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CADERNO EAD CURSO DE FORMAÇÃO CONTINUADA A DISTÂNCIA: ALFABETIZAÇÃO, LETRAMENTO E LUDICIDADE CHAPECÓ - SC www.formacaocco.com.br (49) 3331-2388 Alfabetização, Letramento e Ludicidade 2 www.formacaocco.com.br (49) 3331-2388 Alfabetização, Letramento e Ludicidade 3 APRESENTAÇÃO Caro(a) Cursista, Bem-vindo ao Curso de Extensão EAD sobre ALFABETIZAÇÃO, LETRAMENTO E LUDICIDADE. Este é o nosso Caderno de Estudos e Atividades, material elaborado com o objetivo de contribuir para a realização de seus estudos, a ampliação de seus conhecimentos e melhoria de suas práticas pedagógicas. A carga horária deste curso é de até 240 horas e cabe a você administrar sua aprendizagem e determinar o tempo para seus estudos e aprofundamento dos temas tratados. O Caderno foi organizado de forma didática e complementar. Ele contém textos e conceitos básicos e encaminhamentos metodológicos, com questões para serem respondidas e atividades para serem desenvolvidas em sala de aula e indicação de outras referências a serem consultadas para o melhor andamento e aproveitamento deste curso. O Centro de Ensino Formação deseja a você um excelente trabalho e que você aproveite, ao máximo, o estudo dos temas abordados neste curso! Certificação: Os Certificados serão expedidos pelo Centro de Ensino Formação segundo a legislação educacional em vigor. Importante: Para encaminharmos a certificação, necessitamos da cópia do RG do aluno, para que possamos providenciar os certificados sem informações alteradas. Sem a cópia deste documento não providenciaremos a certificação. www.formacaocco.com.br (49) 3331-2388 Alfabetização, Letramento e Ludicidade 4 www.formacaocco.com.br (49) 3331-2388 Alfabetização, Letramento e Ludicidade 5 SUMÁRIO 1.ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO: PERSPECTIVAS......................................................7 1.1.O que é ser Alfabetizado e Letrado................................................................................................7 1.2.Concepções de Alfabetização.........................................................................................................7 1.3.A Política de Inclusão de Crianças de Seis Anos nas Classes de Alfabetização..........................12 1.4.A Alfabetização na Educação Infantil e no Ensino Fundamental que Inclui Crianças de Seis Anos....................................................................................................................................................15 2. A PSICOGÊNESE DA LÍNGUA ESCRITA.............................................................................17 2.1.Contribuições à Prática Pedagógica.............................................................................................17 2.2.A Psicogênese da Língua Escrita segundo Emília Ferreiro e Ana Teberosky.............................21 2.2.1.As Hipóteses de Aprendizagem da Escrita Segundo Emília Ferreiro.......................................21 2.3.Emília Ferreiro e Ana Teberosky: Métodos de Alfabetização.....................................................23 2.3.1.A Psicolingüística Contemporânea e a Aprendizagem da Leitura e da Escrita.........................27 2.3.2.A Pertinência da Teoria de Piaget para Compreender os Processos de Aquisição Da Leitura e da Escrita............................................................................................................................................29 2.4.Domínio do Sistema Gráfico........................................................................................................37 3. JOGO, BRINQUEDO, BRINCADEIRA E EDUCAÇÃO........................................................40 3.1. As Relações Entre o Jogo Infantil e a Educação: Paradigmas....................................................40 3.2. Leitura e Escrita no Contexto da Diversidade.............................................................................50 3.3. O Brinquedo e a Formação do Pensamento................................................................................53 3.4. Proposta Metodológica de Alfabetização....................................................................................57 4. ALFABETIZAÇÃO, LETRAMENTO E LEITURA LITERÁRIA........................................64 4.1. Textos Literários como Processo Lúdico de Alfabetização e Letramento..................................64 4.2. Literatura Infantil. Gostosuras e Bobices: O Humor na Literatura Infantil.................................67 4.3. Formas de Organização do Trabalho de Alfabetização e Letramento.........................................71 4.4. Planejamento para Classes de Alfabetização: Proposta Curricular de Santa Catarina................80 4.5. A Importância do Ato de Ler.......................................................................................................83 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................................................................89 www.formacaocco.com.br (49) 3331-2388 Alfabetização, Letramento e Ludicidade 6 www.formacaocco.com.br (49) 3331-2388 Alfabetização, Letramento e Ludicidade 7 1. ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO: PERSPECTIVAS 1.1. O que é ser Alfabetizado e Letrado (Maria da Graça Costa Val) Alfabetização e Letramento – Conceituação A apropriação da escrita é um processo complexo e multifacetado, que envolve tanto o domínio do sistema alfabético-ortográfico quanto a compreensão e o uso efetivo e autônomo da língua escrita em práticas sociais diversificadas. A partir da compreensão dessa complexidade é que se tem falado em Alfabetização e Letramento como fenômenos diferentes e complementares. De início, pode-se definir Alfabetização como o processo específico e indispensável de apropriação do sistema de escrita, a conquista dos princípios alfabético e ortográfico que possibilitam ao aluno ler e escrever com autonomia. Noutras palavras, alfabetização diz respeito à compreensão e ao domínio do chamado “código escrito”, que se organiza em torno de relações entre a pauta sonora da fala e as letras (e outras convenções) usadas para representá-la na escrita. Já Letramento pode ser definido como o processo de inserção e participação na cultura escrita. Trata-se de um processo que tem início quando a criança começa a conviver com as diferentes manifestações da escrita na sociedade (placas, rótulos, embalagens comerciais, revistas, etc...) e se prolonga por toda a vida, com a crescente possibilidade de participação nas práticas sociais que envolvem a língua escrita (leitura e redação de contratos, de livros científicos, de obras literárias, por exemplo). O termo letramento foi criado, portanto, quando se passou a entender que, nas sociedades contemporâneas, é insuficiente o mero aprendizado das “primeiras letras”, e que integrar-se socialmente, hoje, envolve também “saber utilizar a língua escrita nas situações em que esta é necessária, lendo e produzindo textos”. Essa nova palavra veio para designar essa nova dimensão da entrada no mundo da escrita, que se constitui de um conjunto de conhecimentos, atitudes e capacidades necessárias para usar a língua em práticas sociais. Épossível encontrar pessoas que passaram pela escola, aprenderam técnicas de decifração do código escrito e são capazes de ler palavras e textos simples, curtos, mas não são capazes de se valer da língua escrita em situações sociais que requerem habilidades mais complexas. Essas pessoas são alfabetizadas, mas não são letradas. Essa condição é particularmente dolorosa e www.formacaocco.com.br (49) 3331-2388 Alfabetização, Letramento e Ludicidade 8 indesejável, embora frequente, dentro da própria escola, porque acarreta dificuldades para o aprendizado dos diferentes conteúdos curriculares, ou mesmo inviabiliza esse aprendizado. Por isso é que se tem afirmado que alfabetização e letramento são processos diferentes, cada um com suas especificidades, mas complementares, inseparáveis e ambos indispensáveis. O desafio que se coloca hoje para os professores é o de conciliar esses dois processos, de modo a assegurar aos alunos a apropriação do sistema alfabético-ortográfico e a plena condição de uso da língua nas práticas sociais de leitura e escrita. Entretanto, o surgimento do conceito de letramento, bem como a difusão e o emprego desse termo em documentos oficiais como os PCN, em cursos de especialização de professores, em estudos e discussões acadêmicas – têm suscitado polêmicas e equívocos (por exagero ou por simplificação), que é bom tentar esclarecer. Pode-se dizer que a fonte desses equívocos e polêmicas é a não compreensão de que os dois processos são complementares, e não alternativos. Explicando: não se trata de escolher entre alfabetizar ou letrar; trata-se de alfabetizar letrando. Quando se orienta a ação pedagógica para o letramento, não é necessário, nem recomendável, que, por isso, se descuide do trabalho específico com o sistema de escrita. Noutros termos: o fato de valorizar em sala de aula os usos e as funções sociais da língua escrita não implica deixar de tratar sistematicamente da dimensão especificamente linguística do “código”, que envolve os aspectos fonéticos, fonológicos, morfológicos e sintáticos. Do mesmo modo, cuidar da dimensão linguística, visando à alfabetização, não implica excluir da sala de aula o trabalho voltado para o