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NÚCLEO COMUM Disciplina: Aspectos Filosóficos Página 1 de 53 ASPECTOS FILOSÓFICOS Caro aluno você terá contato com uma periodização da Filosofia geral. A imensa produção filosófica não possibilita uma síntese justa. Então, demarcar os períodos e os principais filósofos foi a estratégia. Leia com atenção esse compêndio e bons estudos. 1 - IDADE ANTIGA 1.1 - PRÉ-SOCRÁTICO (SÉCULO VIII a.C. - V a.C.) 1.1.1 - CONTEXTO HISTÓRICO Os gregos fundam colônias espalhadas pelo Mediterrâneo (séc. VIII a.C.): Surgimento de um comércio ativo e de uma indústria próspera. A camada social envolvida nas atividades comerciais e artesanais é responsável pela substituição da aristocracia pela democracia (séc. VI a.C.). Primeiros legisladores gregos: Dracon, Sólon e Clistenes. Fundação de Roma (séc. VI a.C.). 1.1.2 - CARACTERÍSTICAS DA FILOSOFIA NO PERÍODO A filosofia se desenvolve inicialmente nas colônias gregas da jônia e do sul da Itália peninsular e Sicília. Predomínio do problema cosmológico: busca-se a arché, ou seja, o princípio de todas as coisas, a origem do universo. a physis (o elemento Página 2 de 53 primordial eterno, ou seja, a natureza eterna e em perene transformação) torna-se o objetivo de pesquisa e indagação. os físicos da jônia, também chamados de “fisiólogos”, são os primeiros filósofos gregos que tentam explicar a natureza material e o princípio do mundo e de todas as coisas por meio dos seguintes elementos: água (Tales de Mileto); ar (Anaximenes); apeíron (Anaximandro); devir ou vir-a-ser (Heráclito); ser (Parmênides); ar, água, terra e fogo (Empédocles); Homeomerias (Anaxágoras); átomo (Demócrito); número (Pitágoras). 1.1.3 - FILOSOFOS IMPORTANTES Escola Jônica: Tales de Mileto, Anaxímenes, Anaximandro. Escola Pitagórica: Heráclito Escola Eleática: Xenofantes, Parmênides, Zenão, Anaxágoras, Empédocles. Escola atomista: Leucipo, Demócrito. 1.2 - SOCRÁTICO: SÉCULOS V E IV A.C. 1.2.1 - CONTEXTO HISTÓRICO Guerras Médicas (490 - 480 a.C.). Em 405 a.C., Atenas é derrotada (Guerra do Peloponeso), mas a hegemonia espartana dura pouco (Tirania dos Trinta). Tebas conquista Esparta em 371 a.C., mas enfrenta a oposição de Felipe II, a Macedônia se fortalece. Em 338 a.C., Felipe derrota a liga Pan-helênica em Queronista. Alexandre Magno continua a política expansionista da Macedônia. 1.2.2 - CARACTERÍSTICAS DA FILOSOFIA NO PERÍODO Página 3 de 53 Foto: Envenenamento por Cicuta de Sócrates após sua condenação. Tela de Rafael Sanzio,1536. O advento do governo democrático em Atenas enseja a formação de cidadãos participativos transformar os habitantes da polis em políticos, indivíduos habilitados a tomar parte e decisões no processo democrático, por meio da paideia (formação integral e harmônica do homem pela educação). Dessa forma, o centro de interesse se desloca da natureza para o homem. Predomínio do problema antropológico. Os filósofos elegem o ser humano como objeto de pesquisa. A Filosofia engloba um número crescente de problemas e se converte, sobretudo com Aristóteles, em um saber enciclopédico (abarca física, biologia, psicologia, metafísica, ética, política, poética, etc.). 1.2.3 - FILÓSOFOS IMPORTANTES Sofistas: Protágoras, Pródico, Hipias, Górgias, Cálicles, Crítias, Trasímaco, Antifone, Sócrates, Platão, Aristóteles. 2 - Ética Aristotélica Foto: Busto em Mármore de Aristóteles. Página 4 de 53 A ética, nas obras Aristotélicas diz respeito ao indivíduo, enquanto a política considera o homem na sua dimensão social. Como conceito aristotélico de ética podemos dizer que é a arte de viver, ou “saber-viver”, agregando valores, boa utilização dos prazeres, ação virtuosa. Todo o conhecimento e todo trabalho visam a algum bem, e o mais alto de todos os bens certamente será a felicidade, dessa forma, devemos procurar o bem e indagar o que ele é, se existe uma finalidade para tudo o que fazemos, a finalidade será o bem. O bem deve ser algo atingível pelo homem, através de sua atividade, na prática, e não um “bem em si”, ideal e inatingível. Devemos prosseguir do bem que é desejável por causa de outra coisa ao bem que sempre é desejável em si: Parece que a felicidade, mais que qualquer outro bem, é tida como este bem supremo, pois a escolhemos sempre por si mesma, e nunca por causa de algo mais. E a felicidade não como uma forma abstrata, ideal, mas a felicidade como uma forma de viver bem e conduzir-se bem. Não como em alguns casos de vida prática de alguns homens especialmente dos mais vulgares, que parecem “identificar o bem, ou a felicidade, com o prazer. Consideramos bens aquelas atividades da alma, a felicidade identifica-se com a virtude, pois à virtude pertence à atividade virtuosa. No entanto, o Sumo Bem está colocado no ato, porque pode existir um estado de ânimo sem produzir bom resultado, pois a atividade virtuosa deve necessariamente agir, e agir bem. Pergunta-se se a felicidade é adquirida pela aprendizagem, pelo hábito ou adestramento; se é conferida pela providência divina ou se é produto do acaso. Se for a felicidade a melhor dentre as coisas humanas, seguramente é uma dádiva divina – mesmo que venha como um resultado da virtude, pela aprendizagem ou adestramento, ela está entre as coisas mais divinas. Logo, confiar ao acaso o que há de melhor e mais nobre, seria um arranjo muito imperfeito. A felicidade é uma atividade virtuosa da alma; os demais bens são a condição dela, ou são úteis como instrumentos para sua realização. 2.1 - As virtudes Força interior do caráter, consciência do bem e na conduta pela vontade guiada pela razão. Há duas espécies de virtudes: as intelectuais e as morais. As virtudes intelectuais são o resultado do ensino, e por isso precisam de experiência e tempo; as virtudes morais, também chamada de excelência moral, são adquiridas em resultado do hábito, da prática, elas não surgem em nós por natureza, mas as Página 5 de 53 adquirimos pelo exercício, tornamo-nos justos praticando atos justos. Também pelas mesmas causas e pelos mesmos meios que se gera e se destrói toda a virtude, assim, como a arte: “de tocar o instrumento surgem os bons e os maus músicos”. A importância do desenvolvimento da excelência moral está relacionada com as ações e emoções, e estas relacionadas com o prazer ou sofrimento, é a capacidade que se desenvolve para lidar com as emoções e ações na relação direta com o prazer ou sofrimento, o bom uso da relação entre ambos. É pelos atos que praticamos, nas relações com os homens, que nos tornamos justos ou injustos. Por isso, faz-se necessário estar atento para as qualidades de nossos atos; tudo depende deles, desde a nossa juventude existe a necessidade de habituar-nos a praticar atos virtuosos. E em nossa natureza o excesso e a falta são destrutivos: Tanto a deficiência como o excesso de exercício destroem a força; e da mesma forma, o alimento e a bebida que ultrapassam determinados limites, tanto para mais como para menos, destroem a saúde. Também nas virtudes, o excesso ou a falta são destrutivos, porque a virtude é mais exata que qualquer arte, pois possui como atributo o meio-termo – mas é em relação à virtude moral; é ela que diz respeito a paixões e ações, nas quais existe excesso, carência e meio-termo. O excesso é uma forma de erro, mas, o meio termo é uma forma digna de louvor; logo, a virtude é uma espécie de mediana. É meio-termo entre dois vícios, um por excesso e outro por falta. Mas, nem toda ação e nem toda paixão admitem meio-termo, é absurdo procurar meio-termo em atos injustos; do excesso ou da falta, não há meio-termo. A prática da virtude não se confunde com um mero saber técnico, não basta só o conhecimento simples da virtude, exige-se a consciência do ato virtuoso, e tem como resultado a ação, é necessário frisar a prática dos atos, o homem considerado justo deve agir por força de sua vontade racional, e são três condições para que um ato seja virtuoso, a saber: primeiro, o homem deve ter consciência da justiça de seu ato; segundo, a vontade deve agir motivada pela própria ação; terceiro, deve-se agir com inabalável certeza da justeza do ato. Página 6 de 53 As virtudes são disposições ou hábitos adquiridos ao longo da vida e se fundamentam na ideia de que o homem deve sempre realizar o melhor de si, “é o habito que torna o homem bom e lhe permite cumprir bem sua tarefa”. Para Aristóteles as virtudes morais como disposições ou atitudes para a ação, adquiridas mediante o exercício e aperfeiçoadas pela prática. Daí a importância do hábito no desenvolvimento desta excelência: as pessoas não nascem boas, mas nascem com a capacidade de tornarem-se boas se desenvolverem as disposições apropriadas mediante a prática reiterada de boas ações. É pela prática dos atos justos que se gera o homem justo, é pela prática de atos temperantes que se gera o homem temperante; é através da ação que existe a possibilidade de alguém tornar-se bom: “Mas a maioria dos homens não procede assim. Refugiam-se na teoria e pensam que estão sendo filósofos e se tornarão bons dessa maneira. Nisso se portam como enfermos que escutassem atentamente seus médicos, mas não fizessem nada do que estes lhe prescrevem” O homem bom, portanto, é aquele que exerce com sucesso suas funções se realizando, elevando sua vida até a mais alta excelência de que é capaz, vivendo bem e feliz: “o bem para o homem vem a ser o exercício ativo das faculdades da alma de conformidade com a excelência”. A definição é complementada logo a seguir com a adição da frase “deve estender-se por toda a vida” para reforçar a afirmação de que um momento de felicidade não constitui a bem-aventurança (felicidade), assim como uma andorinha só não faz o verão. A virtude está em nosso poder de escolha, e a escolha envolve um princípio racional, ela é aquilo que colocamos diante de outras coisas, o objeto da escolha é algo que está em nosso alcance e este é desejado após a deliberação, as ações devem concordar com a escolha e serem voluntárias, podemos escolher entre a virtude e o vício, porque se depende de nós o agir, também depende o não agir. Depende de nós praticarmos atos nobres ou vis, ou então, depende de nós sermos virtuosos ou viciosos. Fica esclarecido que as virtudes são voluntárias, porque somos senhores de nossos atos se conhecemos as circunstâncias, e estava em nosso poder o agir ou o não Página 7 de 53 agir de tal maneira. E esse agir não é isolado, ou individual, é sempre agir em relação ao outro. Os vícios também são voluntários, porque o mesmo se aplica a eles. A virtude deve se mostrar nas ações “da mesma forma que nos jogos Olímpicos os coroados não são os homens mais fortes e belos, e sim os que competem (alguns destes serão vitoriosos), quem age conquista, e justamente, as coisas boas da vida”. 