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Uma experiência de supervisão EM OFICINAS DE CRIATIVIDADE Vera Helena Ostronoff Cacilda B. Fávero Paola D. Baldin Este capítulo explicita e faz algumas considerações a respeito de uma primeira experiência em supervisão em oficinas de criatividade oferecidas a instituições, ocorrida no ano de 2003 e esperamos que ele possa remeter os supervisores ao resgate de sua própria prática e proporcionar-lhes alguma reflexão. Naquele ano compartilhamos, na condição de supervisora e estagiários, essa experiência vivida na área de estágio Oficinas de Criatividade, no Centro de Psicologia Aplicada da UNIR Até então, esse estágio, de dois semestres letivos, e tendo como base atividades que utilizam diversos recursos expressivos, configurava-se como um espaço propiciador de experiências, para que os alunos-estagiários pudessem olhar para si mesmos enquanto futuros psicólogos (Cupertino, 2001). No segundo semestre daquele ano, porém, pela primeira vez, os estagiários dessa área, em duplas, e sob supervisão, ofereceram oficinas à comunidade, nas mais diversas instituições, depois de terem, eles próprios, experienciado oficinas durante o primeiro semestre. É sobre a supervisão dessas oficinas oferecidas pelos estagiários que queremos falar. Antes, porém, cabem algumas palavras sobre a compreensão das oficinas de criatividade (Schmidt e Ostronoff, 1999). Caracterizam- se elas por serem uma modalidade clínica que possibilita um espaço/ tempo propiciador de elaboração de experiências individuais e coletivas, Obras protegidas por Direitos de Autor 78 ESPAÇOS DE CRIAÇÃO EM PSICOLOGIA:OFICINAS NA PRÁTICA através do uso de recursos expressivos os mais diversos. Tais recursos são utilizados como suportes, por meio dos quais pode emergir o novo, e a singularidade de cada participante se revela. Assim, a produção de algo (seja um desenho, uma colagem ou um texto, por exemplo) não é o objetivo final, mas um meio para re-conhecer-se e ao outro. As oficinas proporcionam, também, estreitamento de vínculos sociais e apropriação das experiências coletivas além das individuais, pelo compartilhamento dos produtos e, principalmente, das experiências afetivas do processo do fazer de cada um. Poder falar de si, ouvir-se falando e ouvir comentários de outros a respeito de si próprio; tecer comentários a respeito da produção do outro, e ouvi-los dos outros ao mostrar a sua própria; tudo isso pode propiciar um sentimento de pertença social e de saída da solidão, ao mesmo tempo em que abre espaço para o reconhecimento da alteridade. As oficinas de criatividade podem ser realizadas em diferentes instituições e grupos: para citar apenas algumas das possibilidades, naquele ano, duas duplas de estagiários ofereceram-nas, respectivamente, a um grupo de crianças e a um outro de mães numa casa de apoio para crianças portadoras de câncer; houve oficinas também com crianças e adolescentes numa outra casa de apoio, esta para crianças e adolescentes moradores de rua; outras foram oferecidas aos monitores e coordenadores de uma ONG que oferece atividades artesanais e artísticas a uma comunidade da periferia. Necessário, porém, é se fazer um cuidadoso levantamento inicial da demanda. Por terem mais comumente uma duração circunscrita a algumas sessões, e por cada uma trabalhar um tema, com a perspectiva de fechar-se em si mesmas, as oficinas não são adequadas para se trabalhar em um grupo cujo grau de conflito o esteja desestruturando ou cujos participantes apresentem conteúdos pessoais com altos níveis de angústia. Nessa proposta, cabe ao oficineiro organizar as oficinas: fazer o levantamento da demanda e do grupo participante na instituição onde serão realizadas e decidir o número de oficinas a serem oferecidas. Compete-lhe ainda planejar as atividades e os recursos expressivos que serão utilizados, de acordo com a faixa etária do grupo de participantes, o tema e o objetivo da atividade, a maior ou menor disponibilidade de se obterem os materiais necessários, mas também de acordo com seu Obras protegidas por Direitos de Autor Christina M.B. Cupertino (organizadora) 79 estilo pessoal. Durante a atividade, sua função primordial é a de ser uma presença facilitadora dos processos subjetivos individuais e do grupo: ele apenas acompanha e acolhe, sensível e atentamente, os processos afetivos/vivenciais individuais e coletivos, de modo a permitir que os participantes, eles próprios, possam dar sentido à experiência vivida e à sua produção. Suas intervenções são, assim, sutis:10 partindo do modo como se sente afetado pelo que emerge na produção e nas falas, isto é, de sua própria vivência como oficineiro com os participantes daquele grupo específico, naquela oficina em particular, aponta para o que está velado, mas que pode vir à luz como sentido. 