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UNIVERSIDADE FEEVALE ADRIANA DA SILVA FERREIRA A CONSTRUÇÃO DA DOMINAÇÃO LEGÍTIMA ATRAVÉS DO DISCURSO: UMA ANÁLISE DAS ENUNCIAÇÕES DE ADOLF HITLER NOVO HAMBURGO 2015 ADRIANA DA SILVA FERREIRA A CONSTRUÇÃO DA DOMINAÇÃO LEGÍTIMA ATRAVÉS DO DISCURSO: UMA ANÁLISE DAS ENUNCIAÇÕES DE ADOLF HITLER Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito parcial à obtenção de grau de Bacharel em Publicidade e Propaganda pela Universidade Feevale. Orientadora: Profª. Me. Daniela Santos da Silva NOVO HAMBURGO 2015 ADRIANA DA SILVA FERREIRA Trabalho de Conclusão do Curso de Publicidade e Propaganda, com o título A construção da dominação legítima através do discurso: uma análise das enunciações de adolf hitler, submetido ao corpo docente da Universidade Feevale, como requisito necessário para a obtenção do grau de Bacharel em Publicidade e Propaganda. Aprovado por: ___________________________________ Prof.ª Me. Daniela Santos da Silva Professora Orientadora ___________________________________ Prof. Dr. Henrique Alexander Grazzi Keske Banca Examinadora ___________________________________ Prof.a Me. Tais Vieira Pereira Banca Examinadora Novo Hamburgo, novembro de 2015. Este trabalho é dedicado, com amor, à Ana (In Memorian). Minha irmã, que foi pra mim um grande exemplo de determinação, amor e alegria. AGRADECIMENTOS Agradeço à minha família pais, irmã, sobrinha e cunhado pelo apoio e incentivo que sempre me deram. Em especial, à minha mãe e ao meu pai, que sempre fizeram tudo que podiam por mim, com amor e dedicação incondicionais. Ao meu namorado, que esteve o tempo todo ao meu lado, de forma compreensiva me dando todo o apoio e incentivo. Ás minhas amigas, que sempre me motivaram e compreenderam minha ausência no período de construção dessa pesquisa. E, principalmente à minha orientadora. Que abraçou esse trabalho comigo, com muito entusiasmo, carinho e dedicação. Foi um período muito prazeroso e de muito aprendizado, esse que passamos. Infinitamente obrigada! RESUMO Esta pesquisa parte do pressuposto de que a comunicação é um meio para que as pessoas atinjam seus próprios objetivos, afetando o contexto em que estão (BERLO, 1972). Dessa forma, mostrase relevante analisar como um indivíduo, a partir do discurso, amplia seu poder a ponto de obter a legitimação da dominação que pretende exercer. Para tanto, o presente trabalho tem como objetivo geral verificar como o discurso de Adolf Hitler pode ter contribuído para legitimar sua dominação sobre os alemães. Como objetivos específicos, elencase: investigar o contexto das enunciações de Hitler; verificar como o contexto dos interlocutores de Hitler pode ter os predisposto a legitimar a dominação; analisar as Formações Discursivas que revelam o sentido das mensagens de Hitler e verificar, com base em Max Weber, qual tipo de dominação Hitler exerceu. O tema é relevante para a Publicidade e Propaganda na medida em que essa atividade tem como propósito principal persuadir o públicoalvo através da mensagem. A Análise do Discurso, na perspectiva da escola francesa, serviu como procedimento metodológico. O corpus de análise foi composto pelos pronunciamentos de Hitler durante o 6ª Congresso do Partido Nazista, em 1934, registrados no documentário O Triunfo da Vontade, da cineasta Leni Riefenstahl. Para contextualizar as enunciações investigadas, construiuse um resumo da vida e trajetória política de Adolf Hitler e do partido Nazista, bem como da Alemanha e seu envolvimento na 1ª e na 2ª Guerras Mundiais. A partir disso, as Sequências Discursivas que compõem as Formações Discursivas das enunciações de Hitler foram examinadas, revelando a construção de sentidos de suas mensagens. Com base nos estudos realizados, concluiuse que Adolf Hitler exerceu dominações carismática e racionallegal, simultaneamente. Essas foram legitimadas pelo povo alemão a partir de motivações diversas no contexto de derrota na 1ª Guerra, como sentimento de humilhação, instabilidade política, desemprego, crise econômica e identitária, conjuntura europeia de preconceito racial e supervalorização da raça alemã. Tudo isso aliado à impressionante capacidade oratória de Hitler. Palavraschave: Adolf Hitler. Dominação Legítima. Análise de Discurso. ABSTRACT This study departs from the assumption that communication is a means intended for people to reach their own goals, affecting the setting in which they are (BERLO, 1972). Therefore, it is relevant to analyze how an individual, through discourse, enhances their power so as to legitimize the domination that they intend to enforce. For this purpose, this paper has the general objective of investigating how Adolf Hitler's speech may have contributed to legitimize his rule over the German people. As specific goals, we list: to investigate the context of Hitler's utterances; to verify how the context of Hitler's interlocutors may have predisposed domination to being legitimized; to analyze Discursive Formations that reveal the meaning of Hitler’s messages; and to verify, based on Max Weber, what type of domination Hitler exerted. This is relevant theme for Advertising as it chiefly aims at persuading a target audience through the message.The intent is to reflect critically on the use that (we) communicators make of persuasive communication. This includes the awareness that in Advertising, or in any other profession, what ones speaks and how it is spoken may really lead to changes, not always beneficial. The relevance of the subject matter in this study is centered on two aspects. From the perspective of an utterer, it is understood that this study may contribute to comprehend the power of communication and the responsibility of a communicator. From the perspective of an interlocutor, this study may contribute to understand how an interlocutor supports the legitimization of their own domination, strengthening the order of a certain speech. For the theoretical basis of the proposed investigation, an indepth study on communication, legitimate domination and speech was conducted. Discourse Analysis, from the perspective of the French school, served as a methodological procedure. The corpus of the analysis comprised Hitler’s speeches during the 6th Congress of the Nazi Party, in 1934,recorded in the documentaryTriumph of The Will, by film maker Leni Riefenstahl. To contextualize the investigated utterances, a summary was written about the life and political trajectory of Adolf Hitler and the Nazi Party, as well as Germany and its participation in World War I and II. Subsequently, Discursive Sequences comprising the Discursive Formations in Hitler’s utterances were examined, revealing the construction of meanings in his messages. Based on the studies conducted, it was concluded that Adolf Hitler exerted charismatic and rationallegal authority, simultaneously. These were legitimized by the German people due to several reasons in the context of World War I defeat, such as the feeling of humiliation, political instability, unemployment, economic and identity crisis, European situation of racial prejudice and overvaluation of the German race. All of this was associated with Hitler’s impressive rhetoric skills. Keywords: Adolf Hitler. Legitimate domination. discourse analysis LISTA DE ABREVIATURAS AD Análise de Discurso. DAP Partido dos Trabalhadores Alemães. DSP Partido Socialista Alemão. E1 Enunciação número 1. E2 Enunciação número 2. E3 Enunciação número 3. E4 Enunciação número 4. E5 Enunciação número 5. EUA Estados Unidos da América. FD Formação Discursiva. FD’s Formações Discursivas. JH Juventude Hitlerista. NSDAP Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães. PG Povo em Geral. POSDR Partido Operário Social Democrata Russo. AS Sturmabteilung (em alemão); Tropa de Choque (em Português). SD Sequencia Discursiva. SD’s Sequencias Discursivas. SPD Partido