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Prévia do material em texto

ROBERTO CARDOSO DE OLIVEIRA
(Org.)
4 ANTROPOLOGIA DE RIVERS
Tradução:
Gilda Cardoso de Oliveira
Sonia Bloomfield Ramagem
 
FICH A CATALOGRÁ FICA ELAB ORAD A PELA
BIBLI OTECA CENT RAL - UNI CAMP
A antropologi a de R iven / Robert o Cardoso
An89 de Oliveira (organizador); traduçSot Gilda
Cardoso de O liveira, Sdnia Bloom field
Ramagem — Campinas, SP: Editora da
UNICAMP, 1991.
(Coleçio Repertór ios)
1. Antropologia cultural. I. Riven, William
Habe, 1864*1922. II. Oliveira, Roberto Cardoso,
m . Tí tulo.
ISBN: 85-268-0199-2 20 .C D D -30 6
índice p ara catálogo sistemáti co:
1. Antropologia cultural 306
Coleçfio Repertórios
Cop yright (c ) 1991 by Robert o Cardoso de O liveira
Projeto G ráfico
Camla Cesarino Costa 
 Etana Kestenbaum
Coo rdenado Editor ial
Carmen SSvia Palma
Editoraçáo
Sandra Vieira Alves
Preparado
 Alzira Dias Sterque
RevisSo
 Marta Maria Hanser 
 Josiane de Fátima Pio Romera
1991
Ed itora da U nicamp
Rua CecfHo Fe ltrin, 253
Cidade U nivers itária - Baião G eraldo
CEP 13081 -C am pina s-SP -B rasil
Fax: (0192)39.3157
Td.: (0192)39.8412
 
SUMÁRIO
 Introdução — Leitura de Rivers (Roberto Cardoso de
Oliveira) ...................................................................... 7
Parte I — A idéia do parentesco ................................... 49
1.1 — O método genealógico na pesquisa antropológica
(1910)
......................................................................
 51
1.2 — Terminologia classificatória e matrimônio com
 primo cruzado (1913) .......................................... 71
1.3 — Terminologia classificatória e outras formas de
matrimônio (1913) ................................................ 95
1.4 — O sistema classificatório e as formas de organi-
zação social (1913) ................................................ 123
Parte II — A idéia da antropologia ............................. 153
11.1 — A análise etnológica da cultura (1911) ............. 155
11.2 — O desaparecimento das artes úteis (1913) . . . . 179
11.3 — Sobrevivência em sociologia (1913) ................. 199
11.4 — Sociologia e psicologia (1916) ............................ 219
11.5 — História e etnologia (1920) ................................ 239
11.6 — A unidade da antropologia (1922) .................... 263
5
 
INTRODUÇÃO 
Leitura de Rivers
I
Ao se aceitar a afirmação retumbante de Lévi-Strauss, se
gundo a qual: "Em Rivers a etnologia encontrou o seu Galileu”
(1958:180), pouco poderíamos acrescentar para justificar a pre
sente obra. Porém, mesmo que a etnologia ou, melhor diríamos,
a antropologia social não tenha encontrado o seu Galileu, cer
tamente encontrou alguém que procurou incessantemente o seu
método e a sua conformação como uma disciplina autônoma. A
rigor, pode-se dizer sem nenhum exagero que Rivers foi — na
tradição empirista anglo-saxã — quem programou a nova disci
 plina, delineando a matriz com que ela haveria de se desenvol
ver no interior daquilo que ficaria conhecido como a “Escola Bri
tânica de Antropologia Social”. Qtiem era esse homem e qual a
sua trajetória intelectual é o que se procurará responder inicial
mente para, em seguida, procurarmos equacionar suas contri
 buições mais decisivas à construção da antropologia social.
Um de seus biógrafos e comentadores, Richard Slobodin,
inicia seu livro sobre Rivers dizendo que: “No primeiro quartel
7
 
