo, seguida de alguns comentários: Ai flores (D. Dinis) Ai flores, ai flores do verde pino, Se sabedes novas do meu amigo! Ai Deus, e u é? Ai flores, ai flores do verde ramo, Se sabedes novas do meu amado! Ai Deus, e u é? Se sabedes novas do meu amigo, Aquel que mentiu do que pôs comigo! Ai Deus, e u é? Se sabedes novas do meu amado, Aquel que mentiu do que mi há jurado! Ai Deus, e u é? Vós me preguntades polo voss’amado? E eu bem vos digo que é san’e vivo: Ai Deus, e u é? Vós me preguntades polo voss’amado? E eu bem vos digo que é viv’e sano: Ai Deus, e u é? E eu bem vos digo que é san’e vivo, E seerá vosc’ant’o prazo saído: Ai Deus, e u é? E eu bem vos digo que é viv’e sano E seerá vosc’ant’ o prazo passado: Ai Deus, e u é? FONTE: BRAGA (2005 p. 186) TÓPICO 2 | O PERÍODO MEDIEVAL: A POESIA E A PROSA TROVADORESCA 23 Efetuada a leitura da cantiga de amigo, seria de bom alvitre que se observassem no texto alguns aspectos importantes, como a estrutura paralelística, a qual pode ser comprovada já a partir dos dois primeiros versos das duas primeiras estrofes – “Ai flores, ai flores”/“Se sabedes novas”. No final destes versos, alternam-se as expressões, aparecendo – “verde pino”/“verde ramo” e “meu amigo”/“meu amado”. As demais estrofes também apresentam paralelismos. Faça você mesmo, acadêmico/a, esta análise. No final de cada uma das quatro estrofes, repete-se a expressão “Ai Deus, e u é?”, a qual poderia ser considerada refrão, como ocorre também nas músicas atuais. Caro/a acadêmico/a, no que concerne às cantigas de amigo, estas apresentam uma estrutura um tanto formalizada e com certa rigidez, no que diz respeito às repetições. Veja-se, por exemplo: 1) Paralelismo: repetição da mesma ideia em duas estrofes sucessivas, nas quais só mudam as palavras finais. 2) Leixa-pren: repetição dos segundos versos de um par de estrofes como primeiros versos do par seguinte. 3) Refrão: verso ou versos repetidos ao final de cada estrofe. NOTA A seu turno, as cantigas de amor exprimem um sentimento masculino e são ambientadas em palácios. Sua origem é provençal e mostram um homem apaixonado, na condição de vassalagem, ou seja, apaixonado por uma dama de classe social superior. Eis por que, nestas cantigas, o tratamento dado pelo eu lírico masculino à dama é “senhor” (senhora). Estes homens (eu lírico) vivem uma paixão insatisfeita, pois não são correspondidos pelas mulheres amadas, o que ocasiona sofrimento amoroso. Diante disto, por vezes, estes homens se colocam em situação de serventia. Caro/a acadêmico/a, quando falamos em origem provençal, fazemos referência à região da Provença, sul da França, ou seja, alguém que é natural ou habitante desta região, bem como àquilo que é originário desta região. NOTA UNIDADE 1 | LITERATURA PORTUGUESA: ORIGENS E ESCOLAS LITERÁRIAS DO PERÍODO MEDIEVAL 24 A mulher cantada pelos trovadores nas cantigas de amor é idealizada, é alguém dotada de perfeição, não possuidora de defeitos, é colocada acima de todas as coisas. A mulher amada é alguém inacessível, que parece não atender aos seus apelos, principalmente porque é superior (nobre), enquanto ele (o homem que ama), um fidalgo, um decaído. Na caracterização das cantigas, importante que se faça eco às palavras de Massaud Moisés: “Os apelos do trovador a colocam no alto (a mulher), num plano de espiritualidade, de idealidade ou contemplação platônica, mas que se entranham no mais fundo dos sentidos.” (2008, p. 25). Vê- se, assim, que o poeta sofre; seu sofrimento é pior