letramento. Outra fonte de equívocos é pensar os dois processos como sequenciais, isto é, vindo um depois do outro, como se o letramento fosse uma espécie de preparação para a alfabetização, ou, então, como se a alfabetização fosse condição indispensável para o início do processo do letramento. Considerando-se que os alfabetizandos vivem numa sociedade letrada, em que a língua escrita está presente de maneira visível e marcante nas atividades cotidianas, inevitavelmente eles terão contato com textos escritos e formularão hipóteses sobre sua utilidade, seu funcionamento, sua configuração. Excluir essa vivência da sala de aula, por um lado, pode ter o efeito de reduzir e artificializar o objeto de aprendizagem que é a escrita, possibilitando que os alunos desenvolvam concepções inadequadas e disposições negativas a respeito desse objeto. Por outro lado, deixar de explorar a relação extraescolar dos alunos com a escrita significa perder oportunidades de conhecer e desenvolver experiências culturais ricas e importantes para a plena integração social e o exercício da cidadania. www.formacaocco.com.br (49) 3331-2388 Alfabetização, Letramento e Ludicidade 9 Assim, entende-se que a ação pedagógica mais adequada e produtiva é aquela que contempla, de maneira articulada e simultânea, a alfabetização e o letramento. No próximo item, vamos apresentar, rapidamente, algumas possibilidades de se desenvolver esse trabalho integrado em sala de aula. Fonte: MEC- Ministério da Educação e Cultura Educação à Distância 1.2. As Concepções de Alfabetização 1ª- A CONCEPÇÃO EMPIRISTA (SKINER) Historicamente é a que mais vem influenciando as representações sobre o que é ensinar, quem é o aluno, como ele aprende e o que se deve ensinar. Se expressa em um modelo de aprendizado conhecido como: A SUBSTITUIÇÃO DE RESPOSTAS ERRADAS POR RESPOSTAS CERTAS. A hipótese subjacente a essa teoria é a que o aluno precisa memorizar e fixar informações, as mais simples e parciais possíveis e devem ir se acumulando com o tempo. O modelo típico da cartilha está baseado nisso. As cartilhas trabalham com uma concepção de língua escrita como transcrição da fala. Em geral, seus textos baseiam-se no uso de palavras-chave e famílias silábicas, usadas exaustivamente. E aí, encontram-se coisas como: “O BEBÊ BABA NA BABÁ”, “O BOI BEBE”, “DIDI DÁ O DADO A DEDÉ”, etc... A função do material escrito numa cartilha é apenas ajudar o aluno a descobrir a regra de geração do sistema alfabético: que B com A dá BA, e assim por diante. Centrada nessa abordagem que vê a língua como pura fonologia, a cartilha introduz o aluno no mundo da escrita, apresentando-lhe textos que não passam de um agregado de frases desconectadas. Exemplo: O SAPO O SAPO É BOM. O SAPO COME INSETO. O SAPO É FEIO. O SAPO VIVE NA ÁGUA E NA TERRA. ELE SOLTA UM LÍQUIDO PELA ESPINHA. O SAPO É VERDE. Como se vê, cada enunciado é tratado como se fosse um parágrafo independente, além de outros aspectos, como repetição de termos, falta coerência e coesão. www.formacaocco.com.br (49) 3331-2388 Alfabetização, Letramento e Ludicidade 10 Na concepção Empirista, o conhecimento está “FORA” do “SUJEITO”, o sujeito da aprendizagem seria “vazio” na sua origem, sendo “preenchido” pelas experiências que tem com o mundo. Paulo Freire usava uma metáfora para explicar esta concepção: “educação bancária”, para falar de uma escola em que se pretende “sacar” exatamente aquilo que se “depositou”. O processo de ensino é baseado na cópia, na memorização de famílias silábicas, no ditado, nos questionários. Tem-se a crença que primeiro os meninos têm de aprender a ler e a escrever dentro do sistema alfabético para depois adquirir uma leitura compreensiva. SUJEITO OBJETO CONHECIMENTO 2º O CONSTRUTIVISMO- (JEAN PIAGET) Nessa concepção, o aprendiz é o sujeito, protagonista do seu próprio processo de aprendizagem alguém que vai produzir a transformação que converte informação em conhecimento próprio. Essa construção pelo aprendiz, não se dá por si mesma e no vazio, mas a partir de situações nas quais ele possa agir sobre o que é o objeto de seu conhecimento, pensar sobre ele, recebendo ajuda, sendo desafiado a refletir, interagindo com outras pessoas. SUJEITO OUTRO OBJETO CONHECIMENTO Nessa concepção, entram as pesquisas de Emília Ferreiro, sobre a psicogênese da língua escrita que levam em conta as hipóteses de escrita e de leitura que as crianças constroem para aprender a ler e escrever. Hipótese pré-silábica: a) A criança acredita que é preciso um número mínimo de letras, para que seja escrito alguma coisa (2 a 4). www.formacaocco.com.br (49) 3331-2388 Alfabetização, Letramento e Ludicidade 11 b) De que é preciso um mínimo de variedade de caracteres para que uma série de letras sirva para ler. Hipótese silábica: é um salto qualitativo onde a criança acredita que cada letra representa uma sílaba, ou seja, os sons que a gente fala. Exemplo: TO (GATO) DOTA (BORBOLETA) CLO (CAVALO) OI (BOI) Hipótese pré-alfabética: essa hipótese representaa transição entre a hipótese silábica e a hipótese alfabética, onde a criança atribui uma letra para cada sílaba, pontuando-se em alguns casos nas vogais, e em outros, nas consoantes, e muitas vezes, já usando sílabas convencionalmente. Exemplo: GT (GATO) CVL (CAVALO) BOLT (BORBOLETA) BI (BOI) Hipótese alfabética: nessa hipótese a criança já possui o domínio da escrita alfabética, porém, ainda não possui o domínio da escrita ortograficamente correta, pois esse é um processo que perdura durante a vida escolar subsequente. A alfabetização é um processo contínuo e não acaba na primeira série. 3ª- A CONCEPÇÃO SÓCIO-INTERACIONISTA: (VYGOTSKY, WALLON, LÚRIA) A concepção de Vygotsky leva em consideração alguns aspectos da Teoria de Piaget, contrapondo-se em alguns pontos. Vygotsky foi um estudioso das teorias de Piaget, e foi a partir destas de desenvolveu a teoria interacionista de aprendizagem. Essa concepção baseia-se na interação social. Assim sendo, na alfabetização toma-se o texto como unidade de sentido da língua, como elemento norteador do processo – quer como ponto de partida, quer como ponto de chegada. Ou seja, ao mesmo tempo em que o contato inicial do aluno www.formacaocco.com.br (49) 3331-2388 Alfabetização, Letramento e Ludicidade 12 com a língua escrita será mediado pelo texto, toda a atividade pedagógica terá, como fim último, fazê-lo capaz de falar/escrever um texto consequente e ler/interpretar o texto do outro na sua mais implícita significação. A partir do texto, contextualizado e significativo, parte-se para a sistematização do processo de apropriação da leitura e escrita. Neste sentido, constrói-se uma visão de mundo ampla sobre o objeto estudado, onde aluno e professor dialogam com o objeto de estudo, possibilitando a compreensão, a produção e reconstrução desse conhecimento, interagindo com os colegas, com o professor e com o próprio conhecimento. SUJEITO OUTRO OBJETO CONHECIMENTO Muito se tem discutido sobre a forma mais eficaz de alfabetização, visando melhores resultados a fim de diminuir ou eliminar o fracasso escolar, e, dessa forma fazer com que todas as crianças, independente de nível social, cultural ou econômico, pudessem se apropriar da leitura e da escrita, no seu sentido mais amplo, ou seja, o “LETRAMENTO”. Nos últimos anos, o termo letramento é o que mais está em evidência. Na sua essência, estão os estudos e pesquisas de Paulo Freire, Emília Ferreiro, Ana Teberosky, Magda Soares, entre outros, cuja fundamentação está baseada em Vygotsky, Piaget, Wallon, Lúria, entre outros. O letramento é o domínio amplo do sistema alfabético-ortográfico, oral e escrito no seu mais complexo e multifacetado processo, desde os primeiros anos de escolaridade da criança. A questão é alfabetizar letrando, e, para que isto se concretize, faz-se necessário a adoção de estratégias de ensino inovadoras, criativas, atualizadas que permitam uma compreensão e uma visão de mundo de forma inter e transdisciplinar dos conhecimentos escolares, para que os alunos desde os primeiros anos de escolaridade já aprendam a refletir, agir, recriar e transformar o objeto do conhecimento. 