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PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA FTD EDUCAÇÃO WWW.FTD.COM.BR 1
I N T E R D I S C I P L I N A R
Novos tempos da leitura 
e da escrita
Fernando Moraes Fonseca Jr 
Este texto discute as transformações na leitura e na escrita que resultam da disseminação 
de telas e meios digitais, novas práticas sociais e gêneros discursivos. Numa perspectiva 
histórica e com fundamentação psicossocial e neurolinguística, descreve a evolução da 
leitura e da escrita, bem como as relações dessa tecnologia intelectual com a constituição 
da racionalidade e do desenvolvimento humanos. Analisa de modo crítico as vinculações 
desse fenômeno com a educação e a escola e os possíveis desdobramentos pedagógicos do 
cenário que já se insinua.
“Aqueles que são considerados não leitores leem, mas leem coisa diferente daquilo que o 
cânone escolar define como uma leitura legítima. O problema não é tanto o de considerar 
como não‑leituras estas leituras selvagens que se ligam a objetos escritos de fraca legitimidade 
cultural, mas é o de tentar apoiar‑se sobre essas práticas incontroladas e disseminadas para 
conduzir esses leitores pela escola, mas também sem dúvida por múltiplas outras vias, a 
encontrar outras leituras. É preciso utilizar aquilo que a norma escolar rejeita como um suporte 
para dar acesso à leitura na sua plenitude, isto é, ao encontro de textos densos e mais capazes de 
transformar a visão do mundo, as maneiras de sentir e de pensar.” 
CHARTIER, p.103
Das pedras às telas: 
reconfigurando o cérebro 
E
m A aventura do livro: do leitor ao navegador, Ro‑
ger Chartier descreve as tensões suscitadas por 
mudanças no contexto histórico da leitura e da 
escrita, seus meios e gêneros discursivos. “A multipli‑
cação dos livros é garantida, primeiro, pela invenção de 
Gutenberg, segundo, no século XIX, pela industrializa‑
ção da atividade gráfica e, enfim, no século XX, pela 
multiplicação das tiragens graças aos livros de bolso. 
Diante dessa multiplicação, há aqueles que estão em 
condições de dominá‑la porque sua cultura e os ins‑
trumentos que ela construiu permitem orientar‑se 
racionalmente nesse mundo prolífico, e aqueles que, 
completamente desarmados diante da profusão, fazem 
as más escolhas e são como que asfixiados ou afogados 
pela produção escrita. Em suma, eles leem aquilo que 
jamais deveriam ter lido [...] O livro de bolso deu uma 
nova forma a estas publicações, precárias, pouco cuida‑
das e pouco custosas que, desde o fim do século XVI, 
eram destinadas àqueles e àquelas que não podiam ou 
não queriam entrar nas livrarias. [...] ‘Sem qualidade’, 
estas obras eram condenadas ao desdém dos letrados 
e ao desaparecimento. [...] Aqueles que o menospreza‑
vam ou temiam expressavam nostalgia por uma forma 
nobre de livro e receavam a perda do controle sobre a 
cultura escrita.” (CHARTIER, p.110). 
É palpável o sentimento de ambiguidade que novos 
suportes, gêneros e modos de ler promoveram ao longo 
da história. Desde a Grécia Antiga surgem resistências 
NOVOS TEMPOS DA LEITURA E DA ESCRITA FERNANDO MORAES FONSECA JR
PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA FTD EDUCAÇÃO WWW.FTD.COM.BR 2
de todo tipo, como narrou Platão, em Fédon, a despeito 
da opinião de Sócrates, o eminente defensor da tradição 
oral que se opunha à escrita por acreditar que ela enfra‑
quecia o pensamento e comprometia o desenvolvimen‑
to do conhecimento verdadeiro. A ampliação do acesso 
ao livro por meio da introdução de novas tecnologias, 
assim como o surgimento de gêneros discursivos tidos 
como “sem qualidade”, e, especialmente, a dissemina‑
ção da escrita e da leitura a novas esferas de circulação 
geraram apreensões e incertezas no passado do mesmo 
modo como neste momento, em que subsiste um sen‑
timento de profunda ambiguidade com as novas formas 
de leitura impulsionadas pelo mundo digital.
A leitura e a escrita baseadas em um alfabeto consti‑
tuem um assombro da inventividade humana que con‑
seguiu reduzir tudo o que se pode pensar e falar a siste‑
mas com algumas poucas dezenas de símbolos. “Desde 
os primeiros artistas que desenharam em Lascaux1 as 
cabeças muito realistas de um touro até os escribas do 
Sinai, que reduziram esta cabeça a uns poucos traços, 
enfim, até os escrivães fenícios e gregos que extraíram 
dali a forma da letra A, a escrita evoluiu em direção a um 
jogo de caracteres simplificados, suscetíveis de serem 
imediatamente reconhecidos pelos neurônios especia‑
lizados do córtex occipitotemporal ventral esquerdo2. 
[...] Com o alfabeto, a escrita, enfim, se democratizou. 
Não era mais necessário investir anos de aprendizagem 
para pertencer à casta invejada dos escribas. Qualquer 
pessoa motivada poderia aprender a ler e a escrever a 
vintena de caracteres do alfabeto.” (DEHAENE, p.210). 
O alfabeto mais antigo talvez tenha sido aquele 
criado há cerca de 5.500 anos pelos sumérios na Meso‑
potâmia, onde hoje encontra‑se o Iraque. Desde então 
escrevemos em pedra, barro, madeira, pano, couro, pa‑
piro, pergaminho e diversos outros suportes até chegar‑
mos ao papel e recentemente às telas. Inicialmente de 
uso restrito para anotações sobre inventários de bens, 
impostos e escrituras sagradas, seguiu‑se uma dissemi‑
nação planetária, e hoje, a despeito das dificuldades de 
erradicarmos o analfabetismo, chegamos a 84,1% da 
população mundial maior de 15 anos sabendo ler e es‑
crever, segundo dados divulgados pela Unesco em seu 
UIS FACT SHEET – Adult And Youth Literacy de setem‑
bro 2013. Talvez ainda não seja possível comemorar, 
mas sem dúvida é um feito memorável, um dos mais 
consistentes projetos da humanidade.
Ao propagar o uso de símbolos na comunicação, a lei‑
tura e a escrita deram um passo além no desenvolvimen‑
to das linguagens naturais e, independente do suporte 
utilizado, constituem uma tecnologia fundamental para 
o desenvolvimento humano, pois modelam importantes 
funções cerebrais, como o próprio pensamento superior. 
Popper afirmava que, “se um homem lê um livro, a coisa 
decisiva não é que ele o influencia nas suas opiniões e 
fornece‑lhe informações. São todos epifenômenos irre‑
levantes. O que interessa é tão‑somente a mudança em 
sua estrutura cerebral que afeta a sua disposição para 
agir”. (POPPER, p.104). No exato momento em que você 
lê a palavra cachorro, uma série de correntes elétricas 
percorreu os neurônios em seu cérebro, desencadeando 
uma química complexa que resulta em imagens, sons e 
sensações. É espantoso reconhecer o que podem causar 
simples borrões de tinta – com padrões socialmente 
negociados – em um suporte adequado. 
Pesquisadores da linguagem como Vygotsky e Eche‑
verría há muito nos ajudaram a entender a profundida‑
de desse fenômeno na constituição humana. Segundo 
Echeverría, para quem a racionalidade humana é decor‑
rência do fato de que “somos seres linguísticos vivendo 
em um mundo linguístico” (ECHEVERRÍA, p.54), a cria‑
ção do alfabeto acarretou a “transformação de nossas 
categorias mentais, na maneira como o ser humano 
pensa sobre ele mesmo e sobre o mundo”. (ECHEVER‑
RÍA, p.20). Vygotsky (1989) descreveu a linguagem 
como um sistema simbólico que medeia as relações de 
cada um de nós com o que conhecemos, o que significa 
1 Complexo de cavernas no sul da França em cujas paredes foram encontradas pinturas rupestres representando especialmente 
animais, produzidas entre 15 mil e 17 mil anos atrás.
2 Área cerebral localizada na parte anterior esquerda da cabeça, principal responsável pelo processo da leitura.
No exato momento em que 
você lê a palavra cachorro, 
uma série de correntes elétricas 
percorreu os neurônios em seu 
cérebro, desencadeando uma 
química complexa que resulta 
em imagens, sons e sensações.
NOVOS TEMPOS DA LEITURA E DA ESCRITA FERNANDO MORAES FONSECA JR
PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA FTD EDUCAÇÃO WWW.FTD.COM.BR 3
que é por meio da linguagem que apreendemos o mun‑
do que nos cerca e desenvolvemos formas deexprimir 
nossas ideias e sentimentos. A linguagem e o conheci‑
mento têm uma relação de mútua dependência: quanto 
mais complexo um, mais complexo precisa ser o outro. 
Desenvolvemos nossas linguagens para poder conceber 
o que antes não seríamos capazes, e, ao mesmo tempo, 
quanto mais conhecemos, mais nossas linguagens se 
sofisticam. A linguagem é uma tecnologia intelectual 
que nos permite pensar e comunicar melhor. O domí‑
nio de uma linguagem constitui um complexo exercício 
de hipóteses sobre sua estrutura e funcionamento, o 
que induz formas analíticas de pensar e de solucionar 
problemas. 
Estudos recentes das neurociências vêm demons‑
trando como esses fenômenos se desenvolvem no 
nível cerebral. O avanço dos exames de imagem, como 
a ressonância magnética, e o desenvolvimento de no‑
vas técnicas de investigação, como a implantação de 
eletrodos, têm permitido observar o cérebro em fun‑
cionamento enquanto se lê ou escreve. Foi a partir das 
pesquisas de Steve Peterson e seus colegas, em 2008, 
que pudemos desenhar um mapa das atividades ce‑
rebrais envolvidas na leitura. Após uma triagem inicial 
da imagem realizada nas regiões occipitais primárias, 
“a região occipitotemporal esquerda, que se ativa no 
curso da leitura, reúne informações visuais e nos per‑
mite reconhecer as palavras ao aparecerem na retina” 
(DEHAENE, p.103) em cerca de 180 milissegundos, o 
que ocorre independentemente da língua e do alfabeto 
usados, quer leia‑se de cima para baixo, como no japo‑
nês, da esquerda para a direita, como no português, ou 
da direita para a esquerda, como no árabe. Mas essas 
não são as únicas áreas do cérebro envolvidas na leitura. 