10. O termo “sutil” foi empregado tendo em vista que pode ter o sentido de algo delicado, sensível e, ao mesmo tempo, agudo e/ou penetrante. Essa era, então, a proposta a ser “abraçada” pelos estagiários, o que foi, sem dúvida, uma grande transformação no estágio. Se antes eles tinham apenas o compromisso com o acolhimento e elaboração da sua experiência pessoal e a de seus colegas, no espaço protegido da clínica-escola, o que já não era uma tarefa simples, porque mobilizadora, agora precisavam aventurar-se sozinhos, lá fora, no “mundo real”, e responsabilizar-se por si próprios enquanto oficineiros. Assim, tinham que visitar instituições, fazer entrevistas com os responsáveis por elas para levantamento da demanda, planejar as oficinas; finalmente, deviam aplicá-las, o que demandaria deles, ao mesmo tempo, disponibilidade para a escuta clínica de cada participante e do grupo e um olhar sensível ao que o produto e a maneira de fazê-lo revelavam de seu autor. Esta nova condição não foi assumida sem susto ou angústia. Ao contrário. No entanto, não eram as tarefas, em si, a fonte maior de sua aflição, mas o encontro com um outro desconhecido, fosse este a instituição e/ou os participantes do grupo de oficina (o que poderia vir a acontecer e emergir durante sua realização), fossem eles mesmos. A experiência acabou sendo preciosa para todos. Se, no início, a transformação de alunos/estagiários em oficineiros foi assumida por alguns deles, essencialmente, como uma tarefa acadêmica a ser cumprida, ao final desvelou-se-lhes seu sentido: a aprendizagem de um ofício e o resgate de sua humanidade. Obras protegidas por Direitos de Autor 80 ESPAÇOS DE CRIAÇÃO EM PSICOLOGIA:OFICINAS NA PRÁTICA Mas, estamos nos adiantando. Como este artigo trata da explicitação da experiência de uma prática, é a partir dela que vamos falar, mas de perspectivas diferentes, pois embora tenhamos compartilhado a experiência, o fizemos ocupando lugares distintos: assim, primeiramente será apresentado o relato da experiência de oficinas oferecidas, escrito pelas psicólogas Cacilda Fávero e Paola Baldin, estagiárias à época; em seguida, a supervisora tecerá algumas considerações sobre a aprendizagem e a supervisão nessa prática. Relato de experiência11 11. Extraído de relatório apresentado em supervisão. As oficinas sobre as quais falamos foram realizadas numa instituição fundada há 20 anos, subsidiada pela Prefeitura do Município de São Paulo desde sua fundação, recebendo contribuição financeira a cada quatro meses de um projeto estrangeiro de adoção à distância. A instituição se divide em três complexos, localizados em um município da Grande São Paulo. Na época em que foram realizadas as oficinas havia um total de aproximadamente 640 crianças e adolescentes, com idades entre seis e 14 anos. A função da instituição é atender crianças e adolescentes no período em que elas não estão na escola. Entre algumas atividades desenvolvidas estão o reforço escolar, o artesanato, e a orientação sobre higiene e limpeza. Além das atividades, a instituição oferece alimentação e recreação. Conhecendo o trabalho desenvolvido por essa instituiçãoe sabendo das muitas atividades oferecidas às crianças, achamos que poderiamos oferecer o trabalho de oficina para as monitoras e coordenadoras, que totalizavam 15 pessoas. Para que sejam realizadas as oficinas, é fundamental que se conheça a demanda dos participantes, ou seja, quais suas preocupações e necessidades. Nas reuniões que tivemos com as futuras participantes do grupo de oficinas, a principal demanda detectada foi seu sentimento de frustração e impotência em relação ao trabalho que desenvolviam com as crianças. Sua principal dúvida era: será que contribuímos de forma positiva para a formação das crianças que atendemos? Obras protegidas por Direitos de Autor Christina M.B.Cupertino (organizadora) 8 I Planejamos, assim, inicialmente, apenas três oficinas com suas respectivas atividades, tendo em vista essas questões, mas acabamos realizando seis. A primeira oficina teve o objetivo de uma apresentação, não só para que nós pudéssemos conhecer as participantes, mas também para que elas próprias tivessem a oportunidade de se apresentarem umas às outras de uma forma nova e em outro contexto. Para desenvolvermos essa atividade, disponibilizamos-lhes tesoura, cola, cartolina e revistas. A primeira instrução foi para que se sentassem longe umas das outras, pois o trabalho deveria ser desenvolvido individualmente. Depois, pedimos que cada uma recortasse somente uma figura e uma frase/slogan que expressasse quem elas são, como se estivessem fazendo um anúncio delas mesmas. Terminada essa primeira parte, recolhemos os cartazes; em seguida, mostramos um de cada vez ao grupo, para que as participantes adivinhassem quem o havia feito, justificando o porquê de terem relacionado aquele cartaz com a pessoa citada. Depois que o grupo adivinhava quem o havia feito, sua autora comentava como se sentira ao escutar o grupo e o motivo pelo qual havia escolhido aquela figura e slogan. Ao final da oficina, ficou evidente que elas não conheciam umas às outras como pensavam; dessa forma, ficavam surpresas com os relatos das colegas de anos de trabalho. Com isso, pudemos perceber a importância de se iniciar o trabalho de oficina de criatividade com uma apresentação. Em supervisão demo-nos conta de como havíamos ficado “misturadas” afetivamente às participantes, não conseguindo nos manter no lugar de oficineiras: quando a supervisora e nossas colegas de classe chamaram nossa atenção para o fato de que estávamos agitadas e falando muito, é que percebemos o quanto nos deixáramos “tomar” pelas emoções das participantes: lembramos, então, que elas estavam agitadas, rindo e conversando sem parar, mostrando uma grande necessidade de enfatizar o quanto eram batalhadoras e dedicadas ao seu trabalho, e ressaltando seus aspectos positivos. Chegamos à conclusão de que essa mistura nos paralisara, impedindo-nos, durante a oficina, de acompanhar mais atentamente e acolher cada participante do grupo, e de fazer intervenções. Na segunda oficina, utilizamos a música do grupo O Rappa, “A Minha Alma”. Esperávamos, a partir da demanda inicial, que esta fosse Obras protegidas por Direitos de Autor 82 ESPAÇOS DE CRIAÇÃO EM PSICOLOGIA:OFICINAS NA PRÁTICA um disparador para que o grupo refletisse sobre violência e paz (a comunidade atendida pela instituição sofre risco de violência), e tivesse a oportunidade de falar sobre seus sentimentos em relação a esses aspectos. A oficina foi realizada da seguinte forma: colocamos a música para tocar e pedimos que apenas a escutassem. Em seguida, entregamos às participantes a letra da música e pedimos que a cantassem em voz alta. Depois, entregamos uma folha de papel sulfite a cada uma, solicitando que escrevessem um pequeno texto sobre a parte da música mais marcante para elas. Por último, pedimos que cada participante falasse sobre o que escrevera e como se sentira escutando essa música. Nessa oficina, os temas da demanda inicial apareceram sutilmente. Duas participantes somente falaram sobre o sentimento em relação à frustração, mas a maioria enfatizou uma outra questão: dificuldade de comunicação ligada à dificuldade de se expor a outros e ser compreendida por eles. Ficamos surpresas com o tema que havia surgido de uma oficina que literalmente tocava e enfatizava a violência como tema. Mas, como o objetivo não era induzir ninguém a nada, ficamos satisfeitas, pois tínhamos conseguido deixá-las à vontade para falar de um outro tema que estava mais emergente. No entanto, vimos que nosso projeto inicial, baseado na demanda apresentada pelas monitoras e coordenadoras, tinha se direcionado para outros aspectos, ou seja, apareceram, nesse momento, questionamentos que inicialmente estavam velados. Aqui cabe dizer que, ao iniciarmos, imaginávamos que as atividades propostas para o grupo de participantes ocorreríam da maneira que planejáramos: aplicaríamos as oficinas que tínhamos elaborado de antemão, direcionadas pela demanda inicial que se revelara durante as reuniões que havíamos feito na instituição. Já nessa oficina, entretanto, percebemos que isso não aconteceria, pois a demanda se transformara, o que fez com que nos sentíssemos, então, desorientadas. Apesar de, teoricamente, sabermos que não poderiamos conduzir rigidamente as oficinas, foi difícil lidar com essa situação de mudança, visto que somos duas pessoas acostumadas a trabalhar com roteiros planejados e fixos. Assim, ficamos tentadas a seguir o roteiro de atividades já elaborado, imaginando adaptar essa nova demanda às oficinas anteriormente montadas. Obras protegidas por Direitos de Autor Christina M.B. Cupertino (organizadora) 83 Durante a supervisão, porém, paramos para refletir sobre essa atitude e chegamos à conclusão de que nossa rigidez se devia à nossa insegurança com relação às nossas expectativas de sucesso das oficinas, cuja responsabilidade estávamos colocando nas participantes do grupo. Queremos dizer com isso que desejávamos que tudo acontecesse da maneira “certa” para nos sentirmos eficientes em nosso trabalho. Essa reflexão possibilitou que nos apropriássemos de nosso lugar e responsabilidade como oficineiras, para podermos desenvolver nosso trabalho mais pessoalmente, sem nos preocuparmos tanto com aprovação, e sem depositarmos nossas expectativas de sucesso ou fracasso no outro, podendo, assim, abrir mão de nossa rigidez inicial. A terceira oficina foi elaborada a partir do tema levantado na oficina anterior, que foi a dificuldade que as participantes demonstraram em serem reconhecidas ou vistas pelo outro. A atividade feita denomina- se “auto-retrato”: fornecemos-lhes caneta hidrográfica e papel sulfite e iniciamos a atividade solicitando-lhes que fizessem um auto-retrato de como se vêem no mundo em que vivem. Quando todas as participantes terminaram o primeiro auto-retrato, pedimos-lhes para fazerem um outro, de como gostariam que fossem vistas pelas pessoas com quem convivem. Ao final da atividade, solicitamos que as participantes comentassem seus trabalhos. Percebemos que, em sua maioria, as participantes demonstraram preocupação com a forma como eram vistas pelos outros. Ao falarem sobre a visão que tinham de si, demonstravam apenas aspectos negativos, como, por exemplo, suas fraquezas. Já na segunda parte, na qual deveriam expressar como gostariam de ser vistas pelas outras pessoas, mostraram-se ambivalentes, pois, a princípio, a fala de muitas foi de que gostariam de ser vistas como realmente são, mas os desenhos nos mostraram pessoas bem diferentes das que foram retratadas no primeiro desenho. Foi então, através de nossos questionamentos sobre os desenhos e as diferenças entre eles e suas falas, que elas perceberam que estavam se contradizendo; justificaram-se, dizendo que, no trabalho, são pessoas que se dedicam, mas que atrás de toda essa dedicação existem pessoas com sentimentos