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PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA – FUNDAMENTOS E RESPONSABILIDADES David Maurício Escobar Gomez1 RESUMO O presente estudo tem por escopo uma análise da sustentação do instituto das parcerias público-privadas no sistema jurídico brasileiro, que e a fonte primária do conceito de PPP e determinante das principais características das três modalidades de concessão praticadas em nosso país: concessão patrocinada, concessão administrativa e concessão comum. Deste mesmo sistema legal surgem os contornos do objeto, limites e vedações, bem como examinadas cada uma das modalidades de extinção dos comumente chamados “contratos de concessão”, cuidando de efeitos da extinção das PPPs brasileiras. Também se faz uma reflexão sobre a limitação dos recursos públicos necessários para a implantação dos projetos de infraestrutura em áreas como transportes, saneamento e saúde e a falta de uma cultura de confiança entre os entes governamentais e a iniciativa privada, da qual dependem para uma repartição de riscos entre as partes que torne os projetos PPP viáveis, justas e atrativas, aumentando a possibilidade de sucesso das parcerias, PALAVRAS-CHAVE Parceria público-privada, licitação, contrato administrativo, concessão de serviço público, administração pública, risco, extinção. INTRODUÇÃO Os problemas orçamentários que o Governo Brasileiro enfrenta atualmente, onde as despesas de custeio e o alto custo dos programas sociais, bem como o aumento exponencial das despesas com a Previdência, deixam pouquíssimo espaço 1 David Maurício Escobar Gomez – Advogado, com vasta atuação internacional, nas áreas de propriedade intelectual, direito societário e fusões e aquisições. Pós-graduado em Gestão de Negócios Internacionais. para os investimentos urgentes e indispensáveis em infraestrutura. Sem estes investimentos, o país em muito curto prazo será paralisado pela falta de energia elétrica, rodovias completamente deterioradas e portos e aeroportos sem condições de atender minimamente as necessidades dos próximos anos. Se a estagnação econômica segura um pouco desta demanda, qualquer tentativa de crescimento, para ser sustentável, terá de ser calcada em uma soma de recursos que torne capaz a realização das obras e serviços que necessitamos para possibilitar o nosso desenvolvimento futuro. Em ambiente de demandas sociais crescentes e competitividade global os governos procuram novos meios de financiar projetos, construir infraestrutura e disponibilizar serviços de interesse social. As parcerias público-privadas (PPPs) tornam-se instrumento moderno no esforço de unir forças dos dois setores. A definição legal do instituto da parceria público-privada consta no art. 2º da Lei Federal n. 11.079/2004: "é o contrato administrativo de concessão na modalidade patrocinada ou administrativa". No mesmo dispositivo ainda constam os conceitos de concessões patrocinadas e administrativas. O eminente jurista Marçal Justen Filho assim conceitua a PPP: “Parceria público-privada é um contrato organizacional, de longo prazo de duração, por meio do qual se atribui a um sujeito privado o dever de executar obra pública e (ou) prestar serviço público, com ou sem direito à remuneração, por meio da exploração da infraestrutura, mas mediante uma garantia especial e reforçada prestada pelo Poder Público, utilizável para a obtenção de recursos no mercado financeiro”.2 Podemos definir também as parcerias público-privadas como contratos que estabelecem vínculo obrigacional entre a Administração Pública e a iniciativa privada visando à implementação ou gestão, total ou parcial, de obras, serviços ou atividades de interesse público, em que o parceiro privado assume a responsabilidade pelo financiamento, investimento e exploração do serviço, observando, além dos princípios administrativos gerais, os princípios específicos desse tipo de parceria. 2 JUSTEN Filho, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 549 Estudos internacionais comprovam que a carência de infraestrutura limita o crescimento econômico e a competitividade global dos países. Comprovam também que investimentos em infraestrutura oferecem elevadas taxas de retorno que são distribuídas de modo positivo na sociedade: a evidência é que os mais pobres têm crescimento da renda e bem estar em taxas mais elevadas que os mais ricos quando há oferta de infraestrutura acessível à toda a população. A experiência brasileira com PPPs, apesar de relativamente recente, apresenta um grande dinamismo quanto a novos projetos e desafiadora em relação aos projetos já contratados. Há atualmente no Brasil mais de 60 contratos de parceria público-privada (PPP), prioritariamente em âmbito estadual e municipal. Uma parcela relevante desses contratos já superou a fase de construção e encontra-se em operação. O número de contratos de PPP segue crescendo. Aproximadamente 25 novos contratos foram assinados em 2013 e 2014. Estes projetos ainda não terminaram a fase de construção, tendo ainda um longo percurso pela frente para que os investidores alcancem suas expectativas de retorno. Dezenas de projetos estão em preparação e muitos deles poderão ser licitados ainda neste ano de 2015. Até os sérios problemas de recursos para investimentos que assola o Governo, em todos os níveis, pode ser um fator a favor das PPPs, desde que os indicadores econômicos negativos da economia brasileira não sejam suficientes para afugentar de vez o capital privado. De fato, a sustentabilidade dos programas de investimento privado em infraestrutura dependerá da capacidade dos governos e da iniciativa privada em desenvolver os mecanismos de preservação do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos no longo prazo. Este equilíbrio é essencial para garantir condições adequadas de rentabilidade para o investimento privado, e para garantir que o governo alcance os objetivos de serviços de qualidade e de eficiência do gasto público. Idealmente as PPP permitiriam orientar o investimento e gestão privados para programas e projetos governamentais e, assim, liberariam recursos públicos para realizar outros interesses da sociedade. Neste cenário, sem condições de cumprir sozinho o papel de provedor da infraestrutura necessária ao funcionamento do pais o Estado Brasileiro, foi buscar na iniciativa privada - a exemplo do que fez a Grã-Bretanha, principalmente a partir da última década do século passado – seguida depois por muitos outros países após 2003 (Estados Unidos, México, França, Canadá e Índia, apenas para citar alguns), os recursos de que não dispõe, através de uma nova forma de contrato administrativo, que define as parcerias como espécies de concessões de serviços públicos. Aqueles que se opõem às Parcerias Público-Privadas normalmente se baseiam no argumento da perda de controle por parte do poder público quando uma empresa privada se envolve no financiamento, construção ou entrega de serviços públicos. Segmentos vinculados aos prestadores de serviço envolvidos eventualmente podem criticar as parcerias público-privadas como fontes de desemprego ou perda de qualidade na prestação dos serviços. Outras críticas se referem aos riscos fiscais vinculados às parcerias público-privadas. Essas objeções não refletem as evidências encontradas pelas pesquisas feitas nessa área, as quais suportam a conclusão de serem as parcerias público-privadas bem elaboradas instrumentos eficientes para a promoção do interesse público e para a melhoria dos serviçosprestados à população. Não há evidência que sugira serem as parcerias público-privadas fontes de desemprego ou precarização da qualidade dos postos de trabalho, ao contrário: os padrões de serviço determinados nos contratos de PPP normalmente exigem maior qualificação técnica dos trabalhadores envolvidos e, consequentemente, investimentos em treinamento e formação de pessoal. A bem da verdade, a Lei 11.079/2004 se beneficiou da experiência internacional e impõe à Administração Pública diversos limites orçamentários, contábeis e financeiros à contratação de parcerias público-privadas. Esses limites existentes no Brasil não eram estabelecidos em muitos países europeus até recentemente, podendo se dizer que o Brasil é um dos precursores no atual movimento de responsabilidade fiscal nas PPPs. No Brasil as parcerias público- privadas não oferecem riscos fiscais superiores às demais modalidades de contratação pública, ao contrário: exigem-se diversos estudos sobre a viabilidade econômico-financeira dos projetos que não são exigidos nas demais formas de contratação. Estes contratos, conhecidos como Parcerias Público-Privadas, serão o objeto deste nosso estudo. 1. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA – MATRIZ PRINCIPIOLÓGICA As práticas reiteradas da sociedade refletem diretamente no Direito. Para entendermos o que se entende por “princípios” vamos recorrer a Dworkin, que considera que um princípio é standard e “deve ser observado por exigência da justiça, da equidade, ou de alguma outra dimensão da moralidade”3 Os princípios atuam sob duas formas: como termos referenciais, diretrizes que orientam e justificam a tomada de posição e auxiliam a resolver as lacunas no ordenamento jurídico, como normas jurídicas que ordenam e impõem condutas. De acordo com Joel de Menezes Niebuhr,4 os princípios diferenciam-se das regras, pois estas “têm sua incidência restrita aos respectivos pressupostos de fato, sendo aplicadas disjuntivamente, uma vez que, se há exceções, devem enunciá-las no próprio corpo normativo ou, ao menos, é possível fazê-lo”. Atenta, ainda, para o fato de que elas se aplicam sob a lógica do tudo ou nada, não admitindo ponderação. Os princípios, por sua vez, “são normas de elevada abstração e generalidade, não cingidos a pressupostos de fato”. Por tal razão, é impossível prever todas as exceções a um princípio, que recebem ponderação e otimização dos valores. As diretrizes a serem observadas na contratação das parcerias público- privadas estão dispostas no art. 4º da Lei das Parcerias Público-Privadas. Além dos princípios gerais consagrados no ordenamento jurídico, a celebração do contrato deve observar alguns preceitos específicos. O diploma legal das parcerias público-privada não somente reforçou determinados princípios como o da eficiência, da responsabilidade fiscal e da transparência dos procedimentos e decisões, presentes em diversos textos legais 3 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 80. 4 NIEBUHR, Joel de Menezes. Princípio da isonomia na licitação pública. Florianópolis: Editora Obra Jurídica, 2000, p. 40. vigentes, como inovou ao determinar a repartição dos riscos de acordo com a capacidade dos parceiros em gerenciá-los. Não obstante, na contratação deve ser observada a sustentabilidade financeira e vantagens socioeconômicas do projeto de parceria (inciso VII, art. 4º). Isto quer dizer, o contrato celebrado entre o Poder Público e o particular deve tanto observar a viabilidade econômica e o retorno financeiro como atender ao interesse público. Os princípios pelos se devem pautar todas as ações da Administração Pública estão insculpidos no artigo 37 da Constituição Federal. Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência são os princípios que devem, obrigatoriamente, estar presentes quando da prática de todos os atos envolvendo a administração pública. A esses, somam-se o princípio licitatório constante do Inciso XXI, do mesmo artigo e os da legitimidade e da economicidade que encontramos no Art. 70 da CF. No âmbito das PPP temos o envolvimento de dois segmentos diferentes, no aspecto teórico, mas que na prática, ocorre a convergência de objetivos, direitos e deveres, de forma que os princípios que norteiam essas parcerias devem ser igualmente observados pelos dois segmentos. O princípio da Legalidade é o esteio do Estado Democrático do Direito e da Administração Pública. O art. 5º da nossa Constituição informa que a Administração Pública deve praticar atos determinados em lei, visto que a lei é o seu único parâmetro, ou seja, o administrador público somente pode fazer aquilo que a lei expressamente autoriza, submetendo o exercício do poder às normas, prevenindo atos de favoritismo e perseguição, garantindo que a administração seja voltada para a vontade e o bem estar de todos, impedindo a criação de normas inferiores, como decretos, portarias e regulamentos que não estejam expressamente previstas em lei. Dessa forma o princípio da legalidade traz como corolário o da Impessoalidade, também conhecido como princípio da finalidade, que “impõe ao administrador público que só pratique o ato para o seu fim legal. E o fim legal é unicamente aquele que a norma de Direito indica expressa ou virtualmente como objetivo do ato, de forma impessoal.”5 Isto significa que a administração deve pautar-se por critérios objetivos sem distinção baseada em critérios pessoais. Todos os seus atos deve visar, primordialmente a finalidade pública. 5 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 24ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p.85. Por sua vez, a iniciativa privada e regida pelo princípio da autonomia da vontade das partes, que diz que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.” Como se vê, tudo o que não é proibido, é permitido por lei. Entretanto, este princípio, assim como tantos outros, tem hoje um sentido relativo, para acompanhar as mudanças provocadas pelos direitos sociais, que vieram redefinir os conceitos de propriedade, bem estar social e tantos outros. O princípio da Moralidade exige que a atuação do administrador seja pautada pela observância da de padrões éticos, morais de honestidade, lealdade e da boa-fé. Em outras palavras o administrador deve pautar seus atos pelos padrões éticos de conduta, evitando que esses atos sejam considerados imorais, ilícitos e inválidos no mundo jurídico. Este princípio exige que também o particular que se relacionar com a Administração deve observá-lo, para que estejamos livres dos imensos prejuízos de que pode ser vítima toda a sociedade em função dos conluios, fraudes e toda a sorte de ilegalidades que só são possíveis com a conivência de administradores e administrados. A publicidade é um dos pressupostos elementares da administração pública. Segundo este princípio, a Administração Pública não comporta atos obscuros, à revelia da sociedade e dos órgãos de controle, devendo divulgar suas ações de forma ética e democrática. Um dos principais objetivos do princípio da publicidade é mostrar a toda a sociedade os atos praticados pelos gestores públicos. As normas contratuais gerais estão submetidas ao princípio da boa-fé objetiva, claramente insculpido no nosso Código Civil, que em seu artigo 422 dispõe: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. O princípioda boa-fé compreende o significado de cláusula geral, ou seja, constitui uma disposição normativa que utiliza, no seu enunciado, uma linguagem aberta, vaga, de tal forma que o juiz que diante do caso concreto, crie, complemente ou desenvolva normas jurídicas, que poderá fazer uso de elementos que estejam fora do sistema, o que evidencia a importância da fundamentação das decisões. O princípio da boa-fé busca o equilíbrio contratual entre as partes, em todos os aspectos contratuais. Já o princípio da função social orienta os contratos para que estes não se tornem, única e tão somente, instrumentos de circulação de riquezas, mas também de desenvolvimento social, devendo ser, portanto, expressão da racionalidade negocial contemporânea. O princípio da função social potencializa o equilíbrio dos pactos reorientando interesses individuais e coletivos, definindo, a um só tempo, limites e possibilidades, tanto em relação à autonomia privada, quanto em relação à manifestação de vontade, a função social do contrato nos demonstra que há bens maiores que devem ser observados ao se realizar um pacto escrito, sob pena de este ser invalidado ou nulo. Bens que a sociedade protege, como o meio ambiente, a saude, o trabalho, a segurança, bem como todos os direitos e garantias individuais positivados na Constituição. O princípio da preponderância do interesse público sobre o interesse do particular pode ser associado ao bem de toda a coletividade. Nas parcerias público-privadas, o princípio da preponderância do interesse público sobre o particular há que ser entendido num contexto próprio, objetivando dispor parâmetros justos entre as partes contratuais. Este princípio está intimamente ligado ao princípio da proporcionalidade, que determina que medidas adotadas pelos entes da Administração Pública devem ser proporcionais, buscando sempre a providência menos gravosa, na obtenção de um resultado. Os princípios constitucionais da livre concorrência e da livre iniciativa estão intimamente ligados, pois efetivam a liberdade de produção no mercado de trabalho aos indivíduos, em todo o sistema econômico. Estes princípios sustentam a ideologia de um país neoliberalista e garantem o desenvolvimento da economia de mercado. O princípio constitucional da livre concorrência, pressupõe uma economia de mercado baseada no modelo concorrencial. Nos contratos de parcerias público-privadas, o princípio da livre concorrência busca um equilíbrio formal e material entre as partes. O princípio da livre iniciativa se traduz pelo ideal de liberdade econômica de um país. A afirmação deste princípio sugere o reconhecimento de uma ordem jurídica segura à coletividade na livre escolha das suas atividades econômicas e a atuação do Estado na economia restrita, com o escopo de garantir uma ordem econômica justa. O princípio da eficiência determina que a Administração deve agir de modo rápido e preciso, a fim de atingir os interesses da coletividade. Um dos pilares que orientam as parcerias público-privadas é a busca pela eficiência, normalmente encontrada na gestão privada. Portanto, este deve ser um princípio sustentador de qualquer objeto de PPP. As parcerias público-privadas são contratos administrativos, e como tais, necessariamente devem estar norteados pelos princípios administrativos constitucionais, e os parceiros envolvidos devem aplicá-los, a fim de alcançar a administração plena das PPP. 2. HISTÓRIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA COM PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA (PPP) O primeiro contrato de PPP federal foi firmado em 25 de maio de 2010, na modalidade de Concessão Administrativa, pelo Consórcio Datacenter (formado pelo Banco do Brasil S.A. e a Caixa Econômica Federal) visando