que a morte, e o amor é sua única razão de viver. Atente-se, a seguir, aos dois exemplos de cantigas de amor: 1) Cantiga da Ribeirinha (Paio Soares de Taveirós) No mundo non me sei parelha mentre me for como me vai, cá já moiro por vós-e ai! mia senhor branca e vermelha, queredes que vos retraia quando vos eu vi em saia! Mau dia me levantei, que vos entom no vi fea! E, mia senhor, dês aquel di’, ai! Me foi a mi mui mal, e vós, filha de Don Paai Moniz, e bem vos semelha d’aver eu por vós guarvaia, pois eu, mia senhor, d’alfaia nunca de vós houve nem ei valia d’ua correa. FONTE: Braga (2005, p. 182) TÓPICO 2 | O PERÍODO MEDIEVAL: A POESIA E A PROSA TROVADORESCA 25 Veja-se como ficaria a tradução, para o português moderno, da “Cantiga da Ribeirinha”, efetuada pelo professor Stélio Furlan, da UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina: No mundo ninguém se assemelha a mim enquanto a minha continuar como vai, porque morro por vós, e ai! Minha senhora de pele alva e faces rosadas, quereis que vos retrate (que me afaste) quando vos vi em manto! (na intimidade) Maldito dia! Me levantei que não vos vi feia! E, minha senhora, desde aquele dia, ai! Tudo me foi muito mal, e vós, filha de Don Pai Moniz, e bem vos parece de ter eu por vós guarvaia, pois eu, minha senhora, como mimo nunca de vós recebe algo, mesmo sem valor. NOTA 2) Tão grave dia (D. Afonso Sanches) Tam grave dia que vos conhoci por quanto mal me vem por vós, senhor! Ca ma vem coita, nunca vi mayor, sem outro bem, por vós, senhor, des i por este mal que mh’a mim por vós vem, como se fosse bem, vem-me por em gran mal a quem nunca o mereci.Ca, mia senhor, porque vos eu servi, sempre digo que sode’la milhor do mund’e trobo polo vosso amor, que me fazedes gram bem e assy veedd’ora mha senhor do bom sen, este bem tal se cumpre em mi rrem, senon, se valedes vós mays per y. UNIDADE 1 | LITERATURA PORTUGUESA: ORIGENS E ESCOLAS LITERÁRIAS DO PERÍODO MEDIEVAL 26 Mais eu, senhor, em mal dia naci, del que non tem, nem é conhecedor do vosso bem, a que non fez valor Deus de lho dar, que lhy fezo bem y, per, senhor, assy me venha bem, deste gram bem, que El por bem non tem, muy pouco Del seria grand’a mi. Poys, mha senhor, razon é, quand’alguen serv’e non pede, já que rem lhi den; eu servi sempr’e nunca vos pedi. FONTE: Braga (2005, p. 183) Nesta cantiga, importante observar a presença de um tipo de comportamento comedido por parte do eu lírico, caracterizado pela obediência à senhora, o desejo de servi-la, o que serviria para retratar o amor cortês, característica importante da poesia trovadoresca. Vê-se clara a presença do eu lírico que confessa seu amor pela mulher amada, assumindo que ela é superior a ele, afirmando que nada quer, a não ser viver o seu próprio sentimento, sem interesse. Porém, fica sentido porque ela não corresponde aos seus amores. Em vários momentos, caro/a acadêmico/a, durante o nosso estudo das cantigas até aqui, citamos os trovadores. Ao que parece, na lírica medieval, o trovador era o artista de origem nobre do sul da França que, geralmente acompanhado de instrumentos musicais, como o alaúde ou a cistre, compunha e entoava cantigas. Já nos nossos dias trovador é entendido como aquele que divulga, cantando ou declamando, poemas próprios ou alheios (a referência é feita a qualquer poeta). NOTA TÓPICO 2 | O PERÍODO MEDIEVAL: A POESIA E A PROSA TROVADORESCA 27 FONTE: Duby; Perrot (1990, p. 26) FIGURA 4 – MULHER MEDIEVAL 2.2 CANTIGAS DE GÊNERO SATÍRICO No que se