Social Democrático da Alemanha. SS Schutztaffel (em alemão); Brigada de Defesa (em Português). USPD Partido Social Democrata Independente da Alemanha. LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Corpus bruto de análise Quadro 2 – Corpus primário de análise Quadro 3 – Corpus de análise secundário SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 2 REFERENCIAL TEÓRICOMETODOLÓGICO 2.1 A DOMINAÇÃO SEGUNDO MAX WEBER 6 2.1.1 Dominação racionallegal 2.1.2 Dominação tradicional 2.1.3 Dominação carismática 2.2 O DISCURSO E A IDEOLOGIA 3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 3.1 ANÁLISE DE DISCURSO 3.2 COLETA DOS DADOS E CONSTRUÇÃO DO CORPUS DE ANÁLISE 4 A CONSTRUÇÃO DA DOMINAÇÃO LEGÍTIMA ATRAVÉS DO DISCURSO 4.1 CONTEXTUALIZAÇÃO SÓCIOHISTÓRICA 4.1.1 Hitler e a Alemanha Como tudo começou 4.1.2 A trajetória política de Hitler 4.1.3 A consolidação do poder e o declínio de Hitler 4.2 A LEGITIMAÇÃO DA DOMINAÇÃO DE ADOLF HITLER 4.3 CONSIDERAÇÕES SOBRE A ANÁLISE 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS ANEXO A – TRANSCRIÇÃO DOS DISCURSOS DE ADOLF HITLER 9 INTRODUÇÃO O homem não é autossuficiente, ele comunicase com os demais a fim de atingir seus próprios interesses, e dessa forma, poder viver e sobreviver (BERLO, 1972). Além disso, de acordo com o autor, a capacidade de comunicação do homem é que permite a organização e vida em sociedade. Dessa forma, compreendese que a comunicação carrega sempre algum interesse. Na área da Publicidade e Propaganda, isso fica ainda mais evidente, pois o objetivo central é convencer o público, por meio da mensagem, a comprar o produto, conhecer a marca, contratar o serviço etc. A fim de atingir esse objetivo, a primeira etapa da construção do trabalho é decidir que mensagem será utilizada. Essa definição da mensagem ocorre considerando o que deve ser dito, como será dito, para quem será dito e em que momento será dito. A fim de identificar a melhor mensagem, que seja capaz de persuadir o público. Após uma reflexão sobre esse processo, concluiuse que a mensagem é o mais relevante para o atingimento do objetivo de comunicação. Essa reflexão levou à definição do tema de pesquisa e à escolha do discurso como a forma de comunicação a ser estudada. Isso porque percebeuse nesse tipo de comunicação a essência do processo comunicional; em um discurso, o foco está na articulação das palavras, no orador e em seus interlocutores. O gosto da autora por História e, principalmente, o reconhecimento de que Adolf Hitler foi alguém que utilizou a palavra como principal ferramenta para atingir seus próprios objetivos, levaram à escolha do discurso desse político como objeto de pesquisa. Sabese que Hitler conseguiu convencer milhares de pessoas a seguirem, por vontade própria, os seus ideais. Ou seja, ele conseguiu dominar com legitimidade. A relevância do tema dessa pesquisa se centra em dois aspectos. Primeiramente, da perspectiva de um enunciador, entendese que essa pesquisa poderá contribuir para a compreensão sobre o poder da comunicação. O intento é levar a uma reflexão crítica sobre o uso que (nós) os comunicadores fazem dela. Isso inclui a ciência de que, na Publicidade e Propaganda, ou em qualquer outra profissão, o que se fala e como se fala pode realmente ocasionar mudanças, nem sempre positivas. A responsabilidade de um comunicador é, portanto, imensa. O segundo aspecto relevante é do ponto de vista do interlocutor. Dessa perspectiva, esta pesquisa poderá contribuir para a compreensão de como o interlocutor contribui para a legitimação da sua própria dominação. Isto é, quando um indivíduo confia em determinado discurso, e decide por vontade própria seguir o que está sendo proposto, ele está na realidade legitimando as orientações do enunciador. Com essa participação ativa do interlocutor, legitimase a orientação dada por aquela fala, tornandoa mais forte. Cabe ressaltar que os casos de dominação através do discurso não ocorrem somente na publicidade ou na política (como é o caso de estudo dessa pesquisa), mas também, em diversos outros contextos, como de religião, de educação, familiar, enfim. A relevância desse estudo, não se dá, portanto, em um contexto específico. Mas sim, em qualquer relação de dominação legitima, com o uso de comunicação. Para atingir esse objetivo foram traçados os seguintes objetivos específicos: (a) investigar o contexto das enunciações de Hitler; (b) verificar como o contexto dos interlocutores de Hitler pode ter os predisposto a legitimar a dominação; (c) analisar as Formações Discursivas que revelam o sentido das mensagens de Hitler; e (d) verificar, com base em Max Weber, qual tipo de dominação Hitler exerceu. Quanto aos procedimentos adotados para a realização do estudo, iniciouse pela construção do embasamento teóricometodológico sobre dominação legítima e discurso, através de uma pesquisabibliográfica. Para fundamentar o processo de comunicação, utilizouse Berlo (1960; 1972), que explica o vínculo da comunicação e a busca dos indivíduos pelo atingimento de seus interesses. Foi com base nas ideias desse autor que se estabeleceu a relação entre dominação legitima e discurso. Max Weber (2000), principal estudioso sobre as relações sociais de dominação, foi utilizado para embasar esse tema. Ele define os tipos de dominação que um indivíduo pode exercer sobre os demais, bem como as circunstâncias em que elas podem ocorrer. Isso permitiu verificar qual tipo de dominação Adolf Hitler exerceu sobre o povo alemão. As ideias de Milton José Pinto (1999) e Eni Orlandi (2007) foram utilizadas na fundamentação da variável discurso, da perspectiva de AD. José Fiorin (2001) contribui com o entendimento sobre a presença da ideologia nos discursos. Além disso, a pesquisa bibliográfica contribuiu para a contextualização sócio – histórica do discurso de Hitler. Utilizouse, principalmente, Ian Kershaw (2010) e Ribeiro Jr (2001), para embasar a situação em que Hitler escreveu e proferiu o seu discurso. Com essa pesquisa, construiuse também um breve resumo da história de vida de Hitler, a situação da Alemanha desde a 1ª guerra mundial e toda a trajetória política do partido Nazista. Realizouse também, uma pesquisa documental, para a busca dos discursos de Hitler. Inicialmente, buscouse os discursos transcritos em livros, na integra e em português. Encontrouse, porém, alguns livros com partes do discurso. Mas, com base nos estudos previamente realizados, entendeuse esses recortes como superficiais e tendenciosos. Portanto, optouse por não utilizálos. Diante da dificuldade de localizar os discursos transcritos de uma fonte confiável, a orientadora dessa pesquisa, sugeriu que fosse considerado o documentário, O Triunfo da Vontade. O qual possui registros de discursos de Adolf Hitler. O filme foi produzido a pedido de Hitler pela diretora Lei Rienfesthal e registra o 6ª Congresso do Partido Nazista, em Nuremberg. O objetivo desse documentário era mostrar ao povo alemão a grandiosidade do governo de Hitler que, naquele momento, estava há um pouco mais de um ano e meio na gestão e como esse já estava causando melhorias consideráveis no país. A participação em massa dos alemães nos comícios registrados na película, bem como, a alegria e empolgação do povo ao ver o Führer (líder, em alemão), revelaram também o apoio da população a Hitler e ao seu regime. Portanto, considerando a confiabilidade desse documentário bem como a sua relevância histórica, os enunciados apresentados nele foram submetidos à análise. Como último procedimento metodológico, valeuse da Análise de Discurso (AD), da perspectiva da escola francesa. Optouse pela análise discurso tradicionalmente francesa, pela forma como ela considera o discurso. Nessa linha de AD, o discurso é uma interação entre o enunciador (sujeito que produz e reproduz o discurso) e seus interlocutores, eles se relacionam através da construção de