a disponibilização e o gerenciamento de um Complexo Datacenter de alto padrão, em regime de "co- location" por 15 anos, em Brasília, DF. O investimento inicial é da ordem de R$ 260 milhões, feito integralmente pela GBT S/A, empresa de propósito específico, constituída pelas empresas GCE, Termoeste e BVA, vencedoras da concorrência. O Complexo Datacenter terá uma área construída de 29 mil m², com espaços específicos para o Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e para o gestor do projeto. O objeto deste contrato é o arrendamento de áreas do Complexo Datacenter às duas instituições financeiras, incluindo toda a infraestrutura predial, consumo de energia elétrica, condicionamento de ar, cabeamento estruturado e todos os serviços condominiais. O valor total do projeto, incluindo a infraestrutura predial, manutenção e serviços condominiais é de cerca de R$ 880 milhões, sendo R$ 660 milhões do Banco do Brasil e R$ 220 milhões da Caixa, desembolsados ao longo de 15 anos. No Brasil, há muito já ocorria a associação entre Estado e particular visando à satisfação de interesses públicos; isso significa que, em relação à experiência jurídica brasileira, o instituto da parceria público-privada não importou substancial alteração. Asim, as inovações apresentadas pela Lei Federal n. 11.079/2004 limitam-se à formação do conceito legal de contrato de parceria público-privada, à definição das respectivas modalidades e à previsão de características peculiares do instituto. Ao longo dos anos 90 do século passado, por exemplo, o país passou por inúmeras privatizações, revivendo o modelo das concessões e experimentamos sua multiplicação em diversos setores estratégicos, em que grandes empresas estatais foram privatizadas, observando-se uma redução da atuação do Estado, sobretudo no cenário econômico. Por intermédio das privatizações, almejava-se, além dos recursos que seriam obtidos com as vendas, diminuir os gastos públicos com tais atividades, de modo que, seja pelo lado do incremento da receita, seja pelo lado da redução das despesas, tivesse o Estado mais recursos para aplicação em infraestrutura. Além do mais, por força dos contratos de concessão, as empresas adquirentes normalmente tinham o dever de fazer investimentos consideráveis na área que acabavam de receber, o que também alavancava a infraestrutura do setor. Apenas a título de exemplo, somente com a venda de 19% das ações da Telebrás – Telecomunicações Brasileiras S.A., a União arrecadou 22 bilhões de reais, tendo o sistema elétrico recebido ainda investimentos no valor de aproximadamente 135 bilhões. Acrescente-se ainda nessa conta o valor das despesas a cargo do ente federal antes da privatização e se terá o montante que foi, ou ao menos poderia ter sido, injetado na infraestrutura do setor apenas por essa operação. Foi, portanto, sob a forma do chamado regime geral de concessões que se deram os investimentos em infraestrutura nesse período, tais como os ocorridos no setor elétrico (privatização do sistema Telebrás), setor de telecomunicações (telefonias móvel e fixa) e rodovias. A principal característica desse regime jurídico é que a remuneração do parceiro privado se dava exclusivamente pelo pagamento de tarifas a cargo dos usuários do serviço. Em que pese pequenas vozes em sentido contrário, a maioria da doutrina entendia ser impossível nesse sistema a combinação de tarifas e aportes diretos do Poder Público, tendo sido inclusive vetado dispositivo que permitiria tal cláusula (art. 24 da Lei n. 8.987/95). Além do mais, as garantias e a repartição dos riscos no regime geral de concessões eram bastantes semelhantes às existentes nos contratos em geral, inexistindo qualquer condição diferenciada que servisse como atrativo aos investimentos privados. No que tange às garantias, inclusive, só havia a previsão de garantias do parceiro privado faceao Poder Público e não o contrário. Nesse contexto, o que se verificou foi uma verdadeira falência do modelo de concessões então existentes, ao menos para fins de atração de investimentos para grandes projetos de infraestrutura. Por outro lado, visando fomentar a iniciativa privada e a celebração de parcerias, o governo federal editou várias leis nesse sentido, dentre as quais se ressalta: Lei n. 8.666 de 21 de junho de 1993, que instituiu normas para licitações e contratos da Administração Pública; Lei n. 8.987 de 13 de fevereiro de 1995, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos; e Lei n. 9.074 de 07 de julho de 1995 que estabeleceu normas para outorga e prorrogações das concessões e permissões de serviços públicos. Assim, foi nesse contexto de fomentação da iniciativa privada, bem como na busca de concretização de parcerias entre o setor público e o privado, que houve a criação no Brasil das Parcerias Público Privadas (PPPs), inseridas no país pela Lei 11.079 de 30 de dezembro de 2004. Tal lei conceitua parceria público-privada como sendo o contrato administrativo de concessão, nas modalidades patrocinada e administrativa, que veremos adiante Há de se ressaltar ainda que tal modelo de PPPs foi criado pela Inglaterra em meados dos anos 90 do século passado, sendo que lá era denominado de project finance initiative (PFI), e posteriormente chamado de public-private partnerships. Mais tarde, dito modelo se irradiou pelo mundo, alcançando países como França, Portugal, Itália, Espanha, Austrália, África do Sul, Irlanda, dentre outros. Interessante dizer também que, no Brasil, mesmo antes de haver a Lei n. 11.079 que instituiu as parcerias público-privadas no âmbito federal, já havia leis estaduais que previam tal instituto. O Estado pioneiro a legislar sobre as PPPs foi Minas Gerais, mediante a Lei n. 14.686 de 16 de dezembro de 2003, seguido por Santa Catarina (Lei n. 12.930 de 04 de fevereiro de 2004), São Paulo (Lei n. 11.688 de 19 de maio de 2004), Goiás (Lei n. 14.910 de 11 de agosto de 2004) e Bahia (Lei n. 9.290 de 27 de dezembro de 2004. Todavia, necessário se faz dizer que desde o advento da Lei n. 11.079/2004, inúmeros outros Estados já criaram leis versando acerca das PPPs. Por fim, conclui-se que o surgimento das parcerias público-privadas no âmbito mundial, tal como ocorreu no Brasil, não foi um evento repentino ou casuístico, e sim fruto de uma longa evolução do Estado, desde a Revolução Francesa até a contemporaneidade. Ademais, originaram-se de uma necessidade imperativa de se criar mecanismos por meio dos quais o ente público, por intermédio de parcerias celebradas com a iniciativa privada, pudesse reestruturar a infraestrutura básica e os serviços prestados à população, objetivando promover ao máximo o bem estar social. 3. NATUREZA CONTRATUAL E LEGITIMIDADE DAS PPPs A Lei 11.079 prevê expressamente que os contratos de PPP deverão conter os requisitos gerais da Lei 8.987 aplicáveis aos contratos de concessão comum, tais como: mecanismos de ajuste de tarifas; parâmetros e métodos de avaliação, ampliação e fiscalização dos serviços; cálculos de indenização; direitos e deveres dos usuários; e prestação periódica de contas pela concessionária à Administração Pública. Isso exige cuidado redobrado na elaboração dos contratos, para atender aos ditames legais. Além das disposições pertinentes da Lei 8.987/96 que trata do Regime Geral das Concessões, o contrato PPP deve prever cláusulas consideradas essenciais: o prazo de vigência do contrato entre 5 e 35 anos, compatível com a amortização dos investimentos; as penalidades aplicáveis à Administração Pública e ao parceiro nos casos de inadimplemento do contrato (chama-se atenção para o fato de que aqui, ao contrário da Lei das concessões comuns, há também a previsão de penalidades para a Administração Pública); as formas de remuneração e atualização dos valores; a repartição dos riscos entre as partes, nos casos de fatos imprevisíveis; os mecanismos para preservação da atualidade da prestação dos serviços; indicação dos fatos que caracterizarão a inadimplência pecuniária do parceiro público e como se dará a regularização e, quando for o caso, a forma de acionamento da garantia. os critérios objetivos para avaliação do desempenho do parceiro privado; a prestação pelo parceiro privado, das garantias necessárias, observado o limite do art. 56, da Lei 8.666/93, isto é, de até 10% do valor do contrato, acrescido do valor dos bens entregues pela Administração, quando for o caso, nas concessões patrocinadas (quando há na prestação dos serviços precedência da execução de obra pública, deve-se observar o disposto no art. 18, XV, da Lei 8.987/95, ou seja, o limite do valor da obra); o compartilhamento com a Administração dos ganhos econômicos decorrente da redução do risco de crédito dos financiamentos utilizados. A remuneração do contrato PPP poderá se dar por meio de tarifa cobrada do usuário; recursos do tesouro; cessão de créditos não tributários; outorga de bens públicos dominicais; transferências de bens móveis e imóveis, na forma da lei; cessão de direito de exploração comercial de bens públicos e outros meios admitidos em direito. Vários aspectos devem merecer uma profunda análise e uma criteriosa avaliação, quando da elaboração do contrato para aumentar as chances de sucesso da parceria. Uma distribuição de riscos eficiente será um importante fator para