refere às cantigas de gênero satírico, nestas o eu lírico tem o objetivo de criticar o outro, procurando ridicularizar essa pessoa de forma sutil ou grosseira. Há, dentro desse gênero, dois tipos de cantigas: as de escárnio e as de maldizer. As cantigas de escárnio encerram um tipo de ironia que é realizada por meio do sarcasmo, valendo-se de uma linguagem de sentido ambíguo, velada, mas sem deixar de lado certo humor. O objetivo sempre é satirizar alguém ou então comentar jocosamente alguma situação. Ao falarmos em jocoso, amigo/a acadêmico/a, segundo o Dicionário Houaiss, fazemos referência àquilo que provoca o riso, que é engraçado, divertido, cômico. NOTA UNIDADE 1 | LITERATURA PORTUGUESA: ORIGENS E ESCOLAS LITERÁRIAS DO PERÍODO MEDIEVAL 28 De um modo geral, poder-se-ia até pensar o escárnio como uma zombaria, uma forma de menosprezo, de desdém. Ao escarnecer, o trovador jamais revela o nome do destinatário da crítica (sátira) e não utiliza também palavrões exagerados. Veja-se, a seguir, um exemplo de cantiga em que a pessoa satirizada não é nomeada: Cantiga de escárnio (João Garcia de Guilhade) Ai, dona fea! Fostes-vos queixar Que vos nunca louv’em meu trobar; Mais ora quero fazer um cantar Em que vos loarei toda via e vedes como vos quero loar: dona fea, velha e sandia! Ai dona fea! Se Deus me perdon! E pois havedes tan gran coraçon Que vos eu loe em esta razon, Vos quero já loar toda via; E vedes qual será a loaçon: Dona fea, velha e sandia! Dona fea, nunca vos eu loei Em meu trobar, pero muito trobei; Mais ora já um bom cantar farei Em que vos loarei toda via; E direi-vos como vos loarei: Dona fea, velha e sandia! FONTE: Braga (2005, p. 191) Já as cantigas de maldizer satirizam de modo mais agressivo, de modo direto, mais desvelado. Mais do que isto, o cunho destas cantigas é até difamatório, ocorrendo, inclusive, uma intenção de vituperar, com o uso de palavrões e xingamentos. Dito de outro modo, as cantigas de maldizer seriam como uma espécie de praga proferida contra alguém em específico para provocar maledicência e injúria. Ao efetuar uma sátira com uma cantiga, neste caso com a de maldizer, isto se dava de modo direto, ocorrendo citação explícita dos nomes das pessoas em questão. Estas cantigas valiam-se, entre muitos, de temas como o amor interesseiro ou ilícito, o adultério, temas da política. Os assuntos tratados nestas cantigas, na época, despertavam grandes comentários por parte do público e possivelmente também entre os trovadores. TÓPICO 2 | O PERÍODO MEDIEVAL: A POESIA E A PROSA TROVADORESCA 29 Tais sátiras atingiam a vida social e a política da época, valendo-se de um tom de irreverência e vasta riqueza, haja vista seu considerável vocabulário, em muitos casos, o uso de trocadilhos, o que conferia certa riqueza em termos de recursos poéticos, e, de um modo geral, havia a fuga às normas rígidas adotadas nas cantigas de amor. Caro/a acadêmico/a, veja a seguir um exemplo de cantiga de maldizer. Procure você mesmo/a analisar o modo de elaboração, o assunto tratado, o nome da pessoa satirizada, o uso de certos “palavrões”, tipo de crítica efetuado pelo autor-trovador Afonso Eanes do Coton. Coloque-se no lugar dos cidadãos da época. Será que você, vivendo na época deste autor, seria uma pessoa que gostaria de tê-lo como inimigo? Bem me cuidei Bem me cuidei eu, Maria Garcia, em outro dia, quando vos fodi, que me non partiss’eu de vós assi como me parti já, mão vazia, vel por serviço muito que vos fiz; que me non deste, como