sentidos, sendo influenciados e, ao mesmo tempo, influenciando o contexto. O embasamento teórico de AD nessa linha se deu principalmente pelos autores Milton José Pinto (1999) e Eni Orlandi (2007). Dessa perspectiva, entendeuse que compreender o significado das palavras que compõem uma fala ou um texto não são suficientes para que se compreenda a real mensagem de um discurso. É necessário conhecer o contexto e a ideologia da enunciação, do enunciador e de seu interlocutor, para assim, compreender o sentido da mensagem. Isto é, a construção e a compreensão do real sentido da mensagem de um discurso depende, e é influenciado, por esses fatores. Esses sentidos presentes no discurso são revelados através das Formações Discursivas, que são formadas por Sequências Discursivas. Esta monografia está organizada em três etapas. A inicial apresenta o embasamento teórico metodológico, com as definições das variáveis dominação legitima, discurso e ideologia. A segunda apresenta os procedimentos metodológicos adotados para a realização da pesquisa, que são a pesquisa bibliográfica, pesquisa documental e análise de discurso. Por fim, expõese a contextualização sócio histórica dos enunciadores e das enunciações, realizase a análise e apresentase as considerações finais da pesquisa. 2 REFERENCIAL TEÓRICOMETODOLÓGICO Neste capítulo é apresentado o embasamento teóricometodológico utilizado na compreensão das principais variáveis presentes no tema desta pesquisa: dominação legítima e discurso. Na fundamentação sobre dominação legítima, são apresentados os conceitos de Max Weber, principal estudioso do tema. O autor explica as relações de dominação, o contexto em que ocorrem e suas características, bem como, os três principais tipos de dominação encontrados em sociedade. Em seguida, trazse as ideias de Berlo (1960; 1972) sobre o processo de comunicação, com foco na necessidade que os indivíduos possuem de se comunicar para atenderem objetivos próprios e, assim, poderem viver e sobreviver em sociedade. Por fim, são expostos os conceitos relativos à Análise do Discurso por meio dos estudos de Orlandi (2007) e Pinto (1999). Esses são complementados, através de Fiorin (2001), com a definição de ideologia e o modo como ela se faz presente no discurso. 2.1 A DOMINAÇÃO SEGUNDO MAX WEBER Max Weber (18641920) sistematizou a discussão a respeito da dominação em seu ensaio sobre sociologia compreensiva chamado Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Publicada postumamente em 1920, a obra foi construída através de escritos deixados pelo autor. Em resumo, podese afirmar que, nesse estudo, Weber visou o entendimento das relações sociais estabelecidas em sua época. Para tanto, investigou primeiramente as ações dos indivíduos (micro ambiente) para, então, compreender a sociedade (macro ambiente). Para o autor, é através das atitudes racionais dos indivíduos que se constrói a sociedade. É dentro desse estudo que, entre diversos tipos de relação possíveis entre indivíduos e entre indivíduo e sociedade, Weber apresenta a dominação legítima, tema de fundamental relevância para o desenvolvimento do presente trabalho (OLIVEIRA, 2008). A apreensão das ideias do autor passa pela compreensãoda diferença entre poder, dominação, obediência e disciplina: Poder significa toda probabilidade de impor a própria vontade numa relação social, mesmo contra resistências, seja qual for o fundamento dessa probabilidade. Dominação é a probabilidade de encontrar obediência a uma ordem de determinado conteúdo, entre determinadas pessoas indicáveis; disciplina é a probabilidade de encontrar obediência pronta, automática e esquemática a uma ordem, entre uma pluralidade indicável de pessoas, em virtude de atividades treinadas. (WEBER, 2000, p. 33). As diferentes situações de dominação podem ser baseadas, segundo Weber (2000), em motivos distintos: afetivo, racional (por ideais e valores) ou interesses materiais. A origem de cada motivo é o que define, de maneira ampla, o tipo de dominação existente em determinada relação social. Porém, motivos naturalmente afetivos ou materiais não bastam para manter a dominação, de alguma forma, todos buscam despertar a crença em sua legitimidade. A legitimação da dominação é construída na relação entre dominador e dominado, na medida em que o último decide se submeter ao primeiro, entendendoo como uma fonte válida de poder. Segundo Weber (2000), o dominado pode submeterse a tal situação motivado por razões internas como entrega sentimental, racional ou religiosa – e, também, (ou somente) pelo interesse em determinadas consequências externas. Assim, segundo Max Weber (2000), existem três tipos principais de dominação legitima: de caráter racional, de caráter tradicional e de caráter carismático. Todas serão apresentadas a seguir. 2.1.1 Dominação racionallegal A dominação legal, segundo Weber (2000), apresenta caráter racional e se baseia na obediência às normas de determinado contexto, que devem ser seguidas por todos aqueles indivíduos que dele fizerem parte. Através dessas normas é organizada uma hierarquia: as ordens dos ocupantes dos cargos superiores são obedecidas por todos os indivíduos que ocupam cargos inferiores. É importante frisar que, nesse caso, a obediência ao indivíduo “superior” se dá devido à representatividade de sua posição na estrutura hierárquica, não devido às suas características pessoais. Esse tipo de dominação é relatada por Pagès et al. (1993, p. 48) quando discutem a criação de regras nas organizações: A direção mundial elabora as políticas a serem seguidas, define os objetivos a serem atingidos nos diferentes estágios do processo econômico (pesquisa, produção, venda) e assegura a utilização das funções facilitando sua realização (administração, publicidade, relações públicas, gestão do pessoal, etc.). Para cada política, de acordo com esses autores, as condições de realização dos objetivos são estabelecidas por regras especificadas em manuais. Tais regras fixam as atribuições de cada indivíduo, as formas de avaliação das suas ações, as formalidades administrativas concorrentes a cada operação etc. É nesse sentido que Weber (2000, p. 143) indica que a dominação legal é característica das sociedades ocidentais modernas e é sustentada por algumas condições essenciais: estar ligada a um exercício contínuo, dentro de regras determinadas e funções oficiais, por um período préfixado, em um contexto limitado e com delimitação dos atos coercivos dentro do que for aceitável e devidamente contextualizado. O exercício de poder que se organiza dessa forma é chamado de autoridade institucional: 'Autoridade institucional' existe, neste sentido, naturalmente em grandes empresas privadas, partidos, exércitos, do mesmo modo que no ‘Estado' e na ‘igreja'. Assim, também, no sentido dessa terminologia o presidente eleito do Estado (ou o colégio dos ministros ou dos 'representantes do povo’ eleitos) é uma 'autoridade institucional'. (WEBER, 2000, p. 143). Conforme o autor, relacionadas à autoridade institucional estão outras condições que também são necessárias para a caracterização da dominação como racionallegal: ● O princípio da hierarquia oficial, ou seja, a “organização de instâncias fixas de controle e supervisão para cada autoridade institucional com o direito de apelação ou reclamação das subordinadas às superiores” (WEBER, 2000, p.143); ● A existência de regras (regras técnicas ou normas) que, na sua aplicação, exige qualificação profissional. Os indivíduos classificados como possuidores das qualificações necessárias são aceitos no contexto organizacional como funcionários, formando assim o seu quadro administrativo; ● Há separação entre o quadro administrativo e os meios de administração e produção, ou seja, os funcionários não possuem os meios materiais de produção e de administração, mas o utilizam para a execução de seu trabalho e de suas