que a PPP seja bem-sucedida. É preciso relacionar detalhadamente as contingências, alocando riscos de modo eficiente. Aliado a isso, um instrumento capaz de colaborar com a eficiência do ajuste é o sistema de remuneração por desempenho, desde que o seu funcionamento esteja baseado em procedimentos claros e imparciais para a avaliação das notas e dos níveis de serviço do parceiro privado. Geralmente, essa avaliação reserva-se a um auditor independente, que atua segundo padrões previamente estabelecidos. Além disso, todas as cláusulas econômicas devem estar bem definidas no plano do contrato, sempre com a clareza e objetividade necessárias e evitar dúvidas, o que sempre gera a ampliação dos custos de transação. Outro ponto também de enorme repercussão nos custos transacionais incidentes na contratação é o das garantias oferecidas pelo parceiro público. É relevante em projetos de longo prazo como as PPPs agregar garantias efetivas ao parceiro privado – como a hipótese de um fundo garantidor, empresa garantidora etc. Isso alivia a insegurança dos interessados, ampliando a competitividade e reduzindo os custos de transação. A remuneração do contrato PPP poderá se dar por meio de tarifa cobrada do usuário; recursos do tesouro; cessão de créditos não tributários; outorga de bens públicos dominicais; transferências de bens móveis e imóveis, na forma da lei; cessão de direito de exploração comercial de bens públicos e outros meios admitidos em direito. 4. CARACTERÍSTICAS E MODELOS DE PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS – CONCESSÃO PATROCINADA E CONCESSÃO ADMINISTRATIVA SOB OS FUNDAMENTOS DA LEI N. 11.079/2004 (LEI DE PPP FEDERAL) 4.1 DISTINÇÃO ENTRE PPP, PRIVATIZAÇÃO E CONCESSÃO COMUM Inicialmente precisamos esclarecer que as PPPs nada têm a ver com privatização, caso em que ocorre a transferência integral ou definitiva de uma função, ativo ou atividade específica para o setor privado, reservando-se ao poder público apenas o papel de regulador. Nas parcerias público-privadas a operação e manutenção de bens públicos podem ser transferidas ao parceiro privado durante a vigênciado contrato, porém não ocorre a sua alienação e a propriedade do bem se mantém pública. A destinação do bem público concedido em parceria público-privada fica restrita àquela determinada no contrato, não podendo o parceiro privado exercer direitos típicos do domínio sobre o bem público. Enfim, a gestão privada do bem público se encerra após a extinção do contrato de parceria público-privada, não estando presentes quaisquer dos elementos que caracterizam a privatização. Precisamos também estabelecer uma linha clara que separe PPP de outro tipo de contrato administrativo entre o Estado e um particular, conhecida como concessão comum. Segundo a Lei 11.079/2004, "Não constitui parceria público-privada a concessão comum, assim entendida a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando não envolver contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado."6 Ainda que ambos os institutos constituam contratos administrativos entre o Estado e um particular, mais especificamente, contratos de concessão em sentido amplo, é importante desde logo ressaltar o que lhes distingue substancialmente: a fonte de remuneração. Enquanto nas concessões comuns, regidas pela Lei 8.987/1996, a contraprestação é obtida pelo concessionário contratado sempre e unicamente junto aos usuários do serviço, nas PPPs cabe ao parceiro público, remunerar o parceiro privado, seja parcial ou integralmente. Em termos mais simples, a diferença básica entre parceria público-privada e concessão comum é a remuneração do parceiro privado. Nas concessões comuns a remuneração do concessionário advém exclusivamente das tarifas cobradas aos usuários, nas parcerias público-privadas há pagamento de contraprestação pela Administração Pública, com ou sem cobrança de tarifa dos usuários. Isto quer dizer que as PPPs destinam-se àqueles serviços e/ou obras públicas cuja exploração pelo contratado ou não é suficiente para remunerá-lo (ex.: ampliação e administração de rodovias ou ferrovias de baixo movimento) ou sequer envolve contraprestação por seus usuários (ex.: construção e gerenciamento de presídios ou hospitais públicos). Desta maneira, afora tratar-se de casos em que se requerem investimentos e/ou especialidade além das possibilidades do Estado, as PPPs têm um componente a mais, representado pela incapacidade de o empreendimento, por si, pagar o investidor privado. Diferentemente dos contratos de concessão comum, os contratos de PPPs têm um escopo de regulação muito mais amplo e complexo: à parte as cláusulas tradicionais, como prazo contratual, deverão prever aspectos bastante peculiares e de difícil concisão em poucos e genéricos artigos. Não será aceitável para as PPPs, 6 Art. 2º, § 3º da Lei 11.079/2004. portanto, utilizarem-se minutas quase padronizadas de contratos de concessão comum, em boa medida contratos de adesão. De uma forma geral, aberto esse novo canal de investimentos, são bastante positivas as perspectivas de sua utilização e seus resultados. Imperioso, porém, atentar-se para as relevantes especificidades das PPPs frente às concessões comuns, notadamente no tocante à cuidadosa elaboração dos contratos correspondentes. São estes, assim, os princípios diferenciadores básicos entre a PPP e a concessão comum, que devem servir de norte para direcionar o procedimento licitatório, a análise das propostas, e, principalmente, os contratos de concessão reguladores das PPPs. Em linhas gerais, no projeto PPP, o setor privado fica responsável pelo financiamento total do serviço, incluindo as obras necessárias e só após a disponibilização desse serviço é que começa a receber a remuneração, seja diretamente através dos recursos do Poder Público somente ou combinada com cobrança de tarifa do usuário, como acontece com a forma tradicional da remuneração das concessões. A amortização do investimento, como se vê, somente se inicia quando o serviço ou a utilidade já está disponível, conforme os objetivos traçados no projeto inicial. Nessa parceria, o governo especifica o serviço ou obra e um mesmo agente do setor privado desenha, financia, constrói, explora e disponibiliza o serviço para a utilidade pública. Encerrado o contrato de parceria ou no caso de extinção antecipada, a propriedade dos bens, móveis ou imóveis necessários à continuidade dos serviços objetos da parceria serão revertidos para a Administração Pública, independente de indenização. Tampouco se encaixam na definição de PPP os contratos mais simples, como os que preveem a prestação de serviços de limpeza e vigilância de prédios públicos, fornecimento de alimentação, conservação de jardins, assistência técnica em informática, etc. Esses são contratos de curto-prazo, normalmente conhecidos como “terceirização”. Enquanto os contratos de PPP normalmente têm prazos que superam vinte anos, os contratos de terceirização de serviços duram por volta de cinco anos. 4.2 MODALIDADES DE PPP As modalidades de PPP estão claramente enunciadas, delimitadas e definidas no artigo 2º da Lei n. 11.079, que diz, litteris: Art. 2º Parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa. § 1º Concessão patrocinada é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado. § 2º Concessão administrativa é o contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens. [..] Assim podemos pensar na PPP Patrocinada como um contrato de concessão de serviços públicos em que o parceiro privado planeja, executa e opera uma atividade de caráter público, precedida, ou não, de obra pública, em que parte da remuneração do serviço entregue a população, será paga pelo parceiro público, na forma de contraprestação adicional, em espécie. O usuário pagará o restante dos custos do investimento, por intermédio de uma tarifa decorrente do uso do equipamento público. Ressaltando-se que a Administração poderá complementar o custo da tarifa, em busca de um valor mais acessível à população. Ex.: Concessão de uma Linha de Metrô. Nesta modalidade de PPP o serviço é prestado diretamente ao público, com cobrança tarifária. Como as tarifas cobradas dos usuários da concessão não são suficientes para pagar os investimentos feitos pelo parceiro privado, o poder público complementa a remuneração da empresa por meio de contribuições regulares, isto é, o pagamento do valor mais imposto e encargos. Portanto, neste tipo de PPP teremos sempre presentes a contraprestação pecuniária do Estado e o pagamento de tarifas por parte dos usuários. Já a PPP Administrativa é um contrato de concessão em que a Administração Pública é a usuária direta ou indireta do serviço público concedido, ainda que envolva o projeto, a execução, a instalação e a operacionalização da obra, ou serviço. Não sendo possível ou conveniente cobrar do usuário pelo serviço de interesse público prestado pelo parceiro privado, a remuneração da empresa é integralmente feita por pelo poder público, o que significa que o parceiro privado será remunerado unicamente pelos recursos públicos orçamentários, após a entrega do contratado. Ex.: concessão para remoção de lixo, construção de um Centro Administrativo, presídios, etc. 4.3. SOCIEDADE DEPROPÓSITO ESPECÍFICO A Sociedade de Propósito Específico é uma novidade