do século XX a Antropologia emergiu como uma disciplina aca
dêmica enraizada na pesquisa de culturas não-ocidentais e con
cebida como uma ciência ou em busca de um status de ciência.
Uma figura central na emergência dessa ciência foi W.H.R. Ri-
vers (1864-1922), doutor em Medicina (M.D.) membro da So
ciedade Real (F.R.S.), fisiólogo, psicólogo, psiquiatra e antropó
logo. Não há nenhuma contribuição em antropologia social e
cultural, ou ‘sociologia e etnologia’, como ele e seus contempo
râneos chamaram-nas, em que Rivers não tenha estado envol
vido e em que sua obra e suas opiniões tenham deixado de
levar sua marca” (Slobodin, 1978:1). Outros autores atestam a
importância de Rivers na construção da Antropologia Social:
Meyer Fortes, por exemplo, credita a Rivers o fato de ter ele
iniciado a pesquisa britânica no estudo da família e do paren
tesco, revelando ser a focalização dessas instituições sociais a
chave capaz de abrir as portas do entendimento da vida social
(Fortes, 1953); David M. Schneider, em seu comentário sobre a
crítica que Kroeber fez a Rivers relativamente ao ponto de
vista causal com que este último impregna seu estudo do
 parentesco, não obstante diz: “Sua History of Melanesian So- 
ciety e sua etnografia sistemática sobre os Toda constituem os
 primeiros estudos de campo cuidadosos sobre o parentesco. A
grandeza de Rivers está em seu gênio para entender a mecânica
do parentesco, e foi isso que deu forma ao trabalho de campo
e à teoria antropológica desde então” (Schneider, 1968:15).
Mas é Raymond Firth que, mostrando a contribuição de
Rivers ao estudo do parentesco na Oceania, oferece a mais su
cinta ilustração sobre a atualidade de sua contribuição à teoria
do objeto e à sua respectiva metodologia. Assim, diz ele: “Onde
a diferença entre a perspectiva de Rivers e as perspectivas mo
dernas aparece mais marcadamente é no conceito de matrimônio.
Rivers prestou um grande serviço ao estudo do parentesco e ao
desenvolvimento da antropologia social insistindo com grande
 brilho — às vezes com erradas suposições — sobre a noção de
8
 
que matrimônio não é uma simples escolha pessoal, mas uma
categoria de classificação — uma relação entre tipos específicos
de parentes. Para ele ‘formas de matrimônio’ não significam
diferentes tipos de cerimônias unindo duas pessoas, mas dife
rentes tipos de posição de parentesco representada pela união
de duas pessoas — primos cruzados, de um homem com a filha
do irmão, ou com a mulher do irmão da mãe etc. Nenhum tipo
de união de parentes foi excessivamente bizarro para levá-lo a
recusar sua validade teórica. Mais do que qualquer outro antro
 pólogo de sua geração — conclui Firth — foi ele que pavimen
tou o caminho para as modernas análises estruturais do paren
tesco neste campo” (Firth, 1968:21). Qual o percurso acadêmico
e científico deste homem que veio marcar o seu lugar na história
da antropologia social pelo pioneirismo de suas idéias e pela
força de sua personalidade? £ o que procuramos esboçar a se
guir.
Por força da multiplicidade de “carreiras” que se articulam
na biografia de Rivers, o registro de sua vida demandaria por si
só um livro para que dela o leitor tomasse conhecimento e ava
liasse corretamente toda sua significação para uma atividade
intelectual que com tanta determinação realizaria durante cerca
de 36 anos, se tomarmos por base o ano de sua formatura, 1886,
quando contava apenas 22 anos (segundo Slobodin, o mais jo
vem graduado em medicina na longa história da Universidade de
Londres), e o ano de sua morte, 1922, aos 58 anos. Deveremos
nos limitar aqui a apontar alguns momentos dessa vida, apoia
dos, particularmente, em duas fontes: o já mencionado Richard
Slobodin, com seu livro W.H.R. Rivers (1978), e o excelente
livro de um jovem historiador de ciências, Ian Langham (srci
nalmente uma tese de doutoramento apresentada em 1976 à
Universidade de Princeton e editada sob o título The Building 
of British Social Anthropology: W.H.R. Rivers and his Cam-
9
 