responsabilidades; ● Todos os direitos e deveres são relacionados ao cargo (não ao detentor de tal cargo) e são necessários para garantir a execução de determinada função no ambiente de trabalho; ● O princípio da documentação, em que todos os acordos, normas, requisitos, decisões, ordenações e disposições de todas as espécies são documentadas. Ainda sobre a concepção das regras, Pagés et al. (1993, p. 51) afirmam: “É pelo meio indireto da elaboração de regras dinâmicas que a centralidade da organização é mantida e dessa forma o poder da direção central”. Ou seja, é através da criação de normas e regras que a autoridade (o líder) é instituída e, através disso, a dominação é efetivada. No tipo puro da dominação em questão, segundo Weber (2000), somente a autoridade da organização detém a posição de senhor, concedido por denominação, sucessão, eleição ou apropriação. As funções senhoriais são, também, consideradas competências legais exercidas através do quadro administrativo burocrático, formado pelos funcionários. Estes se caracterizam, segundo Weber (2000), como pessoas livres que obedecem somente às obrigações do seu cargo. Elas são nomeadas dentro de uma hierarquia de cargos e têm competências funcionais fixas, determinadas em contrato, com base em seleção livre segundo a qualificação profissional (verificada por provas ou comprovada por diplomas). Os funcionários recebem um salário para execução de suas funções, determinado de acordo com a posição hierárquica do seu cargo, podendo ser demitidos ou pedir demissão. Exercem seu cargo como profissão e têm a perspectiva de carreira por promoção, eficiência ou os dois, de acordo com as regras do superior.Por fim, os funcionários trabalham em separação absoluta dos meios administrativos e sem apropriação do cargo, ficando submetidos a um sistema de controle e disciplina do serviço. Weber (2000) esclarece que a dominação calcada no quadro administrativo burocrático representa a tendência ao nivelamento dos profissionalmente mais qualificados, visto que apenas os poucos indivíduos bem dotados financeiramente buscam e atingem a qualificação exigida. Tratase da dominação da impessoalidade, em que tudo é feito apenas por dever, sem paixão ou entusiasmo. A administração burocrática, presente em praticamente todas as áreas (igrejas, estados, empresas e associações, entre outras formas de organização), é o que garante as condições necessárias para a existência do sistema capitalista, oferecendo uma “administração contínua, rigorosa, intensa e calculada”, tida “como núcleo de toda administração de massas” (WEBER, 2000, p. 146). É o tipo de dominação mais racional existente, permitindo também o funcionamento do Estado Moderno. Nesse contexto, é possível ao dominado se defender da burocracia administradora dominante saindo de sua posição e criando a sua própria organização. Esta, porém, igualmente precisará submeterse a burocracia. De acordo com Pagés et al. (1993, p. 61), “para determinar a extensão do poder do criador da regra, não é necessário examinar em detalhe suas características particulares, o poder não reside na própria regra, mas no movimento que a institui e nas modalidades e sua utilização”. Esse apontamento já havia sido feito por Weber (2000, p. 147) quando afirmou que a “administração burocrática significa: dominação e virtude de conhecimento; este é seu caráter fundamental especificamente racional”. Isso significa que não basta a posição de poder dada ao indivíduo devido ao seu conhecimento profissional. A burocracia também eleva esse poder através do poder prático do seu exercício, ou seja, os conhecimentos adquiridos pelo exercício da função ou obtidos por documentações. Rezende (1984, p. 82), por sua vez, afirma que “a universidade adota semelhante atitude de dominação ao admitir que os títulos universitários conferem poder: 'saber é poder’”. Na situação em que o professor aplica uma prova ao aluno, por exemplo, o professor se encontra em posse do saber absoluto e o aluno, com o não saber. “Nesse contexto, o professor aparece não como alguém que produz o saber, mas como alguém que o controla através dos exames” (REZENDE, 1984, p. 82). Portanto, podese compreender que a essência da burocracia racional está no formalismo e na tendência dos funcionários de buscarem qualificação para a execução de suas tarefas, submetendose às regras e normas impostas e, assim, mantendo a continuidade da administração burocrática. 2.1.2 Dominação tradicional Diferentemente da dominação legal, a dominação tradicional tem sua legitimidade na crença, na santidade de ordens e poderes tradicionais, que existem “desde sempre” (WEBER, 2000, p. 148). Esse tipo de dominação tem o senhor (ou senhores) denominado em função de atributos embasados em regras tradicionais, as quais são obedecidas devido à dignidade pessoal da liderança, recebida pela tradição. De acordo com o autor, os dominados são uma associação de devotos que compartilham princípios comuns de educação e são considerados companheiros tradicionais ou súditos do dominador. Este é considerado um senhor pessoal, e seu quadro administrativo se compõe primariamente de servidores pessoais. A fidelidade pessoal do servidor é tida, portanto, como decisiva na relação entre dominado e dominador. Na dominação tradicional não há estatutos ou regras a serem obedecidas, o que há é um senhor denominado pela tradição. Suas ordens são legitimadas de duas maneiras: […] em parte em virtude da tradição que determina inequivocadamente o conteúdo das ordens, e da crença no sentido e alcance destas, cujo o abalo por transgressão dos limites tradicionais poderia pôr em perigo a posição tradicional do próprio senhor; em parte em virtude do livre arbítrio do senhor, ao qual a tradição deixa espaço correspondente. (WEBER, 2000, p. 148). Para Weber (2000, p. 148), o livre arbítrio senhorial tem base na ausência de limitações, o que, por princípio, descreve a obediência em virtude do dever da piedade, ocasionando um duplo domínio: “da ação do senhor materialmente vinculada à tradição, e da ação do senhor materialmente independente da tradição”. No segundo caso, o senhor se manifesta livremente sobre a graça ou desgraça do dominado com julgamentos puramente 1 pessoais, sem nenhuma regra ou norma formal. Isso reforça a ideia de que o indivíduo escolhe submeterse ao dominador, nesse caso, motivado pela crença que nele possui. Nesse tipo de relação social, quando ocorre resistência por parte do dominado, essa normalmente não se dá com relação ao sistema tradicional, mas sim, frente à pessoa do senhor, que pode ter desrespeitado os limites do seu poder. Assim, novos direitos ou princípios só se legitimam com a pretensão de terem sido vigentes desde sempre ou quando são reconhecidos como fruto do dom de sabedoria senhorial (WEBER, 2000). Weber (2000) indica que a dominação tradicional é operacionalizada com ou sem quadro administrativo. Quando há um quadro administrativo, esse é composto por: Pessoas tradicionalmente ligadas ao senhor, por vínculo de piedade ('recrutamento patrimonial'): membros do clã; escravos; funcionários domésticos dependentes, particularmente seguidores de algum ministério; cliente; colonos; libertados; ('recrutamento extrapatrimonial’): relações pessoais de confiança (‘favoritos' independentes, de todas as espécies); ou pacto de fidelidade com o senhor legitimado; funcionários livres que entram em relação de piedade para com o senhor. (WEBER, 2000, p. 148, 149). O que diferencia os dois tipos de dominação tradicional com quadro administrativo é a forma de recrutamento dos dominados. Na dominação tradicional patrimonial há um vínculo de piedade comum, enquanto na dominação tradicional extrapatrimonial o vínculo é de confiança. Por outro lado, em ambos os casos se encontram faltantes (a) a competência fixa segundo normas objetivas; (b) a hierarquia racional fixa; (c) a