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CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE MINAS GERAIS Mestrado em Educação Tecnológica Iêda do Carmo Vaz OS CONCEITOS DE LIMITE, DERIVADA E INTEGRAL EM LIVROS DIDÁTICOS DE CÁLCULO E NA PERSPECTIVA DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA E DE DISCIPLINAS ESPECÍFICAS EM CURSOS DE ENGENHARIA Belo Horizonte (MG) 2010 Livros Grátis http://www.livrosgratis.com.br Milhares de livros grátis para download. Iêda do Carmo Vaz OS CONCEITOS DE LIMITE, DERIVADA E INTEGRAL EM LIVROS DIDÁTICOS DE CÁLCULO E NA PERSPECTIVA DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA E DE DISCIPLINAS ESPECÍFICAS EM CURSOS DE ENGENHARIA Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Educação Tecnológica do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais - CEFET-MG, para obtenção do título de Mestre em Educação Tecnológica. Orientador: Prof. Dr. João Bosco Laudares Belo Horizonte (MG) 2010 Iêda do Carmo Vaz OS CONCEITOS DE LIMITE, DERIVADA E INTEGRAL EM LIVROS DIDÁTICOS DE CÁLCULO E NA PERSPECTIVA DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA E DE DISCIPLINAS ESPECÍFICAS EM CURSOS DE ENGENHARIA ______________________________________________ Prof. Dr. João Bosco Laudares (Orientador) ______________________________________________ Profª. Drª Adriana Maria Tonini (UFOP) ___________________________________________ Profª. Drª Maria Clara Rezende Frota (PUC-MINAS) __________________________________________ Prof. Dr. Jerônimo Coura Sobrinho (CEFET-MG) Belo Horizonte ,23 de agosto de 2010. Para Ilton e Iêda, meus pais, pelo amor incondicional. Para Gabriel e Iago, meus filhos, por existirem em minha vida. Agradecimentos João Bosco Laudares. Meu orientador. Seu cuidado constante durante toda a trajetória de meus estudos nesses últimos 30 meses, possibilitou, não só a redação do presente trabalho, mas também o meu crescimento enquanto profissional e principalmente enquanto pessoa. Membros da Banca Disponibilizaram-se para a leitura e consequente avaliação dessa dissertação, ensinando- me a trilhar nesse caminho tão frutífero em inquietações. Professores do Mestrado Com competência incontestável, muito contribuíram para que me fizesse leitora, na compreensão das entrelinhas. Professores pesquisados. Grande foi a receptividade de todos. Ao abrirem as portas de suas salas de aula e também se disponibilizarem para a entrevista, muito contribuíram para que essa pesquisa se efetivasse com veracidade e transparência. Coordenadores dos cursos pesquisados. Solicitude, transparência e acolhida foram práticas constantes no exercício de suas funções. Ao procurá-los encontrei pessoas receptivas e muito envolvidas, fornecendo e explicando com clareza as informações necessárias. Foram grandes as contribuições oferecidas durante o todo o processo de pesquisa. Lorena Freitas. Diretora do Colégio Santo Agostinho, unidade Nova Lima. Carinho, cuidado e respeito são a tônica de sua gestão. A partir da crença no homem e em suas possibilidades de crescimento, muito contribuiu para que a conclusão desses estudos se efetivasse. Fernanda Araújo. Supervisora do Colégio Santo Agostinho, unidade Nova Lima. Com seu olhar terno e cuidadoso, acompanhou todo o desenrolar desse processo, num diálogo constante entre a teoria e a prática. Juliana Rodrigues. Minha ajudante. Com seu dinamismo, manteve organizada minha casa e ajudou-me a cuidar dos meus filhos, dando-me assim, tranquilidade para realizar minhas obrigações enquanto estudante. Meus irmãos, cunhadas e sobrinhos. Paciência e entendimento foi um exercício constante na convivência de minhas ausências. RESUMO Esta dissertação apresenta uma pesquisa desenvolvida no Mestrado Acadêmico em Educação Tecnológica do CEFET-MG, tendo como objeto de estudo o tratamento dos conceitos básicos do Cálculo Diferencial e Integral: Limite, Derivada e Integral de uma função real. Foram determinados como parâmetros à análise desses conceitos as abordagens numérica, algébrica e geométrica (gráfica) no tratamento didático pelos professores de Cálculo I de disciplinas específicas, de Cursos de Engenharia do CEFET-MG, e também foram analisados livros- texto de Cálculo. Assim, os métodos de pesquisa foram: observação de aulas de Matemática e disciplinas específicas de cursos de Engenharia; entrevistas semi-estruturadas com professores das aulas observadas e outro professor; análise documental de livros de Cálculo. O referencial teórico utilizado foi o de registro de representação semiótica de Duval e o de conceito baseado na didática francesa, abordada por Pais. Também foi referenciado Lévy quanto ao conhecimento por simulação da era informática. Os resultados da pesquisa indicam que os autores de livros apresentam os conceitos de Cálculo com bastante ênfase, utilizando as abordagens numéricas, algébricas e geométricas (gráfica). Os professores também trabalham com os conceitos usando as abordagens dos livros-textos, mas com a tendência à algebrização e o Cálculo operacional. Palavras-Chave: Ensino de Cálculo. Cursos de Engenharia. Conceitos de Limite, Derivada e Integral. Livro-texto de Cálculo. ABSTRACT This dissertation presents a research carried out in the Academic Master of Technology Education of the CEFET-MG, where the object of study was the treatment of the basic concepts of Differential and Integral Calculus: Limit, Derivative and Integral of a real function. It was determined as parameters to the analysis of these concepts to approach numerical, algebraic and geometric (graphic) in the treatment by teachers teaching in Calculus I and in specific contents of the Courses Engineering CEFET-MG and also was analyzed textbooks of Calculus. The methods of research were: classroom observations of mathematics and specific contents of Engineering; semi-structured interviews with teachers of the classes observed and other teacher; documental analysis of the Pedagogic Politic Project, of Teaching Plane and were studied books on calculus. The theoretical framework used was the record of semiotic representation of Duval and the concept was based at French didactics, boarding by Pais. Lévy was also referenced as knowledge of the computer era. The research results indicate that the authors of books present the concepts of calculus with enough emphasis, using, numerical, algebraic and geometric (graphic), approaches. Teachers also work with the concepts using the approaches but with the tendency to employ algebraic formulae processes and to make operational calculus. Key-Words: Teaching Calculus. Engineering courses. Concepts of Limit, Derivative and Integral. Textbook Calculus. LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 Estudo aritmético e geométrico do limite de uma função.........................54 FIGURA 2 Representação geométrica do estudo algébrico de uma função .............55 FIGURA 3 Interpretação geométrica de Limite..........................................................57 FIGURA 4 Representação geométrica do limite ∞−= → )(lim xf ax ..............................59 FIGURA 5 Representações de uma reta tangente....................................................61 FIGURA 6 Estudos laterais do limite de uma função ................................................62 FIGURA 7 Exercícios propostos................................................................................64FIGURA 8 Estudo aritmético do limite de uma função ..............................................65 FIGURA 9 Relação entre εδ e na definição de Limite ..........................................66 FIGURA 10 Limites obtidos graficamente .................................................................66 FIGURA 11 Representação geométrica do Teorema do Confronto ..........................67 FIGURA 12 Representação geométrica de limites laterais .......................................68 FIGURA 13 Representações de limites: em uma mola .............................................69 FIGURA 14 Representação geométrica de )1(lim 2 1 + → x x ..........................................70 FIGURA 15 Representação geométrica do estudos de limite em três funções distintas .....................................................................................................................71 FIGURA 16 Tabelas referentes aos estudos dos limites das funções da figura 14...72 FIGURA 17 Propostas de uso de calculadoras e computadores ..............................73 FIGURA 18 Interpretação geométrica de uma derivada ...........................................75 FIGURA 19 Três formas de f deixar de ser diferenciável em a .................................77 FIGURA 20 Representação geométrica da definição de limite como inclinação da reta tangente .............................................................................................................77 FIGURA 21 Limite bilateral - o limite que define a derivada é inexistente.................80 FIGURA 22 Inclinação da reta tangente pela esquerda e pela direita - o limite que define a derivada é inexistente..................................................................................80 FIGURA 23 Estudos de reta tangente.......................................................................83 FIGURA 24 Quando x∆ tende a zero, as retas secantes tendem para a reta tangente ....................................................................................................................85 FIGURA 25 Cálculo de uma superfície a partir de soma de áreas de retângulos. ....88 FIGURA 26 Cálculo de uma