bridge Disciples in the Development of Kinship Studies, 1898- 
1931, 1981).
 No ano seguinte ao da sua formatura, Rivers viajou para o
Japão e EUA como médico de bordo. Dentre as inúmeras via
gens que fez, uma teve particular importância, quando — ao
retornar para a Inglaterra vindo das índias Ocidentais — viajou
com Bernard Shaw, com quem pôde conversar diariamente; con
ta Rivers que isso “foi uma das melhores coisas de sua vida”
(Slobodin, 1978:11). Em 1888 obtêm seu doutorado em Medi
cina (M.D.) na Universidadede Londres e é eleito membro do
Royal College of Physicians. Durante o período em que traba
lhou como médico no St. Bartholomew’s Hospital, um dos três
hospitais-escola da Universidade de Londres, sempre aplicou-se
em pesquisas, tendo publicado trabalhos sobre delírio (1889),
histeria (1891) e neurastenia (1893), revelando um especial
talento para fenômenos da mente. Tanto assim que foi admiti
do em 1891 como médico-residente no National Hospital for the
Paralysed and Epileptic. Um ano depois deixou o posto e foi
 para a Alemanha continuar seus estudos em neurofisiologia e
 psicologia. Slobodin destaca que nessa oportunidade pôde assis
tir a um curso de filosofia ministrado por Rudolf Eucken, cuja
 posição quanto às possibilidades do conhecimento diferia da
de Spencer, na época altamente influente na Inglaterra; “ele não
apenas negava o lugar das leis naturais no estudo do comporta
mento humano, mas também, como a maioria dos filósofos idea
listas alemães, ia além em sua forte depreciação da ciência em
geral” (Slobodin, 1978:13). Difícil dizer com segurança qual
a repercussão que esse curso teve em sua formação; ao que
 parece, pelo menos no que tange à problemática da causalidade
na obra de Rivers, as idéias de Eucken sobre leis naturais e sua
inaplicalidade ao comportamento humano tiveram “de ser cote
 jadas com as de J. Stuart Mill, o grande lógico da geração ante
rior a Rivers e cujas idéias marcaram tão profundamente a
constituição da antropologia social e as ciências humanas em
10 \
 
mental e, ao que parece, o motivo de Rivers haver mudado de
opinião e ter aceito posteriormente o convite de Haddon), além
de C.G. Seligmam, um patologista, Anthony Wilkin, um jovem
estudante pós-graduado de Cambridge, e, para fotógrafo da expe
dição, Sidney Ray, um professor primário versado em línguas
do Estreito de Torres (à base de dados secundários, provindos
de fontes missionárias e de anotações lingüísticas feitas pelo pró
 prio Haddon). Interessante notar que todos os membros da expe
dição, de um modo ou de outro — e a despeito da diversidade
de suas respectivas formações — mantiveram-se ligados à antro
 pologia social que se constituía. Rivers foi certamente o grande
líder do grupo. Observa I. Langham que a expedição, um fato
marcante na vida de seus participantes, inscreve-se como parte
de um processo padronizado de mudança de carreira, de con
versão à antropologia, graças ao fascínio neles despertado pelo
homem pré-letrado: “Durante a expedição e por um considerável
número de anos depois dela, houve uma marcada tendência
 para que o núcleo de pesquisadores do Estreito de Torres fun
cionasse como um grupo solidário. Estiveram juntos na Mela-
nésia em 1898. Tiraram a antropologia britânica de sua fase de‘gabinete’ e a colocaram em uma saudável base empírica. Eles
viram e questionaram o selvagem em seu próprio habitat e o
submeteram a testes psicométricos e antropométricos cuidadosa
mente conduzidos. Eles forneceram o modelo para os futuros
antropólogos britânicos copiarem” (Langham, 1981:66). Tão rica
foi a experiência proporcionada por essa expedição que a partir
dela o interesse de Rivers pela antropologia marcaria definitiva
mente sua vida.
Entre 1901 e 1902 Rivers passou vários meses entre os
toda da índia, graças ao patrocínio da Royal Society of London
e da British Association. Resultou disso sua monografia The 
Toda (1906), que se tornaria um clássico da antropologia so
cial. Se examinarmos sua bibliografia 2 veremos que suas publi
cações em antropologia começam na virada do século; e mesmo
12
 