2.2 - AS VIRTUDES MORAIS 2.2.1 - Coragem – é meio-termo em relação ao sentimento de medo e de confiança, a bravura relaciona-se com as coisas mais nobres como a morte na guerra, e bravo é aquele que se mostra destemido em face a uma morte honrosa, os bravos, embora temam aquelas coisas que estão acima das forças humanas, caracterizam- se por enfrentá-las como se deve; e aquele que diz não ter medo, que é insensível ao que realmente é terrível, é o homem temerário, ele é um simulador de coragem, porque deseja parecer corajoso; e aquele que excede no medo é covarde, porque ele teme o que não deve temer, falta-lhe confiança e é dado ao desespero por temer certas coisas, a covardia e a temeridade são a carência e o excesso e a posição correta é a bravura. 2.2.2 - Temperança – é o meio-termo em relação aos prazeres e dores, as espécies dos prazeres com que se relaciona são os prazeres corporais, Ao intemperante somente interessa o gozo do objeto em si, no comer e beber e na união dos sexos. Por causa dos prazeres, a intemperança é, dentre os vícios, a mais difundida; e é motivo de censura porque nos domina, não como homens, mas como animais. O apetite é natural, mas o engano é o excesso. O excesso em relação aos prazeres é Página 8 de 53 intemperança e é culpável, porque, nesse estado, somos levados pelo apetite. Os apetites devem ser poucos e moderados, e não podem opor-se, de modo algum, ao princípio racional. No homem temperante, o elemento apetitivo harmoniza-se ao racional, o que ambos tem em mira é o nobre. 2.2.3 - Liberalidade – é o meio-termo no dar e no receber dinheiro. O excesso é a prodigalidade e a deficiência é a avareza. 2.2.4 - Magnificência – é um meio-termo quanto ao dinheiro dado em grandes quantias; o excesso é a vulgaridade e o mau gosto, a deficiência é a mesquinhez. A deficiência a essa disposição de caráter é a mesquinhez; este fica aquém da medida em tudo, em tudo o que faz estuda a maneira de gastar menos e lamenta até o pouco que tem. O excesso é a vulgaridade, porque gasta além do que é justo. Por exemplo, dá um jantar de amigos na escala de um banquete de núpcias. 2.2.5 - Justo Orgulho – é o meio-termo em relação à honra e à desonra. O excesso é a ‘vaidade oca’ e a deficiência é a humildade indébita. 2.2.6 - Calma – é o meio-termo em relação à cólera; aquele que excede é o irascível, o que fica aquém é o pacato. Louva-se o homem que se encoleriza justificadamente, tal homem tende a não deixar-se perturbar nem guiar-se pela paixão, mas ira-se da maneira, com as coisas e no tempo prescrito. A deficiência é a pacatez, e essas pessoas não se encolerizam com coisas que deveriam excitar sua ira; também são chamados de tolos e insensíveis. O excesso é o homem irascível, que encoleriza-se com coisas indevidas e mais do que convém. 2.2.7 - Justiça – nela faz-se necessário distinguir as duas espécies e mostrar em que sentido cada uma delas é um meio-termo. A justiça é a disposição de caráter que torna as pessoas propensas a fazer o que é justo e a desejar o que é justo. Dessa forma, a justiça é uma virtude completa ou é muitas vezes considerada a maior das virtudes. É uma virtude completa por ser o exercício atual da virtude completa, isto é, aquele que a possui pode exercer sua virtude sobre si e sobre o próximo. Por isso se diz que somente a justiça, entre todas as virtudes, é o bem do outro, visto que é possível fazer o que é vantajoso a um outro. O melhor dos homens é aquele que exerce sua virtude para com o outro, pois essa tarefa é a mais difícil. Página 9 de 53 A justiça política divide-se em natural e legal. A natural é aquela que tem a mesma força em toda parte; a legal é a justiça estabelecida, no tocante à justiça, cabe destacar que é o caráter voluntário ou involuntário que determina o justo. O homem somente é justo quando age de maneira voluntária, e se age involuntariamente não é justo nem injusto, a não ser por acidente. 3 - HELENISTICO: SÉCULO IV a.C. - V d.C. 3.1 - CONTEXTO HISTÓRICO Fusão da cultura grega com a oriental (Macedônia). Após a morte de Alexandre Magno em 323 a.C., desintegração do império: Ptolomeu (Egito, Arábia e Palestina): sucessores de Antígono (Macedônia e Grécia) e Seleuco (Síria, Mesopotâmia e Ásia Menor). O império Romano fundado em 100 a.C., se consolida. Guerras púnicas (Roma/Cartago). A Grécia e suas colônias passam a integrar o Império Romano (XXXI a.C.). Cristianismo (séc. I d.C.). Apogeu e crise do Império Romano (séc. II e III). 3.1.1 - CARACTERÍSTICA DA FILOSOFIA NO PERÍODO A filosofia transforma-se em um modo de vida: forte preocupação com a salvação e a felicidade, que passam a ser vistas com possíveis de alcançar de forma individual e subjetiva, por meio de conjuntos de regras morais. Predomínio da ética, q passa a exercer a função desempenhada outrora pelos mitos religiosos (etapa helenística). Surgimento de pequenas escolas filosóficas. A filosofia perde seu vigor, tornando-se repetitiva e pouco criativa (etapa romana). 3.1.2 - FILOSOFOS IMPORTANTES Estoicismo: Zenão de Cicio, Cleanto de Assos, Crístipo de Solos, Sêneca, Epíteto, Marco Aurélio. Epicurismo: Epicuro, Lucrécio. Ecletismo: Cícero.Neoplatonico: Plotino. 4 - A filosofia de Séneca Página 10 de 53 Foto: O Filósofo Séneca e seu jovem aluno Nero em conversa. Sêneca ocupava-se da forma correta de viver a vida, ou seja, da ética, fisica e da lógica. Via o sereno estoicismo como a maior virtude, o que lhe permitiu praticar a imperturbabilidade da alma, denominada ataraxia (termo utilizado a primeira vez por Demócrito em 400 a.C.). Juntamente com Marco Aurélio e Cícero, conta-se entre os mais importantes representantes da intelectualidade romana. Sêneca via no cumprimento do dever um serviço à humanidade. Procurava aplicar a sua filosofia à prática. Deste modo, apesar de ser rico, vivia modestamente: bebia apenas água, comia pouco, dormia sobre um colchão duro. Séneca não viu nenhuma contradição entre a sua filosofia, estóica, e a sua riqueza material: dizia que o sábio não estava obrigado à pobreza, desde que o seu dinheiro tivesse sido ganho de forma honesta. No entanto, devia ser capaz de abdicar dele. Sêneca via-se como um sábio imperfeito: "Eu elogio a vida, não a que levo, mas aquela que sei dever ser vivida." Os afetos (como relutância, vontade, cobiça, receio) devem ser ultrapassados. O objetivo não é a perda de sentimentos, mas a superação dos afetos. Os bens podem ser adquiridos, à condição de não deixarmos que se estabeleça uma dependência deles. Página 11 de 53 Para Sêneca, o destino é uma realidade. O homem pode apenas aceitá-lo ou rejeitá- lo. Se o aceitar de livre vontade, goza de liberdade. A morte é um dado natural. O suicídio não é categoricamente excluído por Sêneca. Sêneca influenciaria profundamente o pensamento de João Calvino. O primeiro livro de Calvino foi um comentário ao De Clementia, de Sêneca. 4.1 - A OBRA LITERÁRIA DE SÊNECA Ao se analisarem os escritos de Sêneca, é possível perceber a forma pela qual alcançou o conhecimento e desenvolvimento da ideia de fluxo de energia, que advém, segundo ele, de algum princípio ativo (termo utilizado em seu livro Questões naturais), o qual sujeita a regra geral: Causa e Efeito, ou Ação e Reação, de tal forma que sugeria em uma de suas cartas a Lucílio, que só tem domínio de si aquele que não faz de seu corpo um peregrinador por outros corpos. Sêneca destacou-se como estilista. Numa prosa coloquial, seus trabalhos exemplificam a maneira de escrever retórica, declamatória, com frases curtas, conclusões epigramáticas e emprego de metáforas. A ironia é a arma que emprega com maestria, principalmente nas tragédias que escreveu, as únicas do gênero na literatura da antiga Roma. Versões retóricas de peças gregas, elas substituem o elemento dramático por efeitos brutais, como assassinatos em cena, espectros vingativos e discursos violentos, numa visão trágica e mais individualista da existência. 5 – A IDADE MÉDIA 5.1 - PATRÍSTICA: SÉCULO I A V D.C. 5.1.1 - CONTEXTO HISTÓRICO Os cristãos são perseguidos por decretos de vários imperadores romanos e somente podem praticar livremente sua religião a partir do ano de 313 (Édito de Milão). Em Página 12 de 53 395, o imperador Teodósio divide o Império Romano em dois: o do Oriente e o do Ocidente. 5.1.2 - CARACTERÍSTICA DA FILOSOFIA Encontro da filosofia grega com o cristianismo. Primeira elaboração dos conteúdos do cristianismo pelos Padres da Igreja, o que explica o nome patrística dado ao período. Nesse período, a questão central reside na necessidade de conciliação das exigências da razão humana com a revelação divina. 