1.3. A Política de Inclusão de Crianças de Seis Anos na Escola e sua Repercussão no Ensino da Leitura e da Escrita Ceris Ribas da Silva www.formacaocco.com.br (49) 3331-2388 Alfabetização, Letramento e Ludicidade 13 Este texto pretende refletir sobre a política de ampliação para nove anos do Ensino Fundamental, elegendo, sobretudo, as questões que envolvem o ensino da leitura e da escrita, para os alunos que passam a ingressar mais cedo nas escolas públicas do país. Com a regulamentação da lei de Diretrizes e Bases (LDB nº. 9.394/96) e a elaboração do Plano Nacional de Educação (PNE), algumas redes públicas de ensino do país iniciaram a ampliação para nove anos do Ensino Fundamental. Os estados de Minas Gerais, Rio Grande do Norte, Goiás e Amazonas foram os primeiros a adotar essas mudanças. Ao mesmo tempo em que a ampliação dos anos de escolaridade das crianças é reconhecida como uma ação política importante para a democratização do acesso à educação no país, ela levanta discussões sobre seus impactos na organização do trabalho das escolas e dos professores, principalmente no que se refere ao processo de alfabetização das crianças. Uma das questões apontadas sobre os impactos da ampliação do Ensino Fundamental é o fato de que as escolas passarão a receber crianças com idades a partir dos seis anos. Sabemos que, com a entrada de crianças nessa faixa etária, será preciso estar atento para as especificidades de aprendizagem dessa idade, principalmente porque esse é o momento da aquisição inicial da escrita e da leitura. Nesse sentido, o ingresso na escola, aos seis anos, precisa ser interpretado pelas políticas educacionais dos sistemas de ensino como uma oportunidade para dar mais tempo e chance aos alunos para vencerem as etapas necessárias para aprenderem a ler e escrever. Se isso não acontecer, a ampliação do tempo de escolaridade pode se tornar uma ação política ineficiente para a redução das nossas tristes taxas de fracasso escolar. Outra questão importante sobre os impactos da ampliação do Ensino Fundamental na organização do trabalho nas escolas diz respeito ao fato de que, uma vez implementada essa política, teremos que considerar não oito, mas nove anos na elaboração da proposta de ensino e aprendizagem com as crianças. Isso significa, objetivamente, repensar o projeto pedagógico das escolas, a estrutura do currículo, a organização dos tempos e espaços de aprendizagem. Ou seja, a mudança exige a redefinição dos conhecimentos e capacidades a serem ensinados em cada etapa da escolaridade e, ainda, uma nova perspectiva de ensino voltada para a progressão da aprendizagem dos alunos. No que se refere, particularmente, à organização do tempo de aprendizagem dos alunos, devemos considerar que o sistema de seriação precisa ser repensado, pois historicamente se revelou uma forma de organização fragmentada e hierarquizada das etapas da escolarização que se impõem sobre os alunos e sobre os profissionais da educação. Por isso, em caso de sua permanência, as www.formacaocco.com.br (49) 3331-2388 Alfabetização, Letramento e Ludicidade 14 séries deverão ser mais bem articuladas e será preciso introduzir estratégias que garantam a continuidade e não a repetição das aprendizagens dos alunos. Caso os sistemas de ensino decidam substituir o sistema de seriação por uma organização das escolas através de ciclos, a discussão deverá girar em torno de uma nova forma de organização da proposta pedagógica, na qual o tempo escolar precisará ser organizado em fluxos mais longos e mais atentos ao avanço das aprendizagens dos alunos. Logo, será necessário redefinir o que se deseja ensinar em cada ciclo, tendo em vista quais serão os conhecimentos, as capacidades e as habilidades referentes à alfabetização e ao letramento de cada etapa. A questão que precisa ser considerada é a de que a organização dos tempos de aprendizagens da escola, no sistema de seriação ou ciclos, deverá ter como objetivo evitar a ruptura do processo de aprendizagem da leitura e da escrita e possibilitar às crianças um tempo mais amplo e flexível para o desenvolvimento das capacidades que elas precisarão adquirir. Portanto, a inclusão na escola, das crianças de seis anos significa a ampliação do direito dessa criança a uma escolarização mais extensa e a uma alfabetização ressignificada. Precisamos, agora, discutir oque significa introduzir uma prática de alfabetização ressignificada? A ampliação do conceito de alfabetização e letramento Com a implementação dos “ciclos básicos de alfabetização”, a partir da regulamentação da LDB, de 1996, os sistemas de ensino e as escolas passaram a reconhecer a insuficiência da concepção de alfabetização, entendida apenas como a aprendizagem mecânica de ler e escrever, e que se pretendia realizar em apenas um ano de escolaridade, nas chamadas classes de alfabetização. Além de aprender a ler e escrever, a criança deve aprender a dominar as práticas sociais de leitura e escrita. Essa ampliação do conceito de alfabetização decorre do fato de que as sociedades do mundo inteiro estão cada vez mais centradas na escrita. Consequentemente, ser alfabetizado – isto é, saber ler e escrever – tem se revelada condição insuficiente para responder adequadamente às demandas contemporâneas. É preciso ir além da simples aquisição do código escrito, é preciso fazer uso da leitura e da escrita no cotidiano, apropriar-se da função social dessas duas práticas: é preciso letrar- se. Além disso, a cada momento, multiplicam-se as demandas por práticas de leitura e de escrita, não só da chamada cultura do papel, mas também na nova cultura da tela, como pode ser www.formacaocco.com.br (49) 3331-2388 Alfabetização, Letramento e Ludicidade 15 chamado o conhecimento mobilizado pelos meios eletrônicos. Por isso, se uma criança sabe ler, mas não é capaz de ler um livro, um jornal, ou se sabe escrever palavras e frases, mas não é capaz de escrever uma carta, ela é alfabetizada, mas não letrada. Em sociedades grafocêntricas como a nossa, as crianças de diferentes classes sociais convivem com a escrita e com práticas de leitura e escrita cotidianamente, o que significa que vivem em ambientes de letramento. As crianças começam, portanto, a “letrar-se” a partir do momento em que nascem em uma sociedade letrada. Rodeadas de material escrito e de pessoas que usam a leitura e a escrita, nossas crianças, desde cedo, vão conhecendo e reconhecendo as práticas de leitura e de escrita. O problema é que as crianças das camadas desfavorecidas têm um convívio menos frequente e menos intenso com textos impressos do que as crianças das classes sociais mais favorecidas. Por isso, a entrada das crianças aos seis anos de idade na escola pública pode significar uma oportunidade para essas crianças terem acesso e contato com materiais escritos e com práticas de leitura e de escrita mais cedo, ampliando, assim, seu tempo de aprendizagem desses conhecimentos. Para que isso ocorra, é importante que a escola proporcione aos alunos o contato com diferentes gêneros e suportes de textos escritos, através, por exemplo, da vivência e do conhecimento dos espaços de circulação dos textos, das formas de aquisição e acesso aos textos e dos diversos suportes da escrita. Contudo, mesmo com o alargamento do conceito de alfabetização, a questão da aprendizagem da língua escrita pela criança de seis anos ainda levanta outra questão: será que essa idade é apropriada para a aprendizagem da leitura e da escrita? 1.4. A Alfabetização na Educação Infantil e no Ensino Fundamental que Inclui Crianças de Seis Anos Historicamente, a idade de entrada da criança no Ensino fundamental esteve fixada em torno dos sete anos, e a entrada com idade inferior, no antigo pré-escolar, tinha sua prática de ensino regulada pela concepção de prontidão para a aprendizagem da leitura e da escrita, geralmente avaliada por testes classificatórios. Contrapondo a essa concepção, vimos anteriormente que as atuais exigências de democratização do acesso à escola pública de qualidade levantam demandas mais complexas para o ensino da leitura e da escrita: a permanência das crianças de camadas populares na escola e a ampliação de suas oportunidades de acesso à cultura escrita, pois tais oportunidades já são precocemente vivenciadas por camadas mais favorecidas. Isso implica o www.formacaocco.com.br (49) 3331-2388 Alfabetização, Letramento e Ludicidade 16 direito daquelas crianças à alfabetização e ao letramento, em processos de aprendizagem que assegurem progressivas capacidades e habilidades. Por isso, o importante nas propostas de ensino é não se submeter à aprendizagem das crianças dessa faixa etária exclusivamente ao estágio de maturação ou desenvolvimento, previamente determinado por testes. Acredita-se que o processo de aprendizagem a ser vivenciado por essas crianças é capaz de produzir novas possibilidades de desenvolvimento de suas capacidades. Além disso, sabemos que essa perspectiva teórica está ultrapassada, sobretudo depois dos estudos da psicogênese da escrita, introduzidos por Emília Ferreiro e Anna Teberosky. De acordo com esses novos estudos, o aprendizado do sistema de escrita não se reduziria ao domínio de correspondências grafo-fonêmicas (a decodificação e a codificação), mas se caracterizaria como um processo ativo por meio do qual a criança, desde seus primeiros contatos com a escrita, construiria e reconstruiria hipóteses sobre a natureza e o funcionamento da língua escrita como um sistema de representação. Ou seja, ela começa a aprender coisas sobre o que é a escrita, para que serve e como se organiza muito antes de seu ingresso na escola. Por tudo isso, elaborar uma proposta de alfabetização para as crianças que ingressam na escola pública desde os seis anos de idade significa, também, desconstruir certos mitos sobre a aprendizagem da escrita nessa faixa etária. Por isso, tornou-se necessário definir, objetivamente, o que deverá ser ensinado sobre a leitura e a escrita e de que forma organizar esse ensino em cada ano do Ciclo de Alfabetização. Isso significa que é necessário rever práticas ainda contraditórias no campo da alfabetização e tentar superar a permanente nostalgia em relação às práticas do passado. É necessário, portanto, alargar as concepções. Nesse sentido, é importante que as redes de ensino definam quais as capacidades mínimas a serem atingidas pelos alunos em diferentes momentos das etapas de escolarização. Para isso, é fundamental que as escolas possuam instrumentos compartilhados para diagnosticar e avaliar os alunos e o trabalho que realizam. Além disso, também é importante que, coletivamente, as escolas desenvolvam mecanismos para reagrupar, mesmo