nomeação regulada por 1Kant (apud WEFFORT, 1998, p. 53) define liberdade como a ausência de determinações externas docomportamento, considerando que “nos seres racionais a causa das ações é o seu próprio arbítrio (por oposição ao mero desejo ou inclinação que não são objetos de escolha)”. contrato; (d) a formação profissional como norma e (e) o salário fixo ou apenas salário pago em dinheiro. Porém, todas essas lacunas existentes na forma de dominação tradicional com e sem quadro administrativo são preenchidas pelas decisões do senhor. Como mencionado, a dominação tradicional pode se estabelecer também sem que haja um quadro administrativo. Nesse caso, a dominação tradicional pode se efetivar através da gerontocracia ou do patriarcalismo primário. De acordo com Weber (2000, p. 151): Denominase gerontocracia a situação em que, havendo alguma dominação dentro da associação, esta é exercida pelos mais velhos (originalmente, no sentido literal da palavra: pela idade), sendo eles os melhores conhecedores da tradição sagrada. A gerontocracia é encontrada frequentemente em associações que não são primordialmente econômicas ou familiares. É chamada patriarcalismo a situação em que, dentro de uma associação (doméstica), muitas vezes primordialmente econômica e familiar, a dominação é exercida por um indivíduo determinado (normalmente) segundo regras fixas de sucessão. Dessa maneira, compreendese que, sem a existência de um quadro administrativo, a dominação tradicional se dá de duas maneiras: quando se tem o membro mais velho como o dominador (gerontocracia), ou quando o dominador é denominado através de regras fixas de sucessão (patriarcalismo). Segundo Weber (2000) é possível que os dois tipos de dominação tradicional sem quadro administrativo coexistam. Porém, de qualquer forma, é determinante, em ambos os casos, que o poder seja orientado pelo interesse do dominado em usufruir da sabedoria do dominador, não sendo o dominador a se apropriar livremente desse direito. Portanto, é a ausência total de quadro administrativo e a dependência do dominador no interesse de obedecer do dominado que determinam essa situação. Os associados ainda são, portanto, companheiros', e não 'súditos'. Mas são 'companheiros' em virtude da tradição, e não 'membros' em virtude de estatutos. Devem obediência ao senhor e não a regras instituídas. Mas ao senhor apenas a devem de acordo com a tradição. O senhor, por sua parte, está estritamente vinculado à tradição. (WEBER, 2000, p. 151). Há ainda, segundo Weber (2000, p. 152), o tipo de dominação tradicional estamental, em que “determinados poderes de mando e as correspondentes oportunidades econômicas estão apropriados pelo quadro administrativo”. Ou seja, a dominação tradicionalestamental é efetivada sobre uma associação, um grupo de indivíduos ou por apenas um indivíduo, bastando que estes pertençam ao quadro administrativo possuidor dos poderes de mando. As principais características da dominação tradicional estamental são: a limitação da livre seleção do quadro administrativo, que é sempre realizada pelo senhor; a existência de uma associação ou de uma camada social estamentalmente qualificada; ou a apropriação dos cargos, meios e poderes, por parte quadro administrativo, que podem repousar em arredondamento, penhora, venda, privilégio pessoal, associação ou camada estamentalmente qualificada ou feudos (WEBER, 2000). Quando, por compromisso com o senhor, indivíduos privilegiados por poderes estamentais criam estatutos (políticos, administrativos ou ambos), disposições administrativas ou medidas de controle da administração, ocorre o que Weber (2000) denomina como divisão estamental de poderes. Ainda de acordo com Weber (2000), compreendemse por feudos, os poderes de mando conferidos originalmente por contrato a pessoas individualmente qualificadas, portadoras de direitos e deveres recíprocos com o dominador e orientadas por conceitos de honra estamental. Em um quadro administrativo originalmente mantido por meio de feudos, temse um feudalismo de feudo (WEBER, 2000). A dominação tradicional possui forte ligação com as relações econômicas, isso porque, de acordo com Weber (2000, p. 156), “costuma atuar sobre as formas de gestão econômica, em primeiro lugar e de modo muito geral, mediante certo fortalecimento das ideias tradicionais”. Nesse aspecto, destacamse as dominações gerontocrática e a patriarcal, pois não se apoiam em um quadro administrativo particular do senhor, que, para manter sua legitimidade, depende unicamente da observação da tradição. Para atuar sobre a economia, a dominação tradicional depende de um formato específico de finanças determinado pela parte dominadora. Nesse sentido, Weber (2000) traz alguns desses modos específicos: ● Quando os servidores do senhor têm suas necessidades providas mediante prestações em espécie e serviços pessoais: as relações econômicas estão vinculadas à tradição, o desenvolvimento do mercado é bastante dificultado e o uso de dinheiro é orientado pelo consumo, o que possibilitou o nascimento do capitalismo; ● Quando o provimento das necessidades dos servidores e do senhor, privilegiam determinados estamentos: o desenvolvimento do mercado fica limitado pela queda da “capacidade aquisitiva”. Essa ocorre em virtude das exigências da associação dominadora em relação a propriedade e à capacidade das economias individuais; ● Quando há uma relação monopolista, com o provimento das necessidades do senhor e dos servidores determinado por taxas e por impostos: o desenvolvimento do mercado é irracionalmente limitado, dependendo da natureza dos monopólios. As maiores oportunidades aquisitivas encontramse nas mãos do senhor ou de seu quadro administrativo. Nessa condição, o capitalismo está impedido (em caso de direção completa da administração) ou desviado para o âmbito do capitalismo político (no caso de existirem como medidas financeiras o arredondamento ou a compra de cargos, bem como o recrutamento capitalista de exércitos ou funcionários administrativos). No patrimonialismo e no sultanismo, a economia fiscal atua de modo irracional, mesmo com a presença da economia monetária. Isso, segundo Weber (2000), ocorre em virtude da coexistência de um vínculo tradicional com as fontes tributárias diretas. Ocorre também devido à liberdade completa quanto à extensão e natureza da fixação de taxas, impostos e criação de monopólios. Outros motivos são a falta da possibilidade de calcular as cargas tributárias e o grau deliberdade das atividades aquisitivas privadas, necessárias para racionalizar a economia. No caso da divisão estamental dos poderes, a política financeira tem, segundo Weber (2000), a particularidade de impor cargas tributárias fixadas por compromisso e, portanto, calculáveis. Com isso, o poder do senhor é limitado, evitandose que ele crie impostos e monopólios apenas por sua vontade. Ainda segundo o autor, o patrimonialismo inibe a economia racional por conta de sua política financeira e de suas características de administração. Isso é perceptível na dificuldade que o tradicionalismo coloca à existência de estatutos formalmente racionais, na ausência típica de um quadro administrativo com qualificação profissional formal, no amplo espaço que é deixado para a vontade do senhor e de seu quadro administrativo e na tendência à regulação materialmente orientada para a economia, com sua consequente quebra de racionalidade formal. Tal irracionalidade econômica é decisiva no patrimonialismo hierocraticamente orientado, enquanto no sultanismo é decisiva para a arbitrariedade fiscal. Portanto, conforme Weber (2000), ainda que diversas formas de capitalismo estejam 2 enraizadas em poderes patrimoniais, o mesmo não ocorre com o empreendimento aquisitivo 2São exemplos o capitalismo comercial, capitalismo de arredondamento de impostos e cargos, capitalismo baseado em fornecimento de bens ao Estado ou financiamento de guerras, capitalismo de plantações e o capitalismo colonial. orientado pela situação do mercado dos consumidores privados. Esse se caracteriza pelo capital fixo e pela organização racional de trabalho livre — sendo, portanto, sensível às irracionalidades da justiça, da administração e da tributação, que atrapalham a possibilidade de cálculo. O autor ressalta ainda que o empreendimento aquisitivo orientado pelo mercado dos consumidores privados só não ocorre quando o senhor patrimonial, por interesses financeiros ou próprios do poder, recorre à administração racional com profissionais qualificados. Mediante um motivo que justifique tal circunstância, ocorre uma formação profissional e um processo peculiar: a incorporação de associações comunais urbanas (que governavam a si próprias) aos poderes patrimoniais concorrentes, com o apoio de sua potência financeira. 