5.1.3 - FILÓSOFOS IMPORTANTES Santo Ireneu, Tertúliano, Justino, Clemente de Alexandria, Orígenes, Gregório de Nazianzo, Basílio Magno, Gregório de Nissa, Destaque: Santo Agostinho. 6 - A FILOSOFIA DE SANTO AGOSTINHO Por Rafael Gómez Pérez Uma das maiores personalidades da história universal, Santo Agostinho foi um grande retórico, um grande filósofo e um grande santo da Igreja. Sua obra, ao mesmo tempo vasta e profunda, exerceu e exerce muita influência em toda a cultura ocidental. A sua vida, muito conhecida, torna-o inteligível também para muitos não-cristãos. Retórico, homem do mundo, carnal, fez um longo esforço para encontrar a chave da Página 13 de 53 inquietação que o devorava. Primeiro maniqueu, depois platônico, finalmente convertido, num célebre momento que ele mesmo contou com um gênio inimitável. Depois da conversão, e sem pretendê-lo, é ordenado sacerdote. Chega ao episcopado da mesma maneira. E desde esse momento, no meio de muitas vicissitudes críticas, carrega sobre si grande parte da responsabilidade da Igreja; assim, por exemplo, no auge da heresia de Pelágio ouem face do cisma dos donatistas. No momento da sua morte, é todo um símbolo. Morre em Hipona quando os vândalos sitiavam a cidade. Com ele, morre a cultura antiga e nasce outra nova. Porque Santo Agostinho foi um homem do seu tempo. Versado em todas as artes clássicas, foi sempre um retórico de grande habilidade, jogando com as palavras num malabarismo que conseguia sempre escapar à superficialidade. Diríamos que o seu pensamento é tão profundo que supera as habilidades do retórico. Inicialmente, escreve filosofia, porém mais tarde dedica as suas forças à pregação, sem descuidar uma enorme correspondência. Escreve também muitos tratados teológicos, de exegese bíblica, etc. Não citaremos aqui as obras teológicas; limitar-nos-emos às de caráter filosófico: Contra Acadêmicos, crítica do ceticismo; De beata vita, sobre a felicidade; De ordine, sobre a origem do mal: os Coliloquia, um apaixonado diálogo consigo mesmo sobre a imortalidade da alma; De immortalitate animae; De quantitate animae, sobre a mesma questão; De magistro, sobre a educação com um enfoque psicológico. Santo Agostinho não construiu um sistema filosófico completo, ainda que as ideias básicas se mantenham constantes e acusem um claro predomínio platônico. Ele mesmo nos conta que começou a ler uma obra de Aristóteles e não pôde prosseguir. Talvez o tenha afastado o estilo entrecortado, desencarnado, a falta dessa alma que Santo Agostinho buscava em tudo. Santo Agostinho não parece feito para encerrar a realidade em categorias. A sua reflexão parte sempre da vida: das coisas que se passam ao seu redor, das ideias dominantes, dos ataques contra a fé, da interioridade da sua alma. Página 14 de 53 6.1 - A BUSCA DA VERDADE A filosofia agostiniana é uma constante busca da verdade, que culmina na Verdade, em Cristo. É um movimento incessante, uma paixão, e, precisamente, a paixão principal: o amor. “Amor meus, pondus meum”, o amor é o peso que dá sentido à minha vida. Verdade e Amor.“Fizeste-nos, Senhor, para Ti e o nosso coração estará inquieto enquanto não descansar em Ti”, diz nas Confissões. Essa “passionalidade” da filosofia agostiniana não é em nenhum momento irracionalismo ou voluntarismo. Se incita a ter fé para entender, também anima a entender para crer melhor. Nada nos pode fazer duvidar da possibilidade de chegar à verdade. Nada valem os argumentos céticos. Si fallor, sum: se me engano, é uma prova de que sou, diz, antecipando-se, num contexto muito diferente, a Descartes. E com mais clareza: “Sabes que pensas? Sei. Ergo verum est cogitare te, logo é verdade que pensas”. A verdade está no interior do homem. “Não queiras sair para fora; é no interior do homem que habita a verdade”. E há verdades constantes, inalteráveis, para sempre. Dois mais dois serão sempre quatro. Santo Agostinho tenta esclarecer de onde pode vir essa verdade. Não das sensações, diz, porque essas são e não são, são mutáveis, efêmeras. Tampouco do espírito humano, que, por profundo que seja, é limitado. Essas verdades eternas só podem ter por autor Aquele que é eterno: Deus. São reflexos da verdade eterna, que nos ilumina e nos permite ver. Nisso consiste o que depois ficou conhecido como “doutrina da iluminação”; porém, desde já é preciso dizer que Santo Agostinho não a apresenta nunca como uma “teoria”, mas como uma comprovação. Já no final da sua vida, diz nas Retractationes que o homem tem em si, enquanto é capaz, “a luz da razão eterna, na qual vê as verdades imutáveis”. Como em Platão, conhecer verdadeiramente é estar em contato com o mundo inteligível. Porém, Santo Agostinho nunca dirá que vemos as verdades em Deus, mas que participamos da luz da razão eterna. Não se deve ignorar, por outro lado, Página 15 de 53 que essa solução para o tema do conhecimento corre o risco de não distinguir de forma adequada o conhecimento natural do conhecimento sobrenatural. Mas essa é uma questão que só será levantada mais tarde, na Idade Média. 6.2 - A BUSCA DE DEUS Em Santo Agostinho, não existem provas formais para demonstrar a existência de Deus. Ainda que toda a sua obra seja uma espécie de itinerário em direção a Deus. Tudo fala de Deus; basta abrir os olhos. Ele é intimior intimo meo, mais íntimo ao homem que a própria intimidade humana. As coisas falam-nos todo o tempo de Deus. Perguntamos-lhes: “Sois Deus?” E respondem: “Não, fomos feitas. Continua a buscar”. De forma retórica – retórica de grande qualidade –, encontramos aí a prova da existência de Deus pela contingência das realidades humanas. A mutabilidáde exige o imutável; os graus de perfeição exigem o Ser perfeito. Em Santo Agostinho, como em outros filósofos de inspiração platônica, está claramente formulado o que será a quarta via de São Tomás de Aquino. Qual é o melhor nome para Deus? O que se lê no Êxodo: “Aquele que é”. “Non aliquo modo est, sed est est” (Confissões). Santo Agostinho dará com frequência a Deus o nome de Bem, de Amor, porém não desconhece que antes de tudo Ele é; e porque é o que é, é Amor, Bem, Infinito. São Tomás de Aquino não precisará modificar nada de substancial nesta metafísica agostiniana. Como exemplo das dezenas de textos agostinianos, temos este, das Confissões: “Eis que o céu e a terra são; e dizem-nos em altos brados que foram feitos, pois modificam-se e variam. Porque, naquilo que é sem ter sido feito, não há coisa alguma agora que antes não houvesse: que isso é modificar-se e variar. O céu e a terra clamam também que não se fizeram a si mesmos: somos porque fomos feitos; não éramos antes que fôssemos, de modo a termos podido ser por nós mesmos. Basta olhar para as coisas para ouvi-las dizer isso. Tu, Senhor, fizeste essas coisas. Porque és belo, elas são belas; porque és bom, são boas; porque tu és, elas são.” Página 16 de 53 Esta última afirmação (quia est: sunt enim) significava a definitiva superação por parte de Santo Agostinho do essencialismo platônico. Deus é causa do ser das coisas, porque é o Ser por essência. Se a fórmula de Santo Agostinho não é essa, a ideia é. 6.3 - O MUNDO, CRIAÇÃO DE DEUS Outro texto das Confissões situa de forma inequívoca a metafísica da criação: “Que eu ouça e entenda como no princípio fizeste o céu e a terra. Moisés escreveu isso; escreveu-o e ausentou-se. Daqui, onde estava contigo, passou a estar contigo, e por isso não o podem ver meus olhos. Se estivesse aqui presente, eu o agarraria, lhe rogaria e, por Ti, lhe suplicaria que me explicasse essas coisas [...]. Porém, como saberia que estava a dizer-me a verdade? A própria verdade, que está no interior da minha alma, e que não é grega, nem latina, nem bárbara, nem necessita dos órgãos da boca ou da língua, nem do ruído de sílabas, me diria: Moisés diz a verdade, e eu, no mesmo instante, com toda a segurança lhe diria: Verdade é o que me dizes”. Voltemos à questão anterior. Deus é Aquele que é; as coisas são criadas. Deus é quem lhes deu o ser. Por quê? Por pura bondade. “Porque Deus é bom, somos.” A razão da criação é a bondade de Deus. Deus não pode ter, no seu querer, outro fim que não o seu próprio ser. Só em relação a si mesmo pode querer mais. A criação é gratuita. Não há nada preexistente. Santo Agostinho acaba com as dúvidas de Orígenes e com o universo grego, eterno. Deus cria todas as coisas do nada. E todo o criado é composto de matéria. Santo Agostinho, que durante tanto tempo não conseguiu conceber uma substância espiritual, não deixa de atribuir uma certa materialidade mesmo às criaturas espirituais, aos anjos. A absoluta imaterialidade só cabe a Deus. Em Deus estão as ideias exemplares de todas as coisas, que são as formas. Ao criar, essas ideias ficam limitadas pela matéria, mas, ao mesmo tempo, nessa matéria já estão os germes de tudo o que será: as rationes seminales. Página 17 de 53 Santo Agostinho retoma aqui uma doutrina de origem estóica e, ao mesmo tempo, faz uma concessão ao “materialismo” que professou durante anos, embora talvez seja melhor empregar o termo de “corporeismo”. 