Observa‑se que os estímulos elétricos se espalham por 
diversas regiões da massa encefálica. Essas pesquisas 
revelam que a leitura e a escrita ampliaram o que nossa 
espécie pode conhecer não apenas por tornar acessíveis 
e manejáveis as informações sobre os conhecimentos 
acumulados, mas, sobretudo, por modelar nosso cére‑
bro para que seja capaz de um processamento comple‑
xo e sofisticado. 
Sabemos, hoje, que a leitura e a escrita acionam 
áreas e processos fisiológicos cerebrais que uma vez 
desenvolvidos nos tornam aptos a realizar muito mais 
que ler e escrever. Nicholas Carr (2011), entre outros 
pensadores, defende a ideia de que toda tecnologia 
tem uma ética. O desenvolvimento e a aplicação de 
uma tecnologia na vida dos indivíduos e sociedades 
apresentam efeitos práticos que podem ser percebidos 
de imediato, no entanto, somente no transcorrer das 
gerações se revelam os efeitos mais importantes, que 
resultam na transformação de nossa visão de mundo. 
Essa é a ética da tecnologia, seu potencial em mudar 
nossa cosmovisão, o modo como compreendemos o 
nosso lugar. Assim como ocorreu com o fogo, a roda, o 
relógio, o calendário, a luneta, o microscópio, a carto‑
grafia e tantas outras tecnologias, a escrita e a leitura 
mudaram nossa forma de pensar e nossa visão de mun‑
do, e seria inconcebível viver sem elas, ao menos não 
neste mundo que construímos. 
Parece consenso que a história da leitura e da escrita 
pode ser dividida em antes e depois da invenção de Gu‑
tenberg, que viabilizou a impressão rápida e em grandes 
volumes de um mesmo original, impulsionando a disse‑
minação da leitura em uma escala sem precedentes. “A 
composição e a impressão da Bíblia de Gutenberg con‑
sumiram mais de dois anos. Mas enquanto um escriba 
teria levado três anos para produzir uma única cópia, 
Gutenberg fez 180 (150 em papel e 30 em velino, o 
que teria exigido 5 mil peles de vitelo para a produção 
de pergaminho suficiente).” (LYONS, p. 57). A prensa 
de tipos móveis permitiu o surgimento de gerações e 
gerações de aficionados pela leitura e pelo livro, o que 
passou a ser um projeto intencionalmente perseguido 
por quase todas as sociedades em todo o mundo. 
As práticas sociais desencadeadas pela tecnologia 
do livro impresso e suas linguagens tiveram inúmeros 
desdobramentos, mas talvez o mais fantástico tenha 
Pesquisas revelam que a 
leitura e a escrita ampliaram 
o que nossa espécie pode 
conhecer não apenas por 
tornar acessíveis e manejáveis 
as informações sobre os 
conhecimentos acumulados, 
mas, sobretudo, por modelar 
nosso cérebro para que seja 
capaz de um processamento 
complexo e sofisticado. 
NOVOS TEMPOS DA LEITURA E DA ESCRITA FERNANDO MORAES FONSECA JR
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sido tornarem‑se a pedra fundamental que viabilizou 
a construção do sistema educacional que temos hoje: 
a escola como espaço público, baseada na razão, no 
sujeito (aluno e professor) e no livro. Somente o de‑
senvolvimento da impressão em larga escala a partir 
da criação da prensa de tipos móveis de Gutenberg 
no século XV tornou possível aceitar o até então inal‑
cançável desafio de uma educação que extrapolasse o 
domínio privado das famílias abastadas, ancorada nos 
preceptores, voltando‑se para a maioria da população e, 
por fim, universalizando o ensino. Foi Lutero, um monge 
agostiniano do século XV, quem mostrou o caminho 
ao implementar um plano nacional de alfabetização na 
Alemanha a partir da Bíblia, conferindo uma dimensão 
à nova tecnologia de impressão provavelmente muito 
além daquela prevista pelo próprio Gutenberg.
Leitura e escrita tradicionais 
e leitura e escrita emergentes 
A leitura de textos impressos tem longa tradição e 
marca nossa cultura de um modo profundo. A sociedade 
letrada, filha da escola com o livro, criou o iluminismo, 
a revolução industrial, a revolução burguesa, a revolução 
tecnológica e tantos outros avanços que delinearam 
nossa sociedade, e não há dúvida de que essa trajetória 
representou um salto sem precedentes na construção 
do projeto humanista de um mundo melhor, ainda que 
haja tanto a melhorar. O livro impresso teve um papel 
essencial nesse percurso, como raras outras tecnologias 
tiveram a oportunidade de ter, contribuindo de modo 
decisivo para a explosão da produção e da disseminação 
do conhecimento vivenciadas nos últimos quase trezen‑
tos anos. Foi com o livro em papel que se libertou, mais 
de cinco mil anos depois, todo o potencial transforma‑
dor dessa fabulosa criação que foi o alfabeto. 
Nem sempre foi assim, mas, hoje, encontramos mui‑
tos propósitos para a leitura: ler para saber o que se 
passa, para tornar familiar o que antes era desconheci‑
do, ler como quem busca um sentimento perdido, para 
encontrar e pelo encontro, ler para aplacar a dor, para 
rir, para distrair e passar o tempo, para se envolver com 
novos mundos e fantasias, para conhecer novas formas 
de vidas, ou “ler” como os bebês, apenas para se co‑
municar e trocar afetos com sua mãe... Ler pelo prazer 
da experiência estética, ética, intelectual, espiritual. A 
essas e outras motivações para ler correspondem múl‑
tiplas formas de leitura: ler em sobrevoo, ligeiro, desli‑
zando nas ideias ou ler como quem mergulha nas águas 
densas de um oceano profundo, buscando o máximo da 
narrativa, sem perder o fôlego, ler indo e voltando, titu‑
beante, ler em devaneio, fruindo imagens que surgem 
sem cessar, ler sem ler ou mesmo ler e reler como se 
aquilo nunca houvesse lido. O leitor concentrado que 
se funde à narrativa vê sumir de suas mãos as páginas 
do livro, a poltrona onde se senta e tudo o mais a sua 
volta para cair em uma solidão amiga repleta de cone‑
xões, descobertas e de emoções, no aconchego de seu 
mundo intrapsíquico, em uma experiência visceral. Mas 
ler também é compartilhar com aquele que escreveu 
um conjunto de códigos e referências que adquirem 
significados específicos do contexto da prática social 
que o configurou, e por isso mesmo é também uma 
experiência interpsíquica. A leitura acende, graveto a 
graveto, a fogueira montada pelo escritor. 
Por suas inúmeras motivações e modos, a leitura de 
textos é um fenômeno complexo, vinculadoa múlti‑
plas práticas sociais, em contextos amplamente varia‑
dos. Todo esse repertório foi construído essencialmente 
nas interações humanas em sociedade e com o im‑
presso, ainda que a leitura de textos em outros meios 
exista desde os primórdios da humanidade. Mas foi por 
meio do papel impresso que a leitura se disseminou e 
permitiu que cada vez mais pessoas tivessem acesso 
simultâneo a um mesmo texto e a muitos textos, num 
contínuo processo de aprimoramento da leitura e tam‑
bém da escrita. A leitura no papel impresso tem a sua 
própria sensorialidade: o toque, o cheiro, a mobilização 
de certas capacidades do aparato sensório‑motor e do 
aparato cognitivo, a cadência e o ritmo da leitura. O 
cérebro é mobilizado de um modo característico. Há, 
ainda, uma temporalidade específica desse contexto, 
em geral com a interposição de longos intervalos entre 
a produção do texto e a fruição da leitura, o que acaba 
definindo sua articulação com determinadas práticas 
sociais e inviabilizando outras.
Por suas inúmeras motivações e 
modos, a leitura de textos é um 
fenômeno complexo, vinculado 
a múltiplas práticas sociais, 
em contextos amplamente 
variados. 
NOVOS TEMPOS DA LEITURA E DA ESCRITA FERNANDO MORAES FONSECA JR
PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA FTD EDUCAÇÃO WWW.FTD.COM.BR 5
Desde a chegada do cinema mudo no apagar 
das luzes do século XIX, pouco a pouco passamos a 
ler em um novo suporte: as telas. A partir dos anos 
1960, as telas se disseminaram por toda parte, na 
forma de aparelhos de televisão, outdoors luminosos, 
quadros de avisos, painéis nos automóveis, conso‑
les de games, celulares e tantos outros formatos dia 
a dia mais diversificados, cada qual vinculado a um 
novo ou renovado contexto de leitura e a uma nova 
ou renovada prática social. Ler, pouco a pouco, foi se 
tornando um hábito além do impresso e da poltrona. 
Com a propagação dos computadores domésticos nos 
anos 1990 e dos e‑readers, tablets e smartphones no 
final da década passada, as telas passaram a ser uma 
alternativa real para leituras anteriormente restritas 
ao papel. Primeiro porque a microeletrônica barateou 
o acesso às telas, como previu a Lei de Moore em 
1965, dobrando a capacidade dos chips a cada dezoito 
meses pelo mesmo custo, oferecendo telas cada vez 
com mais resolução e conforto para os olhos e por isso 
mesmo incorporadas a inúmeros dispositivos; segundo 
porque diversos gêneros discursivos antes restritos 
ao papel passaram a circular também em telas, como 
mensagens pessoais, memorandos e documentos de 
trabalho, notícias e tantos outros; depois porque surgi‑
ram novas linguagens híbridas, baseadas em hiperlinks 
e multimídia, o que trouxe inusitadas possibilidades 
comunicativas, e, por fim, mas não menos importante, 
porque uma nova geração cresceu familiarizada com 
esse suporte, incorporando novos gestos e modelos 
mentais perante a leitura e a escrita, e, o mais impor‑
tante, criando e recriando práticas sociais em torno 
dos novos e renovados gêneros. 