trazida pela Lei das PPPs. Trata-se de uma sociedade a ser criada pelo parceiro antes da celebração do contrato, incumbida de implantar e gerir o objeto da parceria, a quem caberá a propriedade dos bens resultantes do investimento, durante a vigência do contrato e até que se dê a sua amortização. Deve obedecer a padrões de governança corporativa e adotar contabilidade e demonstrações financeiras padronizadas. A sociedade poderá dar em garantia aos financiadores os direitos emergentes da parceria, conforme requisitos e condições estabelecidas no contrato. Para efeito da Lei 11.079/2004, é a sociedade empresária incumbida de implantar e gerir o objeto da parceria público-privada. Tal sociedade poderá assumir a forma de companhia aberta, deverá obedecer a padrões de governança corporativa e adotar contabilidade e demonstrações financeiras padronizadas. Além disso, é vedado à Administração Pública ser titular da maioria do capital votante da SPE não se incluindo nessa vedação a eventual aquisição da maioria do capital votante por instituição financeira controlada pelo Poder Público em caso de inadimplemento de contratos de financiamento. A constituição da SPE é um pré- requisito para celebração do contrato (art.9°). A finalidade dessa exigência legal é evitar a confusão patrimonial entre a SPE e as empresas que integram o seu quadro societário o que poderia ocorrer caso os ativos e as receitas relacionadas com os serviços objeto da PPP fossem utilizados em outros negócios das empresas sócias da SPE. A Lei 11.079/2009, art. 9.º, apresenta normas peculiares às sociedades de propósito específico, no âmbito das parcerias público-privadas, mas não cria novo tipo societário. As SPEs são apenas sociedades empresárias comuns, de qualquer tipo (sociedade limitada, sociedade anônima ou outro tipo previsto em lei), com objeto social delimitado (implantar e gerir o objeto da parceria – Lei 11.079/2004, art. 9.º). A SPE também exerce outras funções úteis no contexto das PPPs. A separação entre a executora do projeto (a SPE) e seus proprietários (os concessionários) oferece maior grau de transferência contábil à operação da PPP, permitindo diagnósticos sobre a real rentabilidade do projeto, solidez financeira, eficiência operacional e outras informações úteis na gestão do contrato. 4.4 MANIFESTAÇÃO DE INTERESSE A Manifestação de Interesse é a possibilidade de particulares apresentarem, integral ou parcialmente, os estudos (demanda, engenharia e arquitetura, viabilidade econômico-financeira, impacto socioambiental, o edital e a minuta de contrato) a serem utilizados em modelagens de PPP, sendo que tais estudos apenas serão ressarcidos pelo parceiro privado que vier a ser contratado para a realização do projeto. No âmbito federal, a previsão do PMI está nas Leis 8.987/1995, art. 21 e 11.079/2004, art. 3.º, caput e §1.º, sendo regulamentada inicialmente pelo Decreto 5.977/2006, que foi recentemente revogado pelo Decreto n. 8.428 de 2 de abril de 2015, que dispõe sobre o Procedimento de Manifestação de Interesse a ser observado na apresentação de projetos, levantamentos, investigações ou estudos, por pessoa física ou jurídica de direito privado, a serem utilizados pela administração pública. 5. O VALOR, O PRAZO E O OBJETO E AS VEDAÇÕES À CELEBRAÇÃO DAS PPPs 5.1 VALOR A Parceria Público-Privada (PPP) é um contrato de prestação de obras ou serviços entre uma empresa privada e o governo federal, estadual ou municipal. A Lei n. 11.079/2004 em seu art. 2º, §4º, inciso I, veda a celebração de contrato de parceria público-privada cujo valor seja inferior a R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais). Essa regra sofre críticas da doutrina que entende que o dispositivo, por fixar um valor mínimo para PPP, não tem a natureza jurídica de norma geral, não sendo aplicável, portanto, a todos os entes federados, somente à União, ou, ainda, afirmando ser essa regra inconstitucional. Neste diapasão, Luiz Tarcísio Teixeira Ferreira afirma: “não poder ser norma geral de contratação a Lei das PPPs, por fixar um valor único, aplicável indistintamente a todos os entes da federação, sem se respeitar o princípio da igualdade federativa que estaria a exigir alguma espécie de proporção entre o montante mínimo exigido do investimento / financiamento objeto da parceria público- privada e o porte orçamentário da pessoa pública, qual, por exemplo, um percentual sobre sua receita líquida, como foi o caso adotado nos artigos 22 e 28 da própria Lei n. 11.079/2004.”7 Finaliza o autor afirmando que “se for considerada essa regra como norma de caráter geral, não o será de contratação administrativa, mas de direito financeiro, entendido assim como um conjunto de princípios e normas que regulam a obtenção, a gestão e o dispêndio dos meios financeiros públicos” Em sentido contrário temos a posição de outros juristas, dentre os quais destacamos Alexandre Aragão, que numa defesa consistente da constitucionalidade da regra e de sua validade como norma geral, principalmente em relação ao argumento de que R$ 20 milhões é muito elevado para muitos municípios. Aragão discorda, veementemente, dessa tese, pois, segundo o autor, as normas que limitam o uso de PPPs relacionam-se com o objetivo geral das PPPs serem utilizadas seletivamente apenas para grandes projetos de infraestrutura, e ainda, “[..] no caso de PPP’s com prazos muito longos, a diluição desse valor ao longo de décadas o torna bem menos significativo/restritivo [..]”.8 De fato o valor mínimo de R$ 20 milhões refere-se ao valor total do contrato, o qual, como já se viu, pode ter um prazo de vigência de 5 a 35 anos. Assim, se a 7 FERREIRA, Luiz Tarcísio Teixeira. Parcerias público-privadas: aspectos constitucionais. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2006, p. 36 e 37. 8 ARAGÃO, Alexandre Santos de. As parcerias público-privadas – PPPs no direito positivo brasileiro. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, 2005. parceria público-privada durar 35 anos, o valor mínimo do contrato por ano será de R$ 571.428,57, o que não se configura um valor exageradamente alto para nenhum dos entes federados. 5.2 PRAZO A prestação dos serviços deve perdurar no mínimo por 5 anos. Ainda em relação a prazo, o art. 5º da Lei das parcerias público-privadas exige a previsão nas cláusulas contratuais do termo final do vínculo obrigacional, assim a vigência do contrato de parceria público-privada não pode ter prazo inferior a 5 anos nem superior a 35. Da leitura do inciso I do art. 5º da Lei n. 11.079/2004 infere-se a possibilidade de prorrogação dos contratos PPP, desde que o prazo total não exceda os 35 anos.9 A característica de contrato de longo prazo legalmente atribuída pela lei aos contratos PPP se justifica pelo fato dos mesmos estarem relacionados a serviços públicos que exigem investimentos de grande vulto, seja na construção, seja na manutenção: estradas, portos, aeroportos, ferrovias, prédios públicos com características especiais (hospitais, prisões) ou construídos em grande quantidade (escolas), etc. Portanto, nos casos em que o parceiro privado investe seu capital, ele precisa que o contrato tenha um prazo dilatado, para dar tempo de pagar o investimento. Ainda que não haja uma elevada imobilização de capital pelo parceiro privado (por exemplo, contratos para operar infraestrutura já existente), pode ser interessante estabelecer um contrato de longo-prazo, pois seriaineficiente trocar o administrador da infraestrutura diversas vezes em prazos curtos, tendo em vista o custo de licitação e o custo de aprendizagem, associado ao período em que o novo concessionário está ajustando a oferta do novo serviço, quando usualmente há quebras na qualidade dos serviços. 5.3 OBJETO 9 Art. 5º [...] I – o prazo de vigência do contrato, compatível com a amortização dos investimentos realizados, não inferior a 5 (cinco), nem superior a 35 (trinta e cinco) anos, incluindo eventual prorrogação. A contratação das parcerias tem como finalidade arrecadar investimento privado para setores de infraestrutura pública, o que envolve custos elevados. O objetivo maior dos contratos PPP é a união de esforços do poder público para o oferecimento à população de serviços de infraestrutura. Isto significa que indica que o parceiro privado não vai simplesmente construir uma estrada, uma ferrovia, um hospital ou um aeroporto e entregá-lo para ser administrado pelo governo ou empresa estatal. Ele vai construir e operar uma parte ou todos os serviços oferecidos por aquela infraestrutura. Ou então ele vai simplesmente operar (sem construir ou apenas reformar) os serviços de uma infraestrutura já existente, de propriedade do governo. Ou seja, para caracterizar uma PPP é importante que o parceiro privado atue na provisão do serviço público associado à infraestrutura que lhe foi confiada. Ao tratar do objeto das PPPs Celso Antonio Bandeira de Mello10 assim se posiciona: “obviamente seu objeto só pode ser a prestação de um serviço público (ainda que para isto necessite. englobar outras atividades)”. E continua o autor: “o objeto das PPPs será necessariamente a prestação de utilidade ou comodidade material fruível singularmente pelos administrados”. Sobre o mesmo assunto ensina Diogenes Gasparini, in verbis: O regime jurídico das parcerias público-privadas é um só, mas seu objeto, ou área de aplicação da atividade pública, é múltiplo. Assim, podem ser utilizadas na implementação de políticas sociais, voltadas ao desenvolvimento público, nas áreas: da educação, saúde e assistência social; dos transportes públicos; do saneamento básico; da segurança; do sistema penitenciário; da defesa e justiça; da ciência, pesquisa e tecnologia; do agronegócio; e do sistema portuário, como indicam as leis estaduais, dada a notória carência de recursos públicos para de modo rápido e eficaz atender a demanda comunitária há muito reprimida. A Lei federal nesse particular é omissa, mas as parcerias federais podem ocorrer nessas e em outras áreas, desde que respeitada a indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional, do exercício do poder de polícia 10 MELLO, Celso A Bandeira de. Curso de direito administrativo. 