se nos limitássemos ao mero registro bibliográfico já teríamos
uma boa base para traçar o seu percurso intelectual. £ assim
que em 1900 Rivers publica um artigo que prenuncia a ela
 boração do método que contribuiría decisivamente para tomá-lo
célebre, ainda em vida, e que o tornaria lembrado até os nossos
dias: o método genealógico. O artigo intitulava-se “A genealogi
cal method of collecting social and vital statistics” (1900) e
 para sua elaboração Rivers socorreu-se de tabelas genealógicas
destinadas a auxiliar os seus estudos experimentais de fenôme
nos sensoriais sobre acuidade visual, visão para cores e percep
ção espacial, preocupado em discernir neles o papel da heredita
riedade. Naturalmente que esse método — como se verá adian
te — seria desenvolvido à proporção que Rivers construía a
antropologia social. O seu segundo artigo relevante para a nova
disciplina foi “The funeral of sinerani” (1903), seguido de “The
marriage of cousins in India” (1907), publicado um ano depois
de seu livro sobre os Toda.
Sem deixar de produzir artigos e relatórios na área da psico
logia experimental durante todo esse tempo, publica dois impor
tantes artigos antropológicos em 1908: “Genealogies, kinship,regulation of marriage, social organization” (1908a) e “Some
sociological definitions” (1908b). Oois anos depois publica o
famoso artigo “The genealogical method of anthropological inqui
ry” (1910), incluído neste volume (ver 1.1) e onde o método
genealógico, devidamente refinado, já é apresentado como fruto
de sua experiência etnológica, sobretudo daquela adquirida na
 pesquisa dos Toda. Os primeiros anos posteriores à sua segunda
expedição (1907-1908) foram decisivos na obra de Rivers: 1910
e 1911 assinalam uma mudança de orientação em sua antro
 pologia, com a adoção da perspectiva difusionista em nome de
uma crítica cerrada ao evolucionismo imperante no campo
científico britânico, responsável — segundo Rivers — por uma
atitude especulativa extremamente prejudicial à constituição da
nova ciência. £ quando faz sua conferência presidencial à Seção
13
 