6.4 - O ENIGMA DO HOMEM “O homem que se espanta é ele mesmo grande maravilha”. “E dirigi-me a mim mesmo e disse: Tu quem és? E respondi-me: Homem. E eis que tenho à mão o corpo e a alma, um exterior e o outro interior. Porém, melhor é o interior”. “O homem é um ser intermediário entre os animais e os anjos”. “Nada encontramos no homem além de corpo e alma; isso é todo o homem: espírito e carne”. Essas são apenas algumas das numerosas referências que poderíamos dar sobre esta questão crucial. São os dois grandes temas agostinianos: “Deus e o homem”. “Que te conheça a ti e que me conheça a mim mesmo”. É o famoso princípio dos Soliloquia: “Quero conhecer Deus e a alma. Nada mais? Absolutamente nada mais”. Também nesta questão Santo Agostinho trai a influência do platonismo. O homem é uma alma que usa um corpo; ou, uma alma racional, que se serve de um corpo terrestre e mortal; ou, “uma alma racional que tem um corpo”. Tudo indica que, para Santo Agostinho, o homem é a alma. E, contudo, há textos que parecem fugir ao platonismo: “Porque o homem não é só corpo ou apenas alma, mas o que é constituído de alma e de corpo. Esta é a verdade: a alma não é todo o homem, mas é a melhor parte do homem; nem todo o homem é o corpo, mas a porção inferior do homem; quando as duas estão juntas, temos o homem” (A Cidade de Deus). A questão ainda está sujeita a discussão, mas exagerou-se demais o platonismo de Santo Agostinho neste particular. De qualquer forma, Santo Agostinho supera a desvalorização do corporal, tão essencial no platonismo e no neoplatonismo. O corpo é matéria, criação de Deus, e por isso, bom. Não é o cárcere nem o túmulo da alma: “Não é o corpo o teu cárcere, mas a corrupção do teu corpo. O teu corpo, Deus o fez bom, porque Ele é bom”. Também aqui poderíamos multiplicar os textos: “Todo aquele que quer eliminar o corpo da natureza humana desvaira”. E de forma inequívoca, numa obra tardia, o Sermão 267: “Perversa e humana filosofia é a dos Página 18 de 53 que negam a ressurreição do corpo. Alardeiam serem grandes depreciadores do corpo, porque crêem que nele estão encarceradas as suas almas, por delitos cometidos em outro lugar. Porém, o nosso Deus fez o corpo e o espírito; de ambos é o criador; de ambos o recriador”. Foto: Santo Agostinho em oração, tela de autor desconhecido. Examinemos uma dificuldade classicamente agostiniana. Deus é o criador da alma, mas como a criou? Com os nascimentos surgem constantemente homens, isto é, corpo e alma. Será que as almas estão nas “razões seminais”, na matéria, e são transmitidas pelos pais, na geração? Santo Agostinho assim o pensou por certo tempo, mas depois recusou que algo espiritual pudesse surgir da matéria. Pensou na criação imediata por Deus de cada alma, mas esse início no tempo de algo espiritual não combinava com o que ainda restava de platonismo nele. Acabou confessando que não sabia o que dizer. Era mais um elemento desse enigma que é o homem. Fica claro que a alma é imortal, porque conhece as verdades imortais e eternas. Que conheçamos o que seja a verdade e que nunca deixará de sê-lo é, para Santo Agostinho, evidente. Como pode morrer ou desaparecer o que é a sede do indestrutível? Página 19 de 53 A alma será sempre um mistério. Muitas outras realidades sobre as quais pensamos também o são. O tempo. É famoso o dito agostiniano: “Se ninguém me pergunta, sei; mas se quero explicá-lo a quem me pergunta, não o sei”. Depois de uma análise do passado, do presente e do futuro – até hoje não superada –, Santo Agostinho concluí: “Não se diz com propriedade «três são os tempos: passado, presente e futuro»; talvez fosse mais apropriado dizer: «presente das coisas futuras, presente das coisas passadas, presente das coisas presentes». Porque essas três presenças têm algum ser na minha alma, e é somente nela que as vejo. O presente das coisas passadas é a memória; o presente das coisas presentes é a contemplação; o presente das coisas futuras é a expectação” (Confissões). O tempo é, assim, distensio animi, “uma espécie de extensão da nossa alma”. É preciso ler ao menos esse livro XI das Confissões para captar o tom da filosofia agostiniana: incerta às vezes, nada dogmática, em diálogo constante com Deus. 6.5 - A COMPLEXIDADE DA HISTÓRIA A Cidade de Deus é mais uma das grandes obras universais que Santo Agostinho legou à humanidade. Mas poucos escritos têm sido tão mal lidos, tão mal interpretados. A oposição entre Cidade de Deus e Cidade terrena foi vista como oposição entre Igreja e Estado. Nada mais falso. O texto célebre não deixa lugar a dúvidas. Dois amores criaram duas cidades: o amor próprio, que leva ao desprezo de Deus, a terrena; o amor de Deus, que leva ao desprezo de si mesmo, a celestial. Ou: “Dividi a Humanidade em dois grandes grupos. Um é o daqueles que vivem segundo o homem; o outro, o dos que vivem segundo Deus. Damos misticamente a esses dois grupos o nome de cidades, que quer dizer sociedades de homens”. A prova fundamental de que essa divisão não é equivalente à divisão Igreja-Estado é a afirmação taxativa de que na Igreja podem existir homens que, na realidade, pertencem à cidade terrena; e, inversamente, entre as pessoas que ainda estão fora da Igreja podem-se encontrar predestinados à cidade celestial. Por outro lado, essas duas “cidades” acham-se misturadas, imbricadas. A “peneira” será feita só no final de cada história pessoal e no final da história de todo o gênero humano. Enquanto Página 20 de 53 transcorre o tempo, com as suas variações, “porque não em vão são tempos”, a história é complexa. Não existe uma “lei da história”, não conhecemos o futuro. Só Deus conhece o final; o homem move-se às apalpadelas no campo da história. A história forma como que um belo poema, no qual intervêm Deus e o homem. O final só será conhecido quando soar a última nota. Em uma palavra: a concepção de história é, em Santo Agostinho, uma concepção aberta. O seu “providencialismo” não é uma afirmação de “teocracia”. Não se pode extrair da filosofia-teologia da história de Santo Agostinho argumentos para o césaro-papismo ou para qualquer outra confusão do religioso com o político. A importância desta filosofia-teologia da história ressalta mais quando se tem em conta que em toda a história da filosofia será preciso esperar Hegel para encontrar outra concepção igualmente global e completa (embora em Hegel ela tenha um sentido panteísta). 8 - IDADE MÉDIA II 8.1 - PATRÍSTICA: SÉCULO V A VIII 8.1.1 - CONTEXTO HISTÓRICO O Império Romano do Ocidente é invadido pelos bárbaros do norte da Europa, sucumbindo em 476. O Império Bizantino perdura até o fim da Idade Média (1453). Sob o governo de Justiniano é redigido o Corpus Júris Civilis (Corpo do Direito Civil), durante o século VI. 8.1.2 - CARACTERÍSTICA DA FILOSOFIA Na Idade Média, a Filosofia se separa da teologia, porém as duas mantêm relações, podendo-se afirmar que a Filosofia é um instrumento a serviço da teologia. O tema central é a tentativa de conciliar razão e fé. De maneira simplista, é possível dividir a Filosofia medieval em dois grandes períodos: a Filosofia Patrística e a Filosofia Escolástica. A Patrística precede e prepara a Escolástica medieval, e sua principal característica reside no seu caráter apologético: é preciso defender os ideais cristãos perante os pagãos e convertê-los. Presencia-se a retomada da Filosofia platônica, especialmente por Santo Agostinho, bem como do neoplatonismo. Página 21 de 53 8.1.3 - FILOSOFOS IMPORTANTES Santo Agostinho. Boécio. Dionísio. Pseudo-Areopagita. Próspero. Cassiodoro. Máximo, O Confessor. Isidoro. Beda. João Damasceno. Foi esse o período aproximado que denominamos como idade medieval, da queda do império romano no século V até o século XV e o início do renascimento foram desenvolvidas duas correntes filosóficas distintas: A filosofia patrística e a filosofia escolástica, ambas possuíam concepções religiosas, porém com diferentes abordagens. Filosofia Patrística (século I ao VII): a filosofia desenvolvida nessa época teve como objetivo consolidar o papel da igreja e propagar os ideais do cristianismo. Baseadas nas Epístolas de São Paulo e o Evangelho de São João, a escola patrística advogou a favor da igreja e propagou diversos conceitos cristãos como o pecado original, a criação do mundo por Deus, ressureição de juízo final. Filosofia da Escolástica (séc. IX ao séc. XV): nesse período ocorreu uma retomada de muitos princípios filosóficos gregos. A grande preocupação da igreja era aliar a razão e a ciência aos ideais da igreja católica. Nesse contexto, surgiu a teologia que foi uma ciência que buscava explicar racionalmente a existência de Deus, da alma, do céu e inferno e as relações entre homem, razão e fé. Apesar das contribuições ideológicas e em alguns aspectos científicos, especialmente na geometria, aritmética, música, astronomia entre outras, a filosofia patrística e escolástica se diferencia das demais correntes de pensamento pelo fato de não aceitar verdades que poderiam, porventura, contrariar dogmas religiosos e os demais pressupostos cristãos. Pelo seu caráter em alguns aspectos manipulador, a filosofia medieval não costuma receber muita atenção de indivíduos engajados na busca científica da existência humana e do próprio universo. 9 - A PRÉ-ESCOLÁSTICA – SÉC. V A VII Ao final do século V, o que restava dos escombros do Império Romano era uma multidão dispersa de povos bárbaros e alguns fragmentos da cultura clássica, que só não desapareceram devido aos esforços dos monges copistas e dos grandes pensadores cristãos em Alexandria, Grécia e Roma. http://educacao.uol.com.br/historia/roma-divisao-invasoes-barbaras.jhtm Página 22 de 53 Os primeiros e conturbados séculos da Idade Média europeia seriam dominados pelo pensamento de santo Agostinho, antigo responsável por solidificar a fé cristã sobre uma série de elementos platônicos. Veremos a sua influência em autores como Boécio, Dionísio Areopagita e Escoto Erígena, bem como na tradição das artes liberais que fundamentaram o ensino medieval. 