20. ed. revista e atual. até a EC 48/2005. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 728-729. e de outras atividades exclusivas do Estado, conforme determina art. 4º, III.11 A autonomia conferida pelo sistema federativo aos estados e aos municípios permite que os mesmos, sem colidir com as normas gerais estabelecidas pela legislação, atendam suas prioridades e adequem suas leis ao sabor de suas necessidades naqueles setores mais urgentes e cujo volume de investimentos está muito além de suas capacidades de aporte de recursos. Para ilustrar essa diversidade basta confrontarmos os objetos eleitos por três estados da nossa Federação, que pelas suas diferenças de indicadores econômicos, demográficos e de geografias podem servir como um painel da realidade brasileira. Estado de São Paulo (Lei n. 11.688/2004) O Art. 5° estabelece que as PPPs paulistas têm por objeto: „ I – a implantação, ampliação, melhoramento, reforma, manutenção ou gestão de infraestrutura pública; „ II - A prestação de serviço público; „ III – a exploração de bem público; „ IV – a exploração de direitos de natureza imaterial de titularidade do Estado, tais como marcas, patentes, bancos de dados, métodos e técnicas de gerenciamento e gestão, resguardada a privacidade de informações sigilosas disponíveis para o Estado. O mesmo artigo em seu § 1º diz que “Não serão objeto de parcerias público-privadas a mera terceirização de mão-de-obra e as prestações singelas ou isoladas.” Estado do Espírito Santo (Lei Complementar n. 492/2009) A legislação capixaba dispõe ser objeto de Parcerias Público-Privadas: I - a delegação, total ou parcial, da prestação ou exploração de serviço público, precedida ou não da execução de obra pública; II - a prestação de serviços à Administração Pública ou à comunidade, precedida ou não de obra pública, excetuadas as atividades exclusivas de Estado; III - a execução, a ampliação e a reforma de obra para a Administração Pública, bem como de bens e equipamentos ou empreendimento público, 11 GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 382. terminais estaduais e vias públicas, incluídas as recebidas em delegação da União, conjugada à manutenção, exploração, ainda que sob regime de locação ou arrendamento, e à gestão destes, ainda que parcial, incluída a administração de recursos humanos, materiais e financeiros voltados para o uso público em geral; IV - a exploração de direitos de natureza imaterial de titularidade do Estado, tais como marcas, patentes, bancos de dados, métodos e técnicas de gerenciamento e gestão; V - a exploração de serviços complementares ou acessórios, de modo a dar maior sustentabilidade financeira ao projeto, redução do impacto tarifário ou menor contraprestação governamental; VI - outras admitidas em lei. Já a Lei n. 9.290/2004 do Estado da Bahia elegeu os seguintes objetivos: I - delegação, total ou parcial, da prestação ou exploração de serviço público; II - execução, ampliação ou reforma de obra, bens e equipamentos para a administração pública, desde que conjugada a manutenção, exploração e gestão pelo parceiro privado; III - prestação de serviços à Administração Pública ou à comunidade; IV - exploração de marcas, patentes, bancos de dados, métodos e técnicas de gerenciamento e gestão. 5.4 VEDAÇÕES À CELEBRAÇÃO DAS PPPs As principais vedações à celebração de contrato de parceria público-privada estão relacionadas no § 4º do art. 2º da Lei das Parcerias, como segue: Art. 2º [..] § 4º É vedada a celebração de contrato de parceria público-privada: I – cujo valor do contrato seja inferior a R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais); II – cujo período de prestação do serviço seja inferior a 5 anos; ou III – que tenha como objeto único o fornecimento de mão-de-obra, o fornecimento e instalação de equipamentos ou a execução de obra pública. O inciso I já foi discutido no item 5.1 acima, o mesmo ocorrendo com o inciso II, no item 5.2, restando então tecermos algumas considerações sobre o inciso III, que trata da vedação à celebração do contrato que tenha como objeto único o fornecimento de mão-de-obra, o fornecimento e instalação de equipamentos ou a execução de obra pública. Dos três, o inciso III é o mais controverso, pois é necessário verificar a possibilidade ou não da contratação da parceria público-privada que tenha por objeto único a execução de obra pública. Essa dúvida resulta da interpretação extraída do confuso conceito legal de concessão patrocinada ("...a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei n. 8.987.."12, em face da limitação previstano inciso III, §4º, art. 2º da Lei n. 11.079/04. Este dispositivo legal veda a celebração do contrato de parceria público-privada que tenha por objeto único a execução de obra pública. Dessa forma, deve-se entender que a concessão patrocinada resta caracterizada na prestação de serviços públicos, precedida ou não do fornecimento de mão-de-obra, equipamentos ou da execução de obra pública. Em resumo, é vedada a celebração de contrato de parceria público-privada que tenha como objeto único a execução de obra pública. Da interpretação do §1º, art. 2º da Lei n. 11.079/04 deduz-se que as obras públicas podem preceder ou não a prestação de serviços públicos, no entanto, se não houver a contratação destes não se pode considerá-lo um contrato de parceria público-privada. No que concerne ao limite de contraprestação do setor público em projetos de PPP, não há limite nas concessões administrativas tendo em vista que a Administração Pública, direta ou indiretamente, é a única usuária. Entretanto, nas patrocinadas, o § 3° do art. 10 da Lei n. 11.079 estipula as contraprestações públicas não poderão exceder 70% (setenta por cento) da remuneração do parceiro privado, salvo se autorizadas por legislativa específica. A Lei das PPPs impõe, também, uma série de regras de responsabilidade fiscal. A principal restrição de ordem fiscal trata do limite máximo de 5% da Receita Corrente Líquida aplicada a Estados e Municípios com despesas relativas a contratos de PPP. Caso o ente federativo ultrapasse esse limite no ano anterior ou se as despesas com PPP como proporção da RCL projetada nos dez anos 12 Art 2º, § 1º da Lei 11.079/2004 subsequentes excederem 3%, Nos termos do art. 28, das Disposições Finais, a União não poderá lhe conceder garantias ou realizar transferências voluntárias. Já para a União, esse limite é de 1% (um por cento) da RCL conforme o que preceituam os artigos 22 e 28 da Lei das Parcerias. Dentre as vedações que se constituíam em verdadeiros empecilhos à aceitação dos contratos PPP por parte da iniciativa privada tínhamos a impossibilidade de concessão de aportes de recursos antes da entrega do objeto do contrato a tributação incidente sobre a contraprestação paga pelo parceiro público, que ó se dava após a entrega do objeto, verificava-se uma grande concentração de pagamentos nos primeiros anos após a conclusão dos investimentos, o que acarretava a antecipação do pagamento de PIS, COFINS e ISS, e também de IRPJ e CSLL, uma vez que o lucro líquido fica sobremaneira elevado nesse período, ensejando maior pagamento de tributos incidentes sobre o resultado. Esses dois óbices foram removidos com a edição da Medida Provisória n. 575/2012, convertida na Lei n. 12.766/2012, que alterou uma série de dispositivos da Lei 11.079/2004 que afetavam a atratividade da Lei de Parcerias. 