que, provisoriamente, os alunos que não alcançaram os conhecimentos e habilidades em cada etapa do processo, utilizando novos procedimentos metodológicos e diferentes materiais didáticos. Isso quer dizer que não há um método único que contemple todas as necessidades de aprendizagem do aluno. Por isso, é importante conhecer as facetas linguísticas, psicológicas, sociolinguísticas, entre outras, do processo de alfabetização, debatendo-as e transformando-as em prática. www.formacaocco.com.br (49) 3331-2388 Alfabetização, Letramento e Ludicidade 17 Finalmente, precisamos acabar com a ruptura que existe entre a Educação Infantil e o Ensino Fundamental, que se expressa, muitas vezes, pelo abandono das atividades lúdicas para que os alunos trabalhem individualmente em carteiras enfileiradas. A ludicidade, sem dúvida, contribui para melhor promover o desenvolvimento das capacidades cognitivas, procedimentais e atitudinais que se deseja verem construídas pelas crianças nessa faixa etária. O que se deve propor é um trabalho pedagógico estruturado para crianças que antes estariam apenas brincando. Para isso, é preciso articular os momentos de brincadeiras, de histórias, e de trabalho com outras linguagens, juntamente com a aprendizagem da leitura e da escrita. Dessa forma, a organização do trabalho de leitura escrita em classes de seis anos deve estar em sintonia com o que é próprio dessafaixa etária, considerando a experiência prévia das crianças com o mundo da escrita, em seus espaços familiares, sociais e escolares, e as particularidades do seu desenvolvimento. Nesse sentido, a elaboração pelo professor de uma proposta de alfabetização precisa privilegiar a criação de contextos significativos de ensino e aprendizagem que são decorrentes, por exemplo, do trabalho com temas de interesse do universo infantil e com modelos de atividades que privilegiam a ludicidade e que desafiam as crianças a lidar com diversidade de textos que elas conhecem e de outros que precisam conhecer, como, por exemplo, os textos literários, sem que se perca de vista os conteúdos que se pretende atingir. Todos esses aspectos da organização do trabalho escolar mostram que as redes de ensino e as escolas têm papel decisivo na forma de implementação do Ensino Fundamental programado em nove anos. Em síntese, podemos concluir que a ampliação do Ensino Fundamental para nove anos traz uma nova realidade para as práticas de ensino nas séries iniciais. Contudo, essas mudanças só ocorrerão de fato se os professores alfabetizadores se conscientizarem de que as crianças das escolas públicas, em sua maior parte expostas a processos de exclusão social, são capazes de aprender, não possuem deficiências cognitivas, não possuem deficiências linguísticas, culturais e comportamentais. Portanto, é nossa responsabilidade, como educadores, assegurar a essas crianças que chegam à escola mais cedo oportunidades de acesso e domínio da leitura e da escrita. 2. A PSICOGÊNESE DA LÍNGUA ESCRITA 2.1. Contribuições à Prática Pedagógica Caro Professor, Cara Professora, www.formacaocco.com.br (49) 3331-2388 Alfabetização, Letramento e Ludicidade 18 [...] as mudanças necessárias para enfrentar sobre bases novas a alfabetização inicial não se resolvem com um novo método de ensino, nem com novos testes de prontidão nem com novos materiais didáticos. É preciso mudar os pontos por onde nós fazemos passar o eixo central das nossas discussões. Temos uma imagem empobrecida da língua escrita: é preciso reintroduzir, quando consideramos a alfabetização, a escrita como sistema de representação da linguagem. Temos uma imagem empobrecida da criança que aprende: a reduzimos a um par de olhos, um par de ouvidos, uma mão que pega um instrumento para marcar e um aparelho fonador que emite sons. Atrás disso há um sujeito cognoscente, alguém que pensa, que constrói interpretações, que age sobre o real para fazê-lo seu. Emilia Ferreiro São muitas as questões que se colocam para os alunos quando eles têm que escrever e não estão alfabetizados: Quantas letras pôr? Quais letras pôr? Por que meu colega escreve tão diferente de mim? E muitas são também as questões que se colocam quando eles são convidados a ler a própria escrita: Por que é difícil ler o que escrevo? Por que sobram letras? Por que as letras parecem estar fora de ordem? Por que há tantas letras iguais em uma mesma escrita? Por que eu leio a mesma coisa de um jeito diferente do meu colega?... E assim por diante. Ou seja, escrever e tentar ler a própria escrita representam bons desafios quando ainda não se sabe ler. Ao escrever é preciso tomar decisões sobre quantas e quais letras utilizar. Ao tentar ler a própria escrita é preciso justificar para si mesmo e para os outros as escolhas que foram feitas (lembre que Ricardo – a terceira criança entrevistada no programa de vídeo A Construção da Escrita – inicialmente escreve LAPISEIRA sem a preocupação com a quantidade de letras escritas à sua leitura). Parece pouco, mas é assim que se aprende... É isso que faz da alfabetização um processo de análise e reflexão sobre a língua, e não de memorização. Nesse período em que os alunos ainda não se alfabetizaram e estão ocupados em descobrir quantas e quais letras são usadas para escrever (ou seja, ocupados com uma análise de aspectos quantitativos e/ou qualitativos da escrita), o uso da letra de forma maiúscula é o mais recomendado, pois suas características permitem que eles analisem as letras separadamente, distinguindo-as umas das outras com facilidade – além de serem também mais simples de grafar. A letra manuscrita, por ser contínua, não ajuda os alunos a identificar quantas e quais letras estão escritas, pois nem sempre é observável onde uma acaba e a outra começa. Depois que eles se alfabetizam, aí sim, é o momento de ensiná-los a escrever a letra manuscrita e de exercitá-la para que escrevam rapidamente e de forma legível. A entrevista individual com os alunos, da forma que é apresentada no programa (apelidada em muitos lugares de “sondagem”) é um recurso para identificar suas hipóteses de escrita, não é www.formacaocco.com.br (49) 3331-2388 Alfabetização, Letramento e Ludicidade 19 uma atividade didática de sala de aula. A realização desse tipo de entrevista só é necessária quando o professor não consegue identificar as hipóteses de seus alunos por meio das escritas que eles produzem nas atividades escolares cotidianas. O desempenho dos alunos nesse tipo de situação depende de se sentirem seguros de que não serão recriminados ou punidos por cometer erros: é preciso criar condições para que se sintam à vontade para escrever e que eles saibam qual é o objetivo dessa proposta. Dificilmente o professor conseguirá fazê-los escrever como pensam, se eles já estiverem habituados a uma prática sistemática de correção de seus erros de escrita. Nesse caso, será necessário seduzir os alunos, convencê-los de que se trata de uma situação nova e diferente, porém importante para o professor compreender como eles pensam. Quando propomos aos alunos que escrevam sem saber escrever, é fundamental explicar a eles que podem escrever como acham que é, mas que devem escrever da melhor maneira que puderem; do contrário eles podem supor, equivocadamente, que a proposta é apenas uma brincadeira, e que qualquer coisa tem valor. Quando se trata de alunos adultos – e crianças marcadas por uma experiência de fracasso escolar – nem sempre é possível conseguir que entrem no jogo de escrever quando ainda não sabem e de interpretar o que escreveram. Nesse caso, é preciso, criar condições favoráveis para que demonstrem o que pensam, mesmo quando se recusam a escrever. As letras móveis representam um recurso valioso com alguns alunos – pois dão a impressão de que é um jogo, e não propriamente uma situação de escrita – assim como a solicitação para que digam quais seriam as letras necessárias para escrever essas ou aquelas palavras, quando eles resistem a fazer isso por si mesmo. É pensando sobre a escrita que se aprende a ler e escrever. A memorização de sílabas não garante a compreensão das regras de geração e funcionamento do sistema de escrita alfabético. É o que se pode verificar no caso de Adriana, a primeira criança entrevistada no programa de vídeo, quando escreve VC ao ser solicitado a escrever “vaca”, imediatamente após ter escrito “cavalo” convencionalmente, tendo como apoio à memória. O que acontece com Adriana não é uma peculiaridade, é comum em crianças, jovens e adultos que estão se alfabetizando. As ideias que os alunos constroem sobre a escrita (as hipóteses de escrita) são erros construtivos, ou seja, são erros necessários para que se aproximem cada vez mais da escrita convencional. Embora seja erros considerados necessários, isso não quer dizer, de forma alguma, que o professor deva referendá-los porque fazem parte do processo de aprendizagem, ou esperar que eles sejam superados espontaneamente, de acordo com o “ritmo do aluno”. As hipóteses de www.formacaocco.com.br (49) 3331-2388 Alfabetização, Letramento e Ludicidade 20 escrita superam-se umas às outras, em maior ou menor tempo, dependendo de comoo professor organiza as situações didáticas: o mais importante é planejar intencionalmente o trabalho pedagógico, de forma a atender às necessidades de aprendizagem dos alunos. Apresentar o alfabeto completo, desde o início do ano é condição para que os alunos possam ampliar seu