9.1 - O PRINCÍPIO É difícil delimitar a origem da Escolástica porque jamais ela se estabeleceu como uma doutrina filosófica restrita. Diferente do que se pensa, havia no ambiente católico uma divergência muito viva em questões teológicas. Foi esse espírito do debate que acabou dando origem à corrente de atividades intelectuais, artísticas e filosóficas a que se convencionou chamar de Escolástica (do latim schola). É o século XII que vê essa valorização do saber refletida na criação das universidades e na ascensão da classe letrada. O monge agostiniano santo Anselmo desponta como o primeiro escolástico, seguido por Pedro Abelardo, Pedro Lombardo e Hugo de São Vítor. 9.2 - O AUGE Eis que na segunda metade do século XII chegam às universidades as traduções hispânicas de versões árabes das obras de Aristóteles. É o grande choque cultural que muda o rumo do Ocidente e que catapulta a Escolástica para a sua "era de ouro" no século XIII, quando Agostinho deixa de ser o eixo do pensamento cristão, e a filosofia natural aristotélica se agiganta diante da teologia. Os mestres universitários adquirem fama e importância, os livros se multiplicam, e o modelo de ciência antiga começa a ruir. Robert Grosseteste e seu discípulo Roger Bacon trabalham a ideia de pesquisa científica, idealizando experimentos. As universidades de Paris, Oxford e Colônia testemunham os grandes debates e o surgimento de obras gigantescas. É o século de são Tomás de Aquino, Alberto Magno, são Boaventura e Duns Scotus. http://educacao.uol.com.br/disciplinas/filosofia/santo-agostinho-a-procura-da-verdade-no-interior-do-ser-humano.htm http://educacao.uol.com.br/biografias/boecio.jhtm http://educacao.uol.com.br/biografias/joao-escoto-erigena.jhtm http://educacao.uol.com.br/biografias/santo-anselmo.jhtm http://educacao.uol.com.br/biografias/santo-anselmo.jhtm http://educacao.uol.com.br/biografias/pedro-abelardo.jhtm http://educacao.uol.com.br/disciplinas/filosofia/aristoteles-o-mundo-da-experiencia-as-quatro-causas-etica-e-politica.htm http://educacao.uol.com.br/biografias/robert-grosseteste.jhtm http://educacao.uol.com.br/biografias/roger-bacon.jhtm http://educacao.uol.com.br/biografias/roger-bacon.jhtm http://educacao.uol.com.br/disciplinas/filosofia/santo-tomas-de-aquino-razao-a-servico-da-fe.htm http://educacao.uol.com.br/biografias/santo-alberto-magno.jhtm http://educacao.uol.com.br/biografias/santo-alberto-magno.jhtm http://educacao.uol.com.br/biografias/sao-boaventura.jhtm http://educacao.uol.com.br/biografias/johannes-duns-scotus.jhtm Página 23 de 53 10 - ESCOLÁSTICA: SÉCULO VIII A XV 10.1 - CONTEXTO HISTÓRICO A escolástica vai do século VIII (constituição do sacro império romano) até o fim do século XV (fim da Idade Média convencionado pela descoberta da América em 1492). Na escolástica o ensino teológico-filosófico da doutrina aristotélico-tomista era ministrado nas escolas de conventos e catedrais e também nas universidades européias da Idade Média e do Renascimento pelos mestres chamados escolásticos. Como sistema teológico e filosófico a escolástica tentou resolver problemas e questões tais como, a relação entre a fé e a razão, a possibilidade da existência de Deus, as diferenças entre realismo e nominalismo. A escolástica é marcada especialmente pelo desenvolvimento da dialética. As matérias ensinadas nas escolas medievais eram chamadas de artes liberais, divididas em trívio - gramática, retórica, dialética - e quadrívio - aritmética, geometria, astronomia, música. O período Renascentista (ou Renascimento ou Renascença) foi um período da história com manifestações culturais marcantes que se desenvolveu entre o século XIV e meados do século XVII e que vinha de encontro ao pensamento cristão porque defendia - falando aqui de maneira muito geral - a valorização do homem e da natureza, em oposição ao divino e ao sobrenatural. Além de atingir a Filosofia, as Artes, as Ciências e a Astronomia, o Renascimento fez parte de muitas transformações culturais, sociais, políticas, religiosas e econômicas que caracterizam a transição do Feudalismo para o Capitalismo. Nesse sentido, o Renascimento pode ser entendido como um elemento de ruptura, no plano cultural, com a estrutura medieval. Estabelecimento do Império Carolíngio (séc. VIII). Expansão da cultura árabe (invasão da Espanha em 711). Tratado de Verdun (843) e apogeu da cultura islâmica. Surgimento do feudalismo (sécs. IX–X), após o desaparecimento do Império Carolíngio. Início das Cruzadas (1095-1291) e Cisma do Oriente (séc. XI). Aparecimento das universidades (séc. XII). Declínio do feudalismo e formação das cidades livres (séc. XIII). Criação da Ordem dos Dominicanos e da Ordem de São Francisco. Guerra dos Cem Anos (franceses X ingleses) e Cisma do Ocidente (sécs. XIII e XV). Difusão do ensino científico nas universidades. Tomada de Constantinopla pelos turcos (1453). Página 24 de 53 10.2 - CARACTERÍSTICA DA FILOSOFIA O termo escolástica designa a Filosofia ministrada nas escolas cristãs (de catedrais e conventos) e posteriormente nas universidades. A Patrística retorna a Filosofia platônica; a escolástica retorna a Filosofia aristotélica, nela encontrando seus fundamentos e os elementos necessários para seu desenvolvimento. Santo Tomás de Aquino elabora a síntese magistral do cristianismo com o aristotelismo, fornecendo as bases filosóficas para a teologia cristã: surge a Filosofia aristotélico- tomista. Compatibilizar a fé e a razão continua a ser o problema central da Filosofia escolástica. 10.3 - FILOSOFOS IMPORTANTES João Scoto Erígena. Santo Anselmo. Pedro Abelardo, Guilherme e Champeaux. Escola de Chartres: Fulberto. Bernado. Teodorico. Gilberto de Poitiers. Guilherme de Conches, João de Salisbury. Oto de Freising. Al Farabi. Avicena. Averróis. Escola de Oxford: Roberto Grosseteste. Roger Bacon. João Duns Escoto. Guilherme do Ockham. Boaventura. Alberto Magno. Santo Tomás de Aquino. Mestre Eckhart. Nicolau de Cusa. É comum se ouvir falar em trevas e barbárie quando alguém se refere à Idade Média, por vezes com uma expressão de escárnio e desprezo. Ao contrário do que diz este preconceito herdado dos iluministas, tanto a filosofia quanto a ciência moderna devem muito à Idade Média e à sua monumental Escolástica. 10.4 - A DISPUTA ESCOLÁSTICA Possivelmente a maior contribuição da Escolástica à filosofia tenha sido o seu notável rigor metodológico e dialético. Os estudantes das principais universidades precisavam passar por exames que envolviam a disputa oral de argumentos, sempre regida pelo uso da lógica formal e intermediada por um mestre. Pedro Abelardo se inspirou nesse método dialético e o aprofundou em sua obra Sic et Non, que virou referência para a resolução de problemas a partir da sucessão de afirmações e negações sobre um mesmo tópico. Para isso, era imprescindível uma definição satisfatória dos termos, que evitasse ambiguidades. http://educacao.uol.com.br/disciplinas/filosofia/filosofia-medieval-2-filosofos-cristaos-conciliaram-fe-e-razao.htm http://educacao.uol.com.br/disciplinas/filosofia/filosofia-medieval-2-filosofos-cristaos-conciliaram-fe-e-razao.htm http://educacao.uol.com.br/disciplinas/filosofia/iluminismo-a-fe-na-razao-e-a-valorizacao-da-ciencia.htm http://educacao.uol.com.br/filosofia/ult3323u23.jhtm Página 25 de 53 Tiveram muito sucesso nesse sentido os escolásticos, chegando a criar palavras totalmente novas a partir das raízes do grego e do latim, o que acabou resultando no latim escolástico. A própria evolução das ciências se deve em grande parte ao desenvolvimento desse rigor terminológico. 10.5 - A RELAÇÃO ENTRE FILOSOFIA E TEOLOGIA Entre os renascentistas e iluministas, criou-se a ideia de que a Escolástica havia se submetido a Aristóteles como um servo feudal se curva ao seu mestre, o que os estudos do século XX desmentiram profundamente. A verdade é que, com a chegada da imensa obra de Aristóteles, foram surgindo naturalmente dois partidos nas universidades: os tradicionais, agostinianos e platônicos, que não admitiam a ideia de ciências autônomas em relação à teologia, e os "modernos" aristotelistas, fascinados a tal ponto com a investigação da filosofia natural que buscaram tornar as ciências independentes da teologia. Essa discussão levou a grandes contendas acerca da relação entre fé e razão, cuja ruptura definitiva ficaria a cargo do franciscano inglês Guilherme de Ockham no século XIV, abrindo de vez as portas para a ciência moderna. 10.6 - A DECADÊNCIA Chegam os séculos XIV e XV e o movimento escolástico começa a conhecer sua derrocada, eivando-se de formalismos dialéticos e discussões cada vez mais estéreis. Ainda assim, conta este período com grandes figuras, como o já citado Guilherme de Ockham, Nicolas d'Autrecourt, Jean Buridan e Nicolau de Cusa. De todo modo, às portas da Renascença, a Escolástica já se encontrava moribunda. 10.7 - A ESCOLÁSTICA TARDIA http://educacao.uol.com.br/biografias/guilherme-de-ockham.jhtm http://educacao.uol.com.br/biografias/nicolau-de-cusa.jhtm Página 26 de 53 Nos anos da Contra-Reforma, ainda a península ibérica testemunharia um último sopro do espírito medieval, através de grandes pensadores católicos formados nas universidades de Salamanca e Coimbra, como Francisco Suárez, Francisco de Vitória, Domingo de Soto e Tomás de Mercado. É neste ambiente da "Escolástica tardia" que se produzem importantes concepções do jusnaturalismo e da ideia de direito internacional, além dos tratados de matéria econômica que viriam a influenciar a escola marginal e o liberalismo austríaco nos séc. XIX e XX. 11 - IDADE MODERNA 11. 1 - RENASCIMENTO: SÉC. XV E XVI Foto: Desenho de Leonardo Da Vinci, o Homem Vitruviano, 1490. 