Considerando a abrangência e a intensidade desse 
fenômeno, é evidente que novas relações com a leitura 
e a produção de textos têm surgido desde que pas‑
samos a conviver mais amiúde com o digital. Se o 
repertório de leitura e escrita se desenvolveu e con‑
solidou por séculos no suporte impresso, agora esse 
repertório se renova com o apoio dos meios digitais, 
ampliando ainda mais a importância do desenvolvi‑
mento das habilidades conexas para que se evitem no‑
vas formas de iletrismo. Impresso e digital compõem 
diferentes ambientes de leitura e de produção de 
textos, cada qual com características específicas, indu‑
zindo determinados comportamentos, propósitos de 
leitura, formas de ler e práticas sociais. Para Chartier, 
“[...] a relação da leitura com o texto depende, é cla‑
ro, do texto lido, mas depende também do leitor, de 
suas competências e práticas, e da forma na qual ele 
encontra o texto lido ou ouvido. Existe aí uma trilo‑
gia absolutamente indissociável se nos interessamos 
pelo processo de produção do sentido. O texto implica 
significações que cada leitor constrói a partir de seus 
próprios códigos de leitura, quando ele recebe ou se 
apropria desse texto de forma determinada”. (CHAR‑
TIER, p. 152). O ambiente de leitura é um componente 
essencial na experiência do leitor. Cada aspecto do 
ambiente configura e induz uma forma de experiência, 
e o suporte utilizado é, certamente, um dos elementos 
determinantes, como descrito por Bakhtin (1997) em 
seus estudos. A comunicação instantânea praticada 
em aplicativos como o WhatsApp, por exemplo, só se 
sustenta plenamente na iminência da simultaneidade 
entre emissão e recepção da mensagem, e só se viabi‑
liza sob o suporte tecnológico específico. 
Se no papel o texto é inerte, nos meios digitais pode 
mudar, mover, piscar, desaparecer, alterar o tamanho, a 
cor, pode vir acompanhado de uma profusão de ima‑
gens, sons, assim como vínculos, links e mesmo com‑
portamentos. O ambiente de leitura constituído pelos 
novos suportes digitais e suas linguagens promovem 
a sobreposição sucessiva dos planos de leitura como 
janelas e abas, tornando a experiência menos linear, 
mais multimodal quanto às linguagens e polinuclear 
quanto aos interesses e motivações. Já não lemos 
apenas grandes massas de textos, mas, com muito 
mais frequência, imagens, animações, vídeos, áudios, 
infográficos, entre outras formas. Também é raro nos 
restringirmos a apenas um único foco; mais comum 
Ler, pouco a pouco, foi se 
tornando um hábito além do 
impresso e da poltrona. Com a 
propagação dos computadores 
domésticos nos anos 1990 
e dos e‑readers, tablets e 
smartphones no final da década 
passada, as telas passaram a 
ser uma alternativa real para 
leituras anteriormente restritas 
ao papel. 
NOVOS TEMPOS DA LEITURA E DA ESCRITA FERNANDO MORAES FONSECA JR
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é a leitura a partir de um campo de interesse que se 
sustenta em uma rede de conexões, aproveitando a 
usabilidade do meio digital, mais confortável para uma 
leitura menos linear ancorada na facilidade dos links 
imediatos.
Diferentemente dos meios anteriores, como o 
papel, os dispositivos digitais são ativos e mantêm 
atividades paralelas enquanto o leitor lê, observando, 
registrando, armazenando, gerando big data, realizando 
data mining, analytics, computando e cruzando dados 
em algoritmos intrincados que classificam e coligam 
ações, identificam padrões e pouco a pouco aprendem 
a antecipar desejos e necessidades para conectar inte‑
resses ao contexto da leitura ou a contextos conexos, 
propondo conteúdos e caminhos de exploração. Por 
isso, esses dispositivos oferecem, avisam e perguntam 
sobrepondo diálogos, e, se o leitor desejar ou se deixar 
levar, controlam sua agenda, a disponibilidade de um 
amigo para conversar, uma mensagem que acaba de 
chegar e, certamente, o surgimento de novas informa‑
ções de interesse. O sistema subjacente ao dispositivo 
em muitos casos se converte em um ente que participa 
das decisões antes restritas tão‑somente ao leitor. A 
leitura tende, assim, a sair da esfera estrita do diálogo 
leitor‑autor, privado, para uma esfera pública envolven‑
do o sistema e, possivelmente, uma comunidade de 
leitores que em seus caminhos de exploração compar‑
tilharão os significados sob a mediação dos sistemas. 
Se no papel a ponta dos dedos servia apenas para na‑
vegar nas páginas com o texto inerte, agora, nos meios 
digitais, poderá realizar inúmeras novas interações na 
leitura e pela leitura. Por tudo isso, a leitura nos dispo‑
sitivos digitais impulsiona uma experiência multiface‑
tada, promovendo novas habilidades leitoras e desesti‑
mulando outras. 
Como consequência, surgem também novas formas 
de escrever. Como disse Paulo Freire (1986), a leitura 
e a escrita não vivem uma sem a outra. Nessesubs‑
trato se desenvolvem linguagens, com novas formas 
de articulação, lincadas, mixadas, híbridas, rizomáticas, 
minimalistas, em contextos comunicativos que muitas 
vezes colocam quase simultaneamente a produção do 
texto e sua leitura, disseminando novas formas de inte‑
ração e, por isso mesmo, criando novas linguagens, gê‑
neros discursivos e práticas sociais. Em algumas dessas 
novas práticas sociais a leitura parece querer antecipar 
a escrita: a disponibilidade para a leitura antecede a dis‑
ponibilidade para a escrita. Esse curto lapso de tempo 
concedido à escrita afeta o texto de muitas formas: vc 
em vez de você, blz em vez de beleza, add em vez de 
adicionar, mto em vez de muito, vlw em vez de valeu :( 
em vez de estou triste, : / em vez de estou indeciso, um 
twiter em vez de uma página inteira, um microconto 
em vez de um conto. 
Tendo o (pouco) tempo como uma das chaves para 
interpretar as novas formas de produção de texto e de 
leitura, é possível compreender por que a concisão tor‑
na‑se quase uma obsessão nos meios digitais, resultan‑
do em novas estruturas do texto e formas discursivas 
e na supervalorização do signo, de modo a transmitir 
grande carga de informação com o menor esforço. A 
língua se adapta à evolução que se faz de seu uso nos 
contextos sociais que surgem e por isso é viva, como 
defendeu Baktin. O novo contexto afeta, também, 
é claro, o teor das mensagens, que podem então se 
organizar em camadas com sucessivos níveis de apro‑
fundamento e complexidade. Esse modo de escrever já 
contamina inclusive a escrita no papel: jornais e revis‑
tas, por exemplo, vêm sistematicamente diminuindo 
o número de páginas, aumentando o corpo das letras 
e estruturando o texto de modo a permitir múltiplos 
níveis de leitura – chapéu, título, olho, lead, intertítulos, 
legendas etc. 
Na escrita para o papel, a luta é garantir a leitura da 
próxima página, um marco natural do suporte que gera 
um pequeno respiro no ritmo do leitor; na escrita em 
Nesse substrato se 
desenvolvem linguagens, com 
novas formas de articulação, 
lincadas, mixadas, híbridas, 
rizomáticas, minimalistas, 
em contextos comunicativos 
que muitas vezes colocam 
quase simultaneamente a 
produção do texto e sua leitura, 
disseminando novas formas de 
interação e, por isso mesmo, 
criando novas linguagens, 
gêneros discursivos e práticas 
sociais. 
NOVOS TEMPOS DA LEITURA E DA ESCRITA FERNANDO MORAES FONSECA JR
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meio digital, há inúmeros novos marcos, como o rolar 
de tela, o avançar o texto, o link, outras janelas abertas 
em paralelo onde se desenvolvem processos que dis‑
putam a atenção de quem lê, além das intervenções 
explícitas do sistema, quer seja porque a bateria está 
acabando, quer seja porque um backup está iniciando 
ou diversas outras intercorrências. 
Por tudo isso, nos suportes digitais, o desafio é 
evitar o clique a qualquer instante, jogando a janela 
com o texto para trás, para o fim da fila, muitas ve‑
zes soterrada por uma profusão de outras janelas em 
meio a um mundo de telas. Essa luta contra o clique 
é velha conhecida pela indústria da televisão desde 
que a invenção do controle remoto “criou” o zapping: 
o clique do controle remoto e agora o clique do mouse 
colocaram nas mãos do leitor uma espécie de mesa 
de edição onde pode autorar de forma única, singular, 
os componentes e o ritmo de sua própria experiência 
de leitura. Se a luta contra o clique parece perdida, ao 
menos o texto ganhou um aliado ativo capaz de gerar 
novas trilhas narrativas que o remixam como em um 
gigantesco caleidoscópio. Depois da escrita e junto com 
a leitura emergem com mais força as funções de edição 
do leitor‑editor nos meios digitais.
A escolha do encadeamento narrativo é, agora, um 
campo de interação entre o autor‑editor e o leitor‑edi‑
tor. Em alguns casos, como em livros didáticos e livros 
de referência, por exemplo, o novo ambiente digital 
permite critérios ao mesmo tempo mais enxutos de 
edição – uma vez que é oferecida, ao leitor‑editor, a 
possibilidade de com mais facilidade reestruturar a nar‑
rativa a partir dos componentes que julgar necessário – 
e mais generosos, com larga quantidade de conteúdos 
considerados, a priori, complementares. 
A escola e o alargamento da 
leitura e da escrita
L
eitura e escrita são centrais no projeto de educa‑
ção conduzido pelas escolas, centros de formação 
profissional e universidades. Nem sempre foi as‑
sim. Tornaram‑se centrais somente com a dissemina‑
ção dos livros viabilizada pela inovação da tecnologia 
de impressão. Em pouco tempo, a leitura e a escrita tor‑
naram‑se indispensáveis para as metodologias de ensi‑
no e para a aprendizagem sistemática organizada pela 
escola. Para que se lê e escreve, o que se lê e escreve, 
como se lê e escreve e os suportes utilizados compõem 
os elementos essenciais desse aprendizado: o desenvol‑
vimento das habilidades e competências relacionadas à 
leitura e à escrita constitui a espinha dorsal do currículo 
da educação básica. Sem uma sólida formação dessas 
habilidades e competências, os alunos não irão muito 
longe em sua vida acadêmica e, na maioria das vezes, 
em suas vidas em geral. Por isso, qualquer alteração 
nesses componentes tem implicações significativas 
para a organização e execução dos programas educa‑
cionais, especialmente nesse segmento. 