repertório de conhecimento sobre as letras, especialmente quando têm poucas informações a respeito. No programa de vídeo apresentado, Roberta – a segunda criança entrevistada – nos mostra o quanto seu vasto conhecimento do alfabeto colabora com suas reflexões sobre o sistema de escrita e com suas possibilidades de escrever. Já Ricardo demonstra contar com um repertório bastante limitado – apenas as letras de seu nome – o que o obriga a repeti-las em combinações diferentes, como, por exemplo, RIAC para a escrita final de “lapiseira”, ARP para a palavra “aluno”, RCP para “caneta”... (Quando falamos em apresentar o alfabeto, não estamos dizendo que é preciso apresentar o silabário, mas o conjunto de letras). As capacidades relacionadas à discriminação visual e auditiva, lateralidade, ao raciocínio lógico e à coordenação motora são importantes para o desenvolvimento global das pessoas, mas não estão diretamente relacionadas à aprendizagem da leitura e da escrita. Não são pré-requisitos para aprender a ler e escrever. Exemplo disso é que há crianças e pessoas adultas com um raciocínio lógico comprometido e que escrevem bem, deficientes físicos com parcial ou total comprometimento com a coordenação motora que são leitores e escritores competentes, cegos e surdos que utilizam a língua escrita de forma muito eficaz... E há também o inverso: adultos com excelente raciocínio lógico, boa coordenação motora, boa lateralidade, e que, a despeito disso, continuam analfabetos. E há ainda muitos de nós, adultos, que nos atrapalhamos com a lateralidade, sem que isso interfira absolutamente na nossa capacidade de ler e escrever. O conhecimento que o professor tem sobre o que pensam seus alunos a respeito da escrita deve estar a serviço do planejamento das situações didáticas que propõe a eles: de nada adianta saber sobre como os alunos aprendem, se não for para fazer uso desse conhecimento. Situações didáticas ajustadas às necessidades de aprendizagem dos alunos pressupõem selecionar atividades adequadas, montar agrupamentos produtivos dos alunos (quando as atividades serão realizadas em parceria), formular perguntas que os ajudem a pensar enquanto trabalham, oferecer sugestões e informações úteis para fazê-los avançar em suas aprendizagens. Para isso tudo, contribui decisivamente o conhecimento que o professor tem sobre o que os alunos sabem a respeito da escrita. www.formacaocco.com.br (49) 3331-2388 Alfabetização, Letramento e Ludicidade 21 O conhecimento das hipóteses de escrita não deve se transformar, sob nenhum pretexto, em um recurso para rotular os alunos, tampouco em critérios para a formação de classes supostamente homogêneas (classes, por exemplo, formadas apenas por alunos com hipóteses de escrita mais avançadas ou mais primitivas). A interação entre os alunos com diferentes níveis de conhecimento é fundamental para gerar a troca de informações e o confronto de ideias, que favorecem a aprendizagem. Hoje, já é possível saber por que a prática escolar de iniciar a alfabetização pelo “a-e-i-o-u” ou por palavras como “ave”, “ovo”, “asa” – palavras fáceis e com letras que se repetem – em nada contribui para a aprendizagem dos alunos. Se, em geral, eles têm a convicção de que para algo ser legível é preciso um número mínimo de letras (três, em média) – como mostra Ricardo ao escrever “cola”, “livro” e “giz”- e que é preciso garantir certa variedade de letras e não repeti-las – como mostra Henrique, perplexo com AA como resultado da escrita da palavra “pasta” – não se pode querer ensiná-los utilizando como recurso exatamente aquilo que eles não acreditam que seja lógico, possível ou legível. Os processos de ensino e aprendizagem são processos diferentes e não necessariamente coincidentes; entretanto, ensinar é fazer aprender. Todo ensino que não tem como resultado a aprendizagem não cumpre seu papel – por essa razão, sempre que não conquistarmos bons resultados em relação às aprendizagens dos alunos, temos de analisar cuidadosamente a qualidade da nossa proposta de ensino. 2.2 A Psicogênese da Língua escrita segundo Emília Ferreiro e Ana Teberosky 2.2.1 As hipóteses de aprendizagem da escrita segundo Emília Ferreiro. Trataremos de uma forma bem sintetizada dos níveis de aprendizagem das crianças, segundo Emília Ferreiro e quais as implicações que estas hipóteses representam para o processo de aquisição da leitura e da escrita das crianças na infância. Nível pré-silábico: Nessa etapa, a criança pensa que os textos dizem os nomes dos objetos, e, se lhe pedimos que atribua algo ao desenho que realizou, ela vai atribuir nomes aos desenhos. (SOL) (ÁRVORE) Neste momento, a criança dá um salto qualitativo para a compreensão da escrita. Faz diferença entre desenho e escrita, mas a criança necessita da imagem para ler. www.formacaocco.com.br (49) 3331-2388 Alfabetização, Letramento e Ludicidade 22 Ao solicitarmos à criança que ela escreva algo, no início, atribui um signo gráfico a cada objeto representado na imagem e lê o nome. Ex: (bola) M Mais adiante, considera que uma escrita com menos de três letras não pode ser lida, não significa nada, é muito pouco para ler. Posteriormente, a criança nega as hipóteses anteriores e diz que, para ler nomes diferentes, eles também devem ser escritos diferentemente. CASA AUT SOL LMO BORBOLETA ANP Nesta etapa, também, a criança pensa que, para escrever um nome determinado, deve haver uma relação com o tamanho do referente. Se o referente for grande, haverá muitas letras; se é pequeno, com poucas letras. Ex: FORMIGA LAI BOI ALAIOIAO b) O nível silábico: A busca de soluções para equacionar o problema sobre como a escrita está organizada, no nível silábico, a criança entende que a escrita representa partes sonoras da fala. Poderá então apresentar escritas, como: A L U E U O ca sa borbo le ta Depois, a criança encaminha-se para realizar outra análise: a análise silábica. Estabelece, então, correspondência certa entre número de sílabas e número de signos. Exemplo: B R E O BORBOLETA (6 anos) Alfredo. O A C PATINHO (5 anos) Antonio. “Para entender o nosso sistema alfabético de escrita, a criança reconstrói o processo seguido por toda a humanidade e formula, em um determinado momento, a hipótese silábica” (PALÁCIO, et. al, 1984, p. 67). c) O nível pré-alfabético: Depois da construção da hipótese silábica, a criança se defronta com o nosso sistema alfabético e aparece um novo conflito, porque, nesse momento, ela enfrenta os modelos de escrita que o meio lhe proporciona. www.formacaocco.com.br (49) 3331-2388 Alfabetização, Letramento e Ludicidade 23 Muitas crianças, ao ingressarem na escola, podem até escrever palavras corretas, como, mãe, pai, vô, vó, o seu nome, etc... Estas escritas corretas não significam que ela tenha abandonado a hipótese silábica. No caso de serem solicitadasa ler e, ao mesmo tempo, a assinalar com o dedo a palavra, poderemos observar, muitas vezes, a permanência das crianças neste nível, pois ainda consideram que, nas palavras, sobram letras. M A ma mãe d) A hipótese alfabética: Quando a criança trata de interpretar silabicamente frases ou textos produzidos por adultos, ela prova sua hipótese silábica e comprova que não é adequada, porque lhe sobram letras. É o caso da aluna que pergunta à professora o que está escrito no quadro e, uma vez lida a frase: A PIPOCA PULA NA PANELA, responde: -Ah, eu sei ler isso aí – enquanto assinala com o dedo: A P I P O C A P U L A N A P A N E LA A PI PO CA PU LA NA PA NE LA Ela faz a tentativa de ler, mas vê que sobram letras. Então soluciona o problema dizendo: -Ah, isso aí tem que tirar porque está sobrando. O fracasso de suas hipóteses em relação aos textos escritos que lhe são proporcionados e que ela terá que interpretar, vai conduzindo a criança à compreensão do sistema alfabético. No entanto, não existe uma ruptura brusca entre o uso da hipótese silábica e o da alfabética. Pouco a pouco, através de pedidos de “ajuda” de quem sabe ler, a criança chega a compreender as bases do nosso sistema alfabético: cada fonema está representado por uma letra. Quando a criança conhece o valor sonoro de todas as letras, ainda assim, não é capaz de ler. Saber ler é ter descoberto o sistema alfabético e conhecer o valor sonoro e estável das letras sílabas. A leitura, portanto, não é um ato mecânico. Uma série de fatores cognitivos contribui à aquisição de uma leitura eficaz, e esta leitura eficaz dá-se quando se é capaz de ler e interpretar um texto, em última instância, de realizar a leitura do mundo. 2.3. Emília Ferreiro & Ana Teberosky: métodos de alfabetização (Um apanhado e comentário sobre esta obra de referência no campo da alfabetização, contendo enorme quantidade de significativos exemplos de respostas dadas por crianças/sujeitos da www.formacaocco.com.br (49) 3331-2388 Alfabetização, Letramento e Ludicidade 24 pesquisa às diferentes perguntas que lhes foram dirigidas pelas autoras, envolvendo, no total, seis escolas. O estudo completo é o resultado da análise sobre dados de 108 sujeitos submetidos ao mesmo interrogatório, durante 20 a 30 minutos. Significativos exemplos fazem parte da obra completa, cuja leitura e reflexão, de valor inestimável para todos que se dedicam à alfabetização, é imprescindível). Tradução de Diana M. Liechtenstein, Liana Di Marco e Mário Corso – Supervisão da tradução: Alfredo Jerusalinsky – Porto Alegre: Editora Artes Médicas. 