e com fraquezas também, pois nem tudo é só “fortaleza”. Ao término de cada oficina, sempre conversávamossobre o que acontecera e o que havíamos feito. Nessa, especificamente, percebemos que tentáramos interpretar os trabalhos das participantes como se elas Obras protegidas por Direitos de Autor 84 ESPAÇOS DE CRIAÇÃO EM PSICOLOGIA:OFICINAS NA PRÁTICA estivessem em psicoterapia, ou seja, estávamos confundindo não só a postura de terapeuta com a de oficineira, como também os objetivos dessas duas modalidades de atendimento. Ao relatarmos essa nossa atitude em supervisão, nos demos conta de que estávamos tentando acolher e responder a conteúdos pessoais das participantes, que haviam emergido, mas transcendiam o âmbito daquele espaço. Saber disso foi reconfortante, já que sentíamos que o papel de terapeuta estava “pesado” e fora de contexto. Além disso, confirmou que nossa idéia de indicar o plantão psicológico para as participantes interessadas era adequada.12 Frente a essa dedicação que foi mencionada pelas participantes, durante a supervisão chegamos à conclusão de que na oficina seguinte seria interessante resgatar, com as monitoras, o sentido do trabalho que elas desenvolviam com as crianças, possibilitando-lhes pensar no que estava implícito na dedicação que “maquiava sua fraqueza”, termo que elas mesmas haviam usado. 12. O plantão psicológico oferecido na UNip aberto a toda a comunidade e realizado pelos alunos de Psicologia de 9o e 10° semestres, caracteriza-se por ser um atendimento psicológico emergencial, em dias e horários pré-determinados e para o qual não é necessário agendamento prévio. Seu objetivo é o acolhimento da angústia imediata do cliente, no momento em que ela emerge. Há a possibilidade de serem marcados alguns encontros de retorno e de encaminhamento para alguma modalidade de psicoterapia, dependendo da demanda do cliente. Disponibilizamos os seguintes materiais para a realização da oficina: cartolina, purpurina e cola. Pedimos para que as participantes expressassem na cartolina qual o sentido do seu trabalho na instituição, da maneira que elas achassem melhor, utilizando somente o material fornecido. Logo depois que demos as instruções para a realização da atividade, entretanto, percebemos uma certa inquietação e relutância em iniciá-la, até que uma das participantes disse: “Justo hoje vocês vão pedir isso!”. Perguntamos, então, o que estava acontecendo e por que estava sendo tão difícil realizar aquela atividade. Elas nos responderam que no dia anterior tinham recebido a notícia de que seriam demitidas ao final do ano letivo. Então, demos-lhes uma nova instrução, solicitando que fizessem a atividade expressando aquele momento ou o Obras protegidas por Direitos de Autor Christina M.B. Cupertino (organizadora) 85 imediatamente anterior à notícia de sua demissão, do modo que achassem melhor. Nessa oficina, apesar da situação difícil pela qual estavam passando, conseguiram ficar à vontade para desenvolver a atividade, o que lhes possibilitou resgatar muitas lembranças e expressar sentimentos que as estavam incomodando. Nas oficinas anteriores, havia a demora de um certo tempo, até que timidamente aparecesse a primeira pessoa disposta a expor e falar sobre seu trabalho; nesta, no entanto, todas queriam falar. Assim, falaram sobre a esperança de chegarem a um acordo salarial com a instituição, a fim de permanecerem em seus empregos, pois haviam ficado sabendo que o motivo da demissão era a necessidade da diminuição do salário. Ao mesmo tempo, mostravam- se já preocupadas com as monitoras que seriam contratadas em seu lugar e se perguntavam se estas teriam o mesmo compromisso que elas próprias tinham com as crianças e adolescentes. Essa atividade serviu como um espaço para o seu desabafo; foi também um momento de muita emoção e comprometimento entre todas. Elaboramos a quinta oficina, com o objetivo de resgatar com elas a sua história de trabalho na instituição, a fim de que pudessem entrar em contato com tudo o que já haviam feito lá e com as crianças que dela fazem parte. Na atividade que propusemos, fornecemos papel sulfite cortado em tiras largas, folha de papel pautado e caneta hidrográfica. Iniciamo- la pedindo que uma por vez dissesse uma frase ou palavra sobre sua história na instituição. Uma de nós, oficineiras, ia anotando uma a uma, em cada tira de papel sulfite, as frases e as palavras ditas. Depois que todas elas já tinham dito várias palavras ou frases e já não tinham mais nada a dizer, pedimos-lhes para organizarem as tiras de papel em cima da mesa e montassem um texto coletivo com o que havia sido dito. Algumas das palavras e frases ditas foram: “decepção”, “cansaço”, “competição”, “impotência”, “alegria”, “amizade”, “descoberta”, “injustiça”, “desde o primeiro dia nós nos entregamos”, “aprender é muito mais que estudar”, “os desafios do dia-a-dia nos entristecem e nos animam”, entre outras. Para nós, essas palavras e frases mostravam o quanto essas monitoras se dedicavam ao trabalho que desenvolviam, o esforço que despendiam e os obstáculos que enfrentavam, sem nunca desistir de Obras protegidas por Direitos de Autor 86 ESPAÇOS DE CRIAÇÃO EM PSICOLOGIA:OFICINAS NA PRÁTICA contribuir para a melhoria de vida da população das