Assim como ocorreu com a educação escolar entre 
os séculos XV e XVII com o advento da tecnologia da 
impressão, há grande probabilidade de que a atual orga‑
nização das escolas, bem como sua estrutura e funcio‑
namento, seja afetada pelos novos horizontes da leitura 
e da escrita que decorrem das tecnologias digitais. Não 
foi mero acaso o início de uma das etapas mais férteis 
da história humana, com avanços notáveis em todos 
os campos, ter‑se dado há séculos justamente após a 
criação de Gutenberg ter viabilizado a refundação da 
escola. Talvez tenhamos a felicidade de estar vivendo a 
aurora de um novo ciclo como aquele, ainda que a es‑
cola atual seja uma instituição muito mais sólida, com 
raízes profundas e práticas mais bem consolidadas do 
que era naquele passado. 
No âmbito mais específico da educação básica, 
o alargamento do horizonte da leitura e da escrita 
que vivemos de modo mais intenso a partir da última 
virada de milênio tem potencial para gerar transfor‑
A escola de educação básica 
já está lidando, proativamente 
ou não, com a transição de um 
ambiente social que tinha nos 
impressos sua principal fonte 
de informação para uma nova 
realidade ancorada em meios 
digitais, onde são modeladas 
e disseminadas novas formas 
de leitura e escrita, suas 
linguagens, gêneros discursivos 
e práticas sociais. 
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mações estruturais na escola, até porque esse alar‑
gamento é decorrência de mudanças mais amplas 
que instalam um novo ambiente informacional de 
escala planetária e capilaridade extrema, com acesso 
quase universal aos dispositivos e redes mundiais, 
em qualquer lugar e a qualquer hora. Esse contexto 
configura um novo substrato epistemológico sobre o 
qual a escola realiza seu trabalho, o que por certo nos 
motiva a realizar ajustes metodológicos em nossas 
abordagens. 
A escola de educação básica já está lidando, proa‑
tivamente ou não, com a transição de um ambiente 
social que tinha nos impressos sua principal fonte de 
informação para uma nova realidade ancorada em 
meios digitais, onde são modeladas e disseminadas 
novas formas de leitura e escrita, suas linguagens, gê‑
neros discursivos e práticas sociais. Um dos reflexos 
dessa transformação do substrato epistemológico é a 
translação do papel do professor, antes essencialmente 
centro de informação, agora sujeito imbuído de múlti‑
plas e mais complexasfunções.
Torna‑se indispensável realizar uma educação que 
considere as novas relações que surgem com o texto, 
seja na produção ou na fruição, seja a partir da diver‑
sificação dos meios utilizados e dos contextos sociais 
em que tais práticas adquirem sentido. O trabalho da 
escola perante a leitura e a escrita ampliadas aos novos 
meios busca evitar que se desenvolvam sujeitos que se‑
jam “asfixiados ou afogados pela profusão da escrita”, 
na expressão de Chartier (1999), tornando‑os sujeitos 
incapazes de interagir adequadamente no âmbito de 
práticas sociais essenciais para sua inserção nas múlti‑
plas esferas de circulação que potencializam seu pleno 
desenvolvimento. Não nos referimos, evidentemente, 
às habilidades de manipulação das interfaces, o que 
se desenvolve muito facilmente até mesmo por meio 
de esquemas rudimentares de aprendizagem, como a 
simples imitação, tentativa e erro, mas sim ao desen‑
volvimento e apropriação de um novo repertório de 
habilidades e competências orientadas para a leitura 
profunda e crítica do mundo, na perspectiva propos‑
ta por Freire (1986). A leitura e a escrita passam a ser 
realizadas também, e em alguns contextos prioritaria‑
mente, em suportes ativos que não apenas trazem a 
informação, mas constituem canais de comunicação e 
ainda se prestam a inúmeros outros fins. A tecnologia 
intelectual mais sofisticada que a humanidade desen‑
volveu, a leitura e a escrita, agora se associa e articula 
com os mais intelectuais de todos os dispositivos que 
já foram inventados, baseados em processamento digi‑
tal, o que abre um novo universo de possibilidades para 
a educação e, certamente, muitos desafios. 
Obstáculos à leitura e escrita em 
meios digitais na escola
Entretanto, há uma ampla gama de argumentos para 
protelar a escolarização da leitura e da escrita em meios 
digitais, a começar pelas dificuldades materiais de aces‑
so aos dispositivos digitais, complexos e caros, pela difi‑
culdade de adaptar a leitura às superfícies que emitem 
luz, passando por eventuais desequilíbrios na relação 
entre alunos e professores, diante da geralmente ale‑
gada maior facilidade dos primeiros perante os meios 
digitais, seguindo pelo questionamento da própria qua‑
lidade dos textos disponíveis nos meios digitais ou dos 
tipos de leituras que esses meios induzem, rápidas e 
superficiais. Todos esses argumentos os temos ouvido 
com frequência em diversos contextos institucionais. 
Faz jus, portanto, uma análise mais detida. 
Os entraves materiais, como a dificuldade de acesso 
aos meios digitais, os custos, a complexidade das inter‑
faces e a dificuldade de se adaptar às superfícies que 
emitem luz e podem causar desconforto ao se ler, não 
são maiores do que os históricos entraves enfrentados 
no processo de disseminação da escrita e da leitura em 
impressos, a grande maioria já superada. Pois foi assim, 
por exemplo, com a dificuldade de ler nos volumen, 
Os entraves materiais, como 
a dificuldade de acesso aos 
meios digitais, os custos, a 
complexidade das interfaces 
e a dificuldade de se adaptar 
às superfícies que emitem luz 
e podem causar desconforto 
ao se ler, não são maiores do 
que os históricos entraves 
enfrentados no processo de 
disseminação da escrita e da 
leitura em impressos, a grande 
maioria já superada. 
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como eram chamados pelos romanos os grossos rolos 
de papiro, antes da invenção do códex, que inovou ao 
costurar as páginas em uma lombada ao invés de colar 
umas nas outras para depois formar o rolo. Ou então 
a dificuldade de se costurar o papiro, que rasgava fa‑
cilmente, até que se passou a usar o pergaminho, feito 
de pele de animal e por isso mais resistente à costura. 
Ou, ainda, a dificuldade de se obter papel suficiente 
para a demanda ampliada pela prensa de Gutenberg, 
até que uma tecnologia de produção a partir da polpa 
da madeira fosse criada em 1860, ou então o gargalo 
de produção provocado pela morosa composição das li‑
nhas de texto com os tipos móveis, até que o desenvol‑
vimento do linotipo em 1884 por Ottmar Mergenthaler 
multiplicasse a velocidade por dez. 
Os entraves materiais do momento de fato dificul‑
tam as pretensões de expandir o trabalho de leitura e 
escrita em meios digitais, mas, como a história já nos 
ensinou, é preciso considerar que esses obstáculos se‑
rão e já estão sendo superados. A questão, portanto, é 
prevermos o tempo que será necessário até que haja 
solução técnica acessível e adequada em cada caso. 
O custo, por exemplo, se ainda não é confortável em 
todos os contextos, ao menos vem caindo progressi‑
vamente, como já previa a Lei de Moore: em janeiro de 
2010, o precursor dos tablets, o iPAD 1, custava U$ 499 
nos EUA; em 2015, o iPAD Mini 2 pode custar U$ 269, 
quase metade do valor em cinco anos e com diversas 
vantagens técnicas, que não é o caso descrever. Talvez 
ainda seja caro para os padrões brasileiros, mas temos 
boas perspectivas como os números mostram. Conec‑
tar um equipamento à Internet já foi um desafio para 
poucos, no entanto, hoje, até mesmo os televisores 
podem ser conectados seguindo instruções simples e 
com alguns poucos cliques. A verdade é que está cada 
vez mais fácil lidar com as interfaces, que já respondem 
até mesmo a comandos de voz, e tudo indica que se 
tornarão ainda mais amigáveis ano a ano. Em relação 
ao conforto da leitura em telas, há muito investimento 
da indústria nessa questão, e algumas tecnologias já 
em uso são realmente muito confortáveis, mesmo para 
leitores assíduos em papel e para longos períodos de 
leitura, como é o caso dos displays com tecnologias do 
tipo e‑ink. 
Especificamente em relação aos livros digitais, a 
grande maioria dos ecossistemas que articulam o 
aplicativo de leitura e o livro digital propriamente dito 
ainda causa desconforto e embaraços. As soluções dis‑
poníveis exigem certa dedicação do leitor, que, muitas 
vezes, se confunde com a operação de baixar o apli‑
cativo de leitura, acessar e utilizar os serviços de uma 
livraria ou biblioteca virtual, realizar os procedimentos 
de liberação e baixar o livro criptografado, para só 
então poder abrir e finalmente ler. No entanto, para 
aqueles que fazem uso de tais sistemas há alguns anos, 
é muito evidente que importantes melhorias têm sido 
implantadas conforme os designers de interfaces e 
engenheiros de sistemas analisam as experiências dos 
usuários. Por fim, não há quem não tenha tido dificul‑
dades com a conexão às redes, especialmente fora das 
grandes cidades. A configuração das redes locais e a 
de Wi‑Fi também precisam ser melhoradas, especial‑
mente nas escolas, que, na grande maioria dos casos, 
não têm esses dispositivos instalados ou têm soluções 
adequadas para o uso doméstico, mas não para o uso 
intensivo que uma escola é capaz de fazer. Por tudo 
isso, é preciso considerar todos esses argumentos, mas 
temos que admitir que não podemos deixar de prosse‑
guir com o projeto de incorporar as novas dimensões 
da leitura e da escrita ao núcleo do trabalho pedagó‑
gico das escolas.