superfície com lado curvo a partir de soma de áreas de retângulos..................................................................................................................90 FIGURA 27 Subdivisão dos intervalos nos retângulos..............................................93 FIGURA 28 Exercícios propostos - Enfocando conceitos .........................................94 FIGURA 29 Exercício contextualizado ......................................................................96 FIGURA 30 A (x) = Área de a até x...........................................................................97 FIGURA 31 Utilização do cálculo de área com retângulo (por falta e por excesso) para calcular a superfície abaixo da curva ................................................................98 FIGURA 32 Cálculo por estimativa de uma região limitada por uma curva...............98 FIGURA 33 Cálculo de uma região cuja área é representada por uma Integral Definida .....................................................................................................................99 FIGURA 34 Registro das aulas de disciplinas específicas......................................134 FIGURA 35 Registro das aulas de disciplinas específicas......................................135 FIGURA 36 Registro das aulas de disciplinas específicas......................................136 FIGURA 37 Registro das aulas de disciplinas específicas......................................137 FIGURA 38 Registro das aulas de disciplinas específicas......................................138 LISTA DE QUADROS QUADRO 1 Obras analisadas...................................................................................51 QUADRO 2 Definição de Limite. ...............................................................................55 QUADRO 3 Definição Precisa de Limite. ..................................................................56 QUADRO 4 Definição de assíntota vertical. ..............................................................59 QUADRO 5 Definição de Limites infinitos no infinito. ................................................63 QUADRO 6 Definição de formal de Limite. ...............................................................65 QUADRO 7 Teorema do Confronto...........................................................................68 QUADRO 8 Definição de derivada. ...........................................................................74 QUADRO 9 Definição da derivada. ...........................................................................74 QUADRO 10 Interpretação da Derivada como inclinação da Reta Tangente. ..........75 QUADRO 11 Definição da função derivada. .............................................................78 QUADRO 12 Definição de uma função diferenciável. ...............................................79 QUADRO 13 Definição de derivada. .........................................................................81 QUADRO 14 Definição de módulo da Velocidade. ...................................................82 QUADRO 15 Definição da inclinação de uma função. ..............................................86 QUADRO 16 Definição de Derivada. ........................................................................87 QUADRO 17 Derivabilidade e Continuidade . ...........................................................87 QUADRO 18 Definição da área abaixo de uma determinada curva, em um plano cartesiano..................................................................................................................89 QUADRO 19 Definição da área abaixo de uma determinada curva, em um plano cartesiano..................................................................................................................91 QUADRO 20 Definição de antiderivada. ...................................................................92 QUADRO 21 Notação Integral. .................................................................................95 QUADRO 22 Definição de antiderivada. ...................................................................95 QUADRO 23 Definição de Integral Definida..............................................................97 QUADRO 24 Organograma do PP da Engenharia Elétrica.....................................106 QUADRO 25 Classificação pelos conteúdos da diretriz curricular: núcleo de conteúdo básico ......................................................................................................107 QUADRO 26 Organograma do PP da Engenharia Elétrica.....................................109 QUADRO 27 Eixos de Conteúdos e Atividades: desdobramento em disciplinas....110 QUADRO 28 Carga horária da disciplina de Cálculo I na Engenharia de Computação. ................................................................................................................................111 LISTA DE SIGLAS ABENGE- Associação Brasileira de Educação em Engenharia ANPEd- Associação Nacional de Pesquisadores em Educação CAS – Computer Álgebra System CEFET-MG- Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais CNPq- Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico COBENGE- Congresso Brasileiro de Educação em Engenharia DECOM- Departamento de Computação DFM- Departamento de Física e Matemática EPC- Engenharia de Produção Civil FAE-UFMG- Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais PCN- Parâmetros Curriculares Nacionais PINEM- Práticas Investigativas no Ensino de Matemática PPP- Projetos Políticos Pedagógicos PREPES- Programa de Especialização de Professoresde Ensino Superior PUC Minas- Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais SAC- Sistema de Álgebra por Computador SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................15 1.1 Formação e pesquisa........................................................................................15 1.2 Justificativas......................................................................................................16 1.2.1 Educação Matemática e Educação Tecnológica..............................................16 1.2.2 Ensino de Matemática ......................................................................................17 1.2.3 Pilares da Matemática ......................................................................................19 1.2.4 O que é conceituar? .........................................................................................19 1.2.5 O que é definição em Matemática?..................................................................20 1.2.6 Ensino de Cálculo ............................................................................................20 1.2.7 Ensino em cursos de Engenharia.....................................................................21 1.2.8 A Educação e o ensino em Engenharia ...........................................................22 1.3 Objetivos ............................................................................................................23 1.3.1 Objetivo geral ...................................................................................................23 1.3.2 Objetivos específicos........................................................................................23 1.4 Metodologia e métodos de pesquisa..............................................................24 2 EDUCAÇÃO E ENSINO DE MATEMÁTICA - O CONCEITO EM FOCO ..............26 2.1 A natureza da matemática e o objeto matemático....................................26 2.2 Conhecimento e saber matemático .................................................................27 2.2.1 Conhecimento ..................................................................................................27 2.2.2 Saber matemático ............................................................................................28 2.3 A estrutura matemática....................................................................................29 2.4 Pensamento matemático ..................................................................................31 2.5 A definição e o conceito das proposições matemáticas .........................34 2.6 Educação matemática e educação tecnológica .........................................40 2.7 O ensino de cálculo na perspectiva da produção acadêmica..............43 3 O ENSINO DE CÁLCULO NA PERSPECTIVA DE LIVROS DIDÁTICOS ............48 3.1 Limite..................................................................................................................53 3.1.1 James Stewart .................................................................................................53 3.1.2 Howard Anton, Irl Bivens e Stephen Davis......................................................60 3.1.3 George Thomas ..............................................................................................64 3.1.4 Ron Larson e Bruce H. Edwards ......................................................................69 3.2 Derivada .............................................................................................................73 3.2.1 James Stewart..................................................................................................73 3.2.2 Howard Anton, Irl Bivens e Stephen Davis......................................................77 3.2.3 George Thomas ...............................................................................................80 3.2.4 Ron Larson e Bruce H. Edwards ......................................................................83 3.3 Integral ...............................................................................................................88 3.3.1 James Stewart..................................................................................................88 3.3.2 Howard Anton, Irl Bivens e Stephen Davis......................................................91 3.3.3 George Thomas ...............................................................................................94 3.3.4 Ron Larson e Bruce H. Edwards ....................................................................95 4 O ENSINO DE CÁLCULO EM CURSOS DE ENGENHARIA NA PERSPECTIVA DE PROFESSORES DE CÁLCULO E DISCIPLINAS ESPECÍFICAS DO CURSO ................................................................................................................................100 4.1 Metodologia adotada.......................................................................................100 4.2 Metodologia científica.....................................................................................102 4.3 Métodos da pesquisa......................................................................................103 4.3.1 Instrumento para coleta de dados ..................................................................103 4.4 Objetos / Sujeitos ............................................................................................104 4.5 Cursos da instituição pesquisada ................................................................104 4.5.1 Projetos Pedagógicos ( PP ) .........................................................................105 4.5.2 Plano de ensino para a disciplina de cálculo I................................................113 4.6 Observação de aula.........................................................................................115 4.6.1 Aulas de cálculo I ...........................................................................................116 4.6.2 Tratamento Conceitual de Limite de uma função ...........................................117 4.6.3 Tratamento Conceitual de Derivada de uma função ......................................124 4.6.4 Tratamento Conceitual de Integral de uma Função .......................................128 4.6.5 Aulas de disciplinas específicas ....................................................................131 4.7 Entrevistas .......................................................................................................139 4.7.1 Professores de Cálculo I ................................................................................139 4.7.2 Professores de Disciplinas Específicas..........................................................144 4.8 Entendimento dos conceitos de Limite, Derivada e Integral.......................149 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................152 REFERÊNCIAS.......................................................................................................158 APENDICE..............................................................................................................163 APENDICE A - COM O PROFESSOR DE DISCIPLINA ESPECÍFICA..................164 APENDICE B - ENTREVISTA COM O PROFESSOR DE MATEMÁTICA.............166 ANEXO ...................................................................................................................168 ANEXO A - PLANO DE ENSINO............................................................................169 ................................................................................................................................169 ANEXO B - CRONOGRAMA CEFET MG - CÁLCULO I - 2009/02........................173 ANEXO C - CÁLCULO I - ENGENHARIA DE COMPUTAÇÃO, 2º 2009..............175 151 INTRODUÇÃO 1.1 Formação e pesquisa Ao longo de minha trajetória profissional, experienciei inúmeras situações que me levaram a buscar fundamentos teóricos que respondessem e justificassem minhas práticas de ensino em Matemática, entendendo que a teoria fundamenta a prática, e a prática respalda a teoria (SAVIANI, 2000). Treze anos após o término de minha graduação em Matemática, retornei à universidade em busca de respostas para minhas perguntas e inquietudes, oriundas de minhas vivências enquanto educadora. Matriculei-me então, no Programa de Especialização de Professores de Ensino Superior (PREPES), oferecido pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), integrando à primeira turma do curso de Educação Matemática oferecido por aquela instituição, em 1998. No período entre 2001 / 2005 experienciei na PUC Minas, a docência no ensino superior, nas disciplinas de Didática Aplicada ao Ensino da Matemática e Instrumentação para o Ensino de Matemática, para graduandos em Matemática, num trabalho de formação de futuros professores. Essa vivência levou-me a vislumbrar novas possibilidades de estudos e pesquisas. Em 2005 iniciei minha participação no grupo de estudos e pesquisas denominado Práticas Investigativas no Ensino de Matemática (PINEM), que também integra os trabalhos realizados pela PUC Minas. Várias leituras passaram a fazer parte de minha rotina enquanto integrante do grupo, com estudos e reflexões contínuas sobre ensino de Matemática aliada à prática investigativa, com a rica possibilidade de parcerias colaborativas entre os participantes do grupo, sempre muito fecundas. O incentivo nas participações em eventos dentro do universo de estudos da Educação Matemática sempre foi uma constante no grupo, com debates com as líderes e desenvolvimentos de trabalhos surgidos a partir das práticas individuais dos integrantes, sempre à luz dos estudos teóricos praticados pelo grupo. 16 Ao iniciar o mestrado em Educação Tecnológica, no Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG), após longos diálogos com meu orientador, vislumbrei a possibilidade de desenvolver pesquisas sobre o ensino de Matemática, nos cursos de Engenharia. Tais estudos apresentaram-se para mim como um novo e grande desafio. Entender e fundamentar os processos de ensino, dos conceitos básicos de Cálculo, em um constante diálogo entre a Educação Matemática e a Educação Tecnológica, passaram a fazer parte de minhas inquietudes enquanto Educadora Matemática, objeto de temáticas do Mestrado inserido no comitê de Ensino de Ciências e Matemática. 1.2 Justificativas 1.2.1 Educação Matemática e Educação Tecnológica Na validação ou concepção de um curso de Graduação universitária, procura-se a formação, não apenas profissional, mas a inserção do estudante na academia, formando-o para a profissão, mas com embasamento teórico, numa dupla abrangência técnico/científica. Nessa perspectiva, a Matemática além de ser requisito ao desenvolvimento do raciocínio lógico-dedutivo do estudante, o municia de instrumentos para o entendimento e a construção da tecnologia. A atual sociedade do conhecimento, onde o científico está vinculado ao raciocínio causal, organizado, sistêmico e lógico, a Matemática acontece como requisito conceitual científico. Se, fazer ciência é matematizar os fenômenos, realizando sua leitura e compreensão pelo raciocínio lógico-dedutivo, essência da estruturação Matemática, a Educação Tecnológica ou para a Tecnologia, se faz numa interação estreita com a Educação Matemática. Nessa interação tecnológica com a matematização da realidade, a Educação Matemática se apropria da Etnomatemática (D’AMBROSIO,1998) tomando os 17 princípios socioculturais, hoje, de uma sociedade tecnizada, e utiliza a modelagem, segundo Bassanezi (2002) para interpretação do real e do fenômeno, através do instrumental matemático. Isso constitui o fundamento pedagógico para a Educação Tecnológica e Educação Matemática, que se integram no processo educacional pela ação efetiva do educador matemático e do educador tecnológico. Ambos estão a serviço da formação e capacitação do homem para sua inserção social no mundo do trabalho, e sua integração cultural para viver numa sociedade impregnada da ciência e da tecnologia. Aliado a esses estudos espera-se do professor a criação de um novo ambiente escolar do questionamento, encorajando o estudante a propor soluções, explorar possibilidades, levantar hipóteses, justificar seu raciocínio, fazer simulações, entrar em rede, analisar e justificar resultados utilizando a Matemática como instrumental na resolução de problemas, surgidos da construção e da criatividade em situações de trabalho, da técnica, do econômico e do social (LAUDARES, 2004, p.294). 1.2.2 Ensino de Matemática O ensino de Matemática, esteve durante décadas sedimentado em processos lineares de transmissão de conhecimentos já construídos, ao longo da história das ciências. Pesquisas se desenvolvem no campo da Educação Matemática, novas estruturas curriculares são propostas, e novas ideias pedagógicas surgem, desenvolvidas pelas teorias de aprendizagem. Assistiu-se recentemente no Brasil a um debate curricular que evidenciou, a partir da década de 1990, uma rejeição à pedagogia dos conteúdos e conduziu à elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 1998), por volta da metade da mesma década. O movimento gerou reações calorosas por parte da comunidade de pesquisadores do país, representada, em sua maioria por educadores associados à Associação Nacional de Pesquisadores em Educação (ANPEd). Um ensino tradicional, pensado em termos de conteúdos disciplinares, espelhou, ao longo dos anos, uma concepção de aprendizagem como “acumular conteúdos”. Ao se pensar o ensino e o currículo em termos de competências e habilidades corre-se, talvez o risco de, novamente adotar 18 uma concepção restrita do que é aprendizagem, onde “acumular conteúdos” é apenas substituído por “acumular habilidades”.