comunidades às quais prestavam atendimento. Percebemos que depois de algumas terem dito palavras que enfatizavam os aspectos positivos de sua história de trabalho, uma outra, em seguida, dizia uma palavra ou frase com conteúdo negativo, com expressão magoada ou triste, o que fazia com que as próximas pessoas a falar passassem a também salientar os aspectos negativos dessa história, manifestando sua raiva e desgosto. Mesmo os aspectos positivos também eram expressos com uma certa tristeza. Depois que o texto foi montado, pedimos para uma das participantes lê-lo. A “oradora” foi L., que demonstrara anteriormente freqüente dificuldade de falar de seus produtos e sempre se emocionava ao fazê-lo. Quando acabou de lê-lo, perguntamos-lhes como fora, para elas, fazer aquela atividade. Muitas responderam que haviam gostado, pois haviam se lembrado de várias situações justas e injustas que haviam vivido. Uma das participantes disse: “Nossa! Um trabalho de anos resumido a um papel!”. Mais uma vez, a decepção de ter sido demitida apareceu na fala dessa monitora. Dissemos-lhe, então, que aquele era apenas um registro de alguns momentos que fazem parte da sua história na instituição, mas que, com certeza, muito papel seria preciso para contar os detalhes da história do trabalho bonito que elas desenvolviam. Percebemos que as monitoras, frente à sua futura demissão, oscilavam entre o inconformismo e a resignação. Tendo isso em vista, a sexta e última oficina foi pensada no sentido da elaboração do luto pelo término de seu trabalho e final das oficinas. O material utilizado foi uma folha de papel-cartão, metade branca e metade preta; na metade preta, as participantes expressariam o momento atual e, na parte branca, o futuro e as possibilidades que ele abre. A maioria dos desenhos representando o momento que as participantes estavam vivendo expressava tristeza; muitas, ao compartilharem seus trabalhos, falaram a respeito do esforço que estavam tendo que fazer para dar o melhor de si e “agüentar” até o final do ano, pois era desanimador pensar que seriam demitidas. Por outro lado, imaginavam um futuro melhor para si mesmas, quando conquistariam um emprego melhor, mesmo que continuassem tendo que se esforçar, já que quase nenhuma cursara ensino superior. Obras protegidas por Direitos de Autor Christina M.B.Cupertino (organizadora) 87 Esta oficina deu uma oportunidade para que as integrantes do grupo pensassem no futuro e entrassem em contato com as possíveis dificuldades que encontrariam no mercado de trabalho, o que as mobilizou a pensar nos recursos que seriam necessários para a realização de seus sonhos e desejos. No início, pensávamos que tudo ocorrería conforme o planejado; entretanto, aconteceu o inverso: a cada oficina surgia umaquestão diferente e tivemos que reelaborar cada uma das oficinas oferecidas a partir do tema que surgia na anterior. Para nós, a supervisão foi um momento de troca de informações e acolhimento das ansiedades, dificuldades e angústias de todas; em vários momentos, não só aprendemos sobre nós mesmas durante a supervisão de outras duplas de oficineiras, mas também podíamos nos sentir menos sós ao compartilharmos, todas, as nossas experiências e dificuldades. Com isso, podemos dizer que aprendemos a reavaliar as nossas atitudes e modo de ser como pessoas e profissionais, aprendendo a lidar com a diversidade que as oficinas nos proporcionaram. Considerações Esse relato, que descreve as oficinas e suas atividades e fala da elaboração de uma experiência, mostra o processo de aprendizagem do ser oficineiro, do qual a supervisão participa. Como o texto aponta, as estagiárias começaram suas atividades como oficineiras sem terem efetivamente elaborado sua experiência pessoal prévia no semestre anterior. Não se sentiam subjetivamente comprometidas como oficineiras: para elas, coordenar uma oficina era quase que exclusivamente uma tarefa específica a ser cumprida pela mera aplicação de “técnicas” ou “dinâmicas”, como os estagiários costumam chamar as atividades propostas e os recursos expressivos utilizados, e que havia sido aprendida apenas teoricamente pela leitura e discussão de textos em classe. Isso é importante, na medida em que, para além de sua inegável inexperiência, esse modo de agir denuncia, como o mostra Benjamin (1975), o modo de pensar e agir tecnicista de nossa época, a qual demanda treinamento para a execução e cumprimento de tarefas fragmentadas e automáticas, objetivando a precisão e a exatidão do Obras protegidas por Direitos de Autor 88 ESPAÇOS DE CRIAÇÃO EM PSICOLOGIA:OFICINAS NA PRÁTICA gesto e do discurso. O homem da era moderna e técnica é aquele que precisa adestrar-se para reagir aos constantes estímulos e às solicitações de atividades que chegam constantemente do exterior em todos os âmbitos da existência, passando por vivências que não são elaboradas, pela falta de tempo ou espaço necessários para o recolhimento e a reflexão. Segundo o autor, característica também da técnica é a transmissão do conhecimento via informação, próprio do especialista, conhecimento este já instituído, que se limita aos fatos e à sua explicação. Ser oficineiro, no entanto, não é ser um técnico. É exercer um ofício, como eram os ofícios artesanais de uma pré-industrial