x’omen diz, sequer um soldo que ceass’um dia. Mais desta seerei eu escarmentado de nunca foder já outra tal molher, se m’ant’algo na mão non poser, ca non ei porque foda endoado; sabedes como: ide-o fazer com quen teverdes vistid’e calçado. Ca me non vistides nem me calçades nem ar sel’eu enovosso casal, nen avedes sobre min non pagades; ante mui bem e mais vos en direi: nulho medo, grad’a Deus, e a El-Rei, non ei de força que me vós façades. E, mia dona, quen pregunta non erra; e vós, por Deus, mandade preguntar polos naturaes deste logar se foderan nunca em paz nen em guerra, ergo se foi por alg’ou por amor. Id’adubar vossa prol, ai senhor, c’avedes, grad’a Deus, renda na terra. FONTE: Braga (2005, p. 191) UNIDADE 1 | LITERATURA PORTUGUESA: ORIGENS E ESCOLAS LITERÁRIAS DO PERÍODO MEDIEVAL 30 Caro/a acadêmico/a, para seu melhor entendimento da cantiga, eis um pequeno glossário para uma melhor elucidação da cantiga: vel: em troca de; como x’omen diz: como se diz; ceass’: suficiente; seerei: sairei; se m’ant’algo: antes me algo; ca: pois; ei: hei, há; endoado: de graça; teverdes: tiverdes; vistid’e: vestido; nem ar: novamente: eno: na; vosso casal: vossa casa; nen avedes: tendes; nulho: nenhum; grad’a: graças; ergo: salvo. NOTA Como você teve a oportunidade de perceber, a cantiga revela um trovador (ou o autor da poesia) que se lamenta com a mulher – Maria Garcia – pelo fato de lhe ter prestado serviços prazerosos (sexuais) e, no caso dela, nada lhe ofereceu como retorno (pagamento, troca), seja dinheiro, seja roupa. Por esse motivo, ele diz que não repetirá tal favor. Diz ainda que ela, sob nenhuma hipótese poderia obrigá-lo a tal ação. E mais, afirma que não existe força que o obrigue a prestar- lhe tal obséquio. O homem revela à mulher (Maria Garcia) que nenhum homem se presta a isso gratuitamente, salvo quando se trata de amor. Retornando ao argumento central deste capítulo, poder-se-ia dizer que, de um modo geral, as cantigas de cunho satírico (de escárnio e maldizer) apresentam, acima de tudo, um interesse histórico, principalmente por tratar-se de textos que conseguem documentar a vida social da época, notadamente da corte. Tais textos trazem à tona as reações dos cidadãos frente a certos fatos da vida política, desnudam detalhes da vida íntima das classes aristocráticas, dos próprios trovadores e dos jograis, enfim, fazem chegar aos nossos dias “fofocas” e desvelam vícios considerados muitas vezes ocultos da sociedade portuguesa medieval. Após os estudos que você teve oportunidade de efetuar acerca das cantigasde escárnio e maldizer, é muito oportuno que se dê voz ao crítico de literatura Massaud Moisés (2008), o qual nos oferece algumas palavras valiosas acerca deste tipo de cantigas: Essas duas formas de cantiga satírica, não raro escritas pelos próprios trovadores que compunham a poesia lírico-amorosa, expressavam, como é fácil de depreender, o modo de sentir e de viver peculiares de ambientes dissolutos, e acabaram por ser canções de vida boêmia e marginal, que encontrava nos meios frascários e tabernários o seu lugar ideal. A linguagem em que eram vazadas admitia, por isso, expressões licenciosas ou de baixo calão: poesia “maldita”, descambando para a pornografia ou o mau gosto, possui escasso valor estético, mas em contrapartida documenta os meios populares do tempo, na sua linguagem e nos seus costumes, com uma flagrância de reportagem viva. TÓPICO 2 | O PERÍODO MEDIEVAL: A POESIA E A PROSA TROVADORESCA 31 “Visto constituir