6. SUPORTE GOVERNAMENTAL NAS PPP Visando dar um suporte ao processo de implantação, conforme previsto na Lei das PPPs, o Decreto 5.385, de 4/3/2005, instituiu o Comitê Gestor de Parcerias Público-Privadas Federais (CGP), integrado por representantes do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, que ficou responsável pela coordenação, do Ministério da Fazenda e da Casa Civil da Presidência da República, competindo-lhe, especificamente: a) Definir os serviços prioritários para a execução no regime de PPP; b) Disciplinar os procedimentos para a celebração desses contratos; c) Autorizar a abertura da licitação e aprovar os instrumentos convocatórios e de contratos; d) Apreciar os relatórios semestrais de execução dos contratos, enviados pelos ministérios e agências reguladoras, em suas áreas de competência; e) Elaborar e enviar ao Congresso Nacional e ao Tribunal de Contas da União relatório anual de desempenho dos contratos e disponibilizar, na Internet, as informações nele constantes. Como estrutura de apoio, o CGP conta com a Comissão Técnica das Parcerias Público-Privadas (CTP), com representação multissetorial e funções de assessoramento técnico, e a Secretaria-Executiva, de apoio à execução dos trabalhos do CGP e da CTP. Para a deliberação do CGT sobre contratação de PPP, o pedido deve ser instruído com pronunciamento prévio, fundamentado e conclusivo do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, sobre o mérito do projeto, e do Ministério da Fazenda, quanto à forma da garantia a ser concedida ao empreendedor privado e a viabilidade de sua concessão, relativamente aos riscos para o Tesouro Nacional e ao atendimento aos limites fiscais e orçamentários previstos na Lei das PPPs, que visam a cumprir os mecanismos de controle de endividamento público. Desde que se começou a discutir o projeto de lei das PPPs, houve uma grande preocupação do legislador em oferecer ao parceiro privado a segurança necessária visando atrair os recursos e investimentos para setores de atuação que são de responsabilidade do Estado. Como forma de criar garantias aos investimentos privados realizados pelos mesmos e, consequentemente, viabilizar esses mesmos investimentos foi previsto na Lei de PPPs que o FGP terá como objetivo “prestar garantia de pagamento de obrigações pecuniárias assumidas pelos parceiros públicos federais” em virtude das PPPs. O Fundo Garantidor das Parcerias Público-Privadas (FGP) é uma entidade contábil com personalidade jurídica, criada por lei, com objetivo de dar sustentação financeira ao Programa de PPP, tendo como beneficiárias as empresas parceiras definidas e habilitadas nos termos da lei. O FGP é um fundo de natureza privada e patrimônio próprio, portanto, separado do patrimônio de seus cotistas e tem um limite global de 6 bilhões de reais, podendo dele participar a União, suas autarquias e fundações públicas. Por conta de sua natureza privada e patrimônio próprio, em tese o FGP não está sujeito a contingências e limitações da administração pública que não as relativas às garantias prestadas em função dos contratos de PPPs e seus os cotistas não respondem pelas obrigações do FGP, mas apenas pela integralização das quotas por ele subscritas. O FGP tem direito de regresso em face do parceiro público, uma vez que, após o exercício da garantia e correspondente quitação do débito, ficará sub- rogado nos direitos do parceiro privado. O Comitê Gestor de Parcerias Público-Privadas – CGP em sua Resolução n. 01, de 05 de agosto de 2005, atribuiu ao Banco do Brasil a responsabilidade de criar, administrar, gerir e representar judicial e extrajudicialmente o FGP. 7. A PPP E A INDELEGABILIDADE DAS FUNÇÕES PRÓPRIAS OU EXCLUSIVAS DO ESTADO, A SUSTENTABILIDADE ECONÔMICO-FINANCEIRA DOS PROJETOS DE PARCERIAS, E A REPARTIÇÃO OBJETIVA DOS RISCOS ENTRE AS PARTES, INCLUSIVE AS REFERENTES A CASO FORTUITO, FORÇA MAIOR, FATO DO PRÍNCIPE E ÁLEA ECONÔMICA EXTRAORDINÁRIA 7.1 A INDELEGABILIDADE DAS FUNÇÕES PRÓPRIAS OU EXCLUSIVAS DO ESTADO O artigo 4º, inciso III, da Lei das parcerias público-privadas prescreve a indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional, do exercício do poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado. Considerando que a concessão de serviços públicos, lato sensu, atribui a prestação desses serviços a entes privados ou públicos, mas não a titularidade dos mesmos, limitada à Administração Pública competente, poderíamos visualizá-los como atividades dela exclusivas. O serviço postal e o correio aéreo nacional (art. 21, X, da Constituição Federal) são serviços de prestação obrigatória ou exclusiva da União, que não poderá atribuir a execução dos mesmos a terceiros. A exclusividade,aqui, salta aos olhos. Ademais, estados-membros e municípios, criando normas próprias e suplementares de parcerias público-privadas, já que compete privativamente à União legislar sobre normas gerais de licitação e contratação (art. 22, XXVII e art. 24, §2º, da CF/88), poderão, autonomamente, estabelecer para si a exclusividade da prestação de um dado serviço público, vedando qualquer modalidade concessionária. Os casos de indelegabilidade das funções de Estado na contratação das PPPs estão expressos no inciso III do art. 4º da Lei n. 11.079/2004, litteris: Art. 4º Na contratação de parceria público-privada serão observadas as seguintes diretrizes: [..] III – indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional, do exercício do poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado; [..] Assim, nessa ótica da subsidiariedade, seria de incumbência do Estado a realização de determinadas atividades que lhe são próprias em razão do seu caráter soberano, que não podem ser delegadas a particulares, tais como defesa, segurança, legislação, polícia, justiça e relações exteriores, sendo que de outro lado, ficariam regidas pelo princípio da subsidiariedade basicamente as atividades de cunho social, tais como saúde, educação, cultura, pesquisa, assistência e cultura, e as atividades de cunho econômico (comerciais, financeiras e industriais), em que o Estado só poderia exercer de modo supletivo a iniciativa particular, ou seja, quando o particular não agisse ou o fizesse de forma insatisfatória. 7.2 A SUSTENTABILIDADE ECONÔMICO-FINANCEIRA DOS PROJETOS DE PARCERIAS Podem ser objeto de Parceria a delegação de prestação ou exploração de serviço público, precedida ou não da execução de obra pública; a prestação de serviços à administração pública ou à comunidade, precedida ou não de obra pública, excetuadas as atividades exclusivas de Estado; a execução, a ampliação e a reforma de obra para a Administração Pública; a exploração de serviços complementares ou acessórios, de modo a dar maior sustentabilidade financeira ao projeto, redução do impacto tarifário ou menor contraprestação governamental. Para garantir a sustentabilidade financeira de um projeto deveremos encontra meios de viabilizar meios alternativos para remuneração da parceria a ser implementada que não seja apenas os recursos do Estado executor. Uma alternativa que poderia ser considerada seria a a agregação de recursos físicos e financeiros advindos da própria parceria, que assegurassem a própria sustentabilidade financeira do projeto, mediante a possibilidade de exploração pelo Parceiro Privado de atividades extras e de cunho estritamente privado, de forma concomitante, com a prestação do serviço ou obra de interesse público, vedado qualquer desvio de finalidade no que tange à parcela estritamente pública. Teríamos assim uma maior versatilidade e utilidade da parceira público- privada, mediante uma execução autossustentável cuja execução pode ocorrer em etapas distintas, independentes, segmentadas e contínuas, com a possibilidade da iniciativa privada e pública se engajar, conforme o real interesse social e/ou econômico na Parceria pretendida, que demonstrará de acordo com o tempo e as fases a serem desenvolvidas. 7.3 A REPARTIÇÃO OBJETIVA DOS RISCOS ENTRE AS PARTES, INCLUSIVE AS REFERENTES A CASO FORTUITO, FORÇA MAIOR, FATO DO PRÍNCIPE E ÁLEA ECONÔMICA EXTRAORDINÁRIA 7.3.1 A REPARTIÇÃO OBJETIVA DOS RISCOS ENTRE AS PARTES A questão dos riscos é de fundamental importância para as parcerias público- privadas, com enorme relevância na definição da equação econômico-financeira, para a estipulação da remuneração do parceiro privado e na definição das garantias e seguros no futuro contrato. Uma característica inovadora dos contratos de parceria público-privada é a previsão legal da repartição objetiva dos riscos entre as partes constante do art. 5º, inciso III, observando a capacidade do contratado. A transferência de riscos é fundamental para que o contrato alcance o objetivo principal de sua constituição, a eficiência econômica na prestação de serviços públicos. Ademais, se a repartição dos riscos é prevista pela Lei vigente e claramente explicitada no edital, e, ainda, respeitada as condições objetivas do particular de se responsabilizar por tais riscos, não há de se falar em quebra do equilíbrio econômico-financeiro, muito menos em desvirtuamento das condições efetivas da proposta. A alocação de cada risco do projeto, a partir dessas avaliações de cunho objetivo, com sua atribuição ao parceiro público e ao privado na medida das capacidades para gerenciá-lo é bastante condizente com o sentido inovador da lei brasileira ao preceituar a “repartição objetiva de riscos entre as partes”. A distribuição de riscos entre os parceiros, além das hipóteses de caso fortuito, força maior, fato do príncipe e álea econômica extraordinária, às quais a lei faz expressa menção, também deve abarcar os riscos próprios da álea ordinária (ou empresarial) e outras circunstâncias relacionadas com a álea administrativa – na qual a doutrina já inclui o fato do príncipe, como o fato da administração e até mesmo a alteração unilateral do contrato, pois que essa prerrogativa da Administração Pública, albergada pela supremacia do interesse público, não foi e nem deveria ser derrogada pela Lei das PPP, embora não se coadune com o grau de segurança que se pretende imprimir aos contratos de parceria. A repartição dos riscos entre o parceiro público e o privado, em geral, tem sido vista como remédio, em favor deste último, para as distorções da teoria do risco no regime de concessão comum, a qual acabaria por transferir ao particular o cumprimento de todos os princípios do artigo 37 da Constituição Federal, que dispõe sobre a Administração Pública. Por outro lado, verifica-se que o dispositivo da Lei n. 11.079/2004 permitiria a atribuição de responsabilidade aos agentes privados em decorrência de eventos que, tradicionalmente, são considerados excludentes dessa responsabilidade, o que iria de encontro à orientação que perpassou toda a elaboração do projeto de lei. A Lei das PPP é imprecisa no que tange ao compartilhamento dos riscos entre o parceiro público e o privado. Na forma genérica e abstrata, não existe óbice constitucional à orientação da Lei n. 11.097/2004, sobretudo se a norma tem em vista adotar mecanismos de preservação do projeto, observada a aptidão de cada parceiro para gerir os riscos a um menor custo. 