já longínqua. O conhecimento de ofício que a experiência significa, seguindo o pensamento de Benjamin (1987), é acumulado lentamente ao longo do tempo por e no exercício contínuo de uma atividade realizada globalmente com o suporte de um mestre mais experiente. A experiência é, assim, um conhecimento que passa de uma pessoa a outra; desta forma, está arraigado num saber coletivo e é construído como tal. Por outro lado, vai se enriquecendo com as marcas pessoais dos que a possuem, na medida em vão se apropriando desse saber. Tendo sido feita a discriminação entre o conhecimento técnico e o saber de ofício da experiência, pode-se dizer que mesmo sendo importantes para o aprendizado, os aspectos teóricos só adquirem um significado pessoal e efetivo na vivência de ser oficineiro, que se dá não só com o exercício da prática, mas também com a elaboração da própria experiência que demanda tempo. Assim, embora tendo passado no começo do ano letivo, junto com seus colegas, pela mesma atividade de apresentação que ofereceram, foi só estando no lugar de oficineiras, e percebendo o que ela mobilizou em outros, que elas se apropriaram do seu sentido. A rigidez e a vontade de controle, próprias à atitude tecnicista, não resistiram ao encontro com o outro que essa prática proporciona. E só nesse momento do encontro com o outro que começa a verdadeiramente se formar o oficineiro enquanto psicólogo, que é, segundo Henriques (2005), o profissional do encontro, aquele que vai precisar de disponibilidade para acolher a alteridade (do outro e sua própria) como um desconhecido que o desafia. Esse momento as estagiárias relatam como sendo de “desorientação”, a qual podemos também chamar de angústia, de acordo com a Obras protegidas por Direitos de Autor Christina M.B. Cupertino (organizadora) 89 compreensão da fenomenologia existencial heideggeriana (Critelli, 1996; Almeida, 2005). Se, por um lado, essa traz um sentimento de vazio de sentido, e faz perder o rumo e o “chão” ao denunciar a ilusão de controle sobre o mundo, os outros e si mesmo, por outro revela a singularidade e a liberdade de poder-ser a si mesmo. Poder angustiar-se foi essencial à aprendizagem de ser ofícineiras dessas estagiárias, na medida em que lhes permitiu afastar-se de uma posição ilusória de controle, para encontrar-se não só com a demanda que se lhes apresentava, mas também e principalmente consigo próprias e com o outro enquanto alteridades. Como elas próprias escrevem em seu relato, esperavam ser “eficientes no desempenho de sua função”. Essa expectativa até certo ponto é compreensível, se considerarmos que, como estagiárias, estavam sujeitas à avaliação do estágio. Entretanto, sua expectativa era de que “tudo acontecesse de maneira ‘certa’”. Dito de outra maneira, elas esperavam agir “corretamente”, para se sentirem seguras e terem certeza de que o resultado seria o sucesso das oficinas que coordenavam. Mas a questão da certeza, como diz Hanna Arendt (1987) se orienta pelo modo de pensamento científico, ao passo que a humanidade se constrói e se realiza na abertura aos outros. E tal abertura, que só acontece em liberdade de atos e palavras em nossa relação com eles, e a que ela dá o nome de “ação”, não produz resultados quantificáveis. Foi exatamente o que aconteceu a elas ao se “desorientarem”, quando, ao se abrirem ao outro, resgataram sua humanidade em sua singularidade; como elas mesmas relataram, puderam exercer sua prática de uma maneira mais autêntica, responsabilizando-se por si mesmas. A partir daí, seguindo seu relato, podemos percebê-las mais à vontade em seu percurso, sem se preocuparem com o julgamento e avaliação exteriores, apropriadas de seu lugar como ofícineiras naquele grupo, pensando e agindo por si próprias, fazendo intervenções adequadas ao contexto em que se encontravam e ao qual pertenciam as integrantes do grupo, confiantes de que teriam recursos pessoais para poderem responder à sua maneira ao desconhecido e inesperado. E essa aprendizagem que desejamos: que os estagiários experienciem seu modo próprio de responder ao que vem a seu encontro, na relação intersubjetiva com os participantes de um grupo. Só ao se disponibilizarem para acolher o que emerge em si como alteridade, é Obras protegidas por Direitos de Autor 90 ESPAÇOS DE CRIAÇÃO EM PSICOLOGIA:OFICINAS NA PRÁTICA que eles se sentem os sujeitos de sua própria aprendizagem e prática, e é somente a partir daí que podem efetivamente ir ao encontro dos participantes também como outros, sujeitos e agentes de sua própria história. Não que os aspectos teóricos da aprendizagem não tenham importância, muito pelo contrário, mas estes ganham sentido efetivo, para além de um saber puramente racional, quando articulados criativamente com a prática e a apropriação da experiência pessoal, concreta e contextualizada, realizando-se, assim, como aprendizagem significativa. Esta, segundo compreensão de Morato e Schmidt (1999) é a aprendizagem que, integrando os três aspectos da formação de profissionais de saúde e educação: o teórico, o prático e o processo de desenvolvimento pessoal, dá a ela a qualidade de experiência e não a de transmissão e repetição de informações. Em suas palavras: A aprendizagem significativa designa o processo de