No que concerne ao “desequilíbrio” na relação entre 
professores e alunos, diz‑se que “as crianças que estão 
agora no ensino fundamental são crianças que nas‑
ceram com os computadores instalados na sociedade 
[...]. São crianças que, só por esse motivo, apresentam 
uma diferença radical em relação às suas professoras 
(quase todas atacadas por esse vírus do computer illite‑
racy)”. (FERREIRO, p.42). Precisamos sopesar, antes de 
outras considerações, em que medida essa alegação 
de “desequilíbrio“ encobre a crença de que na cena 
Precisamos sopesar, antes 
de outras considerações, em 
que medida essa alegação de 
“desequilíbrio“ encobre a crença 
de que na cena pedagógica o 
professor é o protagonista e 
para ter preservadoesse papel 
deve garantir a hegemonia do 
saber e o máximo controle 
das ações 
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pedagógica o professor é o protagonista e para ter 
preservado esse papel deve garantir a hegemonia do 
saber e o máximo controle das ações (MAGALHÃES e 
COSTA, 1988; FREITAG e SANTOS, 2012). Trata‑se, sem 
dúvida, do desdobramento de uma questão de fundo, 
relacionada à matriz de pensamento hegemônica sobre 
as relações de poder no processo educativo e, em par‑
ticular, no processo educativo escolar, cuja função últi‑
ma é disciplinar os corpos para a consumação de uma 
forma de poder própria de uma “sociedade disciplinar”, 
como designou Foucault (1984). Nessa perspectiva, a 
assimetria da relação professor‑aluno constitui a ma‑
nifestação prática desse projeto de sociedade. Por isso 
mesmo, não se trata, obviamente, de valores restritos 
apenas aos educadores por profissão, mas, sobretudo, à 
sociedade em geral. Essa cosmovisão tem sido questio‑
nada e corroída desde que perspectivas emancipadoras 
de educação propuseram o protagonismo dos alunos 
como forma de desenvolver um sujeito crítico e au‑
tônomo, sobretudo pelo compromisso ético implícito 
nessa abordagem. Nesse sentido, aluno e professor 
são igualmente sujeitos de conhecimento, cada qual 
com domínios próprios, que se articulam em busca 
do desenvolvimento mútuo. Para aqueles que concor‑
dam com esta concepção, nenhum conhecimento dos 
alunos pode ser considerado a priori um entrave para 
o estabelecimento dos vínculos e articulações neces‑
sários para o bom trabalho educativo, e, assim sendo, 
tampouco pode obstruir a introdução sistemática da 
leitura e da escrita nos meios digitais se considerarmos 
tal fato importante.
Nesse sentido, mesmo reconhecendo que a maior 
parte dos alunos tem mais facilidade no entendimento 
das interfaces e manipulação dos dispositivos digitais 
do que a maior parte de seus professores, o mesmo 
não se pode afirmar quanto às habilidades leitoras e 
escritoras necessárias para o rigor do trabalho acadê‑
mico que a escola pretende que sejam desenvolvidas. 
Sabemos que as habilidades dos alunos na lida com 
o digital em geral se circunscrevem a determinadas 
práticas sociais e gêneros discursivos, como, por exem‑
plo, aqueles próprios dos jogos e da interlocução em 
redes sociais, que raramente contribuem do ponto de 
vista das necessidades leitoras e escritoras para o ple‑
no desenvolvimento acadêmico. Portanto, temos aqui 
uma excelente oportunidade de tornar as diferenças 
dos saberes de professores e alunos em uma experiên‑
cia simétrica de cooperação, trocas e aprendizagens 
mútuas, na qual cada um irá aportar habilidades e co‑
nhecimentos complementares aos do outro. Por meio 
dos conhecimentos já desenvolvidos por seus alunos, 
o professor poderá potencializar suas competências 
e habilidades nos meios digitais, assim como poderá 
contribuir para a transposição das habilidades leitoras 
e escritoras que o aluno já constituiu nos meios di‑
gitais para o aprimoramento acadêmico, ampliando e 
refinando seu repertório. 
Em relação à alegada má qualidade dos textos e da 
leitura nos meios digitais, trata‑se de argumentos que 
merecem análise cautelosa, pois colocam‑se no núcleo 
do fenômeno. Em primeiro lugar, é necessário ser mais 
preciso em relação ao significado dessas expressões. 
Vamos assumir aqui, com base no interacionismo so‑
ciodiscursivo, que um texto de má qualidade é, antes 
de mais nada, aquele cujo gênero não se coaduna com 
a prática social na qual é aplicado. É preciso, como afir‑
mou Bazerman, “[...] levar em consideração o sistema de 
atividades com o sistema de gêneros [...] focalizando no 
que as pessoas fazem e em como os textos ajudam as 
pessoas a fazê‑lo, em vez de focar nos textos como fins 
em si mesmo”. (BAZERMAN, p.34). Nessa perspectiva, 
aspectos como coesão, coerência, sentido, intertextuali‑
dade, nível de redundância ou concisão, abrangência ou, 
mesmo, compatibilidade com a norma‑padrão devem 
ser considerados no âmbito estrito do gênero determi‑
nado no e pelo seu contexto de uso. Dessa forma, a aná‑
lise dos aspectos formais do texto deve ser precedida da 
análise da adequação do gênero com a prática social. 
No entanto, raramente se verifica essa abordagem nas 
escolas. “O reconhecimento da natureza essencialmen‑
te heterogênea, variável e mutante das línguas humanas 
ainda não ganhou senso comum, e o imaginário linguís‑
tico que vigora na sociedade se estrutura em torno de 
uma noção estática de língua, sempre encarada como o 
modelo de ‘pureza’ e ‘correção’ cristalizado na obra dos 
grandes escritores e descrito‑prescrito nos compêndios 
[...] um texto de má qualidade 
é, antes de mais nada, aquele 
cujo gênero não se coaduna 
com a prática social na qual é 
aplicado. 
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gramaticais normativos. Nesse conjunto de crenças, o 
que se entende por ‘língua’ é uma entidade homogênea, 
monolítica, não só exterior ao indivíduo, mas que neces‑
sita, inclusive, de ser ‘protegida’ do ‘mau uso’ ou do ‘abu‑
so’ que esse mesmo indivíduo possa vir a ‘cometer’ con‑
tra ela. A variação, quando reconhecida, é simplesmente 
sinônimo de ‘erro’ . [...] Espera‑se, pois, uma educação 
linguística que ofereça estratégias para um tratamento 
da variação linguística [...] que evidencie o fato de que 
a língua apresenta variação em todos os seus níveis [...] 
e que a língua está em constante transformação [...] e 
que a mudança não é nem para pior nem para melhor, 
mas que é simplesmente mudança, adequação do siste‑
ma linguístico às necessidades de interação social dos 
falantes, necessidades que se modificam ao longo da 
história.” (BAGNO, 2005).
Um “blz!” no WhatsApp está adequado, mas em um 
texto jurídico pode não estar, pois, no primeiro caso, 
ao contrário do segundo, se dá em uma prática social 
que privilegia a instantaneidade e que se realiza em um 
suporte que não favorece a digitação – teclados minús‑
culos, e eventualmente em uma situação incômoda à 
escrita –, como escrever enquanto se anda, por exem‑
plo; por fim, e certamente o que sustenta a prática, nes‑
se contexto não haverá dificuldades em interpretar a 
mensagem, uma vez que todos os envolvidos esperam 
que ela se dê precisamente dessa forma. Não há, de 
acordo com essa concepção, texto que exclusivamente 
por sua forma ou conteúdo seja de boa ou má quali‑
dade, mas textos apropriados ou não para a interação 
constituída no âmbito de uma determinada atividade 
social. Desse modo, somos remetidos à necessidade de 
diferenciar textos de má qualidade de textos utilizados 
inadvertidamente em práticas sociais não apropriadas 
ao seu gênero.
De todo modo, não parece que tenhamos razões 
fundamentadas para duvidar da qualidade dos textos 
em meios digitais mais do que em outros meios. Tudo 
indica que essa percepção se deva, ao menos em parte, 
ao surgimento ainda recente de novos gêneros nesses 
meios e à transposição de gêneros já consagrados, que, 
ao se expressarem nos novos meios, acabam por ter sua 
estrutura alterada. Ocorre que a transposição do gêne‑
ro a um novo meio acaba por constituir uma espécie de 
variante do gênero de referência, uma vez que o meio 
é um dos elementos determinantes na constituição de 
qualquer gênero, quer seja pelas limitações e potencia‑
lidades que apresenta como espaço de expressão, quer 
seja pelo que representa nas práticas sociais às quais 
está associado. Ao longo do processo de constituição 
dessa variante pode haver certo estranhamento por 
se esperar que se mantenham no novo meio os mes‑
mos atributos do gênero de referência, estranhamento 
esse que também ocorre, obviamente, com os gêneros 
genuinamentenovos que emergem, em geral, circuns‑
critos a esferas de circulação restritas antes de serem 
disseminados. Como escreveu Emília Ferreiro (p.25), 
as “tecnologias [digitais] exigem capacidades mais fle‑
xíveis de uso da língua escrita que as que estávamos 
habituados a aceitar. Novos estilos de fala e de escrita 
estão sendo gerados graças a esses meios”. 
Um bom exemplo desse fenômeno de transposição 
e eventualmente de estranhamento é o que vem ocor‑
rendo com os gêneros jornalísticos, ainda não total‑
mente amadurecidos nos meios digitais. Muitas vezes 
nos deparamos com textos informativos ou opinativos 
“superficiais” na Internet, se comparados a um eventual 
padrão da mídia impressa de boa qualidade. Essa “su‑
perficialidade” poderá ser interpretada como falta de 
qualidade, quando, na verdade, uma análise mais detida 
irá revelar que, além das evidentes diferenças que ca‑
racterizam o acesso a esse meio (diferenças do acesso 
ao papel), um complexo de causas socioeconômicas 
impulsiona novas práticas sociais associadas à escrita e 
à leitura de textos jornalísticos em meio digital. 