1985. Emília Ferreiro é natural da Argentina e residente do México, doutorou-se pela Universidade de Genebra, com tese orientada por Jean Piaget, de quem se tornou colaboradora. Iniciou suas pesquisas na Argentina em parceria com Ana Teberosky, publicando os resultados na obra “Los sistemas de escritura em el desarrollo del ninõ”, em 1979, que no Brasil recebeu o título de Psicogênese da Língua Escrita, causando grande influência na maneira de enxergar a criança no processo de aquisição da leitura e da escrita. Posteriormente retornou ao México, tornando-se Pesquisadora do Departamento de Pesquisas Educativas do Centro de Investigación y estúdios Avanzados (CINVESTAV) do Instituto Politécnico Nacional do México. Ana Teberosky é pesquisadora e, ao lado de Emilia Ferreiro investigou o processo de aquisição da escrita. Trabalha há vários anos em Barcelona, tendo desenvolvido pesquisas na área de linguagem junto ao Instituto Municipal de Investigações Psicológicas Aplicadas à Educação (IMIPAE) e ao Instituto Municipal de Educação (IME). Doutora em psicologia pela Universidade de Barcelona ocupa o cargo de professora do Departamento de Psicologia Evolutiva e da Educação dessa instituição. Na nota do revisor técnico, Alfredo Jerusalinsky diz que encontrar as equivalências precisas para as experiências feitas em espanhol requeria que essas mesmas experiências fossem feitas em português. No entanto, tratando-se de hipóteses estruturais, fica postulada a sua validade para os mais diversos idiomas. No prólogo, Hermine Sinclair, da universidade de Genebra, destaca que o objetivo do livro é mostrar que existe uma nova maneira de considerar a questão do fracasso escolar já nos primeiros passos da alfabetização. Que as autoras pretendem demonstrar que a aprendizagem da leitura, entendida como o questionamento da natureza, função e valor desse objeto cultural que é a escrita, inicia-se muito antes do que a escola o imagina, transcorrendo por insuspeitados caminhos. Que, além dos métodos, dos manuais, dos recursos didáticos, há um sujeito que busca a aquisição de conhecimento, um sujeito que a psicologia da lecto-escrita tradicional esqueceu, em favor de buscar aptidões específicas. www.formacaocco.com.br (49) 3331-2388 Alfabetização, Letramento e Ludicidade 25 As reflexões e teses expostas nessa obra baseiam-se num trabalho experimental que as autoras realizaram em Buenos Aires, durante os anos de 1974, 1975 e 1976, quando, a exemplo do que ocorria com alguns talentosos psicólogos e educadores, intuíam que a aprendizagem da leitura e da escrita não poderiam se reduzir a um conjunto de técnicas perceptomotoras nem à vontade ou à motivação, mas que deveria se tratar de uma aquisição conceitual. As autoras conseguiram traduzir as ideias corretas, porém vagas, de seus precursores, em hipóteses que podem ser tratadas experimentalmente. À medida que progrediram em suas investigações, abriu-se um mundo de pensamento infantil cuja existência nos era completamente desconhecida. E. F. e A. T. pertencem à escola de Jean Piaget e, num campo que o próprio Piaget não havia estudado, elas introduziram o essencial da sua teoria e de seu método científico. A concepção teórica Piagetiana de uma aquisição de conhecimentos baseada na atividade do sujeito em interação com o objeto do conhecimento surge como ponto de partida necessário para qualquer estudo da criança confrontada com esse objeto cultural que constitui a escrita. As autoras mostram que as crianças têm ideias, teorias, hipóteses que continuamente colocam à prova frente à realidade, e que confronta com as ideias do outro. O método Piagetiano de exploração das noções infantis através de um diálogo, durante o qual o experimentador elabora hipóteses sobre as razões do pensamento das crianças, provoca perguntas e cria situações para testar, no próprio momento, suas hipóteses, resulta ser o mais frutífero método, permitindo distinguir as ideias básicas sustentadas por uma grande quantidade de crianças, das reações imediatas das crianças interrogadas que pensam ser necessário dizer ou fazer algo, simplesmente para responder. Ao experimentador que sabe usá-lo com habilidade, este método permite ver o modo como se modificam as noções da criança até chegar a adquirir, reconstituindo-o, um conceito que a humanidade custou tanto a elaborar. Na introdução, as autoras falam da situação educacional da América Latina à época, onde, apesar da variedade de métodos para se ensinar a ler, um grande número de crianças não aprendem e, consequentemente, abandonam a escola antes de alcançar os objetivos mínimos de instrução, apesar das boas intenções dos educadores e funcionários. Em 1976, as estatísticas oficiais da UNESCO estimavam em 800 milhões o número de adultos analfabetos no mundo. Não se pode esquecer, porém, que a alfabetização tem duas faces: uma, relativa aos adultos (sanar uma carência), e a outra, relativa às crianças (prevenção). O Artigo 26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), fala do Direito à Educação:“Todo indivíduo tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, ao menos no que se refere ao ensino www.formacaocco.com.br (49) 3331-2388 Alfabetização, Letramento e Ludicidade 26 elementar e fundamental. O ensino elementar é obrigatório”. No entanto, o absenteísmo, a repetência e, finalmente, a deserção são fatores que provocam, sempre segundo a versão oficial, a sub instrução e o analfabetismo na maioria da população da América Latina. É entre a população indígena, rural ou marginalizada dos centros urbanos que se concentram as maiores porcentagens dos fracassos escolares. Trata-se mais de um problema de dimensões sociais do que da consequência de vontades individuais. Métodos tradicionais de ensino da leitura – De acordo com uma perspectiva pedagógica, o problema da aprendizagem da leitura e da escrita tem sido exposto como uma questão de métodos, o que levou a uma polêmica em torno de dois tipos fundamentais; métodos sintéticos, que partem de elementos menores que a palavra (insistindo na correspondência entre o oral e o escrito, entre o som e a grafia, estabelecendo correspondência a partir dos elementos mínimos, que na escrita são as letras), e métodos analíticos, que partem da palavra ou de unidades maiores. Os mais antigos, os sintéticos, posteriormente, sob influência da linguística, dão origem ao método fonético, propondo que se parta do oral. A unidade mínima do som da fala é o fonema. Quaisquer que sejam as divergências entre os defensores do método sintético, o acordo sobre esse ponto de vista é total: inicialmente da leitura e da escrita é uma questão mecânica; trata- se de adquirir a técnica para o decifrado do texto. Concebe-se a escrita como a transcrição gráfica da linguagem oral; ler equivale a decodificar o escrito em som. As cartilhas nada mais são do que a tentativa de conjugar todos esses princípios: evitar confusões auditivas e/ou visuais; apresentar um fonema (e seu grafema correspondente) por vez; e finalmente trabalhar com os casos de ortografia regular. As sílabas sem sentido são utilizadas regularmente, o que acarreta a consequência inevitável de dissociar o som da significação e, portanto, a leitura da fala. Tais princípios correspondem a concepções psicológicas precisas. Ao enfatizar as discriminações auditivas e visuais e a correspondência fonema-grafema, o processo de aprendizagem da leitura é visto, simplesmente, como uma associação entre respostas sonora e estímulos gráficos. (Modelo coerente com a teoria associacionista). A psicologia, a linguística e a pedagogia pareciam então coincidir em considerar a leitura inicial como puro mecanismo que dicotomiza a aprendizagem em dois momentos descontínuos: quando não se sabe, inicialmente, é necessário passar por uma etapa mecânica; quando já se sabe, se chega à compreensão. O sintético é um dos métodos que encontra mais adesão hoje em dia. Para os defensores do método analítico a leitura é um método global e audiovisual. O prévio é o reconhecimento global das palavras ou orações; a análise dos componentes é uma tarefa www.formacaocco.com.br (49) 3331-2388 Alfabetização, Letramento e Ludicidade 27 posterior. Não importa qual seja a dificuldade auditiva daquilo que se aprende, posto que a leitura é uma tarefa fundamentalmente visual. Também, postula que é necessário começar com unidades significativas para a criança (daí a denominação audiovisual). Os dois métodos se apoiam em concepções diferentes do funcionamento psicológico do sujeito e em diferentes teorias de aprendizagem, razões pelas quais o problema tampouco se resolve com a proposta de métodos mistos, pois a ênfase dada às habilidades perceptivas descuida de aspectos como a competência linguística da criança e suas habilidades cognoscitivas. 