um tipo de poesia cultivado notadamente por jograis de má vida, era natural que propiciasse e estimulasse o acompanhamento de soldadeiras (= mulheres a soldo), cantadeiras e bailadeiras, cuja vida atirada e dissoluta fazia coro com as chulices presentes nos versos das canções.” (MOISÉS, 2008, p. 28). Isto posto, há que se ressaltar que, com o transcorrer do tempo, a sociedade e a economia portuguesas se desenvolveram, modificando-se consequentemente. Atrelada a estas mudanças, veio também a transformação da arte, da literatura. Transitava, assim, a Península Ibérica, de uma estrutura tipicamente feudal para um sistema econômico mercantil, com a consequente valorização da vida cortês (principalmente no reinado de D. Dinis – 1279-1325), a criação das primeiras universidades, a sustentação do espírito guerreiro e aventureiro do tempo das lutas pela Reconquista, a grande influência que o clero exercia: todo este conjunto de situações fomenta e cria as condições ideais para que se desenvolva, dentro da literatura portuguesa, a prosa, entre os séculos XII e XIV. A prosa medieval portuguesa se manifesta primeiramente através das chamadas novelas de cavalaria, as quais têm sua origem na França e derivam das canções de gesta – poemas da Idade Média, cantados em linguagem popular e que retratavam os feitos heroicos dos guerreiros. Dentro da literatura portuguesa, têm grande destaque enquanto obras de ficção escritas em prosa. As Novelas de Cavalaria marcam a segunda etapa da literatura portuguesa do período medieval, as quais, caro/a acadêmico/a, você terá o prazer de estudar na seção a seguir. 3 AS NOVELAS DE CAVALARIA O desenvolvimento da vida cortesã e do amor cortesão na Europa, principalmente na França e na Inglaterra, a partir do século XII, impulsionou a difusão das novelas de cavalaria. Estas têm sua origem nas canções de gesta, a saber, poemas que tratam de aventuras de guerreiros. Transformados em prosa, foram traduzidos para diferentes línguas e rapidamente ganharam popularidade em toda a Europa, chegando também a Portugal. A tradição europeia da cavalaria estava em franca decadência e obteve nestas narrativas a sua compensação, já que estas novelas tratavam justamente de aventuras de cavaleiros andantes. Neste ponto, a respeito destas narrativas, poder-se-ia afirmar que se trata de uma “[...] novela a serviço do movimento renovador do espírito da cavalaria andante, nela o herói também está a serviço, não do senhor feudal, mas de sua salvação sobrenatural: uma brisa de teologismo varre a narrativa de ponta a ponta” (MOISÉS, 2008, p. 37). Ou seja, estas narrativas trazem em si traços de misticismo, de um desejo claro do herói pela busca de perfeição, pelo alcance de um ideal utópico de vida. UNIDADE 1 | LITERATURA PORTUGUESA: ORIGENS E ESCOLAS LITERÁRIAS DO PERÍODO MEDIEVAL 32 Nas narrativas destes cavaleiros, os heróis (cavaleiros) são sempre valentes, cuja vida é posta em constante perigo, o que destaca a coragem e o destemor destes valentes jovens heróis. Estes se colocam a serviço de belas damas e envolvem-se em aventuras amorosas, o que excita ainda mais os leitores medievais. Estas aventuras amorosas perigosas destes destemidos guerreiros caracterizam o amor cortesão (ou fino amor). Este tipo de amor desenvolve-se geralmente fora do casamento, um amor que geralmente não se efetiva no plano real, pois é um amor virtual, adúltero. O cavaleiro geralmente se coloca diante da mulher como se estivesse diante de seu rei ou seu senhor, numa