dubitavelmente a experiência acumulada durante as pesquisas
de campo se refletiria nessa guinada teórica de Rivers em dire
ção ao difusionismo: em oposição à orientação especulativa dos
evolucionistas, como já se mencionou, os difusionistas acredita
vam privilegiar a empiria, mercê do trabalho de campo que rea
lizavam. Embora para o padrão britânico de pesquisa de campo,
que viria a ser constituído posteriormente, a experiência etnográ
fica de Rivers deixasse muito a desejar — seja pelo tempo de
campo relativamente curto, seja por jamais haver dominado um
idioma nativo —, havia, como aponta Langham (1981:125-128),
a prevalência de uma “ideologia empiricista” a guiar a indagação
etnológica. Nesse sentido o difusionismo representou para a
geração de Rivers a mesma opção que o funcionalismo (ou o
estrutural-funcionalismo) representaria para a geração posterior:
o fortalecimento da pesquisa empírica. Mas a grande ironia do
 percurso intelectual de Rivers está precisamente, ao que nos
 parece, em seu retorno posterior a um outro tipo de especula
ção, agora à especulação difusionista. Mas em seu trajeto — de
um tipo de especulação a outro —, Rivers constitui o programa
 básico da antropologia social a partir de sua experiência na
análise do parentesco e no estudo da organização social.
O produto talvez mais consistente, relativamente à teoria
do parentesco e surgido em decorrência desse conjunto de pes
quisas de campo, foi seu pequeno livroKinship and Social Orga- 
nization, publicado em 1914, no mesmo ano em que era igual
mente editada sua já mencionada The History of Melanesian 
Society, cujo primeiro volume se articula perfeitamente com
aquela publicação. Menos do que um livro, Kinship and Social 
Organization não é mais do que o elenco de três conferências
ministradas por Rivers em 1913, (ver 1.2, 1.3 e 1.4). Assim,
esclarece o autor em seu breve prefácio: “Essas conferências
foram dadas na London School of Economics em maio do pre
sente ano e estão amplamente baseadas na experiência adquirida
durante o trabalho realizado no âmbito da expedição ( . . . ) à
15
 
Melanésia em 1908, fornecendo um registro simplificado das
condições sociais que serão descritas em detalhes no amplo rela
tório de trabalhodessa expedição” (Rivers, 1968:38). The His- 
tory of Melanesian Society foi esse relatório. E num artigo publi
cado anos depois, “History and ethnology” (1920), (ver II.5),
Rivers fará um extenso comentário dessa última obra que retrata
 bem a mudança de ponto de vista ocorrida em sua antropologia.
Enquanto o primeiro volume se dedica à descrição etnográfica
dos diferentes povos visitados, obtida mediante a técnica de
survey,4 o segundo se propõe a uma discussão teórica sob o
signo da análise comparativa e voltada para uma crítica à pers
 pectiva evolucionista prevalecente na época. É a primeira forma pela qual Rivers se conscientiza da obsolescência do evolucio-
nismo como perspectiva capaz de abrigar os dados etnográficos
obtidos pela observação direta. Vale transcrever aqui suas pala
vras inscritas na introdução do vol. 11 da mencionada obra:
“Como registrei alhures (Rivers, 1911), meu próprio ponto de
vista foi profundamente alterado enquanto redigia a discussão
teórica contida neste volume. Eu havia começado com uma fir
me adesão à corrente da Escola Inglesa, quase exclusivamente
interessada na evolução da crença, costume e instituição, dedi
cando pouca atenção às culturas individuais, exceto quando
eram perfeitamente óbvias, as mudanças que haviam sido intro
duzidas de fora, como no caso de recente influência polinésia
na Melanésia. (...) Eu havia começado minha discussão teórica
com um estudo comparativo de sistemas de relações, como o
que realizei no primeiro volume e primeiramente interessado de
modo exclusivo em sua estrutura, negligenciando a distribuição
geográfica dos termos de relacionamento enquanto fatos lin-
güísticos. À base de seu estudo puramente morfológico, habilitei-
me a construir um esquema da evolução da estrutura social
da Melanésia. Foi somente depois de haver seguido tanto quan
to possível o caminho sugerido pelo estudo comparativo das for
mas de sistemas e suas funções associadas, que me voltei à
16
 