2.3.1 A psicolinguística contemporânea e a aprendizagem da leitura e da escrita Até o ano de 1962, a maior parte dos estudos sobre a linguagem infantil ocupava-se, predominantemente, do léxico, isto é, da quantidade e variedade de palavras utilizadas pela criança, sob o domínio das concepções condutistas. Segundo o modelo tradicional associacionista da aquisição da linguagem existe na criança uma tendência à imitação e, no meio social que a cerca, há uma tendência a reforçar seletivamente as emissões vocálicas da criança que correspondem a sons ou pautas sonoras complexas da linguagem própria esse meio social. Ao contrário, na atual visão, no lugar de uma criança que espera passivamente o reforço externo de uma resposta produzida pouco menos ao acaso, surge uma criança que procura ativamente compreender a natureza da linguagem que se fala à sua volta, e que, tratando de compreendê-la, formula hipóteses, busca regularidades, coloca à prova suas antecipações e cria sua própria gramática. No lugar de uma criança que recebe pouco a pouco uma linguagem totalmente fabricada por outros, aparece uma criança que reconstrói por si mesma a linguagem, tomando seletivamente a informação que lhe provê o meio. Porém essa guerra contra os métodos não significa que não há possibilidades de serem consideradas pedagogias gerais ou didáticas específicas em torno da alfabetização; foi apenas necessário parar a discussão meramente metodológica para descobrir o sujeito do processo como um ser cognoscente e fazer a distinção entre método de ensino e processo de aprendizagem, pois isso não seria possível se ainda discutíssemos qual método é mais adequado para alfabetizar. Emília Ferreiro e Ana Teberosky, em sua pesquisa dizem ser de suma importância que o professor, principalmente o das séries iniciais, tenha maior conhecimento da psicogênese da língua escrita para entender a forma e o processo pelos quais a criança aprende a ler e a escrever, para detectar e entender os erros construtivos característicos das fases em que se encontra a criança e www.formacaocco.com.br (49) 3331-2388 Alfabetização, Letramento e Ludicidade 28 para saber desafiar seus alunos, levando-os ao conflito cognitivo, isto é, forçando a criança a modificar seus esquemas assimiladores frente a um objeto de conhecimento não assimilável. Exemplo de erro porque a criança ainda não sabe usar os verbos irregulares: Eu fazi. (Pois diz eu comi, eu bebi). Não se regularizam os verbos irregulares por reforçamento seletivo, mas porque a criança busca na língua a regularidade e uma coerência. Então, o que antes aparecia como um “erro por falta de conhecimento” surge como uma das provas mais tangíveis do surpreendente grau de conhecimento que uma criança pequena tem sobre seu idioma: para regularizar os verbos irregulares precisa ter distinguido entre radical verbal e desinência, e ter descoberto qual é o paradigma regular da conjugação dos verbos. Fatos como o do exemplo, que ocorrem normalmente no desenvolvimento da linguagem na criança, testemunham um processo de aprendizagem que não passa pela aquisição de elementos isolados que irão progressivamente se juntando, mas sim pela constituição de sistemas aonde o valor das partes vai se redefinindo em função das mudanças no sistema total. Tais fatos também demonstram que os erros construtivos, ou seja, respostas que se separam das respostas corretas, mas que não impedem, e sim permitem e conduzem o acesso ao acerto, longe de impedir alcançá-lo, pareceriam permitir os acertos posteriores. (A regularização dos verbos irregulares, entre os 2 e 5 anos, não é um fato “patológico” nem um índice de futuros transtornos, muito pelo contrário, indica o momento em que a criança descobriu uma regra). Na teoria de Piaget, o conhecimento objetivo aparece como uma aquisição, e não como um dado inicial. O caminho em direção a este conhecimento objetivo não é linear: não nos aproximamos dele passo a passo, juntando peças de conhecimento umassobre as outras, mas sim através de grandes reestruturações globais, algumas das quais são errôneas no que se refere ao ponto final, porém são construtivas, na medida em que permitem aceder a ele. Conhecer a criança e o que ela pensa sobre o objeto a ser aprendido, no caso a escrita, potencializa a práxis do educador e ao contrário do que ocorria quando se pensava que a criança não tinha conhecimento algum sobre o objeto escrita (período de difusão dos métodos chamados tradicionais de alfabetização e das listas de habilidades para a alfabetização – prontidão), agora com o conhecimento de um sujeito Piagetiano, que interagem com a língua escrita e tenta desvendá-la é possível aproximar-se de uma alfabetização mais justa, que valorize a criança. A ênfase inicial da psicolinguística contemporânea nos aspectos sintáticos deve-se fundamentalmente ao impacto da teoria linguística de Noam Chomsky (1974 -1976). A influência www.formacaocco.com.br (49) 3331-2388 Alfabetização, Letramento e Ludicidade 29 de Piaget e de Chomsky se faz sentir na experiência sobre a psicogênese da língua escrita, orientando a perspectiva das autoras diante do desenvolvimento humano e seus processos de aprendizagem e desenvolvimento, notadamente com o conhecimento do sujeito Piagetiano, na medida em que a criança é considerada um ser cognoscente, que está em constante processo de construção de conhecimentos, permitindo também uma nova visão sobre a pesquisa. O sujeito Piagetiano não espera que alguém que possua um conhecimento o transmita a ele, por benevolência; ao contrário, é um sujeito que aprende basicamente através de suas próprias ações sobre os objetos do mundo, e que constrói suas próprias categorias de pensamento ao mesmo tempo em que organiza seu mundo. 2.3.2 A pertinência da teoria de Piaget para compreender os processos de aquisição da leitura e da escrita Os estudos de Piaget são de grande relevância nas áreas biológicas, físicas, matemáticas e fisiológicas, mas sua contribuição para a psicologia do desenvolvimento é considerada como uma revolução nesta área. O desenvolvimento cognitivo ganha uma ênfase maior na Teoria Piagetiana do que a dos desenvolvimentos do afetivo, da moral, de valores, apresentando maior preocupação com os processos pelos quais o indivíduo desenvolve a inteligência e adquire conhecimentos. Segundo Piaget, o conhecimento não pode ser concebido como algo pré-estabelecido pelas estruturas internas do sujeito, nem pelas características do objeto. Todo conhecimento é uma interação entre ambos. As estruturas formam-se mediante uma organização de ações sucessivamente exercidas sobre os objetos (interacionismo). Graças ao trabalho de Piaget e sua equipe, hoje sabemos que os processos que conduzem às noções matemáticas de reprodução, pois felizmente nenhuma criança espera receber as instruções de um adulto para começar a classificar, para ordenar os objetos de seu mundo cotidiano. Tanto a teoria psicogenética de Piaget quanto a teoria contemporânea de Chomsky levaram a uma profunda reflexão em relação à aquisição da língua escrita, considerando que a criança formula hipóteses acerca da linguagem oral e possui um grande conhecimento sobre sua língua, bem como em relação à linguagem escrita. Na teoria de Piaget, um mesmo estímulo (ou objeto) não é o mesmo que os esquemas assimiladores à disposição sejam também os mesmos. Isso equivale a colocar o sujeito da aprendizagem no centro do processo, e não aquele que, supostamente, conduz a aprendizagem (o www.formacaocco.com.br (49) 3331-2388 Alfabetização, Letramento e Ludicidade 30 método, na ocasião, ou quem o veicula). Isso também nos conduz a estabelecer uma distinção clara entre os passos que um método propõe e o que ocorre efetivamente “na cabeça” do sujeito. Com isso fica fácil perceber que a confusão entre métodos e processos leva, necessariamente, à conclusão inaceitável de que os êxitos na aprendizagem são atribuídos ao método e não ao sujeito que aprende. No decorrer da pesquisa, para descobrir como a criança consegue interpretar e produzir escritas muito antes de chegar a escrever ou ler convencionalmente, criaram situações experimentais e utilizaram o método clínico ou de exploração crítica, própria dos estudos Piagetianos. A criança busca a aprendizagem na medida em que constrói o raciocínio lógico. O processo evolutivo de aprender a ler e escrever passa por níveis de conceitualização, a seguir relacionados, que revelam as hipóteses a que chegou a criança. Nível 1: Hipótese pré-silábica; Nível 2: Intermediário I; Nível 3: Hipótese Silábica; Nível 4: Hipótese Silábico-Alfabética ou Intermediária II; Nível 5: Hipótese Alfabética. A caracterização de cada nível não é estanque, podendo a criança estar numa determinada hipótese e mesclar conceitos do nível anterior. Tal “regressão temporária” demonstra que sua hipótese ainda não está adequada a seus conceitos. Os níveis intermediários I e II caracterizam-se como momentos do processo em que se evidenciam contradições na conduta da criança e nos quais se percebe a perda de estabilidade do nível anterior, bem como a não organização do nível seguinte. (conflito cognitivo). Para a sondagem, é sugerido um ditado individual de 4 palavras (uma monossílaba, uma dissílaba, uma trissílaba e uma polissílaba) e uma frase, para detectar o nível de conceitualização da criança, evitando ditar primeiramente o monossílabo. Em seguida, o professor precisa pedir que a criança leia o que escreveu a fim de entender como ela lê. No desafio e nas características dos níveis no processo de alfabetização as autoras colocam que, em cada nível, a criança elabora suposições a respeito dos processos de construção da leitura e escrita, com base na compreensão que possui desses processos. Dessa forma, a mudança de um nível para outro só ocorrerá quando a criança se deparar com questões que o nível que se encontra não puder explicar: ela elaborará novas suposições e novas questões e assim por diante. Isso www.formacaocco.com.br (49) 3331-2388 Alfabetização, Letramento