(FROTA, 2002, p.11) Oficializa-se um discurso de estado que indica uma organização curricular, que aponta competências globais e específicas por áreas. Nesse sentido a Matemática pode ser vista como uma linguagem unificadora, possibilitando o desenvolvimento de trabalhos interdisciplinares. O objetivo é uma educação que se preocupa com a formação integral do indivíduo, atentando para o seu papel na sociedade, que exige uma formação científica do homem, mas que transcende uma formação apenas de conteúdo. 'Assim, nesses parâmetros os conteúdos estão dimensionados não só em conceitos, mas também em atitudes' (BRASIL, 1998, p. 49) Tais procedimentos devem visar a construção de um raciocínio que englobe os conceitos matemáticos e seus processos, que desenvolva uma postura eficiente diante de diversas situações-problema. Deve-se exterminar a visão de procedimento como simples metodologia para que, desta forma, a apreensão se perpetue mais facilmente. Entende-se hoje que conhecer é conhecer o significado (BARUFI, 1999), num processo dialógico entre educandos e educadores, a fim de que todos possam emitir ideias críticas sobre questões colocadas. A postura pedagógica decorrente da concepção fenomenológica1 privilegia o diálogo entre sujeitos, busca o sentido que o mundo faz para o aluno, considerando também o que do mundo das ciências dizem, dá destaque à linguagem falada e escrita, trabalhando com a interpretação e com a verdade como decorrente da clareza do que é intersubjetiva e historicamente construída (BICUDO; GARNICA 2003, p.26). Numa prática dialógica, aprender a resolver problemas matemáticos estabelece-se como forma de aprender a resolver também os problemas da sociedade, ciente de que soluções de problemas sociaistranscendem à lógica da própria Matemática, porque envolvem variáveis políticas e vontade cidadã. 1 Bicudo e Garnica (2003) defendem que o âmago da postura fenomenológica está na sua forma de entender o mundo como sendo sempre e necessariamente correlato à consciência. Consciência assumida e trabalhada como intentio, que significa, em termos simples, o ato de “entender-se a [...]”, abarcando o percebido pela percepção. A realidade, com a qual a fenomenologia trabalha é a realidade percebida. Percepção é vista como o encontro que se dá entre o percebido e o sujeito que percebe. 19 "Vejo a prática curricular como o espaço privilegiado em que se viabiliza a tentativa de conciliar um projeto emancipatório e princípios pós-modernos" (MOREIRA, 1998, p.32). Num processo de fazer Matemática, Ponte e Brocardo (2003) defendem que a investigação possibilita estabelecer relações entre conceitos matemáticos, à procura de propriedades implícitas ou subjacentes nos estudos desenvolvidos. Defendem também que investigar é procurar conhecer o que não se sabe. 1.2.3 Pilares da Matemática A Matemática, na sua formalidade, desenvolve-se a partir de uma lógica estrutural. Os conceitos emergem de situações concretas e teóricas ou de fenômenos, no cotidiano, na ciência, na tecnologia e se operacionalizam na aplicação em situações problemas. 1.2.4 O que é conceituar? A Filosofia da Matemática traz perguntas básicas, que nos ajudam a pensar a questão: O que existe? O que é conhecimento? O que vale? Qual a realidade dos objetos matemáticos? Como são conhecidos os objetos matemáticos e quais os critérios que sustentam a veracidade das afirmações matemáticas? Os objetos e as leis matemáticas são inventados (construídos) ou descobertos? Conceituar exige uma ação, através de uma atividade mental, pois não se trata de uma descoberta fruto de uma clarividência conseguida por graça ou casuisticamente, mas a conseqüência de um árduo trabalho mental de perseguição à verdade. Trata-se de um processo lógico que privilegia as descrições dos objetos matemáticos e das relações e estruturas que os unem.(BICUDO; GARNICA., 2003, p.30) 20 1.2.5 O que é definição em Matemática? Ao pensar a definição em Matemática, busca-se a formalização de conceitos, numa explicação precisa, isto é, busca-se dar forma ao conceito, a partir da utilização da linguagem matemática, também entendida e explicada nos estudos da semiótica. É necessária uma abordagem cognitiva, pois o objetivo do ensino de matemática, em formação inicial, não é nem formar futuros matemáticos, nem dar aos alunos instrumentos que só lhes serão eventualmente úteis muito mais tarde, e sim contribuir para o desenvolvimento geral de suas capacidades de raciocínio, de análise e de visualização. (DUVAL, 2005, p. 11). Há uma grande variedade de representações semióticas utilizadas em Matemática, e que possuem diferentes registros de representação. Essas representações foram desenvolvidas, ao longo da história da humanidade, segundo a evolução do pensamento matemático. Muito dos bloqueios vividos por estudantes de Matemática não devem ser procurados nos domínios dos conhecimentos dos conceitos Matemáticos, mas na importância das representações semióticas e na grande variedade que essas representações, utilizadas em Matemática, possuem. 1.2.6 Ensino de Cálculo Hoje, pesquisas desenvolvidas no campo da Educação Matemática buscam entender as estratégias de aprendizagem que os educandos desenvolvem para aprender Matemática (FROTA, 2001). A apreensão dos conceitos matemáticos acontece a partir de experimentações, e descrições são feitas juntamente com conceitos anteriormente adquiridos. As construções de gráficos acontecem para fornecer imagens visuais, que são utilizadas para verificação das afirmações e dos teoremas estudados. Há uma tensão entre a coerência da matemática elementar e a conseqüência da matemática formal, num movimento do descrever para o definir (PINTO, 2001). 21 1.2.7 Ensino de Matemática em cursos de Engenharia Em estudos desenvolvidos, Cabral e Baldino (2004) apresentam pesquisas sobre o ensino profissional de Matemática. A partir da reforma universitária ocorrida em 1969, aboliu-se a estrutura de cátedras e implantou-se a de departamentos e institutos básicos, seguindo modelo vigente nos Estados Unidos, o que passou a significar um problema no ensino da Matemática para não-matemáticos. Com a implantação dos cursos de Pós-graduação os matemáticos centraram esforços em suas próprias carreiras, e voltaram-se para os cursos de Bacharelado e Licenciaturas, este último, considerado como um subproduto do primeiro. Com isso, as disciplinas de Matemática, ministradas em outros cursos, ficaram a cargo de professores inexperientes. Tais cursos chegaram a ser chamados como cursos de “serviço”. Muitos dos professores que ministravam essas disciplinas estavam completando seus Mestrados e Doutorados em Matemática e, além de didática e pedagogicamente estarem subordinados aos departamentos de Matemática, não tinham qualquer visão sobre como a disciplina que ministravam se encaixaria no elenco das disciplinas profissionais de Engenharia. Tendiam, então, a organizá-la pelo viés da prática científica matemática, aproveitando para retomar, como professores, seus cursos de Graduação, nem sempre bem feitos, cujos conhecimentos, agora, faziam falta na Pós-Graduação. (CABRAL; BALDINO, 2004, p. 140) Assim, o ensino de Matemática nos cursos de Engenharia foi se tornando cada vez mais precário, e ainda hoje, segundo Cabral e Baldino (2004), o problema permanece, pois os professores de Matemática, muitas vezes, não possuem uma prática didático-pedagógica reflexiva. Epistemologicamente, o tratamento da Matemática na escola pode ser abordado em duas perspectivas: a primeira, como ciência, na sua autonomia, e a segunda, como tecnologia, instrumental para a técnica, hoje construída com base científica. O tratamento científico privilegia a abstração, com o acúmulo de dedução de fórmulas, resolução de equações, num algebrismo restrito. As atividades escolares, 22 muitas vezes, primam pela busca de saberes teóricos e descontextualizados do mundo do trabalho e da vida social, econômica e política. 1.2.8 A Educação e o ensino em Engenharia A Associação Brasileira de Educação em Engenharia (ABENGE) tem dedicado esforços para a discussão e levantamento de questões relativas aos cursos de Engenharia quanto a temáticas emergentes como metodologia do ensino e formação de professores, entre outras. A realização anual do Congresso Brasileiro de Educação em Engenharia (COBENGE) contribui para estudos da atualização e implementação de novas didáticas à luz do desenvolvimento tecnológico e científico, seja na qualificação de professores, seja na busca de novas metodologias para as disciplinas básicas e específicas do currículo. Cabral e Baldino (2004) apresentam debates sobre o ensino de Matemática em cursos de Engenharia de Sistemas Digitais, e formulam hipóteses baseadas também em autores que apresentaram trabalhos nos COBENGES. Assim, o ensino de Matemática para as Engenharias pode ser analisado com alguns relatos que se seguem: Entre as estratégias de solução apresentadas nos COBENGES destacamos algumas que, de certo modo, são representativas de outras similares. São elas: dar preponderância à questão metodológica na consolidação da base conceitual dos alunos [...]; fazer uso e projetos de trabalho e de novas tecnologias da informação e comunicação [...] (NASCIMENTO; FLEMMING; LUZ, apud CABRAL; BALDINO, 2004, p. 143). fazer uso de calculadoras gráficas e programas computacionais como Maple, Matlab e outros, em salas de aula informatizadas[...]; [...], usar metodologias alternativas de ensino, como modelagem matemática . (LINO FRANCHI, FRID; SALLES; BALDIN; BALDIN; FERRUZZI et al., apud CABRAL; BALDINO, 2004, p. 143). mudar as concepções epistemológicas dos professores [...], investir na educação que possa ser realizada a distância e na construção de ambiente de aprendizagem [...], promover cursos de nivelamento para calouros [...]