2.1.3 Dominação carismática Adominação carismática ocorre quando o dominador se utiliza de seu carisma com a pretensão de dominar. Weber (2000, p. 158, 159) define carisma como: […] uma qualidade pessoal considerada extracotidiana (na origem, magicamente condicionada, no caso tanto dos profetas quanto dos sábios curandeiros ou jurídicos, chefes de caçadores e heróis de guerra) e em virtude da qual se atribuem a uma pessoa poderes ou qualidades sobrenaturais, sobrehumanos, ou, pelo menos, extracotidianos específicos ou então se a torna como enviada por Deus, como exemplar e, portanto, como líder. Um importante registro é o fato de Weber (2000) ressaltar que, para caracterizar a dominação como carismática, não se deve considerar o carisma do ponto de vista ético ou estético, por exemplo. Um indivíduo possuir carisma ou participar de situação carismática também não é, por si só, determinante para a legitimação desse tipo de dominação. O que deve ser levado em conta é como essa característica é entendida pelos carismaticamente dominados, também chamados de adeptos. De acordo com o autor, o livre reconhecimento do carisma pelos dominados é o que decide a validade do carisma, solidificado através de provas (inicialmente milagres, entrega de revelações, veneração de heróis ou confiança do líder). Nas palavras de Weber (2000, p. 159), “psicologicamente, esse reconhecimento é uma entrega crente e inteiramente pessoal nascida do entusiasmo ou da miséria e esperança”. No caso de faltar ao dominador a “sua força mágica ou heroica, se lhe falha o sucesso de modo permanente e, sobretudo, se sua liderança não traz nenhum bem estar aos dominados”, a dominação carismática pode se dissolver, pois perde seu sentido. O quadro administrativo do senhor carismático é selecionado segundo qualidades igualmente carismáticas: “ao 'profeta' correspondem os 'discípulos'; ao 'príncipe guerreiro', o 'séquito'; ao 'líder', em geral os 'homens de confiança'” (WEBER, 2000, p. 160). A nomeação é feita segundo inspiração do líder, devido à qualidade carismática invocada. Por não haver hierarquia, não existe a possibilidade de carreira ou ascensão, somente a intervenção do líder quando necessário, definindo encarregados de carisma limitado. Só há limitações espaciais ou objetivamente condicionadas do carisma e da missão. Os liderados não recebem salário nem prebenda, assim, vivem com o senhor em comunismo de amor e camaradagem. Há, também, a criação de direito através do juízo de Deus e revelações. Materialmente, porém, aplicase a toda dominação carismática genuína a frase: 'Está escrito – mas em verdade vos digo'. O profeta genuíno, bem como o príncipe guerreiro genuíno e todo líder genuíno em geral, anuncia, cria, exige, mandamentos novos – no sentido originário do carisma: em virtude de revelação, do oráculo, da inspiração, ou então de sua vontade criadora concreta, reconhecida, devido a sua origem, pela comunidade religiosa, guerreira, de partido ou outra qualquer. (WEBER, 2000, p. 160). O reconhecimento do líder, portanto, é um dever. Quando entre dois indivíduos há a pretensão de validade carismática, essa é decidida em uma disputa pela liderança, reconhecida obrigatoriamente por parte da comunidade ou por meios mágicos. A dominação carismática rejeita em seu tipo puro, segundo Weber (2000), o aproveitamento econômico dos dons divinos como fonte de renda, pois reconhece que o carisma se estabelece onde existe vocação, missão, tarefa intima. Porém, isso é mais um ideal do que uma realidade, pois em cada situação de dominação há um interesse, como cita Weber (2000, p. 161): O herói de guerra e seu séquito procuram espólio, o dominador plebiscitário ou líder carismático de partido busca meios materiais ara assegurar seu poder; o primeiro, além disso, procura o esplendor material de sua dominação para firmar seu prestigio de senhor. O que ignorase nesse caso é, portanto, a forma comum de receita racional ou tradicional através de atividade econômica. O suprimento das necessidadescarismáticas ocorre, segundo Weber (2000), por patrocínio (gorjetas, doações, corrupção), esmolas, herança ou extorsão (violenta ou pacífica). Na citação a seguir, o autor esclarece como se dá a ação do carisma sobre os indivíduos e a sociedade. Weber (2000, p. 161) compara a dominação carismática ao tradicionalismo, uma vez que esse também possui a capacidade de causar mudanças na direção da consciência e nas ações dos indivíduos. O carisma é a grande força revolucionária nas épocas com forte vinculação à tradição. Diferente da força também revolucionária daratio, que ou atua de fora para dentro pela modificação das circunstâncias e problemas da vida e assim, indiretamente das respectivas atitudes , ou então por intelectualização, o carisma pode ser uma transformação com ponto de partida íntimo, a qual, nascida de miséria ou entusiasmo, significa uma modificação da direção da consciência e das ações, com orientação totalmente nova de todas as atitudes diante de todas as formas de vida e diante do ‘mundo’, em geral. Nas épocas préracionalistas, a tradição e o carisma dividem entre si a quase totalidade das direções de orientação das ações. Quando, por qualquer motivo, não se tem mais o portador do carisma, surge espaço para sucessores. O modo como isso se resolve “[...] é essencialmente decisivo para a natureza geral das relações sociais que então se desenvolvem” (WEBER, 2000, p. 162). Como possíveis soluções para a determinação de uma nova pessoa para ocupar o papel de liderança, mantendo a rotina do carisma, o autor aponta: 1. Alguém possuidor de determinadas características e de carisma. Nesse caso, a legitimidade está ligada a regras que são as características que o dominador deve ter, ou seja, a tradicionalização do perfil do líder; 2. Revelação, juízo de Deus ou outras técnicas de seleção. Nesse caso, a legitimação ocorre de forma técnica (legal); 3. Definição, por parte do dominador anterior, com o amparo do reconhecimento da comunidade. Assim, a legitimidade é adquirida por designação; 4. Definição do quadro administrativo carismaticamente qualificado com o reconhecimento da comunidade. Porém, não se trata de um modelo de eleição ou de seleção livre; tratase apenas de deveres, de uma designação justa do verdadeiro portador do carisma. Nessa situação, a legitimação do poder se baseia na conquista de um direito, realizada de forma justa e com determinadas formalidades; 5. Crença de que o carisma é hereditário, ou seja, está no sangue. Dessa forma, tornase o sucessor algum parente próximo do dominador. Caso não haja um familiar, ocorre uma verificação (por meio dos métodos já apresentados nos itens 1 e 4) para a definição do herdeiro autêntico. Ou seja, nesse caso, a legitimação não ocorre em virtude da fé dos dominados no carisma do dominador, mas sim a partir da […] aquisição em virtude da ordem de sucessão (tradicionalização e legalização). O conceito de 'senhor pela graça de Deus' muda completamente seu sentido e significa agora: senhor por direito próprio, e não por um direito que depende do reconhecimento por parte dos dominado. O carisma pessoal pode faltar por completo. (WEBER, 2000, p. 163). 