e Ludicidade 31 significa que o processo de assimilação de conceitos é gradativo, o que não exclui “idas e vindas” entre os níveis. Os princípios básicos que guiaram a construção do projeto experimental foram: * não identificar a leitura como decifrado A leitura não é um simples processo visual, ou a expressão falada do que o olho vê. Em um ato de leitura, dois tipos de informação são utilizados: a visual, que advém da organização das letras na página impressa e; e a leitura não visual, causada pelo próprio leitor e essencial para sua competência linguística, pois lhe possibilitará compreender a mensagem do texto pela exploração visual da página, mesmo que ele não faça a leitura do que está escrito. * não identificar escrita como cópia de um modelo externo As crianças de quatro a seis anos já possuem conhecimentos linguísticos que lhes permitem interpretar as informações vinculadas com a leitura, precisam, então, ser participantes ativos do processo de leitura e escrita. É importante deixá-la escrever, mesmo que seja em um sistema diferente do convencional de escrita (no caso o alfabético), não para que criem seu próprio sistema de escrita, mas para que possam descobrir que o seu sistema de escrita não é o convencional e encontrem motivos válidos para substituir suas próprias hipóteses pelas dos adultos. Tais escritas parecerão caóticas e desordenadas inicialmente, no entanto, tal ortografia espontânea da criança apresenta regularidades entre as produções dela e de outras crianças, uma vez que as letras não são escolhidas aleatoriamente, nem são inventados símbolos adicionais. O que produzem é a escrita de acordo com o seu nível dedesenvolvimento da linguagem escrita. Até alcançar o nível convencional, a criança percorre um longo caminho de exploração de várias hipóteses de escrita. Consequentemente, a distância entre a escrita do produto de cópia em relação à escrita espontânea da criança é muito grande, uma vez que a primeira é mera reprodução, imitação da produção de outra pessoa; enquanto a segunda resulta da construção de conhecimento, da compreensão do objeto. A evolução da escrita evidenciada pela pesquisa depende de sua capacidade de desenhar as letras convencionais, de seu nível de conceitualização sobre a escrita, ou seja, as hipóteses elaboradas e exploradas para a compreensão do objeto do conhecimento. * não identificar progressos na conceitualização como avanços no decifrado ou na exatidão a cópia gráfica. Se a aquisição da língua escrita for analisada a partir da teoria de desenvolvimento cognitivo de Piaget que possibilita a compreensão dos processos de apropriação de conhecimento envolvido na aprendizagem da leitura e da escrita, fica esclarecida que a apropriação do conhecimento não é a www.formacaocco.com.br (49) 3331-2388 Alfabetização, Letramento e Ludicidade 32 aprendizagem de uma técnica, mas um processo ativo de reconstrução por parte do sujeito que só conseguirá apropriar-se verdadeiramente do conhecimento, quando compreender seu modo de produção, quando reconstituir internamente esse conhecimento. As autoras estabelecem uma situação experimental estruturada, porém flexível, que lhes permite ir descobrindo as hipóteses que a criança põe em jogo na raiz de cada uma das tarefas propostas. Todas as tarefas supunham interação entre o sujeito e o objeto de conhecimento (neste caso a escrita) na forma de uma situação a ser resolvida. Desenvolvia-se um diálogo entre o sujeito e o experimentador, que buscava evidenciar o mecanismo de pensamento infantil. O delineamento experimental abrangia tanto situações de interpretação do código alfabético, da forma que aparecem no mundo cotidiano, como situações de produção gráfica. Foram introduzidos elementos de conflito, ou potencialmente conflitivos, cuja solução requeria raciocínio real por parte da criança, em todas as tarefas propostas. Durante o interrogatório, que era individual, registraram-se manualmente, e gravaram-se, as respostas das crianças. Cada sujeito era testado em toda série de tarefas, em alguma sala da escola ou jardim de infância que frequentava. O protocolo final é o resultado de unir ambos os registros. O método de indagação, inspirado no “método clínico” (ou método de exploração crítica), amplamente desenvolvido pela escola de Genebra, tinha como objetivo explorar os conhecimentos da criança no que se referia às atividades de leitura e escrita. Justamente a modalidade do interrogatório e a flexibilidade da situação experimental permitiram encontrar respostas realmente originais, no sentido de inesperadas para os adultos e, ao mesmo tempo, elaborar hipóteses adequadas para compreender seu significado. As autoras começaram seu estudo por um segmento semilongitudinal de um ano de duração, escolhendo aleatoriamente um grupo de 30 crianças provenientes de um meio social de classe baixa, que frequentavam duas turmas de 1ª. Série na mesma escola e foram entrevistadas periodicamente no início, pelo meio e ao final do ano escolar. As respectivas professoras seguiam o mesmo método de ensino, o “método misto”, o mais difundido na Argentina e em muitos países da América Latina. Começa com palavras consideradas fáceis, como “mamá”, “papá”. Estas palavras se decompõem em constituintes menores, recombinando-se posteriormente. As consoantes se combinam com todas as vogais para formar novas sílabas. Com esse grupo de palavras o professor apresenta orações simples nas quais estão inseridas as ditas palavras. Insiste-se no decifrado do escrito, seguindo os passos clássicos de leitura mecânica, compreensiva e expressiva. Das 30 crianças da amostra, 15 tinham ido ao jardim de infância, 7 se encontravam pela primeira vez em “situação escolar” e as 6 www.formacaocco.com.br (49) 3331-2388 Alfabetização, Letramento e Ludicidade 33 restantes tinham frequentado de forma irregular o curso pré-escolar. Do total, 17 eram meninos e 13 eram meninas e todos foram entrevistados no começo, no meio e ao final do curso. A situação experimental inicial foi realizada durante o primeiro mês de aula (quando a média de idade do grupo era de 5, 11 anos), no meio do curso, ou seja, durante a segunda parte e no final, a terceira parte. Além das situações específicas, em cada entrevista foi aplicada a prova de invariável numérica, de Piaget. Os resultados proporcionaram dois indícios: - que o processo de aprendizagem da criança pode ir por vias insuspeitadas para o docente e – que inclusive crianças de classe baixa não conheçam desde “zero” na 1ª série. Aos 6 anos, a criança já possui toda uma série de concepção sobre a escrita cuja gênese é preciso procurar em idades mais precoces. As autoras não querem afirmar que o interesse pela escrita começa em uma idade cronológica determinada, somente que, por razões práticas deviam possuir um ponto de partida e, para averiguar, fizeram um estudo transversal com crianças de idades compreendidas entre 4 e os 6 anos. Para analisar a influência da variável diferença social, escolheram população de classe média (CM) e classe baixa (CB), em igualdade de situação escolar: todos frequentavam a escola, o que representava o denominador comum a todos os grupos. As crianças de 4 e 5 anos frequentavam o jardim de infância e as de 6 anos a 1ª série. Na Argentina, o jardim de infância começa aos 4 anos (limite inferior de idade a considerar) e o ensino da lecto-escrita inicia-se na 1ª série da escolaridade primária, com 6 anos. A postura investigativa oferecia às crianças, inquietações sobre os resultados obtidos. Quando as crianças forneciam respostas que fugiam ao padrão de normalidade do que se esperava, a equipe buscava novas informações que pudessem fornecer subsídios de compreensão de como as crianças pensavam “antes de pensar convencionalmente” e, como ocorre o processo de construção desse conhecimento até chegar a esse “pensar convencionalmente”. A distância entre as propostas metodológicas e as concepções infantis, pode ser medida em termos do que a escola ensina e do que a criança aprende, pois o que a escola pretende nem sempre coincide com o que a criança consegue aprender. O professor, nas tentativas de desvendar os mistérios do código alfabético, procede passo a passo, conforme o que ele considera simples ao complexo, fragmentando todo o processo de aquisição da língua escrita, o que acaba até dificultando a aprendizagem, pois já vimos que a criança tem dificuldades em aceitar uma ou duas letras como sendo algo legível. Através dos dados colhidos com essas populações de diferentes meios sociais, pode-se estabelecer uma regularidade dos problemas que as crianças enfrentam e nas soluções que elas www.formacaocco.com.br (49) 3331-2388 Alfabetização, Letramento e Ludicidade 34 ensaiam para descobrir a natureza da escrita. A ordem dessas regularidades de conduta não impõe o ritmo determinado na evolução. Podem ser encontradas grandes diferenças individuais do desenvolvimento cognitivo, ou seja, algumas crianças chegam a descobrir os princípios fundamentais do sistema antes de iniciarem a vida escolar, ao passo que outras estão longe de conseguir fazê-lo. No entanto, muito antes de saber ler um texto, as crianças são capazes de tratar esse texto em função de certas características formais específicas. Quanto aos aspectos formais do grafismo e sua interpretação: letras, números e sinais de pontuação, iniciam-se com a análise das características formais