. (LODER; (MENDES FILHO et al., DZIEDZIC et al., apud CABRAL; BALDINO, 2004, p. 143). 23 1.3 Objetivos 1.3.1 Objetivo geral Estudar os conceitos de limite, derivada e integral, pelos professores de Matemática e de disciplinas específicas, em cursos de Engenharia, e pelos autores de livros- texto de Cálculo. 1.3.2 Objetivos específicos - Fazer uma exploração do projeto pedagógico dos cursos cujas disciplinas foram estudadas quanto à proposta de formação profissional e científica. - Verificar as disciplinas de Cálculo e da parte profissionalizante que mais utilizam os conceitos de Matemática relacionados aos fenômenos físicos e da tecnologia. - Verificar como alguns autores apresentam os conceitos de Cálculo em livros didáticos. - Identificar a abordagem que o professor de Matemática faz quando introduz os conceitos básicos de Limite, Derivada e Integral: numérica, geométrica, do cotidiano, ou a linguagem formal matemática. - Verificar como os professores de disciplinas específicas, dos cursos de Engenharia, utilizam estes mesmos conceitos na introdução dos saberes tecnológicos. 24 1.4 Metodologia e métodos de pesquisa A metodologia usada foi baseada em autores que abordam o tratamento conceitual como Duval (2003) com a representação de registros semióticos , Lévy (1993 ) que trata do desenvolvimento do conhecimento e dos saberes com as tecnologias da inteligência, especificamente da nossa era, denominada era de informática. Buscou- se também em Pais (2001) parâmetros da didática francesa especificamente do trabalho com conceitos. Os métodos usados na pesquisa foram três: 1. Análise documental: Projetos Políticos Pedagógicos dos cursos de Engenharia pesquisados, (PPP da Engenharia Elétrica, Engenharia de Produção Civil e Engenharia de Computação) e o Plano de Ensino de Cálculo I, elaborado pelo Departamento de Física e Matemática do CEFET-MG. Também foram analisados livros-texto de Cálculo I para identificação da abordagem dos conceitos investigados. 2. Observação de aula de Cálculo I e de disciplinas específicas dos cursos já mencionados. 3. Entrevistas semi-estruturadas com professores das aulas observadas e também um professor que somente foi entrevistado. 1.5 Estrutura da dissertação Esta dissertação está estruturada da seguinte forma: O capítulo 1 compreende a Introdução na qual foi delimitado o tema, apresenta os objetivos e discorre sobre as justificativas da pesquisa. 25 O capítulo 2 apresenta o referencial teórico relativo ao tema investigado, isto é, educação e ensino de matemática - o conceito em foco de Limite, Derivada e Integral, fundamento do Cálculo Diferencial e Integral I, em curso de Engenharia. O capítulo 3 apresenta a análise de livros-texto de Cálculo no qual se buscou a abordagem dos conceitos estudados, na perspectiva da interpretação aritmética, geométrica e algébrica. O capítulo 4 traz os resultados das observações de aulas e das entrevistas efetivadas. O capítulo 5 traz as considerações finais. Apresenta a questão principal com um diálogo com os referenciais teóricos e os resultados obtidos da pesquisa, e aponta novas questões. 2 EDUCAÇÃO E ENSINO DE MATEMÁTICA - O CONCEITO EM FOCO 2.1 A natureza da matemática e o objeto matemático A etimologia da palavra Matemática é a denotação de uma ciência. A ciência do contar e do medir. Ou seja, o conhecimento desta ciência busca o entendimento de significados no mundo real e objetivo, no desenvolvimento do pensamento e seus construtos que D’Ambrósio (1998) chama de “mentefato”, isto é, o produto da mente, resultado, segundo o mesmo autor, de três componentes essenciais e básicos: realidade, indivíduo e ação, em completa e contínua interação. Os objetos da Matemática são revestidos da perspectiva antropológica, psicológica, social, econômica e tecnológica, frutos da mente do homem, ser situado num espaço, num tempo, numa cultura. A construção do conhecimento matemático visa a expressão, a objetividade e a materialização do pensamento pela linguagem e registros de representação semiótica. (Duval, 2003). Mas, "na tradição da ciência ocidental com suas raízes na Grécia Antiga, os objetos matemáticos são concebidos como tendo existência objetiva e real, como perfeitos e perenes". (BICUDO; GARNICA, 2001, p. 27). Segundo os mesmos autores, os objetos assim concebidos têm a descoberta como resultado de um trabalho mental de busca da verdade. Na perspectiva da cognição, a Matemática, ainda conforme a concepção explicitada, está presente no modo de entender-se a forma do raciocínio, principalmente no modelo Kantiano e respectivos seguidores na Filosofia e na Psicologia. (BICUDO; CARNICA, 2001, p. 29). Descartes afirma que o objeto matemático é constituído pela ordem e medida, explicitado nas mais diversas áreas, como da música, da astrologia, da literatura. Desta forma, a Matemática tem uma natureza racional, isto é, um produto da razão humana. Então, objetos matemáticos são construídos no mundo da mente. 27 Na teoria platônica, a Matemática é um ser intermediário entre o mundo das ideias e o mundo da matéria. 2.2 Conhecimento e saber matemático 2.2.1 Conhecimento Ora, se o conhecimento é uma descoberta, a sua construção se faz pelo pensar, característica ontológica do homem e pela ação, numa contínua busca de relações. Há uma elaboração de significado, isto é, da luz sobre a realidade. A compreensão de um fato real, de um fenômeno, de uma atividade, emergindo de experiências vividas individualmente ou no coletivo, se faz pela reflexão, pela práxis. Conhecer é entender o significado, a explicação da realidade, que inicialmente está contextualizada, plena de relações ou de rede de relações, rede esta dinâmica em constante transformação e devir. As relações são interações geradas em experiências vividas por um sujeito humano, que as percebe e as reproduz de uma maneira sistemática ou assistemática. Articulações são estabelecidas e as redes reconfiguradas. Desta forma o indivíduo, numa produção de significados em rede, consegue romper com concepções como a mecanicista da ideação da linearidade, causa e efeito, com resultados previsíveis, em direção a novos paradigmas da complexidade, do pensamento não linear e de novas teorias, a privilegiar diferentes modelos. RELAÇÕES SIGNIFICADOS CONHECIMENTOS (CONCEITOS) 28 Novas formas de estabelecer conexões aparecem entre elementos da informação construtivas de sistemas organizados com padrões flexíveis e prontos a serem remodelados e reconstituídos. No ambiente altamente tecnológico, Lévy (1993) propõe o trabalho mental com as Tecnologias da Inteligência, num mundo técnico e numa sociedade tecnológica, do atual século. Numa metáfora com a própria rede de significações vivenciadas pelos indivíduos, o mesmo autor cria o que denomina de “hipertexto” na passagem da oralidade para a escrita e daí para a informática, que permite e facilita uma complexificação e variações possíveis, conexões com processamentos das mais diversas informações, "cada um em sua escala, os autores da comunicação ou os elementos de uma mensagem constroem e remodelam universos de sentidos...chamaremos estes mundos de significaçãode hipertextos". (LÉVY, 1993, p. 25) A rede de significações criadas pelo estudante inclui como personagem ativo o professor. Este como elemento propulsor do ato mental e objetivo à conclusão da identificação da rede de significações, tem o objetivo de apoiar o estudante para que o mesmo, como agente de sua aprendizagem, possa organizar as informações. Inicialmente, o conhecimento aparece desorganizado, desconexo, em múltiplas redes. O professor se encarrega de apoiar, com as tecnologias da inteligência, o trabalho mental do estudante, no seu universo de significações, entendendo que as redes individuais não são disjuntas, mas se entrelaçam numa interação simbiótica do coletivo. Portanto, o conhecimento, em relação de reciprocidade, é construído e reelaborado individual e coletivamente. 2.2.2 Saber matemático Há diversas maneiras de se conceber as ideias científicas e matemáticas, que se relacionam com diferentes aspectos da natureza do saber matemático. 29 Entender estes diferentes aspectos pode direcionar as várias abordagens pedagógicas. Davis e Hersh (1985), citado por Pais (2001), aponta 3 (três) tendências fundantes das concepções históricas: - platonismo; - formalismo; - construtivismo. Pais (2001) traz a explicação dessas concepções: Na visão mais radical do “platonismo”, os objetos matemáticos são ideias puras e acabadas, que existem em um mundo não material e distante daquele que nos é dado pela realidade imediata [...]. Na concepção proposta pelo “formalismo”, a rigor, não se pode falar da existência a priori dos objetos matemáticos [...]. Os construtivistas consideram matemática genuína somente o que pode ser obtida por uma construção finita. (PAIS, 2001, p. 30) Na prática educativa, a abordagem metodológica requer a não exclusividade de uma dessas concepções. Assim, o trabalho do professor de Matemática é conciliar as diversas concepções, trazendo-as para as atividades acadêmicas, diferentemente do matemático que tenta eliminar as condições contextuais, buscando as generalizações abstratas. A ação pedagógica do professor de Matemática é da recontextualização, da colocação de uma situação ou um espaço, ao nível de compreensão do estudante, para que o mesmo possa entender as relações ou as redes de relações, que definem o saber matemático. 