6. Entendimento do carisma como algo mágico, capaz de ser produzido e transmitido do seu portador para outras pessoas. Nessa situação, a legitimação se baseia nas qualidades adquiridas. Além de se dar através da sucessão do líder, a rotinização do carisma pode ocorrer por interesse do quadro administrativo. Quando os dominados querem seguir o líder ao longo do tempo, a rotinização pode ocorrer por apropriação de poderes e oportunidades dos seguidores (reguladas por seu recrutamento), ou ainda, através da tradicionalização ou legalização. Nessa última situação, a rotinização ocorre através de (a) recrutamento sagrado, onde os seguidores determinam normas para o recrutamento e o carisma só pode ser despertado ou provado, mas não aprendido; (b) recrutamento por carisma hereditário, em que os dominadores recebem, legitimamente, os cargos adequados a essa herança; ou então (c) pela criação, pelo quadro administrativo, de cargos e oportunidades aquisitivas individuais para seus membros, havendo a legalização ou tradicionalização (WEBER, 2000). Para a compreensão da rotinização do carisma, cabe destacar que, de acordo com Weber (2000), dáse a exclusão de atitudes contrárias à economia. Essa passa por uma adequação de modo a atender as necessidades e, assim, prover as condições econômicas para render impostos e tributos. Outro aspecto relevante a ser considerado na dominação carismática é a frequente racionalização das relações dentro das associações, fazendo com que o reconhecimento do líder seja um fundamento e não uma consequência da sua legitimidade. Assim, modificase o aspecto autoritário do carisma para antiautoritário. Nesse caso, o autor afirma que o líder é eleito e levado formalmente ao poder pelos dominados através de livre escolha. Da mesma forma ocorre a destituição do líder. Esse formato aproximase do formato legal. A forma mais comum de definição do líder é por plebiscito (eleições), sendo mais rotineiro ocorrer nas lideranças de partidos (WEBER, 2000). 3 No tipo de carisma antiautoritário, em relação à economia, O dominador plebiscitário procurará geralmente apoiarse num quadro de funcionários que opere com rapidez e sem atritos. Quanto aos dominados, tentará vinculálos a seu carisma, como 'ratificado', ou por meio de honra e glória militar ou promovendo seu bem estar material – em certas circunstâncias pela combinação de ambas as coisas. Seu primeiro alvo será a destruição dos poderes e possibilidades de privilégios tradicionais feudais, patrimoniais ou autoritários de outro tipo. O segundo será a criação de interesses econômicos que estejam a ele vinculados por solidariedade de legitimidade. Servindose, para isso, da formalização e legalização do direito, pode fomentar em alto grau a economia ‘formalmente' racional’. (WEBER, 2000, p. 177). Conforme o autor, o tipo de poder plebiscitário pode enfraquecer o caráter racional da economia, pois a relação desse tipo de poder com a crença e a entrega dos dominados rompe com a personalidade formal da justiça e com a administração por meio de uma justiça material. Isto é, o dominador tornase“um ditador social aquele que não está preso a formas de socialismo modernas” (WEBER, 2000, p. 178). Verificase que, conforme Weber (2000), a dominação através do carisma, enquanto algo extracotidiano, opõese à dominação legal e à tradicional, que se caracterizam pelo hábito. Por não possuir regras, a dominação carismática apresenta perfil irracional, totalmente contrária à dominação legal que se denomina racional pelo fato de possuir regras analisáveis. Por sua vez, a dominação tradicional é também orientada por regras e possui vínculo com precedentes do passado, sendo isso o que a afasta da dominação carismática, que derruba o passado e absorve características revolucionárias. 2.2 O DISCURSO E A IDEOLOGIA O presente subcapítulo apresenta os estudos feitos acerca do discurso, em especial no que diz respeito à sua relação com a ideologia. Levandose em conta o objetivo geral desta pesquisa — analisar como o discurso contribui para a legitimação da dominação —, entendese ser pertinente compreender a estruturação e relevância do discurso no processo de comunicação. Da mesma forma, é importante apreender como a ideologia se faz presente no 3Denominase partidos, segundo Weber (2000), relações associativas com base no livre recrutamento com o objetivo de proporcionar poder aos seus dirigentes dentro de uma associação e, através disso, oferecer oportunidades de seus membros ativos realizarem seus objetivos (ideais ou materiais). discurso e contribui juntamente com o contexto da enunciação e a compreensão da mensagem pelo interlocutor para a construção do sentido existente mensagem. Esses entendimentos sustentam os passos da análise apresentada mais a frente. Iniciando com uma abordagem ampla, apresentamse as ideias de David Berlo (1960; 1972) sobre a comunicação entre indivíduos e a sua importância na estruturação e desenvolvimento da sociedade. Depois, focando no tema central, apresentase a definição de discurso e sua relação com a ideologia, tendo como principais referências Eni Orlandi (2007), Milton José Pinto (1999) e José Luiz Fiorin (2001). Cabe aqui ressaltar que, no presente trabalho, o processo de comunicação entre indivíduos através do discurso está sendo entendido como uma relação complexa, que sofre interferências do contexto e da história dos indivíduos. Não se entende o processo de comunicação, então, como um sistema fechado e linear, como alguns dos conceitos de Berlo (1960; 1972) permitem entender. Entretanto, as ideias desse autor permitiram a compreensão de que, além de não ser autossuficiente, o ser humano usa da sua relação com os demais indivíduos a fim de garantir seus interesses. Ou seja, ao se comunicar, o enunciador pretende atender a alguma necessidade individual e grupal com a ajuda do seu interlocutor. É dessa forma que, para Berlo (1960; 1972), organizase e mantémse a vida em sociedade, ideia que se mostra relevante frente aos objetivos desta pesquisa. Berlo (1960; 1972) sustenta que a comunicação é um processo regulado e fundamental na formação, organização e até na sobrevivência dos seres humanos em sociedade. O autor afirma que “os sistemas sociais são as consequências da necessidade que tem o homem de relacionar seu comportamento com os comportamentos dos outros, a fim de realizar seus objetivos”. Portanto, é a interdependência entre os indivíduos que forma o sistema social, cabendo à comunicação viabilizar essa relação. Outro autor que ratifica o entendimento de que a comunicação é um instrumento para a formação social é Beltrão (1982). Ele afirma que os seres humanos, enquanto seres sociais, necessitam de outros seres para trocar informações e para alcançar seus objetivos. Essa relação que se dá através da troca de informações, o autor denomina de comunicação. Para Beltrão (1982), somente a comunicação permite o entendimento e a coordenação para agir, com troca de informações que mantém a existência de grupo e a participação dos integrantes na realização dos objetivos definidos. Berlo (1960) apresenta três modos através dos quais a comunicação se relaciona com a organização do sistema social. Primeiramente,os sistemas sociais se produzem por meio da comunicação , ou seja, é a disponibilidade da comunicação que possibilita a relação entre as 4 pessoas para que, assim, haja o desenvolvimento social. Junto a isso, uma vez criado um sistema social, ele determina a comunicação de seus membros , caracterizando o grupo e 5 seus integrantes. Isto é, as normas e a forma como se organiza esse grupo social irão definir como, por que, para quem e por quem a comunicação deve ocorrer. Com isso, o integrante