constituição e apropriação de um “saber fazer/saber dizer”, co-respondendo, desta forma, à experiência. O conceito de aprendizagem significativa compreende, portanto,a aprendizagem como processo de manifestação de vida, de desenvolvimento e expressão viva da necessidade de crescimento presente nos organismos. Neste contexto, os processos de aprendizagem revelam-se como possibilidades de compreensão e conhecimento e, portanto, de atribuição de significado para relações e situações vividas pela pessoa, seja consigo mesma, seja com o mundo, ou com os outros, (p. 128-9). Na formação dos estagiários cabe ainda a aprendizagem da prática do ser oficineiro como um fazer político. Sendo um profissional do encontro, exerce sua atividade no espaço público de instituições, oposto ao espaço da privatividade, reservado à intimidade e cujo excessivo domínio em nossa época cria a solidão. Segundo Arendt (1981), a alteridade só pode se realizar no espaço público, na presença de outros que testemunhem a existência de cada um em sua humanidade e o lugar que ocupa no mundo, enquanto agente de atos e palavras. No entanto, os assuntos que podem aparecer no espaço público para serem falados e ouvidos por outros são aqueles Obras protegidas por Direitos de Autor Christina M.B.Cupertino (organizadora) 9 I que dizem respeito aos homens em sua humanidade. A essa atividade que realiza a alteridade a autora chama de ação, que é o fazer político por excelência. Nesse sentido, o fazer do oficineiro é político: possibilita o espaço e tempo para o compartilhamento de experiências que revelam a singularidade de cada um dos integrantes em sua humanidade. Resumindo, o objetivo da aprendizagem nessa prática é a elaboração da experiência dos estagiários, que possibilita a saída de um pensar e agir tecnicistas para o resgate da humanidade de si mesmo e do outro. Se no início, os estagiários têm, como objetivo das oficinas e como sua função essencial, a aplicação de técnicas, ao final, é o ser com o outro que os acalenta e dá sentido ao uso das técnicas e recursos expressivos. Nessa proposta, a função da supervisão consiste, sobretudo, em ser, como diz Henriques (2005:154) “um espaço privilegiado e compartilhado na reconstrução e compreensão do encontro, onde novos sentidos são gerados, possibilitando mudanças de olhar, de um olhar que indaga e descobre”. Desta forma, a tarefa do supervisor é estar disponível para as alteridades, o que é tarefa complexa, já que em supervisão se apresentam, e muitas vezes se confundem e misturam, as subjetividades de estagiários e participantes das oficinas. Não podemos esquecer também que a supervisão é o lugar por excelência da formação profissional do psicólogo. Na supervisão de oficinas de criatividade, que possibilitam a ação política do psicólogo na atenção à demanda de grupos nos mais diversos espaços institucionais, os diferentes contextos e realidades sócio-culturais exibem- se a todos em toda a sua crua (e tantas vezes cruel) realidade. A supervisão torna-se, dessa forma, uma oportunidade ímpar para o desenvolvimento no estagiário, como bem diz Martinez (2003), dos recursos subjetivos necessários para uma formação profissional compromissada com a justiça e a transformação sociais. Tal formação, longe de se ater aos conteúdos, deve privilegiar o eixo pessoal do futuro profissional, sem o que o exercício de competências e habilidades e a integração do conteúdo teórico tornam-se difíceis, senão impossíveis. Assim, para a autora, uma formação que favoreça o compromisso social dos estagiários deve desenvolver “a sensibilidade humana e social, o sentido de justiça, a solidariedade e a capacidade de assumir posições”, entre outras. Obras protegidas por Direitos de Autor 92 ESPAÇOS DE CRIAÇÃO EM PSICOLOGIA:OFICINAS NA PRÁTICA Nesse sentido, o acompanhamento do supervisor deve ser atento e cuidadoso desde o levantamento, feito pelos estagiários, da demanda na instituição onde o trabalho se realizará, ocasião em que, se revelando o contexto sócio-cultural onde serão realizadas as oficinas, pode-se começar a refletir e discutir o modo como os estagiários se sentem mobilizados por essa realidade. E de vital importância também que a escuta do supervisor seja sensível às expectativas de oficineiros e participantes diante da demanda, visando a que sejam condizentes com o que as oficinas podem proporcionar, para que o trabalho não resulte em vão, nem para uns nem para outros. E a supervisão das oficinas realizadas e o planejamento da seguinte, no entanto, que pedem sua atenção e cuidado maiores. Os oficineiros chegam à supervisão. Arranjam sobre o chão os produtos da oficina que realizaram: vêm com desenhos, colagens, textos, esculturas. Carregam também em si e consigo todos os afetos - que quase nunca elaboraram, de que muitas vezes nem sequer se deram conta - que “rolaram” entre todos no encontro intersubjetivo: entre os participantes; entre estes e os oficineiros; entre estes e aqueles. Estão ansiosos para relatar tudo o que aconteceu, excitados pelo entusiasmo, angustiados, indiferentes, distantes. É preciso, antes de tudo, ter uma escuta sensível aos sentimentos que cada um expressa no modo como relata a oficina e suas intervenções, ao modo como se refere aos participantes, à