11.1.1 - CONTEXTO HISTÓRICO Renascimento é o nome que se dá a um grande movimento de mudanças culturais, http://educacao.uol.com.br/historia/reformas-religiosas-5.jhtm http://educacao.uol.com.br/biografias/francisco-de-vitoria.jhtm http://educacao.uol.com.br/biografias/francisco-de-vitoria.jhtm http://educacao.uol.com.br/biografias/domingo-de-soto.jhtm Página 27 de 53 que atingiu as camadas urbanas da Europa Ocidental entre os séculos XIV e XVI, caracterizado pela retomada dos valores da cultura greco-romana, ou seja, da cultura clássica. Esse momento é considerado como um importante período de transição envolvendo as estruturas feudo capitalistas. As bases desse movimento eram proporcionadas por uma corrente filosófica reinante, o humanismo, que descartava a escolástica medieval, até então predominante, e propunha o retorno às virtudes da antiguidade. Platão, Aristóteles, Virgílio, Sêneca e outros autores greco-romanos começam a ser traduzidos e rapidamente difundidos. O movimento renascentista envolveu uma nova sociedade e portanto novas relações sociais em seu cotidiano. A vida urbana passou a implicar um novo comportamento, pois o trabalho, a diversão, o tipo de moradia, os encontros nas ruas, implicavam por si só um novo comportamento dos homens. Isso significa que o Renascimento não foi um movimento de alguns artistas, mas uma nova concepção de vida adotada por uma parcela da sociedade, e que será exaltada e difundida nas obras de arte. Apesar de recuperar os valores da cultura clássica, o Renascimento não foi uma cópia, pois utilizava-se dos mesmos conceitos, porém aplicados de uma nova maneira à uma nova realidade. Assim como os gregos, os homens "modernos" valorizaram o antropocentrismo: "O homem é a medida de todas as coisas"; o entendimento do mundo passava a ser feito a partir da importância do ser humano, o trabalho, as guerras, as transformações, os amores, as contradições humanas tornaram-se objetos de preocupação, compreendidos como produto da ação do homem. Uma outra característica marcante foi o racionalismo, isto é, a convicção de que tudo pode ser explicado pela razão do homem e pela ciência, a recusa em acreditar em qualquer coisa que não tenha sido provada; dessa maneira o experimentalismo, a ciência, conheceram grande desenvolvimento. O individualismo também foi um dos valores renascentistas e refletiu a emergência da burguesia e de novas relações de trabalho. A ideia de que cada um é responsável pela condução de sua vida, a possibilidade de fazer opções e de manifestar-se sobre diversos assuntos acentuaram gradualmente o individualismo. É importante percebermos que essa Página 28 de 53 característica não implica o isolamento do homem, que continua a viver em sociedade, em relação direta com outros homens, mas na possibilidade que cada um tem de tomar decisões. Foi acentuada a importância do estudo da natureza; o naturalismo aguçou o espírito de observação do homem. O hedonismo representou o "culto ao prazer", ou seja, a ideia de que o homem pode produzir o belo, pode gerar uma obra apenas pelo prazer que isso possa lhe proporcionar, rompendo com o pragmatismo. O Universalismo foi uma das principais características do Renascimento e considera que o homem deve desenvolver todas as áreas do saber; podemos dizer que Leonardo da Vinci é o principal modelo de "homem universal", matemático, físico, pintor e escultor, estudou inclusive aspectos da biologia humana. Foto: Canhão, invenção de Leonardo da Vinci 11.1.2 - ITÁLIA: O BERÇO DO RENASCIMENTO Esse é uma expressão muito utilizada, apesar de a Itália ainda não existir como nação. A região italiana estava dividida e as cidades possuíam soberania. Na Página 29 de 53 verdade, o Renascimento desenvolveu-se em algumas cidades italianas, principalmente aqueles ligadas ao comércio. Desde o século XIII, com a reabertura do Mediterrâneo, o comércio de várias cidades italianas com o oriente intensificou-se, possibilitando importantes transformações, como a formação de uma camada burguesa enriquecida e que necessitava de reconhecimento social. O comércio comandado pela burguesia foi responsável pelo desenvolvimento urbano, e nesse sentido, responsável por um novo modelo de vida, com novas relações sociais onde os homens encontram-se mais próximos uns dos outros. Dessa forma podemos dizer que a nova mentalidade da população urbana representa a essência dessas mudanças e possibilitará a Produção Renascentista. Podemos considerar ainda como fatores que promoveram o renascimento italiano, a existência de diversas obras clássicas na região, assim como a influência dos "sábios bizantinos", homens oriundos principalmente de Constantinopla, conhecedores da língua grega e muitas vezes de obras clássicas. Foto: Cidade de Florença É necessário fazer uma diferenciação entre a cultura renascentista; aquela caracterizada por um novo comportamento do homem da cidade, a partir de novas concepções de vida e de mundo, da Produção Renascentista, que representa as Página 30 de 53 obras de artistas e intelectuais, que retrataram essa nova visão de mundo e são fundamentais para sua difusão e desenvolvimento. Essa diferenciação é importante para que não julguemos o Renascimento como um movimento de "alguns grandes homens", mas como um movimento que representa uma nova sociedade, urbana caracterizada pelos novos valores burguesas e ainda associada à valores cristãos. O mecenato, prática comum na Roma antiga, foi fundamental para o desenvolvimento da produção intelectual e artística do renascimento. O Mecenas era considerado como "protetor", homem rico, era na prática quem dava as condições materiais para a produção das novas obras e nesse sentido pode ser considerado como o patrocinador, o financiador. O investimento do mecenas era recuperado com o prestígio social obtido, fato que contribuía com a divulgação das atividades de sua empresa ou instituição que representava. A maioria dos mecenas italianos eram elementos da burguesia, homens enriquecidos com o comércio e toda a produção vinculada à esse patrocínio foi considerada como Renascimento Civil. Encontramos também o Papa e elementos da nobreza praticando o mecenato, sendo que o Papa Júlio II foi o principal exemplo do que denominou-se Renascimento Cortesão. Foto: Moisés, obra de Michelangelo para o Papa Julio II Página 31 de 53 11.1.3 - A EXPANSÃO DO RENASCIMENTO No decorrer do século XVI a cultura renascentista expandiu-se para outros países da Europa Ocidental e para que isso ocorresse contribuíram as guerras e invasões vividas pela Itália. As ocupações francesa e espanhola determinaram um conhecimento melhor sobre as obras renascentistas e a expansão em direção a outros países, cada um adaptando-o segundo suas peculiaridades, numa época de formação do absolutismo e de início do movimento de Reforma Religiosa. O século XVI foi marcado pelas grandes navegações, num primeiro momento vinculadas ao comércio oriental e posteriormente à exploração da América. As navegações pelo Atlântico reforçaram o capitalismo de Portugal, Espanha e Holanda e em segundo plano da Inglaterra e França. Nesses "países atlânticos" desenvolveu- se então a burguesia e a mentalidade renascentista. Esse movimento de difusão do Renascimento coincidiu com a decadência do Renascimento Italiano, motivado pela crise econômica das cidades, provocada pela perda do monopólio sobre o comércio de especiarias. A mudança do eixo econômico do Mediterrâneo para o Atlântico determinou a decadência italiana e ao mesmo tempo impulsionou o desenvolvimento dos demais países, promovendo reflexos na produção cultural. Foto: Miguel de Cervantes, representante do Renascimento espanhol Outro fator fundamental para a crise do Renascimento italiano foi a Reforma Religiosa e principalmente a Contrarreforma. Toda a polêmica que se desenvolveu Página 32 de 53 pelo embate religioso fez com que a religião voltasse a ocupar o principal espaço da vida humana; além disso, a Igreja Católica desenvolveu um grande movimento de repressão, apoiado na publicação do INDEX e na retomada da Inquisição que atingiu todo indivíduo que de alguma forma de opusesse a Igreja. Como o movimento protestante não existiu na Itália, a repressão recaiu sobre os intelectuais e artistas do renascimento. Transição do feudalismo para o capitalismo mercantil (séc. XV). Ascensão da burguesia e consolidação dos Estados Nacionais (séc. XVI); hegemonia espanhola (sob Carlos V e Felipe II); reinado progressista de Isabel I, na Inglaterra. Grandes invenções: bússola, pólvora, papel, gravura, imprensa. Descobrimento de outras rotas marítimas e de novos continentes. Apogeu do mercantilismo e implantação do sistema colonial. Desenvolvimento das ciências exatas e naturais; formulação do heliocentrismo (Copérnico). Reformas religiosas: luteranismo (Alemanha), calvinismo (França) e anglicanismo (Inglaterra). Renascimento na Itália e em outros países da Europa. 11.1.4 - CARACTERÍSTICA DA FILOSOFIA A Filosofia medieval se caracteriza por ser religiosa, dogmática, clerical e fundamentada no princípio da autoridade. A Filosofia moderna, por sua vez é profana, crítica, leiga e encontra na razão e na ciência seus pressupostos fundamentais. O Renascimento é marcado por uma profunda revolução antropocêntrica: durante esse período instaura-se uma polêmica contra o pensamento medieval (essencialmente teocêntrico), preparando o caminho para o pensamento moderno, para o qual a natureza física e o homem tornam-se o tema central. Revalorização da Antiguidade clássica (Filosofia greco-romana), buscada em suas fontes originais. Propõe-se um novo modelo de homem – considerado um microcosmo – e um novo modelo de Estado. Grande interesse pela epistemologia (teoria do conhecimento). Galileu propõe o método experimental, assentando as bases da ciência moderna. Página 33 de 53 11.1.5 - FILOSOFOS IMPORTANTES Pomponazzi. Giordano Bruno. Campanella. Teléssio. Erasmo de Roterdã. Bodin. Maquiavel. Thomas Morus. Montaigne. 