A busca de uma nova estrutura que incorpore al‑
gumas possibilidades inauguradas pelo novo meio no 
âmbito de novas práticas sociais se ancora em múlti‑
plos aspectos, como (a) a distribuição capilarizada da 
rede de informação – qualquer pessoa pode publicar 
um fato e compor uma notícia; (b) a natureza ágil 
do meio que resulta da quase instantaneidade entre 
Um “blz!” no WhatsApp está 
adequado, mas em um texto 
jurídico pode não estar, pois, 
no primeiro caso, ao contrário 
do segundo, se dá em uma 
prática social que privilegia 
a instantaneidade e que se 
realiza em um suporte que não 
favorece a digitação
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a ocorrência dos fatos, a produção das informações 
correspondentes e a leitura – o que permite tornar a 
notícia um instrumento de mobilização social imedia‑
ta em resposta aos acontecimentos; (c) a necessidade 
de atender aos novos modelos de negócio sem destruir 
outros já estabelecidos – o que acarreta esforços para 
evitar sobreposições entre os diferentes veículos, como 
já ocorria entre jornal, rádio e TV, entre outras razões. 
Se por motivos históricos “os jornais foram particular‑
mente associados à expansão das classes comerciais 
urbanas educadas na Inglaterra e nos EUA nos sécu‑
los XVIII e XIX em conjunção com o surgimento dos 
partidos políticos” (BAZERMAN, p.116), eis que atual‑
mente as notícias (já não exatamente com as mesmas 
formas) são veiculadas na Internet e por meio dela 
vinculam‑se a novos grupos e novas práticas sociais 
em um novo tempo histórico. Este é um bom exemplo 
de como os meios, os gêneros discursivos e as práticas 
sociais se configuram mutuamente e constituem um 
todo que empresta um sentido específico ao fenôme‑
no da escrita e leitura.
As diferenças intrínsecas aos meios digitais tam‑
bém cooperam para o desenvolvimento de novas 
formas de organização dos textos. Na longa história 
de desenvolvimento da escrita, pouco alterou‑se a 
linearidade típica das narrativas orais, o que de fato 
ainda é incomum na escrita, embora seja mais comum 
a partir do surgimento do romance e posteriormente 
do cinema. A escrita e a leitura como as conhecemos 
hoje desenvolveram‑se a partir do códex que impu‑
nha a sequência de páginas, uma após a outra. Não é 
de estranhar que tenhamos demorado tanto tempo 
para desenvolver e tornar naturais instrumentos para 
a quebra da linearidade, como notas de rodapé ou no 
final dos livros, e referências externas, mas o avan‑
ço mais significativo sem dúvida ocorreu na própria 
linguagem: recursos discursivos capazes de realizar 
recortes do tipo “enquanto isso” ou “muito tempo 
antes” e de nos deslocar não só de cena, mas também 
no tempo, para a frente e para trás, mesmo que as 
páginas só nos levem pouco a pouco para a frente. 
Por outro lado, as linguagens e gêneros discursivos de‑
senvolvidos ou adaptados a partir dos meios digitais 
contam com poderosos recursos para a construção 
de narrativas com topologias variadas. O link é um 
atributo “natural” desse meio, e os sistemas de nave‑
gação e leitura facilitaram uma escrita e uma leitura 
não lineares. Por isso, muitos dos gêneros nativos ou 
adaptados às mídias digitais possuem uma estrutura 
não linear, mais fragmentada, concisa e eventualmen‑
te simplificada que aquela utilizada pela maioria dos 
textos impressos. 
Isso não significa dizer que essas novas formas me‑
nos lineares de escrever sejam sempre mais adequadas 
que as formas mais lineares, mas que os recursos para 
a escrita se ampliaram, oferecendo novas opções a 
quem escreve. Contudo, a despeito dessa característica 
intrínseca do texto nos meios digitais, é fácil constatar 
que é possível encontrar uma ampla tipologia de textos 
nesses espaços, inclusive densos textos acadêmicos, 
literários e jornalísticos, considerando‑se a tendência 
de incorporarem pouco a pouco toda a produção de 
texto já realizada, além de constituírem cada vez mais 
a primeira frente de publicação. Torna‑se inescapável 
concluir, portanto, que a concisão e a simplificação 
observadas constituem tão‑somente uma camada dos 
textos disponíveis nos suportes digitais, gêneros emer‑
gentes apropriados a determinados contextos e práticas 
sociais que privilegiam a agilidade e a instantaneidade, 
muitos dos quais circulando exclusivamente nesses 
espaços, e, nesse sentido, é preciso reconhecer que nos‑
sos alunos precisam e devem aprender a lidar com essa 
nova diversidade que caracteriza os textos no suporte 
com o qual têm mais conexão.
Em relação à leitura de má qualidade, é impor‑
tante aprofundarmos a análise, pois as consequências 
de uma eventual confirmação seriam extremamente 
impactantes para o desenvolvimento das práticas de 
ensino na escola. Para avançar, precisamos ser mais es‑
pecíficos, pois, como vimos, há muitos tipos de leitura, 
muitas formas e motivações para ler e, talvez, nem 
[...] a concisão e a simplificação 
observadas constituem 
tão‑somente uma camada dos 
textos disponíveis nos suportes 
digitais, gêneros emergentes 
apropriados a determinados 
contextos e práticas sociais 
que privilegiam a agilidade e a 
instantaneidade [...]
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todas elas sejam igualmente impactadas nos novos 
meios. É claro que qualquer leitura pode ser realizada 
com graus variados de qualidade, que, em um nível 
mais elementar, seria a mera interpretação correta do 
sentido do texto. Ler sem “pular” palavras ou distor‑
cê‑las e compreendendo‑as, ler e assimilar os tempos 
verbais, identificar a estrutura do texto, sua introdução, 
desenvolvimento e fechamento, ler e entender as iro‑
nias, as analogias, as figuras de linguagem, identificar 
as intenções do autor, enfim, há muito o que aprender 
na leitura de todo e qualquer texto de todo e qualquer 
gênero discursivo. Mas vamos assumir aqui a hipótese 
de que a leitura de má qualidade eventualmente pro‑
movida pelos meios digitais refere‑se a alguns tipos de 
leitura mais do que a outros. 
Parece razoável supor que seriam potencialmente 
impactadas as leituras que exigem uma experiência 
concentrada, profunda e radical na interpretação de 
textos densos, nos quais cada frase e por vezes cada 
palavra precisam ser sopesadas em relação às demais, 
textos em que seja indispensável identificar claramen‑
te as premissas e axiomas, enumerar os argumentos, 
perceber as generalizações para deduzir as particulari‑
dades ou vice‑versa, induzir generalizações a partir da 
constatação de particularidades, reconstituir de um 
modo autônomo as conclusões, perfazendo o caminho 
lógico que as sustenta. Como em tais leiturasrara‑
mente a compreensão é imediata, é necessário ainda 
um esforço cognitivo extra, na verdade metacognitivo, 
avaliando a cada momento se o que está sendo delimi‑
tado pela leitura está razoavelmente claro ou se merece 
mais atenção. Por isso, textos que definem conceitos, 
princípios ou teses são mais exigentes do que textos 
jornalísticos ou mensagens de e‑mail, por exemplo. Em 
síntese, vamos considerar que a má qualidade da leitu‑
ra em um nível mais elementar pode tornar o sujeito 
disfuncional, e que em um nível mais sofisticado pode 
dificultar consideravelmente seu avanço acadêmico. 
Pelo exposto, creio que estamos de acordo que o tema 
da qualidade das leituras é altamente relevante para o 
projeto de desenvolvimento das habilidades e compe‑
tências leitoras na escola. 
Antes de avançar para a questão específica, convém 
ainda salientar que a dificuldade de desenvolver leitu‑
ras de boa qualidade não é um problema inaugurado 
com as telas e meios digitais, mas uma fratura exposta 
em nosso sistema educacional, como há muito de‑
monstram inúmeros estudos. Para nos atermos apenas 
a alguns dos mais aceitos indicadores fornecidos pelos 
testes padronizados SAEB e PISA, há tempo estão diag‑
nosticados imensos déficits na qualidade da leitura em 
todas as etapas de escolarização. No SAEB, que abran‑
ge toda a educação básica, o desempenho em 2013 
em Língua Portuguesa no último ano do primeiro ciclo 
é de apenas 41,5%, muito abaixo do que seria desejá‑
vel, quadro esse agravado nos anos finais do segundo 
ciclo com 28,7% e ainda pior nos anos finais do ensino 
médio com 27,2%. Ou seja, segundo os dados cole‑
tados pelo SAEB, a qualidade da leitura piora com o 
passar da escolarização se considerarmos os sucessivos 
níveis de desempenho esperados. O PISA de 2012 de‑
monstra, com outra metodologia e em outro contexto, 
resultados equivalentes aos do teste nacional: a nota 
geral dos alunos brasileiros na avaliação de leitura foi 
de 410 pontos, menos do que os 412 do exame an‑
terior, o que nos colocou na 45ª posição no ranking 
de 65 países participantes. Como sabemos, resultados 
ruins nas competências e habilidades leitoras têm gra‑
ves repercussões no desempenho dos estudantes em 
todos os demais componentes curriculares, limitando 
seriamente a evolução positiva do desenvolvimento 
acadêmico escolar.
Parece, portanto, que a crítica à má qualidade da 
leitura precisa ser tratada como um fenômeno amplo 
e que afeta não apenas os textos nos meios digitais, 
mas, antes, no próprio papel, o suporte no qual esse 
resultado foi construído. É pouco razoável supor que a 
leitura em meio digital contribua para a má formação 
dos leitores, já que, em primeiro lugar, ela é pratica‑
mente inexistente na prática pedagógica, e, depois, 
pelo pífio desempenho verificado, não há dúvida de 
que essas dificuldades de leitura estão sendo produzi‑
das por um fenômeno de ampla dimensão histórica e 
[...] a dificuldade de desenvolver 
leituras de boa qualidade não 
é um problema inaugurado com 
as telas e meios digitais, mas 
uma fratura exposta em nosso 
sistema educacional, como há 
muito demonstram inúmeros 
estudos.