7.3.2 CASO FORTUITO, FORÇA MAIOR, FATO DO PRÍNCIPE Na concessão comum, como ensina Bandeira de Mello13, não há essa repartição, pois, o concessionário age por sua conta, riscos e perigos, por serem estes inerentes a qualquer empreendimento, quais sejam os que respondem à chamada álea ordinária, correspondente aos riscos normais de qualquer empreendimento e que devem ser suportados pelo concessionário, não ensejam qualquer cobertura por parte do poder concedente. 13 MELLO, Celso A Bandeira de. Curso de direito administrativo. 20. ed. revista e atual. até a EC 48/2005. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 736 De outra parte, as áleas extraordinárias são as onerações imprevisíveis e supervenientes que impedem a continuidade do contrato. Elas podem ser de duas naturezas: administrativa e econômica. As áleas administrativas são os atos oriundos do Poder Público que se manifestam sobre o contrato que pode tomar determinadas providências para melhor adequá-lo ao interesse público. Neste caso, aplica-se a teoria do fato do príncipe que é uma medida de ordem geralque repercute reflexivamente sobre o contrato. No que concerne ao fato do príncipe, Maria Di Pietro14 afirma não ser possível onerar-se o parceiro privado com o encargo de repartir riscos oriundos do fato do príncipe, pois o princípio constitucional da responsabilidade (objetiva) do Estado, contida no artigo 37, § 6º da CF, impediria tal solução. A autora conclui que a repartição de riscos só pode ocorrer quando o desequilíbrio decorrer de fato estranho à vontade de ambas as partes, como ocorre nos casos de força maior e de álea econômica extraordinária, dando esta última, margem à aplicação da teoria da imprevisão. Esta teoria, também chamada de cláusula rebus sic stantibus, consiste no reconhecimento de que a ocorrência de acontecimentos novos, imprevisíveis pelas partes e a elas não imputáveis, refletindo sobre a economia ou na execução do contrato, autorizam sua revisão, para ajustá-lo às circunstâncias supervenientes. Com relação à responsabilidade objetiva do Estado (37, § 6º, CF), é oportuno citar decisão do STF: Entre as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público a que alude o § 6º do art. 37 da CF se incluem as permissionárias de serviços públicos. Pela teoria do risco administrativo, a responsabilidade objetiva permite que a pessoa jurídica de direito público ou de direito privado demonstre a culpa da vítima, a fim de excluir a indenização ou de diminuí-la (RE 206.711- 3- RJ, STF/1ª T., RT 770/183). O parágrafo 6º do Art. 37 da CF 88, que trata da responsabilidade objetiva do Estado tem o seguinte texto: As pessoas jurídicas de direito público e as de direito 14 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública. 5. ed. 2. reimpressão. São Paulo: Atlas, 2006, p. 171. privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. De outro lado, as áleas econômicas são atos externos, imprevisíveis ou inevitáveis que repercutem no contrato. Como exemplo tem-se as crises econômicas. Neste caso, aplica-se a teoria da imprevisão para que o equilíbrio econômico-financeiro seja mantido. Em se tratando de PPPs o artigo 5º, inciso III, da Lei das Parcerias determinou que tanto os riscos extraordinários, quanto os operacionais devem ser repartidos. O parceiro privado ao ingressar em uma PPP, terá uma enorme dificuldade, ou quem sabe lhe seja absolutamente impossível mensurar completamente as contingências caso tenha que concorrer nos riscos extraordinários. Assim, se não houver um mecanismo regulamentar ou contratual que permita a previsão e, eventualmente, limitação de riscos extraordinários, o parceiro particular pode ser obrigado a incluir, em sua proposta, custos elevados com seguro e garantias, encarecendo demasiadamente a obra. Se optar por não o fazer, ficará quase ao sabor do acaso, com grandes possibilidades de interrupção do projeto por incapacidade econômica e financeira. Assim, amparados nos dois dispositivos da Lei 11.079/2004 que tratam expressamente da repartição de riscos, o Inciso VI do artigo 4º que diz, textualmente, que deve haver a “repartição objetiva de riscos entre as partes”, e no Art. 5º, III,15 cabe ao Poder Público, por meio de regulamentos, ou os próprios parceiros, quando da negociação dos contratos de PPP, devem definir com clareza e na proporção das respectivas capacidades, tanto os riscos operacionais quanto os riscos extraordinários que pretendem assumir. É conveniente que os riscos extraordinários, quando suportados também pelo particular, sejam limitados, evitando, assim, ônus excessivos que possam obrigá-lo a suspender suas atividades, o que iria contrariar, em última análise, o próprio interesse público. 15 Art. 5º As cláusulas dos contratos de parceria público-privada atenderão ao disposto no art. 23 da Lei 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, no que couber, devendo também prever: (...) III – a repartição de riscos entre as partes, inclusive os referentes a caso fortuito, força maior, fato do príncipe e álea econômica extraordinária. 8. PROCESSOS LEGAIS PARA A CELEBRAÇÃO DAS PPP Um projeto de PPP passa por trâmites licitatórios semelhantes aos de uma obra pública ou de uma concessão comum. Além disso, como é um processo de concessão que envolve pagamentos governamentais, há uma série de procedimentos que devem ser adotados, bem como a necessidade de elaborar um contrato minucioso que ofereça garantias ao governo e ao agente privado de que a execução do projeto se dará conforme planejado. Para os projetos federais, a lei exige, ainda, a manifestação da Secretaria do Tesouro Nacional e a aprovação pelo Comitê Gestor de PPP – CGP, além de, eventualmente, outras autorizações. O atual marco regulatório das contratações públicas, formado pela Lei 8.666/1993 (contratação administrativa), pela Lei 8.987/1995 (concessão da prestação de serviços públicos) e por outras que lhes são correlatas, é complementado pela Lei 11.079/2004, em face das peculiaridades dos objetos da contratação no regime de parcerias público-privadas. Assim como nas concessões comuns, as concessões no regime de parcerias deverão ser licitadas na modalidade de concorrência, cuja abertura, entretanto, condiciona-se a autorização da autoridade competente, fundamentada em estudo técnico atualizado que justifique a contratação no regime de PPP e demonstre que as despesas não afetarão as metas de resultados fiscais e o limites das obrigações contraídas pela Administração, além de estimativa de impacto orçamentário- financeiro durante a vigência do contrato, previsão e compatibilidade com as leis orçamentárias (PPA, LDO e LOA), estimativa de fluxo positivo de recursos públicos para o cumprimento das obrigações, consulta pública e licenciamento ambiental. Embora a lei condicione a abertura do certame licitatório a estudo prévio que justifique a contratação no regime de PPP, ou seja, à demonstração da efetiva vantagem em termos de custo e benefício. Em relação à demonstração da efetiva vantagem em termos de custo e benefício, a experiência europeia mostra que esta avaliação somente poderá ser feita ao final do processo de licitação. Deverão ainda ser precedidas de autorização legislativa específica as concessões cuja contraprestação paga diretamente pela Administração Pública, além das tarifas cobradas dos usuários, exceder 70% do total da remuneração do parceiro privado. Além dos critérios de julgamento previstos na Lei 8.987/1995, poderá ser adotado o de menor valor da contraprestação ou ainda o da ponderação deste critério com o de melhor técnica. Exame prévio das propostas técnicas, antes do julgamento, também poderá ser realizado apenas para fins de qualificação. Com vistas a estimular a disputa, o edital poderá definir que as propostas econômicas escritas serão seguidas de lances em viva voz, na ordem inversa da classificação das propostas escritas, os quais poderão ser restritos aos licitantes cujas propostas escritas não ultrapassem de 20% o valor da melhor delas. Essa opção assemelha-se à modalidade do pregão (Lei 10.520/2002 e Decreto 3.555/2000). O edital poderá também estabelecer a inversão da ordem das fases de habilitação e julgamento, com a adjudicação do objeto ao primeiro licitante habilitado, observada a ordem de classificação das propostas econômicas. Outra novidade é a possibilidade de saneamento de falhas, de complementações ou correções