situação de vassalagem amorosa. Não raro, tal amor revela uma mulher que se encontra num patamar superior e inacessível, e um homem em situação de serventia (vassalo), como nas cantigas de amor. Essa ideologia de amor cortesão mantém-se viva até fins do século XV, para ser retomado “[...] por uma forma absolutamente nova, o romance” (LUKÁCS, 2000, p. 39). O romance romântico tenta reaver nas suas narrativas o modelo cortesão, via mulher idealizada, amor platônico, sofrimento, final feliz. Caro/a acadêmico/a! A propósito dos cavaleiros e suas aventuras, você poderia assistir a filmes como Excalibur, As Brumas de Avalon, Lancelot, entre os muitos que existem. Observe como são retratados os cavaleiros, as mulheres, as aventuras amorosas nas aventuras dos cavaleiros andantes. NOTA Para retomar o assunto que constitui o filão deste capítulo, muitas personagens citadas nas novelas de cavalaria tornaram-se famosas, e entre estas citem-se Lancelot, Tristão, Isolda, Galaaz. Em todos eles, observa-se a presença de um guerreiro concebido pela Igreja: herói casto, fiel, dedicado, escolhido para uma peregrinação mística, em luta por Deus e por sua dama. Ainda dentro do assunto das novelas, em vista de uma questão didática, convencionou-se dividi-las em ciclos, como é demonstrado no quadro que segue: TÓPICO 2 | O PERÍODO MEDIEVAL: A POESIA E A PROSA TROVADORESCA 33 CICLO ÉPOCA CARACTERÍSTICAS OBRAS Carolíngio Império de Carlos Magno As novelas tratam das batalhas entre os muçulmanos e os saxões, as aventuras de Carlos Magno e Os Doze Pares de França. Canção de Rolando, Crônica de Turpin e Maynete. Clássico Império de Alexandre Magno Abordam temas retomados da antiguidade greco-romana (Troia, vida de Alexandre, aventuras de Eneias. Romance de Tebas, Romance de Troia, Romance de Eneias. Bretão ou arturiano Século XII Exaltação religiosa, lirismo, sentimentalismo, devoção amorosa. José de Arimateia, História de Merlim, A Demanda do Santo Graal. FONTE: O autor QUADRO 1 – DIVISÃO DA NOVELA EM CICLOS Caro/a acadêmico/a, com o intuito de instigar o espírito da leitura, oferecemos, a seguir, o resumo comentado de uma das novelas do Ciclo Clássico, Romance de Troia. Leia-o para sentir-se impelido/a à leitura de mais textos destas novelas. ROMANCE DE TROIA O Romance de Troia, que se compõe de mais ou menos trinta mil versos, remonta ao ano de 1160, cuja autoria pertenceria, segundo alguns pesquisadores, ao trovador Benoît de Sainte-Maure. O poema presta uma homenagem à obra de Homero, nomeadamente, à Ilíada e à Odisseia, dois poemas épicos da Antiguidade clássica grega, cujos temas heroicos fazem parte da origem desta obra. E aqui poderia ser lembrada a intertextualidade, que se caracteriza por relações que um texto mantém com outros textos que o precedem. Neste caso, o Romance de Troia é antecedido pela Ilíada e pela Odisseia, o que permite dizer que existe uma relação intertextual entre ambos. Retornando ao assunto do romance, o termo roman, na França, designava, nessa época, uma narração em verso e, mais tarde, em prosa escrita, em romance ou romanço, e contava as aventuras fabulosas ou os amores de heróis imaginários ou idealizados. Ao contrário das canções de gesta, que eram para ser cantadas, os romances eram para ser lidos, em voz alta, perante um grupo de pessoas. O Romance de Troia é um dos primeiros romances medievais, escritos no reino de Leonor de Aquitânia, que se debruça sobre as lendas e os
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