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social que se constrói além da escola: antes de tudo, 
o que faz o bom leitor é o contexto no qual ele se 
desenvolve, não os suportes que utiliza. “Todas as pes‑
quisas coincidem num fato muito simples: a criança 
que esteve em contato com leitores antes de entrar 
na escola aprenderá mais facilmente a escrever e ler 
do que aquelas crianças que não tiveram contato com 
leitores.” (FERREIRO, p.25). Esta é a questão: a imensa 
herança educacional e cultural negativa que caracteri‑
za a formação do povo brasileiro, historicamente sub‑
metido a políticas educacionais de má qualidade ou 
sem continuidade. O esforço da escola tem sido capaz 
de superar essas dificuldades, mas em um ritmo e em 
uma escala de tempo incompatíveis com a urgência 
do resgate necessário. Sem mudanças de paradigmas 
nas estratégias de superação, muitas gerações ainda 
serão sacrificadas. 
No entanto, a despeito de que os fundamentos 
desse problema não tenham qualquer relação com a 
leitura em meios digitais, vamos analisar a seguir al‑
guns aspectos relacionados especificamente à leitura 
nos meios digitais e seus possíveis desdobramentos 
sobre a qualidade da leitura. Em nossa avaliação, al‑
gumas características podem representar obstáculos 
à boa leitura em meio digital: (1) o desenvolvimento 
de habilidades e competências específicas na manipu‑
lação de textos nas interfaces digitais; (2) o surgimen‑
to – ou reconfiguração – de gêneros discursivos com 
uma constituição mais pictográfica e multimídia; e (3) 
a fragmentação da leitura. Tais aspectos estão profun‑
damente relacionados, o que nos conduz a uma abor‑
dagem que os articule.
Sabemos que o meio é um importante componente 
do gênero e da prática social nos quais é aplicado, e 
não devemos desprezar as dificuldades que impõe até 
que esteja assimilado. A leitura se modifica com o tem‑
po, quer seja pela evolução dos textos, quer seja pela 
evolução dos meios e das práticas sociais nas quais a 
leitura se dá. Até meados da Idade Média, por exemplo, 
a leitura era um exercício público, realizada em voz alta. 
Pouco a pouco, tornou‑se uma atividade privada, em‑
preendida em voz baixa. “Em uma famosa passagem de 
suas Confissões, Santo Agostinho descreve sua surpresa 
quando, por volta do ano 380, viu a São Ambrósio, o 
bispo de Milão, ler em silêncio para si mesmo. ‘Sua vista 
percorria a página, seu coração explorava o significado, 
mas sua voz guardava silêncio e não movia sua língua.’” 
(CARR, 2011). Fomos ensinados a usar o livro, a ler de 
diferentes modos, a fazer marcações na leitura, a en‑
cadeá‑las de modo a atingir determinado objetivo, a 
discernir os diferentes formatos de impresso e a asso‑
ciá‑los com diferentes gêneros discursivos e contextos 
de uso. Aprender a ler é um longo processo que se inicia 
muito antes da alfabetização, com a paulatina expo‑
sição da criança aos livros e outras formas impressas 
nos mais variados contextos sociais. Há mesmo algu‑
mas formas de livro desenvolvidas especialmente para 
crianças ainda não alfabetizadas. A criança manipula re‑
vistas, livros em pano, plástico, papel. Em alguns casos, 
esse processo começa na família e depois é assumido 
pela escola em um trabalho mais sistematizado. Há um 
gigantesco esforço social para a construção de determi‑
nados valores e significados em torno do livro, de ou‑
tros impressos e da leitura, e a criança invariavelmente 
assimila esses valores e significados. 
Contudo, o mesmo não ocorre com os meios digi‑
tais. Em geral, nossa mediação é apenas no sentido de 
restringir o uso ou controlá‑lo de algum modo, pois, 
ao que parece, consideramos que os conhecimentos 
necessários à sua plena utilização estão naturalizados 
nas novas gerações, o que, aliás, é muito reforçado 
pela especial disposição que têm em nos demonstrar 
suas preferências. Os valores e significados socialmen‑
te associados aos meios digitais para as crianças são 
geralmente ambíguos, quando não claramente negati‑
vos. Encontramos, inclusive, determinadas concepções 
educacionais que tentam impedir ou retardar o contato 
das crianças com tais meios, ora buscando argumentos 
na psicologia, ora na medicina, e por vezes na filosofia. 
Os valores e significados 
socialmente associados aos 
meios digitais para as crianças 
são geralmente ambíguos, 
quando não claramente 
negativos. Encontramos, 
inclusive, determinadas 
concepções educacionais que 
tentam impedir ou retardar 
o contato das crianças com 
tais meios [...]
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Não estranha que as leituras em meios digitais ocorram 
na idade escolar como leituras marginais. 
No entanto, a presunção quase sempre verdadeira 
de que as crianças e jovens têm grande desenvoltura 
com os meios digitais pode fazer supor que não seja 
necessário um trabalho escolar visando à consolidação, 
à ampliação e ao refinamento do repertório existente. 
Precisamos reconsiderar o papel da família e da escola 
na aprendizagem dos meios digitais. O fato de mani‑
pularem com destreza os dispositivos deve ser tomado 
com reservas se o que procuramos é o máximo desem‑
penho das competências e habilidades leitoras em um 
nível que exceda o da comunicação ordinária e alcance 
patamares apropriados para o desenvolvimento acadê‑
mico no âmbito escolar. A palavra destreza designa pre‑
cisamente a relação das crianças com os dispositivos 
digitais: agilidade de movimentos exploratórios e inter‑
pretação dos resultados para o ajuste dos movimentos 
e expectativas. Tentativa, erro e acerto pouco a pouco 
vão ajustando o comportamento e resultam no desen‑
volvimento de habilidades e competências, como, por 
exemplo, o discernimento de formas e movimentos, a 
percepção espacial e mesmo os processos de tomada 
de decisão. 
Essas habilidades e competências, contudo, não são 
suficientes para o máximo desenvolvimento do pen‑
samento estruturado, abstrato e rigoroso, para o que a 
leitura e a escrita são decisivas. A ausência de trabalhos 
pedagógicos sistemáticos envolvendo o uso mediado de 
textos em meios digitais anda na contramão da neces‑
sidade de habilitar o aluno para o pleno aproveitamento 
da leitura em meios digitais, que certamente será o su‑
porte que mais utilizará ao longo de sua vida. Sem essa 
mediação, a experiência nos meios digitais tenderá a fi‑
car restrita a um número limitado de gêneros e práticas 
sociais, muito aquém do potencial efetivo desses meios.
Neste ponto é preciso fazer uma importante distin‑
ção entre os diferentes meios digitais. Um programa 
de TV traz oportunidades de leitura que são diferentes 
daquelas verificadas em um e‑reader ou em um com‑
putador, smartphone ou tablet conectado à Internet, 
por exemplo. No primeiro caso há apenas o consumo 
de informações enviadas a todos os leitores em uma 
mesma ordem e ritmo. Ao leitor cabe fruir a leitura ou 
trocar de canal. No e‑reader, a leitura predominante 
de ebooks será mais caracterizada pela simulação do 
contorno “físico” semelhante ao livro impresso, com as 
capas delimitando um conteúdo (a despeito de que nos 
e‑readers em geral há conexões com outros conteúdos, 
como dicionários externos, por exemplo). Já no caso de 
computadores, smartphones e tablets, não só teremos 
uma variedade maior de formatos para leitura além de 
ebooks como, em muitos casos, a ordem e o ritmo da 
leitura podem ser muito alterados por processos advin‑
dos das interações com a interface, e mesmo resultar 
de interações, simultâneas ou não, com outros leitores 
em outros dispositivos. Ler em um ambiente como esse 
pode ser uma atividade bem mais complexa do que ler 
um impresso. 
A leitura conectada ou com conexão potencial pode 
se assemelhar a um folhear de “infinitas” páginas, vincu‑
lando uma quantidade “ilimitada” de conteúdos, muito 
distinta da leitura de um volume único, por exemplo. 
Nessas condições, ganha renovada importância a ca‑
pacidade de buscar, identificar e selecionar as leituras 
adequadas a um determinado propósito, distinguindo 
se contêm afirmações verdadeiras ou falsas e, como 
proposto por Echeverría (p.88), se contêm afirmações 
relevantes ou irrelevantes em relação às nossas inquie‑
tações. A falta do desenvolvimento dessas habilidades e 
competências é um antigo problema educacional agora 
potencializado com o acesso ao Google. “Para fazer seu 
dever, os alunos vão pescar na Internet as informações 
de que necessitam sem saber se essas informações são 
exatas.” (ECO, p.62). 
Se antes nossos alunos em geral trabalhavam com 
textos pré‑selecionados por editores e professores, 
agora trabalham com textos pré‑selecionados pelo 
Google ou outros engines de busca. A pré‑seleção de 
textos é importante por uma série de razões, mas, por 
outro lado, retarda o desenvolvimento de habilidades e 
competências essenciais, e por isso precisa ser mitigada 
com outras estratégias. Se antes o problema maior era 
identificar, localizar e acessar as informações necessá‑
Se antes nossos alunos em 
geral trabalhavam com textos 
pré‑selecionados por editores 
e professores, agora trabalham 
com textos pré‑selecionados 
pelo Google ou outros engines 
de busca. 
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rias, agora é lidar com a quantidade astronômica de 
informações disponíveis e com sua extrema variação 
de qualidade e profundidade em um meio no qual a 
publicação tornou‑se menos mediada por especialistas. 
Ainda mais complexo é aprender a lidar com a indis‑
pensável interação com os algoritmos, que cada dia 
mais medeiam nossa relação com as informações. Se 
um algoritmo coloca no topo de uma lista de busca as 
entradas mais clicadas, isso terá um efeito brutal sobre 
o resultado de cada busca. Se um engine localiza com 
mais facilidade informações classificadas com determi‑
nados tags, isso também terá um efeito brutal sobre o 
resultado de cada busca. Tudo isso nos obriga a repen‑
sar nossas estratégias de ensino. 
Parece igualmente importante aceitar que o meio 
digital oferece novas possibilidades para a organização 
de processos de comunicação associados a determina‑
das práticas sociais, com estruturas narrativas especí‑
ficas e sentidos próprios. Decorre dessas possibilidades 
o surgimento de gêneros discursivos nativos do meio 
digital, caracterizados pela existência de forte inter‑
textualidade – estruturalmente inserida nos textos por 
meio de links, com a predominância do uso de ima‑
gens, de recursos multimídia e, em muitos casos, de 
comportamentos definidos por códigos de programa‑
ção e persistência de dados. “É possível que estejamos 
assistindo a uma nova estética textual, uma espécie 
de ‘estética da fragmentação’ [...]. Se aceitarmos que 
estamos num momento de transição, os critérios de 
‘texto bem‑construído’ devem necessariamente mu‑
dar.” (FERREIRO, p.57). 