12 - RACIONALISMO E EMPIRISMO: SÉC. XVII 12.1 - CONTEXTO HISTÓRICO Decadência política da Espanha e predomínio da França: consagração do poder absoluto dos reis, com Luís XIII e Richelieu até o apogeu com Luís XIV. Cromwell (Inglaterra). Desenvolvimento da literatura francesa: Corneille, Racine, Molière, La Fontaine (séc. XVII). Nas artes plásticas, aparecimento do estilo barroco. Fundação da física moderna: Kepler, Galileu, Newton, Gassendi e Boyle. 12.2 - CARACTERÍSTICA DA FILOSOFIA Formulação dos grandes sistemas filosóficos que traduzem o espírito dos novos tempos, agrupados em duas correntes divergentes: o racionalismo, quer privilegia as verdades da razão, e o empirismo, que destaca a validade do puramente fáctico, isto é, as impressões sensíveis com ponto de partida do conhecimento. Nesse período, a física (Newton) e a química (Lavoisier) se separam da filosofia. Iluminismo: movimento filosófico, literário e político que visa combater o absolutismo, a influência da Igreja e da tradição, considerando a razão como o único meio para se atingir completa sabedoria. Dessa forma, as ideias modernas tomam fôlego e se expandem: a confiança na razão do século anterior é acompanhada agora por um crescente espírito crítico (racionalismo exacerbado – “luzes da razão” contra as “Trevas da ignorância”). Sonha-se com um homem universal e ideal que concilie natureza e razão, defensor dos direitos humanos e difusor da cultura. A biologia se separa da Filosofia. Página 34 de 53 12.3 - FILOSOFOS IMPORTANTES Racionalismo: Descartes. Pascal. Malebranche. Spinoza. Leibiniz. Empirismo: Francis Bacon. Hobbes. Locke. Berkeley. Hume. 13 - ILUMINISMO: SÉCULO XVIII 13.1 - CONTEXTO HISTÓRICO O século XVIII assistiu a uma revolução intelectual de enorme importância na História da Humanidade. A ela foi dado o nome de iluminismo ou filosofia das Luzes (na Península Ibérica, recebeu o nome de Ilustração). Por essa razão, o século XVIII é também conhecido como o Século das Luzes. O progresso do pensamento filosófico e dos conhecimentos científicos durante o século XVII despertaria, na centúria seguinte, um grande interesse pelos estudos sociais, políticos e econômicos. Mas o fator essencial para o surgimento do iluminismo foi o descontentamento da burguesia com a estrutura vigente. A Inglaterra havia superado o Antigo Regime graças à Revolução Gloriosa de 1688. Na Europa Continental, porém, continuava a predominar a estrutura baseada no absolutismo por direito divino, no mercantilismo e na sociedade de ordens. Ora, em países como a França ou a Alemanha (esta última dividida em inúmeros Estados), a mesma burguesia, que antes apoiara o fortalecimento do poder real e a intervenção do governo na economia, voltava-se agora contra essas práticas. A razão principal para tal mudança de atitude foi a riqueza acumulada pelos burgueses, que os fazia almejar uma participação no governo e nas decisões sobre política econômica. Basicamente, o iluminismo representou as aspirações e interesses da burguesia no século XVIII. A filosofia iluminista direcionava-se para objetivos práticos, visando reformar as instituições políticas, sociais e econômicas para levar a sociedade humana à felicidade. Por isso atacava a intolerância, os privilégios da nobreza e do clero e, sobretudo, a falta de liberdade. http://www.coladaweb.com/historia/revolucao-gloriosa-oliver-cromwell http://www.coladaweb.com/historia/absolutismo http://www.coladaweb.com/historia/mercantilismo Página 35 de 53 O iluminismo repercutiu em todo o Mundo Ocidental, inclusive nas Américas. Seu centro irradiador foi a França, onde os elementos que embasavam o Antigo Regime passaram a sofrer maior contestação. 13.2 - CONCEPÇÕES FUNDAMENTAIS DO ILUMINISMO As ideias iluministas caracterizavam-se por alguns princípios fundamentais, a saber: o racionalismo, o naturalismo, o liberalismo, a igualdade perante a lei e o anticlericalismo. Examinemo-los. O racionalismo consiste na ênfase dada ao uso da razão. Os iluministas rejeitavam o pensamento teológico, buscando para tudo uma explicação racional. Não obstan- te, afirmavam que a razão somente seria utilizada corretamente se fosse iluminada (ou esclarecida) pelas luzes do conhecimento. Portanto, uma pessoa ignorante não saberia usar a própria razão. Daí a afirmação, recorrente entre os filósofos do período, de que o governo seria exercido pela minoria esclarecida (ou seja, pela burguesia). O naturalismo dos iluministas refletia sua crença na perfeição da Natureza. Esta deveria ser imitada pela sociedade humana, dentro da interpretação – feita pelos iluministas – do que seria natural. Assim, da mesma forma que os fenômenos da Natureza são regidos por leis determinadas, também as relações entre os homens deveriam ser reguladas por normas naturais. Encaixa-se nessa linha de pensamento a afirmação de que o homem possui direitos naturais, retomando, nos aspectos político e social, o antigo conceito romano de Jus Naturale. O liberalismo é o reconhecimento da liberdade como um direito natural do homem. Essa liberdade se exerceria nos níveis político, econômico e intelectual, o que levava os iluministas a condenar o absolutismo, o intervencionismo e a intolerância. Mas não se tratava de uma liberdade absoluta, sendo limitada pelos valores morais e pelo respeito aos direitos dos demais integrantes do corpo social. A igualdade dos homens perante a lei. Dentro desse raciocínio, a lei não poderia privilegiar alguém com base em seu nascimento ou condição social. Todavia, a http://www.coladaweb.com/politica/liberalismo Página 36 de 53 igualdade defendida pelos iluministas era apenas civil (ou jurídica), não se estendendo ao plano econômico; e também não eliminava o menosprezo que a burguesia sentia em relação às classes populares. O anticlericalismo foi também uma característica do iluminismo. Quase todos os filósofos do período eram teístas, isto é, acreditavam em um Deus criador do Uni- verso. Mas voltavam-se contra a Igreja (especialmente a Igreja Católica) por dois motivos principais: uma era filosófico (a Igreja colocava a fé acima da razão); o outro, político-ideológico (a Igreja apoiava o absolutismo, justificando-o pela teoria do direito divino). Havia ainda um argumento de ordem racional: se Deus está presente na Natureza, a Igreja torna-se uma instituição dispensável. Para o homem cumprir os desígnios divinos, bastaria ter uma vida virtuosa, sem se ater a crenças e rituais. Foto: Voltaire (pseudômino de François-Marie Arouet) celebrizou-se por suas contundentes críticas à tradição e à religião. 13.3 - FILÓSOFOS ILUMINISTAS IMPORTANTES 13.3.1 - John Locke (1632-1704) é considerado o “Pai do Iluminismo“. Em seus dois Tratados sobre o governo civil (1690), posicionou-se frontalmente contra o http://www.coladaweb.com/filosofia/john-locke-parte-1 Página 37 de 53 absolutismo, defendendo a ideia de que o governo deve representar os cidadãos (entendidos como os membros das classes dominantes). Foi ele o primeiro pensador moderno a afirmar serem os indivíduos possuidores de certos direitos naturais, que o Estado tem obrigação de respeitar. Os principais filósofos iluministas nasceram na França ou viveram nela. Foram eles Voltaire, Montesquieu, Diderot e Rousseau (este último nascido na Suíça). 13.3.2 - Voltaire (1694-1778) foi o mais destacado representante do iluminismo, graças a seus dotes literários, que lhe granjearam grande prestígio entre os leitores. Escreveu numerosas peças teatrais, romances, contos e poemas, e em muitos deles veiculou suas ideias. Em 1734, publicou as Cartas Inglesas ou Filosóficas, nas quais elogiava as liberdades vigentes na Inglaterra e atacava o absolutismo e a intolerância. Obrigado a deixar a França, nunca mais voltou, vindo a falecer na Suíça. Voltaire foi um feroz adversário da Igreja, sobretudo dos jesuítas. Até sua morte, exerceu extraordinária influência, inclusive sobre os setores intelectualizados da aristocracia europeia. Sua obra mais importante é o Dicionário Filosófico (1764). 13.3.3 - Diderot (1713-1784), juntamente com o matemático d’Alembert (1717- 1783), dirigiu a elaboração da Enciclopédia, obra em 35 volumes, publicados entre 1751 e 1772. Esse trabalho monumental, que contou com cerca de 150 colaboradores, procurou abarcar todos os conhecimentos da época e, ao mesmo tempo, difundir as concepções iluministas. O governo francês chegou a proibir sua divulgação em duas ocasiões, mas em vão. http://www.coladaweb.com/biografias/montesquieu http://www.coladaweb.com/historia/jesuitas http://www.coladaweb.com/biografias/montesquieu http://www.coladaweb.com/biografias/montesquieu Página 38 de 53 Montesquieu, um dos mais brilhantes filósofos do século XVIII. 13.3.4 - Montesquieu (1689-1755) publicou em 1748 sua obra maior: O espírito das leis. Nela, estudou as diversas formas de governo, destacando a monarquia parlamentar inglesa. Sua grande contribuição para as ideias políticas foi a teoria da tripartição de poderes, segundo a qual o governo deve ser dividido em Executivo, Legislativo e Judiciário. O equilíbrio entre os poderes impediria a tirania e garantiria os direitos e liberdades dos cidadãos. 