de determinado grupo será reconhecido como a ele pertencente pelo modo como se comunica. Por fim, a comunicação afeta o sistema social e o sistema social afeta a comunicação na 6 medida em que integrantes de determinado sistema social incorporam em sua personalidade as características do sistema, tornandose semelhantes entre si. Da mesma forma, indivíduos que convivem com tal sistema podem absorver suas características e se juntar ao grupo. Através dessas ideias de Berlo (1960), é possível compreender a importância da comunicação como viabilizadora da relação entre indivíduos e sua organização como uma sociedade. E é nesse aspecto que essas ideias do autor se tornam relevantes para esse estudo. Considerar que a comunicação interfere ativamente nas relações humanas é importante para a análise que será feita adiante. Berlo (1960) afirma ainda que os indivíduos, aos se comunicarem entre si, buscam afetar o ambiente e a si mesmos, sempre esperando uma resposta específica para essa comunicação, seja ela o compartilhamento da crença em algo ou a realização de determinada ação. O autor afirma que, para a ocorrência dessas interações intencionais, o indivíduo está limitado a produção e transmissão de mensagens. Essas mensagens produzidas “são os produtos de comportamentos relacionados com os estados internos das pessoas. […] São os produtos do homem, os resultados do seu esforço por codificar ideias” (BERLO, 1960, p. 151). Mensagens são, segundo o autor, ideias representadas através de algum código. Ainda segundo a perspectiva desse autor, toda comunicação evoca sentidos, sejam os transmitidos pela mensagemdo emissor ou os recebidos pelo emissor, através da resposta que o público emite ao recebêla. Com o intuito de afetar o público, o emissor compõe a mensagem com os símbolos que tenham o sentido que ele tem a intenção de causar. 4 Grifo da autora dessa pesquisa. 5 Grifo da autora dessa pesquisa. 6 Grifo da autora dessa pesquisa. Havendo um objetivo a comunicar e uma resposta a obter, o comunicador espera que a sua comunicação seja a mais fiel possível. Por fidelidade, queremos dizer que ele obterá o que quer. Um codificador de alta fidelidade é o que expressa perfeitamente o que a fonte quer dizer. Um decodificador de alta fidelidade é o que traduz a mensagem para o recebedor com tal exatidão. (BERLO, 1960, p. 43). Ou seja, para o autor, ao se comunicar, um indivíduo está transmitindo uma mensagem, uma ideia, e possui uma intenção com isso: espera que essa ideia seja compreendida para que ele atinja, assim, seu objetivo inicial. Para o atendimento do objetivo inicial, é preciso então a interpretação do que se quer dizer na mensagem transmitida, bem como a fidelidade da sua compreensão com relação ao que se queria que fosse compreendido. Dessa maneira, Berlo (1960) esclarece como a construção da mensagem — desde a escolha do código para a transmissão da mensagem, a definição do objetivo que se tem ao comunicar, até a confirmação de que houve o entendimento da mensagem — contribui para a realização do objetivo inicial da comunicação. Visto que toda comunicação tem um sentido, o entendimento fiel desse sentido é essencial para que o emissor alcance seu propósito com a fala. Beltrão (1982, p. 85) cita, porém, que conhecer as linguagens utilizadas pelo homem não define a finalidade sobre seu uso e significado. Para o autor, A comunicação cultural é um fenômeno demasiado complexo para ser aprendido apenas com regras e dicionários: os modos de pensar e agir dos indivíduos e coletividades, suas tradições e as influências que recebem as circunstâncias em que vivem em determinado momento e seu estado psicológico alteram usos e significações. Por isso, não é suficiente que o comunicador conheça o sistema de signos de cada linguagem, mas que se traduzam no discurso, ou seja, em uma configuração de signos utilizados na emissão de mensagens simbólicas. Isto é, para a construção de uma mensagem e o entendimento dela pelo ouvinte do modo como o emissor deseja, necessitase da compreensão não só dos elementos linguísticos — como as letras e as palavras — mas, também, dos seus significados simbólicos. A cultura, os pensamentos, as crenças, a realidade de vida, enfim, todo contexto em que foi produzida e no qual foi recebida, pode influenciar a mensagem e sua compreensão. A linha de estudos que busca compreender a construção de sentidos de mensagens é a Análise de Discurso (AD). Orlandi (2007) afirma que, das inúmeras maneiras de estudo da linguagem e sua significação — como, por exemplo, o entendimento da língua como sistema de signos ou a própria gramática — surgiu o interesse de estudiosos pelo discurso. A AD possui muitas definições e, tradicionalmente, pode ser compreendida por duas grandes influências: a francesa e a inglesa. A diferenciação entre as duas linhas será abordada no capítulo de Análise de Discurso. Nesse momento, é fundamental compreender apenas que a AD Trabalha com o sentido e não com o conteúdo do texto, um sentido que não é traduzido, mas produzido; podese afirmar que o corpus da AD é constituído pela seguinte formulação: ideologia + história + linguagem. A ideologia é entendida como o posicionamento do sujeito quando se filia a um discurso, sendo o processo de constituição do imaginário que está no inconsciente, ou seja, o sistema de ideias que constitui a representação; a história representa o contexto sócio histórico e a linguagem é materialidade do texto gerando ‘pistas’ do sentido que o sujeito pretende dar. (CAREGNATO; MUTTI; 2006 p. 680,681). Ou seja, o contexto histórico em que o discurso é escrito e/ou proferido, a mensagem (sentido e ideologia) que ele expressa e pretende disseminar, e o modo como essa mensagem foi transmitida (linguagem) são os elementos considerados pela Análise de Discurso. É a partir desses elementos que o discurso de Adolf Hitler — objeto de pesquisa deste trabalho — será analisado. A AD torna possível visualizar a relação prática entre língua e discurso, pois o discurso não é tido como uma liberdade em ato, sem quaisquer condicionantes linguísticos ou históricos, assim como a língua não é tida como algo recolhido em si, sem falhas ou equívocos. A língua torna possível a construção do discurso. Com base nisso, é possível extrair que a AD considera o discurso como algo que contempla não só o texto escrito ou falado, mas sim, a enunciação. Isto é, o momento único em que os enunciados são produzidos e reproduzidos dentro de um contexto histórico. Considera, também, o contexto em que os interlocutores do enunciador entram em contato com o discurso, uma vez que tal contexto influência diretamente no entendimento dos sentidos enunciados. Conforme Orlandi (2007, p. 15), “a palavra discurso, etimologicamente, tem em si a ideia de curso, de percurso, de correr por, de movimento. O discurso é assim palavra em movimento, prática de linguagem: com o estudo do discurso observase o homem falando”. Ou seja, a linguagem serve para estruturar o discurso e esse não é algo fechado em si, mas, sim, algo em movimento, passível de interferências e influências. É fundamental esclarecer que discurso, nesse sentido, não equivale necessariamente a texto. O texto, aqui, é compreendido como uma unidade com início, meio e fim ou, como afirma Pinto (1999, p. 7), “como formas empíricas do uso da linguagem verbal, oral ou escrita e/ou de outros sistemas semióticos no interior de práticas sociais contextualizadas histórica e socialmente”. O texto, portanto, “deve ser coerente, não contraditório e seu autor deve ser visível, colocandose na origem do seu dizer” (ORLANDI, 2007, p. 36). Tratase, nesse caso, de palavras organizadas de acordo com regras textuais, permitindo um sentido calculável e a identificação do autor (enquanto sujeito), com seus objetivos e intenções, logo totalmente distinto da
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