Na Internet, a facilidade de navegação por meio 
dos links inseridos no próprio texto (o que favorece 
a proposição da intertextualidade como parte in‑
trínseca da narrativa) ou outras portas de conexão 
(e eventualmente de saída) oferecidas pelas interfaces 
dos sistemas (como a seta de voltar do navegador), 
em muitos casos resulta na ampliação ou alteração do 
escopo de leitura, além de induzir sua fragmentação, 
o que poderia tornar a experiência menos adequada 
ao desenvolvimento de um entendimento profundo 
dos temas. “[...] Tão logo injetamos em um livro links 
e o conectamos à web – tão logo o ‘estendemos’ e o 
‘intensificamos’ e o tornamos mais ‘dinâmico’ – muda‑
mos o que ele é e também mudamos a experiência de 
lê‑lo. Um ebook não é um livro, da mesma forma que 
um jornal on‑line não é um jornal.” (CARR, p.146). Por 
isso, consolida‑se a convicção de que “ler por alto” está 
se tornando a prática de leitura mais habitual: rápida, 
saltitante e espasmódica, como anuncia Nicholas Carr 
em A geração superficial. 
Ainda que a influência das características do meio 
sejam muito relevantes, talvez o aspecto isolado que 
mais contribua para a fragmentação da leitura seja a 
intertextualidade inerente à maioria dos textos nos 
meios digitais. Se o códex viabilizou uma forma con‑
fortável de percorrer textos lineares com a ponta dos 
dedos, as telas e a Internet viabilizaram percorrer essa 
infinidade simultânea de textos em múltiplos forma‑
tos na ponta dos mesmos dedos. Ainda não é possível 
precisar em que medidaa facilidade da transposição de 
textos e temas no ambiente digital acaba por dificultar 
a manutenção da concentração e do foco – o que nos 
levaria a concluir que os meios digitais ou parte deles 
precisam ser tratados de um modo específico quan‑
do do desenvolvimento das habilidades leitoras, e em 
que medida o macroambiente social está induzindo o 
desenvolvimento de características emocionais e cog‑
nitivas que nos tornariam mais propensos à dispersão, 
qualquer que seja o meio utilizado para leitura (e mes‑
mo para outras práticas) – o que certamente ensejaria 
outras consequências do ponto de vista educacional. 
Essas questões estão na ordem do dia de boa parte 
dos professores, como demonstram trabalhos como 
os de Abreu: “Todos os entrevistados concordam que 
os alunos, hoje, estão diferentes. São mais dispersivos, 
mais excitados, têm mais dificuldades de concentração, 
apresentam uma escrita oralizada e simplificada (como 
aquela encontrada nos chats e e‑mails), decodificam 
com facilidade a linguagem não verbal”. (ABREU, p.174). 
“[...] os alunos, hoje, estão 
diferentes. São mais dispersivos, 
mais excitados, têm mais 
dificuldades de concentração, 
apresentam uma escrita 
oralizada e simplificada 
(como aquela encontrada nos 
chats e e‑mails), decodificam 
com facilidade a linguagem 
não verbal”.
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Será de fundamental importância que mais investi‑
gações sejam empreendidas sobre tais temas para que 
tenhamos bases mais sólidas para propor a ação pe‑
dagógica, mas, antes que os resultados se apresentem 
de modo claro, é razoável supor que esse fenômeno 
seja largamente abrangente, muito além da leitura de 
textos. Consideremos, por exemplo, o ritmo da edição 
dos filmes. Já não existem mais longos planos como 
os de Tarkovsky, cineasta russo, autor de Stalker e 
Nostalgia”, ou longos silêncios como os de Bergman, 
sueco, autor de O sétimo selo e Gritos e sussurros: há 
muito essa estética está sendo alterada, tornando a 
edição mais ágil, com diálogos e cenas curtas. O mes‑
mo ocorreu com os games, basta comparar as versões 
atuais como Battlrfield ou Bioshock Infinite com os 
velhos e ingênuos Space Invaders ou Pac‑Man. As nar‑
rativas foram ultrafragmentadas e aceleradas, como 
nos comerciais de TV. Ainda temos muito trabalho a 
fazer na busca de um entendimento sobre as origens 
e causas desse fenômeno, mas o fato é que a Aldeia 
Global de McLuhan se caracteriza por lidar de um 
modo diferente com o tempo. 
Convém também considerarmos o impacto do 
hibridismo de formas na constituição dos textos em 
suporte digital e mesmo a influência que esses novos 
formatos vêm exercendo em meios tradicionais, como 
ocorre com o uso de imagens e multimídias. Pesquisa‑
dores como GUTIERREZ (1978) e COSTA (2005) vêm 
demonstrando a crescente importância desses compo‑
nentes em detrimento da palavra escrita na composi‑
ção das novas formas de comunicação, na leitura e na 
escrita. “Vivemos num mundo saturado de imagens e 
sons. Ninguém, há cinquenta anos, poderia sequer ima‑
ginar os alcances qualitativos e quantitativos deste fe‑
nômeno social. Com a imagem, entramos em uma nova 
etapa da história, que tem, para a humanidade, grandes 
repercussões sociais, intelectuais e religiosas. Passamos 
vertiginosamente de uma civilização verbal para uma 
civilização visual e auditiva. É esse caminhar do inteligí‑
vel ao sensível que está caracterizando o novo processo 
cultural que hoje vivemos.” (GUTIERREZ, p.15). A cons‑
tituição do atual projeto de escola assentou‑se, como 
já vimos, no texto escrito e no livro como principais 
tecnologias para o ensino e a aprendizagem. Entretanto, 
a partir do final do século XIX e especialmente na últi‑
ma metade do século XX, com a disseminação do rádio, 
do cinema e da televisão e, posteriormente, do compu‑
tador, smartphones e tablets, entre outros dispositivos, 
construímos formas de comunicação progressivamente 
mais baseadas em imagens e sons, ainda que em mui‑
tos casos articuladas com textos escritos. 
Assim, as linguagens audiovisuais e multimídia vêm 
compondo o repertório dos alunos desde as fases ini‑
ciais da escolarização, já há décadas. Como demonstrei 
(FONSECA, p.70), “em 2007, segundo dados do Todos 
pela Educação (2008), o ensino fundamental atendia 
90,4% das crianças em idade escolar e, de acordo 
com a pesquisa do Comitê Gestor Internet do Brasil 
(BALBONI, 2007), a TV estava presente em 97,3% das 
residências do país em 2006. Em países onde a univer‑
salização do ensino está mais adiantada, como é o caso 
da França, 99,1% dos domicílios possuem aparelhos de 
TV, segundo dados da Audience Le Mag. A importância 
dessas experiências com a escola e a TV no desenvol‑
vimento humano pode ser inferida, também, pelo nú‑
mero de horas que crianças e jovens despendem com 
escola e TV: em média, 4h00 horas na escola e 3h31 
horas na frente da TV, segundo dados da Eurodata TV 
WorldWide. Pesquisas mostram, ainda, que a eventua‑
lidade da diminuição da permanência na escola é, em 
grande parte, compensada pelo aumento proporcional 
de horas em frente à TV.” (BEVAN, 2009). 
O tempo dedicado à televisão é, em geral, equivalen‑
te ao dedicado à escola, e na maior parte das vezes 
precede a essa na vida das crianças. Esse dado, por si só, 
nos ajuda a compreender a impressionante importância 
das linguagens não baseadas na palavra escrita. Depen‑
dendo do contexto social, temos ainda o cinema e os 
games somando‑se a essa experiência, de modo que 
não é exagerado considerar que as horas de exposição 
às linguagens audiovisuais superam muito a exposição 
O tempo dedicado à televisão 
é, em geral, equivalente ao 
dedicado à escola, e na maior 
parte das vezes precede a 
essa na vida das crianças. Esse 
dado, por si só, nos ajuda a 
compreender a impressionante 
importância das linguagens não 
baseadas na palavra escrita. 
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aos textos escritos na formação de muitas crianças e 
jovens. O domínio da linguagem audiovisual pode ser 
facilmente constatado pela habilidade com que crian‑
ças e jovens compreendem diferentes e complexos 
modelos narrativos não lineares, cronologicamente 
invertidos, que alternam representações da realidade 
figurada com a realidade intrapsíquica dos persona‑
gens, assim como a habilidade que muitos têm para 
roteirizar, captar e editar, como o demonstram inúme‑
ras experiências nas escolas. A leitura e a escrita desse 
tipo de linguagem compartilham alguns elementos da 
leitura e da escrita de textos estritamente escritos, mas 
destacam‑se diversas habilidades específicas, como 
bem o demonstram pesquisadores como AUMONT 
(1993), COSTA (2005) e DUBOIS (2004). 
O simples fato de que, em geral, nas linguagens 
audiovisuais o ritmo da leitura é exógeno ao leitor, 
determinado pela velocidade do encadeamento su‑
cessivo de cenas, ou, no caso dos jogos, determinado 
também pelas escolhas que o leitor faz consoante é 
instado a solucionar problemas, altera profundamente 
os componentes cognitivos e emocionais mobiliza‑
dos. A considerar essa realidade, não podemos ser 
surpreendidos que haja dificuldades na condução 
de “boas” leituras naqueles casos em que o texto se 
desenvolve com linguagem baseada estritamente em 
palavras escritas. Talvez nesses contextos estejamos 
exigindo um elevado patamar de habilidades não su‑
ficientemente desenvolvidas pelas crianças e jovens (e 
que talvez não tenham que desenvolver na mesma pro‑
porção que as gerações precedentes, pois, ao contrário 
daquelas, possuem novos instrumentos), ao mesmo 
tempo que desperdiçamos um vasto repertório de ha‑
bilidades com linguagens multimídia não mobilizadas. 
É provável que

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