2.3 A estrutura matemática A Matemática como ciência tem uma estrutura lógica organizada com os seguintes componentes estruturantes: 30 Figura 1: Estrutura - matemática Nas várias ciências, alguns destes componentes podem ser identificados. Em Matemática, cada um deles pode ser explicado como: - Axioma é uma proposição num contexto mais amplo, que se admite como verdadeira, porque dela se podem deduzir as proposições de uma teoria ou de um sistema lógico ou matemático. Um postulado também é uma proposição não demonstrável que se admite como princípio de um sistema dedutível. Axioma Postulado Convenção Proposição Linguagem Conceito Não Formalidade Definição Formalidade Teorema Demonstração Lema Colorário 31 - Convenção é um acordo ou pacto estabelecido dentro de uma comunidade para decisão de um assunto específico. A linguagem é o vocabulário específico usado numa ciência e, uma proposição é um enunciado algorítmico verbal suscetível a de ser aceito como verdadeiro ou falso. - Conceito é a representação de um objeto pelo pensamento, por meio de suas características gerais. Conceituar é buscar o entendimento de estudos pretendidos a partir de situações de não formalidade. - Definição é a compreensão de um conceito enunciado a partir da linguagem de uma determinada ciência. É o entendimento de estudos pretendidos a partir da formalidade existente em determinada ciência. - Teorema é uma proposição que para ser admitida como verdadeira necessita de demonstração; se faz a partir de uma dedução que prova a verdade de sua conclusão, por se apoiar em premissas admitidas como verdadeiras. Ao se organizar uma demonstração, articula-se um lema que é o propósito que prepara a demonstração. Colorário é a proposição que imediatamente se deduz de outra demonstrada. Na pesquisa que gerou esta dissertação o objeto de estudo foi o “Conceito”, um dos componentes da Estrutura da Matemática. 2.4 Pensamento matemático O homem é um ser constituído de matéria e espírito, cuja forma de vida se desenvolve no meio ambiente da natureza e em relações sociais com seus semelhantes. Com capacidade intelectual, seu trabalho de transformação da natureza tem como mecanismo regulador o poder do pensamento conceptual, com origem biológica num sistema nervoso central. Assim, o trabalho humano foi chamado ação inteligente por Aristóteles, pois, o trabalho dos homens é consciente e proposital, sendo o dos outros animais, instintivo. As atividades instintivas são inatas e peculiares a cada espécie. 32 O pensamento, como forma de elaboração mental das ideias e construtos abstratos, determina um sistema cognitivo de Capital a serviço da produção de bens e serviços, com aquisição das capacidades: a faculdade de perceber, de imaginar e de manipular. A faculdade de “percepção” ou do reconhecimento de formas, é caracterizada por sua grande rapidez. A percepção imediata é a habilidade cognitiva básica. A faculdade de “imaginar”, ou de fazer simulações mentais do mundo exterior, é um tipo particular de percepção, desencadeada por estímulos externos. A faculdade operativa ou manipulativa é mais específica da espécie humana que as anteriores. (LÉVY, 1993, p. 157) Lévy (1993) discute a capacidade de manejar e remanejar o espaço ambiental como básico da cultura, sendo o pensamento lógico ou abstrato um dos aspectos, variável e historicamente datado e situado, isto é, da cultura. O mesmo autor define abstração em termos das suas relações com as tecnologias intelectuais. Processos intelectuais não se desenvolvem apenas na mente mas, com objetos e artefatos técnicos na interioridade espacial do homem. O homem na sua racionalidade trabalha sua arquitetura cognitiva com as memórias de curto e de longo prazo. Nossa atenção consciente ou nossa memória de curto prazo poderiam processar apenas uma quantidade mínima de informação a cada vez. Na memória de longo prazo, a informação não se encontraria empilhada ao acaso, mas sim estruturada em redes associativas e esquemas. LÉVY (1993, p. 153) O pensamento como produtor de conhecimento, em ação, da forma interativa e relacional, pode ser explorado de maneira provisória e não acabada, com auxilio da tecnologia, para gerar um saber “por simulação”, o qual não é um conhecimento teórico, nem uma experiência prática, nem acúmulo de uma tradição oral. (LÉVY, 1993). A manipulação de parâmetros e a simulação de toda sorte de possibilidades das redes de relações podem necessitar da intuição e de conjecturas, características da realização de investigação. (PONTE; BROCARDO; OLIVEIRA, 2003). Esses mesmos autores determinam os momentos da realização de uma investigação, isto é, um ensaio de acertos e erros, da experimentação do 33 levantamento de questões, conjecturas com seus testes e justificação. O método cartesiano procura a exatidão e o encadeamento lógico como sequência de intuições. Decorre uma relação de dedução e intuição a ser trabalhada nos métodos didáticos, se a opção é pelo cartesiano. O pensamento matemático no desenvolvimento curricular necessita de uma lista completa de ideias e processos, entre eles incluindo, segundo Abrantes (2005, p. 5): - As ideias de relação funcional e de transformação; - A procura de regularidades e de invariantes; - A abstração e a generalização;- A construção de conceitos por analogia; - A crise da intuição na exploração de situações, envolvendo objetos matemáticos; - A formulação de conjectura, sua demonstração ou refutação. Desta forma, na organização curricular do processo ensino / aprendizagem da Matemática, ideias e processos são tomados em substituição aos particularismos técnicos, sendo cada tópico do conteúdo com abordagem das diferentes maneiras da produção de pensamento. Segundo Abrantes (2005), o fato de se considerar ideias e processos como verdadeiros conteúdos não significa a rejeição dos saberes de aritmética, álgebra e geometria, entre outros: "Não é possível ter ideias e desenvolver processos em Matemática sem ser sobre 'qualquer coisa', e esta qualquer coisa são os temas usuais do currículo de Matemática". (ABRANTES, 2005, p. 46). Desta forma, há uma especificidade do pensamento quando do trabalho dos vários ramos da Matemática. O pensamento aritmético, com o processo de produção de significados em uma perspectiva diferente de reconceitualização do papel da escola, considera lugar de tematizações e de formalizações, traz a coexistência de significados matemáticos (escola) e não matemáticos (da rua), ambos com sua legitimidade na construção do “sentido numérico”, isto é, um conjunto de percepções e intuições, com base em uma grande variedade de experiências com números. (LINS; GIMENEZ, 1997). 34 Historicamente, o pensamento em álgebra evidencia um desenvolvimento intelectual da concepção retórica (apenas palavras), para a sincopada (algumas notas e especial, em particular palavras abreviadas), e, mais tarde, à simbólica (apenas símbolos e manipulações). O pensamento em geometria sobretudo da exploração de espaços e figuras busca o desenvolvimento da “visualização” e reconhecimento espacial e figural numa visão analítica e sintética, para depois o entendimento da demonstração e do rigor, da lógica e da formalização. (VAN HILE, Apud Nasser, 2004). O pensamento em Cálculo Diferencial e Integral busca desenvolver o significado dos conceitos básicos de: - Funções: na modelagem cujo modelo é expresso matematicamente através de equações e gráficos, pela relação de variáveis e parâmetros. - Limites: no estudo da vizinhança de um ponto e da tendência de valores cada vez maiores ou menores; - Derivada: como taxa de variação nos fenômenos e interpretação do valor da derivada, para o estudo do comportamento de uma função; - Integral: no cálculo operacional, como antiderivada, e na interpretação geométrica, como soma de infinitésimos, numa relação do cálculo infinitesimal e do cálculo integral. 2.5 A definição e o conceito em matemática Segundo Huete e Bravo (2006, p. 68), “são quatro os tipos de aprendizagem matemática, a saber: memorização, aprendizagem algorítmica, aprendizagem de conceitos e resolução de problemas”. Já Laudares (1987, p. 3), traz quatro abordagens para a metodologia matemática: Raciocínio e memorização, o ensino do essencial, a correlação dos conceitos matemáticos com a vida real, com outras disciplinas profissionalizantes e com a Física, especialmente, a interfase, entre os 35 próprios compartimentos da Matemática, isto é, da Álgebra e do Cálculo com a Geometria”. Nas duas citações são destacados os conceitos, entretanto é importante entender a diferença da definição e do conceito. A definição se faz quando da formalização de determinado conceito com a utilização da linguagem técnica oral e escrita, com uso da simbologia própria e específica de cada área do conhecimento, na qual se define uma proposição. Assim, o conceito é trabalhado antes da definição, a qual exige uma inserção do estudante no mundo da linguagem do conteúdo em estudo, com o uso de símbolos, normas, códigos, padrões, registros peculiares no qual se conceitua ou se define. Pais (2001, p. 56) destaca o conceito como, de certa forma superior, à definição: Aprender o significado de um conceito não é permanecer na exterioridade de uma definição, pois sua complexidade não pode ser reduzida ao estrito espaço de uma mensagem linguística. Definir é necessário, mas é muito menos do que conceituar, porque o texto formal de uma definição só pode apresentar alguns traços exteriores ao conceito. Por exemplo, a definição de uma figura geométrica, por si só, não pode traduzir a essência do conceito correspondente. O mesmo autor diferencia esses dois níveis cognitivos: "trabalhar com o desafio da elaboração conceitual e com seu registro através de um texto formal”. (PAIS, 2001, p. 56) Na teoria de campos conceituais de Vergnaud (1996), citado por Pais(2001) o conceito envolve um conjunto de situações (matemáticas e não matemáticas das várias áreas de conhecimentos) que proporcionam significados e sentidos ao conceito, um conjunto de invariantes operatórios e um conjunto de significantes que podem representar os conceitos ou as situações tomadas que os envolvem. Com a aproximação da dimensão conceitual, o estudante consegue fazer a trajetória do saber cotidiano ao saber escolar, e deste para o saber científico. 