13.3.5 - Rousseau (1712-1778) constitui um caso à parte dentro do iluminismo. Concordava com os pensadores do período na defesa da liberdade e na valorização da Natureza. Mas, ao contrário dos outros, que eram monarquistas liberais, foi um partidário ardoroso da democracia. Em seu livro O contrato social, afirmava ser o Estado o representante da vontade geral, isto é, da maioria dos cidadãos (entendidos como o conjunto da sociedade, ou seja, o povo). Portanto, o poder político repousaria sobre o povo, que, em última análise, seria a autoridade suprema (esse raciocínio teria grande influência na fase popular da Revolução Francesa). Contrariando o racionalismo dos demais iluministas, Rousseau defendia o predomínio dos sentimentos, afirmando que o homem no estado da Natureza é bom http://www.coladaweb.com/biografias/montesquieu http://www.coladaweb.com/resumos/o-espirito-das-leis-montesquieu http://www.coladaweb.com/resumos/o-espirito-das-leis-montesquieu http://www.coladaweb.com/biografias/montesquieu Página 39 de 53 (“A sociedade o corrompe”); essas ideias colocam-no como precursor do romantismo. Dois outros livros de Rousseau são também importantes: Emílio, no qual propôs uma nova pedagogia, baseada na liberdade do educando, e Discurso sobre a origem da desigualdade, que antecipou os socialistas na crítica à propriedade privada. 13.4 - OS ECONOMISTAS Os pensadores iluministas abordaram sobretudo questões filosóficas ou problemas políticos e sociais. Mas uma parcela deles concentrou-se nos estudos econômicos, ficando por isso conhecida pela designação de os economistas. Estes combatiam o mercantilismo, que vinha a ser a vertente econômica do Antigo Regime, e defendiam a liberdade econômica (em francês: laissez-faire / “deixai fazer”). Consideravam a regulamentação exagerada, as tarifas alfandegárias e o excesso de impostos como entraves ao progresso. Para eles, o Estado não deveria intervir na economia, a não ser para garantir a propriedade privada e o livre curso das atividades produtivas. Criticavam igualmente o metalismo mercantilista, mas dividiam-se a respeito do que deveria substituir o ouro como base da riqueza nacional. Os franceses Quesnay, Gournay e Turgot afirmavam que a principal atividade produtiva é a agricultura, cabendo à indústria e ao comércio um papel secundário. Segundo eles, a riqueza de cada país dependeria de sua maior ou menor disponibilidade de recursos naturais. Essa posição valeu-lhes a denominação de fisiocratas (partidários do governo da Natureza). O escocês Adam Smith (1723-1790) concordava com as críticas dos fisiocratas ao mercantilismo e defendia a liberdade econômica. Entretanto, por ter vivenciado a Revolução Industrial na Inglaterra, divergia dos demais economistas sobre qual seria a base da riqueza, em substituição à teoria metalista. Enquanto os fisiocratas valori- zavam os recursos naturais, Adam Smith sustentava que o trabalho (entendido como http://www.coladaweb.com/historia/mercantilismo http://www.coladaweb.com/historia/metalismo http://www.coladaweb.com/economia/adam-smith-o-formulador-da-teoria-economica Página 40 de 53 atividade técnica) era a verdadeira fonte da prosperidade. Suas ideias estão expostas em uma obra essencial, intitulada A riqueza das nações (1765). A economia deveria, pois, fluir livremente e produzir riqueza, guiada apenas por aquilo que Adam Smith chamava de “a mão invisível”, isto é, a relação natural exis- tente entre as forças econômicas. Essa formulação teórica propiciou, ao economista escocês, o título de “Pai do Liberalismo Econômico”. O Antigo Regime, caracterizado pelo absolutismo, acede a um novo tipo de governo: despotismo esclarecido ou ilustrado – “tudo para o povo, mas sem o povo”. Principais representantes: Maria Tereza e José I (Áustria), Carlos III (Espanha), Frederico II (Prússia), Catarina II (Rússia), Pombal (Portugal). Na França, Luís XVI, derrotado durante a Revolução Francesa (1789). Liberalismo e revoluções burguesas. Revolução Industrial na Inglaterra em 1760 (máquina a vapor). Independência dos Estados Unidos (1776). Inconfidência Mineira (1789). Golpe do 18 Brunário e ascensão de Napoleão Bonaparte (1799). Consolidação do capitalismo industrial e liberal e formação do proletariado. Artes plásticas: barroco, rococó; literatura: início do romantismo. 14 - KANT E A ÉTICA NORMATIVA Página 41 de 53 É a investigação racional, ou uma teoria, sobre os padrões do correto e incorreto, do bom e do mau, com respeito ao carácter e à conduta, que uma classe de indivíduos tem o dever de aceitar. Essa classe pode ser a humanidade em geral, mas podemos também considerar que a ética médica, a ética empresarial, etc., são corpos de padrões que os profissionais em questão devem aceitar e observar. Esse tipo de investigação e a teoria que daí resulta (a ética kantiana e a utilitarista são exemplos amplamente conhecidos) não descrevem o modo como as pessoas pensam ou se comportam; antes prescrevem o modo como as pessoas devem pensar e comportar-se. Por isso se chama "ética normativa": o seu objetivo principal é formular normas válidas de conduta e de avaliação do caráter. O estudo sobre que normas e padrões gerais são de aplicar em situações-problema efetivos chama-se também "ética aplicada". Recentemente, a expressão "teoria ética" é muitas vezes usada neste sentido. Muito do que se chama filosofia moral é ética normativa ou aplicada. 14.1 - O CONCEITO DE “ESCLARECIMENTO” SEGUNDO KANT Immanuel Kant escreve um artigo tentando responder a pergunta “O que é esclarecimento?” Segundo Kant, esclarecimento é a saída do homem de sua menoridade. Menoridade esta que é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo. E o culpado dessa menoridade é o próprio indivíduo. O homem é o próprio culpado dessa menoridade se a causa dela não se encontra na falta de entendimento, mas na falta de decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem a direção de outrem. Sapere aude! Tem coragem de fazer uso de teu próprio entendimento, tal é o lema do esclarecimento (KANT, 2005. p. 63-64). Kant afirma que todo individuo vive uma situação de menoridade em algum momento ou fase de sua vida, isso pode acontecer tanto por comodismo como por oportunismo, medo ou preguiça. Mas o que não pode acontecer é o indivíduo Página 42 de 53 permanecer na menoridade a vida toda, renunciando esse processo a si e aos outros. Neste caso, a menoridade é natural, pois se confunde com imaturidade, já que nenhuma pessoa nasce pronta. No entanto, Kant questiona aquelas autoridades (principalmente religiosas) que, através do medo ou do constrangimento, mantêm seus sujeitos em menoridade quando já teriam condições intelectuais de não sê-lo, e ironiza aqueles sujeitos que vivem uma situação de menoridade auto-imposta. A preguiça e a covardia são as causas pelas quais uma tão grande parte dos homens, depois que a natureza de há muito os libertou de uma direção estranha, continuem, no entanto de bom grado menores durante toda a vida. São também as causas que explicam porque é tão fácil que os outros se constituam em tutores deles. É tão cômodo ser menor. [...] Não tenho necessidade de pensar, quando posso simplesmente pagar; outros se encarregarão em meu lugar dos negócios desagradáveis (KANT, 2005. p. 64). Pode-se até pensar: “É cômodo ser menor!”. Alguns instrumentos servem de condição para uma perpétua menoridade. Um livro que possa pensar pelo indivíduo ou um pastor que age como se fosse a consciência do mesmo são exemplos de como se pode continuar sendo “menor” e deixando de pensar por si próprio. Para haver esclarecimento deve se ter liberdade, mas a limitação da mesma está por toda parte. Em várias situações se pode questionar, mas não se pode desobedecer, um grande exemplo disso é o pagamento do imposto: pode-se questionar este pagamento, mas não se deve deixar de pagá-lo, pois acarretaria diversas consequências. Para este esclarecimento, porém, nada mais se exige senão liberdade. E a mais inofensiva entre tudo aquilo que se possa chamar liberdade, a saber: a de fazer um uso público de sua razão em todas as questões. Ouço, agora, porém, exclamar de todos os Página 43 de 53 lados: não raciocineis! O oficial diz: não raciocineis, mas exercitai-vos! O financista diz: não raciocineis, mas pagai! O sacerdote proclama: não raciocineis, mas crede. Eis aqui, por toda a parte a limitação da liberdade (KANT, 2005. p. 65). Portanto, ser esclarecido é, antes de tudo, um compromisso moral com o aperfeiçoamento e bem-estar da sociedade, respeitando as hierarquias sociais existentes. No entanto, por medo, comodismo, oportunismo ou preguiça, poucos se tornam efetivamente esclarecidos, embora tenham condições intelectuais para tanto quando estão em uso privado da razão. Ter esclarecimento não é apenas adquirir um profundo conhecimento sobre um assunto, mas combinar isso com a conquista da autonomia, passo moral fundamental apenas dado por uma minoria. Nesse sentido, todos potencialmente podem esclarecer-se, já que possuem capacidade de pensar. Kant se fez a seguinte pergunta: “vivemos numa época esclarecida?” A resposta é direta e concreta: [...] “Não, vivemos em uma época de esclarecimento”. Falta ainda muito para que os homens, nas condições atuais, tomados em conjunto, estejam já numa situação, ou possam ser colocados nela, na qual em matéria religiosa sejam capazes de fazer uso seguro e bom de seu próprio entendimento sem serem dirigidos por outrem. Somente temos claros indícios de que agora lhes foi aberto o campo no qual podem lançar-se livremente a trabalhar e tornarem progressivamente menores os obstáculos ao esclarecimento geral ou à saída deles, homens, de sua menoridade, da qual são culpados. Considerada sob este aspecto, esta época é a época do esclarecimento [...] (KANT, 2005. p 70). Página 44 de 53 É claro que Kant responde a esta interrogação ainda no século XIX, mas se estivesse neste século com toda certeza responderia da mesma maneira. É notável que muitos já consigam fazer esse processo, mas ainda é difícil para a maioria deixar a menoridade e pensar por si próprio, como era o desejo
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