maneira como mostra e o que diz do produto de cada um deles. Chamando-lhe a atenção para as atitudes e sentimentos que expressa ali, naquele momento, e questionando-o a respeito deles, o supervisor dá ensejo a que o estagiário se dê conta do modo como está/ foi afetado pelo encontro. Dar-se conta do afeto que experimenta já pode lhe dar um início de compreensão e reflexão, seja sobre si, seja sobre o outro, seja sobre a relação intersubjetiva que viveu. É um momento muitas vezes angustiante, que precisa de acolhimento. Porém, é ele que pode propiciar a reflexão sobre si e o outro para que, ao final, possa emergir o sentido dos produtos feitos e das falas dos participantes naquela oficina. Quando isso efetivamente se realiza, acontece uma transformação, muitas vezes surpreendente Obras protegidas por Direitos de Autor Christina M.B.Cupertino (organizadora) 93 ou inesperada, para ele: descobre-se capaz de responsabilizar-se, pensar e agir por si mesmo. Mas é preciso também disponibilidade para esperar o tempo próprio de cada estagiário para que ele se aproprie de si próprio, pois nem sempre ele o faz de imediato e, às vezes, demora para que o faça. Poder reconhecer-se, porém, também traz um sentimento de alívio, de encontro com sua própria humanidade. Mais ainda, ser reconhecido pelos integrantes do grupo de supervisão, que muitas vezes se reconhecem, por sua vez, no outro que conta sua experiência, cria geralmente um sentimento de pertença no coletivo pelo compartilhamento de experiências. Durante o processo de supervisão de uma oficina, o supervisor participa ativamente; sua atenção e cuidado se dão num movimento espiral: vão e vêm dos oficineiros pessoalmente, para seu relato sobre os participantes, destes para seus produtos, e para os outros integrantes do grupo de supervisão, abertos a captar os afetos (seus próprios e os dos outros) que se expressam apenas veladamente, para que se desvelem e revelem e para que o sentido, enfim, surja. É necessário também que esteja pronto a acolher esses afetos, muitas vezes dolorosos, que o encontro desperta. Suas perguntas e comentários precisam ser no sentido de provocar o questionamento, a reflexão e a descoberta. Quanto ao planejamento das atividades da próxima oficina, ele ocorre a partir da compreensão do tema para o qual a anterior apontou. Nessa etapa final da supervisão, o supervisor contribui sugerindo as atividades e os recursos expressivos a serem utilizados, mas também é importante que os oficineiros possam pensar em atividades e sugeri-las. Depois disso, lá se vão eles embora ao término da supervisão. Uns saem pensativos, outros impactados; alguns estão alegres, falantes; outros se recolhem, quietos, mas certamente quase todos estão transformados (inclusive o próprio supervisor); raros são os que aparentam indiferençaao saírem. Exercer a atividade de supervisor é, dessa forma, uma tarefa complexa, mas instigante. Ela repetidamente desafia seus conhecimentos teóricos e sua experiência pessoal e profissional, provoca questões sobre si próprio, suas convicções e pré-conceitos que nem sempre são facilmente respondidas, revela sua própria alteridade e humanidade. Obras protegidas por Direitos de Autor 94 ESPAÇOS DE CRIAÇÃO EM PSICOLOGIA:OFICINAS NA PRÁTICA Seu objetivo é a transformação de alunos que crêem num fazer técnico em profissionais comprometidos com o encontro com sua própria humanidade e a de outros, onde quer que seres humanos convivam. Referências Bibliográficas ALMEIDA, E M. Ser clínico como educador: uma leitura fenomenológica existencial de algumas temáticas na prática de profissionais de saúde e educação. Tese (Doutorado em Psicologia). Instituto de Psicologia da USR São Paulo, 2005.ARENDT, H. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária/ Salamandra; São Paulo: EDUSR 1981.__________________Sobre a humanidade em tempos sombrios: reflexões sobre Lessing. In: Homens em tempos sombrios. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. p. 13-36.BENJAMIN, W. Sobre alguns temas de Baudelaire. In: A modernidade e os modernos. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975. p. 37-76.__________________O narrador. Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: Obras Escolhidas, v. 1. São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 197-221.CRITELLI, D. M. Analítica do sentido: uma aproximação e interpretação do real de orientação fenomenológica. São Paulo: EDUC: Brasiliense, 1996.CUPERTINO, C. M. B. Criação e formação: fenomenologia de uma oficina. São Paulo: Arte & Ciência, 2001.HENRIQUES, W. M. Supervisão: lugar mestiço para aprendizagem clínica. Tese (Doutorado em Psicologia). Instituto de Psicologia da USR São Paulo, 2005.MARTINEZ, A. M. Psicologia e compromisso social: desafios para a formação do psicólogo. In: BOCK, A. M. (org.) Psicologia e compromisso social. São Paulo: Cortez, 2003. p. 143-160.MORATO, H. T. R e SCHMIDT, M. L. S. Aprendizagem significativa e experiência: um grupo de encontro em instituição acadêmica. In: MORATO, H. T. R (org.) Aconselhamento psicológico centrado na pessoa: novos desafios. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999. p. 117-130.SCHIMDT, M. L. S. e OSTRONOFF, V H. 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