36 As situações didáticas na qual o professor envolve os estudantes são de temáticas problematizadas da vida real, da tecnologia, de questões qualitativas dos fenômenos em diversas áreas da Física, Química, Biologia, Economia, entre outras, trazendo o conceito a ser estudado e, consequentemente, favorecendo as condições de acesso ao saber escolar e científico, mas por aproximações, analogias, comparações, imitações, levantamento de conjecturas e hipóteses, a serem justificadas mais tarde. A partir da compreensão conceitual o estudante pode alcançar níveis satisfatórios de generalidades e abstração, e então formular a definição. Aprender um conceito requer um planejamento didático de situações variadas que privilegiem o trabalho com significados ao nível sensível e perceptível do estudante. O conceito é uma percepção via reino da sensibilidade do aprendiz situado na tarefa de obtenção do “mentefato”, produto que é resultado da elaboração mental, não pertencente ao mundo imediato da materialização. (D’AMBRÓSIO, 1998). O processamento desta construção mental, pela generalização e abstração, é muitas vezes obtido pela manipulação e operação de uma classe de objetos materiais nos quais se internalizam os parâmetros conceituais, os quais emergem, via compreensão de relações, interações, comparações. Esta ação com estratégias numa dinâmica evolutiva de passos, etapas, idas e vindas em movimento, é que Pais (2001, p. 58) denomina de “estado de devir”, no sentido de que, no plano subjetivo, sempre é possível descortinar novos horizontes na compreensão de um conceito.” A abordagem multi e interdisciplinar facilita a emersão da totalidade oculta e obscura do conceito, o qual se diversifica pelo processo racional da distinção das características essenciais e peculiares da natureza científica de cada área. A tecnologia, hoje de base científica, com o uso intensivo da técnica, de novos materiais, da eletrônica, da instrumentação informática-computacional vem trazer possibilidades, pela simulação e diversidade de recursos e abordagens operacionais, de aproximação, de contorno, de envolvimento do conceito estudado, contribuindo 37 para a compreensão individual do “significado” embutido no corpo do conceito. A “significação” é uma posse do indivíduo, que o professor tenta pela dimensão experimental de processos, práticas, manipulações, modelagem, criação de situações e estratégias, iluminar o caminho da intuição, da percepção e da apropriação do conceito pelo estudante. A formação do conceito requer a construção de uma rede de situações, em que o “novo” se apresenta revestido de situações já vivenciadas e articuladas longe de um contexto isolado.Devemos observar ainda que a formação de um conceito não acontece através de um único tipo de situação, da mesma forma como uma única situação, geralmente, envolve uma diversidade de conceitos. O desafio consiste em destacar os invariantes referentes ao conceito principal que conduz a aprendizagem no momento considerado, articulando-os com outros conceitos já aprendidos pelo aluno. De posse dos conceitos já elaborados, o aluno é desafiado a compreender outras situações, onde aparecem os novos conceitos e novos invariantes. Portanto, conclui-se que a aprendizagem não pode ser efetuada em um contexto isolado, como se o significado pudesse subsistir por si mesmo. (PAIS, 2001, p. 60) A complexidade da elaboração conceitual se faz pela dificuldade do estudante de coordenar, ao nível subjetivo de internalização, uma síntese de extensa e complexa rede de significados com fundamentos e parâmetros a envolver a articulação de variáveis e invariantes, que apesar da manifestação de uma dimensão social requer uma reflexão crítica, relacional, subjetiva. Essas considerações remetem a se considerar o referencial de “campos conceituais”, no que se refere às características do processo de formação de conceitos, associados à existência de classe de situações de aprendizagem.” (PAIS, 2001, p. 62). Nesta perspectiva da elaboração do conceito, Duval (2003), pela via do trabalho com situações, traz a necessidade da atividade matemática desenvolver uma diversidade de registros de representação semiótica, a qual é mobilizada pela sua natureza dinâmica operacional, de ativar, de agir, de fenômeno. Assim, segundo o mesmo autor, a variedade de registros conduz à aprendizagem, pelas representações mentais construídas pelo aprendiz. 38 Muitas vezes, as representações mentais não passam de representações semióticas interiorizadas. As representações úteis ou pertinentes em matemática são sempre representações semióticas interiorizadas em interação com um tratamento de produção externa de representações semióticas. (DUVAL, 2003, p. 31). O desenvolvimento das capacidades de raciocínio, de análise e de visualização requer o funcionamento cognitivo da compreensão em matemática, base epistemológica do trabalho com conceitos. Desta forma, a abordagem cognitiva traz exigências de descrição, da ativação, da operação com desenvolvimento de habilidades a permitir o estudante compreender, efetuar e controlar os processos presentes numa situação proposta. Para a construção de conceitos matemáticos Duval (2003) coloca duas questões para analisar as condições e os problemas da aprendizagem em matemática: 1. Quais sistemas cognitivos são necessários mobilizar para aceder aos objetos matemáticos e para efetuar as múltiplas transformações que constituem os tratamentos matemáticos? 2. Esses sistemas cognitivos são os únicos a ser mobilizados por qualquer processo de conhecimento em outros domínios científicos (geologia, astronomia, física, biologia...) e práticos, ou, ao contrário, trata-se de sistemas específicos, cujo desenvolvimento e cuja aquisição são próprios da atividade matemática?. (DUVAL, 2003, p. 12). Procura, o mesmo autor, compreender as causas das dificuldades dos alunos, desta maneira começaremos pela segunda questão, pois ela envolve orientações diferentes daquelas que são postuladas nas abordagens didáticas neo ou pós-piagetianas: não podemos nos ater a um modelo geral comum de aquisição de conhecimentos centrado sobre a ação, as interações e os desequilíbrios como fatores principais da construção de conceitos matemáticos. (DUVAL, 2003, p. 12). Duval (2003), defende que “podemos” conjecturar o seguinte : "a compreensão em matemática supõe a coordenação de ao menos dois registros de representações semióticas” e destaca a especificação do pensamento matemático em relação a outros domínios do conhecimento. E, segundo Duval, tratamento2 e conversão são dois tipos de transformação de uma representação (operações) semiótica em outra. 2 Há dois significados a ser atribuído à expressão “tratamento”: Um primeiro seria na maneira de abordar determinado conceito, e a outra no sistema de representação utilizado. 39 Ele define dois tipos destas representações: tratamento (permanecendo no mesmo sistema) e conversão (mudando de sistema, mas conservando a referência aos mesmos objetos). Em síntese, Duval (2003) adverte para a confusão de uma representação com o objeto representado, "nessa perspectiva, a oposição feita muitas vezes entre a compreensão que seria conceitual (ou puramente mental) e as representações semióticas que seriam externas aparece como uma oposição enganadora". (DUVAL, 2003, p. 22) Comparativamente se faz a dialética de: Se conceituar é uma atividade de compreensão do objeto em estudo e da criação subjetiva de significados pelo estudante, definir é manipular símbolos, registros, sinais da linguagem específica da área de conhecimento, na qual está imersa o objeto, o conceito em tratamento. Reconhecer que cada área possui seus sinais de linguagem oral e escrita, a serem codificados e decodificados no uso dos saberes inerentes ao campo cognitivo em estudo, pode servir para definir melhor as estratégias e situações de aprendizagem. Desta forma, não há que negar que a definição é a conquista da linguagem oral e escrita. A não dominação de simbologia básica da linguagem é empecilho do iniciante num espaço novo cognitivo de transitar nas rotas conceituais do objeto em estudo. É aconselhável a introdução paulatina de símbolos e sua linguagem oral, com o cuidado de uma passagem não rápida do senso-comum, do coloquial para o acadêmico, entendendo que o estudante pode desejar, pelas suas opções pessoais, a não se dedicar a uma carreira das ciências exatas e assim, não precisa de CONCEITO X DEFINIÇÃO 40 dominar integralmente a linguagem matemática, buscando mais o conceito. A matematização ou o algebrismo exacerbado pode levar a uma manipulação de registros, símbolos, fórmulas, modelos, sem a apreensão e compreensão do conceito. A organização e composição dos métodos de ensino e da prática educativa deveriam contemplar atividades ora no domínio conceitual, ora no domínio da definição até que o estudante possa conviver com estes dois tratamentos articulando-os com habilidade de modo interativo. 2.6 Educação matemática e educação tecnológica A terminologia “Educação Tecnológica” tem interpretação diversa, se considerar a complexidade de conceituação de educação como prática social, a se realizar em tempo e espaço históricos determinados, com características ideológicas. Assim, pode-se interpretar ainda “Educação para a Tecnologia”, “Educação com a Tecnologia”, “Educação pela Tecnologia”. Desta forma, Educação e Tecnologia são conceitos imbricados, pois educar é ação de um sujeito no contexto das relações sociais num espaço societal histórico, econômico, técnico-científico aonde se desenvolve a produção da técnica, e da Tecnologia, que é um sistema de produção de artefatos e serviços, no coletivo das organizações sociais. Assim, ambos os conceitos são pertinentes à ação do homem na cultura, na sociedade, na história. O conhecimento, fruto da educação, e, a ação técnica, resultado da tecnologia, estão em constante reciprocidade, numa relação da interdependência. A tecnologia é um processo permanente, pois o homem produz técnica permanentemente, sempre buscando diminuir seu esforço físico e aumentar o seu conforto material. A técnica como resposta de uma necessidade ou demanda do 41 homem, leva, em termos de valores, a uma nova visão do mundo pelo indivíduo. Assim, O conceito de Educação Tecnológica prende-se, evidentemente, aos conceitos específicos de sua expressão,mas na sua interação e integração diz respeito ou à formação do indivíduo para viver na era tecnológica, de uma forma mais crítica e mais humana, ou à aquisição de conhecimentos necessários à formação profissional (tanto uma formação geral como específica), assim como às questões mais contextuais da tecnologia, envolvendo tanto a invenção como a inovação tecnológica. (GRINSPUN, 2001, p. 57). Desta forma, educar tecnologicamente é formar um indivíduo reflexivo e crítico, com trânsito numa sociedade, hoje, com velocidade crescente de produção e uso de técnica. Grinspun (2001, p. 58), [...] analisa que “alguns pontos são básicos no conceito que pretendemos estruturar para educação tecnológica, quais sejam: - A educação é a tônica do processo evolutivo da tecnologia; - A formação do indivíduo deve estar voltada para as condições – termos de acesso ao conhecimento e pesquisa – de sua inserção no campo da tecnologia, propiciando-lhe meios e ferramentas para criar tecnologias; - A interação ciência-tecnologia se faz presente em todo seu percurso, e para isto o comprometimento é bem maior com o processo do que com o produto/resultado final da tecnologia; - A construção de uma educação que não separe a tecnologia de seu cotidiano, esclarecendo e desvelando as implicações das novas relações sociais, em especial a formação do trabalhador; - Desperta no indivíduo o lado humanístico da tecnologia e, por outro lado, instigá-lo à rede de conhecimentos e saberes que a tecnologia propicia. Não podemos valorizar a técnica em detrimento do mundo subjetivo; para tudo há lugar, em especial para se pensar e para aprender a aprender. Se antes a tecnologia era de base empírica, da experimentação, do ensaio acerto/erro, da conformação, hoje, ganha uma nova base estrutural científica da geração do modelo para construção técnica do produto, via matematização dos processos na sociedade da informação, com uso intensivo do computador. A matemática é o sustentáculo lógico do processamento da informação, e o pensamento matemático é também a base para as atuais aplicações da tecnologia da informação. De fato, todas as aplicações de um computador podem ser vistas como uma aplicação de um modelo matemático simples ou complexo. (SKOVSMOSE, 2001, p. 77). 42 Educação matemática versus3 educação crítica é o tratamento4 que Skovsmose (2001) estabelece, desde que se entenda o conceito sociológico da Educação Matemática, relacionando às condições do processo educacional numa sociedade técnico / tecnológica. Numa sociedade científica e tecnológica, em célere evolução de conhecimento, de informação e de saberes, assiste-se uma integração das duas áreas de conhecimento, em dialética. Ambas são prática social de características antropológicas, históricas, sociais, educacionais. Ambas desenvolvem habilidades e competências críticas, a serem cultivadas no espaço das relações sociais a serem instituídas no processo formativo do mundo do trabalho, na profissão. Abrantes (2005) define, na constituição das relações da Matemática com a vida real, a valorização do que denomina competências críticas, Adaptar uma perspectiva educativa que valoriza o desenvolvimento de competências críticas a respeito das relações da Matemática com a realidade e que considera que estas relações fazem parte integrante da Matemática, como ciência e como disciplina escolar, tem conseqüências ao nível de conteúdos, dos métodos e da organização do mesmo. (ABRANTES, 2005, p. 92) No plano sócio-político, Skovsmose (2001) interpreta a educação matemática crítica como questão de democracia. Há uma crescente análise quantitativa e matematizada da realidade, em todos seus aspectos educacionais, sociais, políticos. 3 Termo utilizado pelo autor. 4 Maneira como dialoga os dois campos tratados. EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA X EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 43 Buscou-se construir o objeto da pesquisa, a qual gerou essa dissertação, pela análise da prática educativa de educador matemático, o professor de Cálculo I de curso de Engenharia, e do educador tecnológico, o professor de disciplinas específicas do mesmo curso, quanto a sua postura didática no trabalho de conceitos, na aula de tecnologia. 2.7 O ensino de cálculo na perspectiva da produção acadêmica O ensino de Cálculo Diferencial e Integral tem sido objeto de estudo pela academia na perspectiva do ensino, do currículo e da aprendizagem. No contexto internacional, a obra de Caraça (2002) “Conceitos Fundamentais de Matemática” apresenta um estudo na forma qualitativa, com descrição reflexiva e analítica dos conceitos fundamentais da Matemática e simplicidade máxima na forma de exprimir, rigor máximo na forma de expor, segundo um dos vários apresentadores da obra, que também enfatiza novo estilo de ensino de matemática inovador de Caraça (2002), classificando ainda a obra como um “livro de cultura”. Este estilo é do enfoque à conceituação, utilizando da linguagem retórica, sem abuso da algebrização e fazendo o tratamento aritmético e geométrico dos conceitos, com prioridade. Caraça (2002) inicia com o estudo de Números com o problema da contagem e da medida, chegando aos Limites e a questão da continuidade, passando pelo conceito de função e infinitésimo, no que se refere ao Cálculo. Sua abordagem é descritiva com uso da aritmética e interpretação geométrica que denomina significado geométrico, esse sempre evidenciado. Para o conceito de Limite, parte do comportamento de sucessão de números e de problemas do movimento. A definição rigorosa usando a linguagem verbal tem o uso de simbologia apenas necessária para a definição. Faz um estudo de séries quanto a seu comportamento de convergência e traz um debate constante com o leitor, chamando-o para a necessidade de verificar que, ao criar um conceito, o rigor vem depois da experimentação, 44 a teoria de séries oferece-nos um dos mais flagrantes exemplos de como as necessidades atuam como aguilhões na criação dos conceitos, independentemente da sua ordenação lógica. Primeiro é preciso obter resultados e, para isso, criam-se os instrumentos precisos; as preocupações de rigor e de ordenação aparecem mais tarde. (CARAÇA, 2002, p. 262) Dá importância ao conceito matemático de continuidade. Já no tratamento de “infinitésimos”, antes da rigorização afirma “os conceitos intuitivos de infinitamente pequeno e infinitamente grande foram utilizados sabiamente por alguns matemáticos no cálculo infinitesimal e na interpretação de fenômenos físicos”. (CARAÇA, 2002, p. 297) Outra obra de destaque é “O que é Matemática?” de Richard Courant e Herbert Robbins (2000) que como subtítulo traz" uma abordagem elementar de métodos e conceitos”. No prefácio da primeira edição, Courant (1941) traz a seguinte advertência: O ensino de Matemática tem algumas vezes degenerado em exercício repetitivo e vazio de solução de problemas, o que pode desenvolver capacitação formal mas não conduz a uma real compreensão ou independência intelectual. A pesquisa matemática tem mostrado uma tendência no sentido da superespecialização e da ênfase excessiva na abstração. Aplicações e ligações com outros campos têm sido negligenciadas. Já no prefácio das segunda, terceira e quarta edições (1943, 1945, 1947), enfatiza a compreensão em relação ao formalismo e manipulação. Durante os últimos anos, a força dos eventos conduziram a uma crescente demanda de informações e treinamento em Matemática. Agora, mais do que nunca, existe o perigo de frustração e desilusão, a menos que estudantes e professores tentem olhar para além do formalismo e da manipulação matemática e aprender a verdadeira essência da Matemática (COURANT; ROBBINS, 2000) Dá um direcionamento ao leitor intitulado “como utilizar
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