consideração dos sistemas como coleções de fatos linguísticos.
Considerando sua distribuição geográfica em conjunção com o
esquema já conseguido, tornou-se claro que o desenvolvimento
traçado não tinha lugar numa sociedade simples e homogênea,
mas ocorria como parte de uma interação geral entre dois povos.
Isto transformou minha tarefa num esforço para analisar a com
 plexidade apresentada pela sociedade melanésica em seus ele
mentos constitutivos” (Rivers, 1914,11:1-2). Como aponta Slobo-
din, os contemporâneos de Rivers e ele próprio sempre consi
deraram The History of Melanesian Society como sua obra mag
na, da qual divergiam apenas alguns poucos como Radcliffe-
Brown, Brenda Seligman e, possivelmente, Hocart, para os quais
muito mais importantes foram as conferências enfeixadas no
livrinho Kinship and Social Organization, livro que desde os
anos 20 é considerado um marco na antropologia social (Slobo-
din, 1978:50).
Às vésperas de eclodir a Primeira Grande Guerra (1914-
1918), Rivers embarcou para a Austrália em companhia de
um grupo de pesquisadores, entre os quais Seligman, Elliot-
Smith e um jovem polonês expatriado, Bronislaw Malinowski,
recém-doutorado em antropologia pela Universidade de Londres
com uma tese bibliográfica. Apesar da guerra, Malinowski obte
ve permissão para seguir para Nova Guiné, embora fosse
legalmente um inimigo, enquanto Rivers seguia para as Novas
Hébridas. “Durante o resto de 1914 e princípios de 1915, Rivers
esteve em vários lugares ao norte das Novas Hébridas. Não está
claro que tenha visitado as Ilhas Salomão ocidentais, onde ele
srcinalmente havia esperado fazer alguns estudos com Hocart.
Seu itinerário melanésio foi muito mais limitado do que em 1908;assim, suas temporadas foram demoradas.(...) Antes de retor
nar à Inglaterra, visitou a Nova Zelândia, onde ministrou confe
rências e ouviu importantes autoridades sobre a Polinésia. Quan
do Rivers chegou à Inglaterra no verão de 1915, sua maior
 preocupação foi o tipo de serviço militar que poderia assumir.
17
 
 pios talentos foram reconhecidos por seus contemporâneos: foi o
 primeiro presidente da seção médica da recém-formada British
Psycho-Analytical Society em 1919; presidente da Folk-Lore Society durante 1921-1922; e igualmente presidente do Royal
Anthropological Institute em 1922, ano de sua morte, pronun
ciando sua última conferência presidencial em janeiro daquele
ano sobre o tema da unidade da antropologia, aqui reproduzida
(ver II.6).
 Nesta Introdução não se pretende explorar todas as dimen
sões da multiplicidade da obra de Rivers, nem mesmo da parte
antropológica em sua totalidade. Os quatro textos que compõem
a primeira parte deste volume são suficientemente eloqüentes
sobre a contribuição de Rivers à problemática do parentesco,
não exigindo um exame mais profundo, salvo um breve comen
tário para ressaltar o seu lugar na história da teoria. Como men
cionado no início desta Introdução, a aplicação de Rivers no
estudo do parentesco e da organização social redundaria na cria
ção da base necessária à constituição da moderna antropologiasocial. O parentesco, sobretudo, tornar-se-ia no núcleo em tomo
do qual se expandiria o próprio conceito de antropologia social
e de suas refinadas metodologias, como as análises estruturais
ou estrutural-funcionais a elas pertinentes. Tudo indica que Ri
vers escolheu um caminho srcinal, mesmo se considerarmos os
estudos pioneiros de Lewis Hemy Morgan. Ao aceitarmos a
interpretação de Langham, as descobertas de Rivers guardam
expressiva independência em relação às de Morgan. “Sou favo
rável — diz Langham — ao ponto de vista de que Rivers chegou
às suas técnicas e descobertas independentemente de todos os
antigos estudiosos do parentesco. Quando embarcou com a expe
dição para o Estreito de Torres em 1898, Rivers estava estrita
mente treinado como psicólogo experimental. ( . . . ) Em todos
os relatórios da expedição, que incluem o diário de Haddon,
19
 
não há qualquer indicação de que Rivers, ou algum outro mem
 bro da expedição que tivesse participado de suas investigações
genealógicas, possuísse qualquer conhecimento antecipado da
obra de Morgan sobre o assunto. É verdade que, após a expedi
ção ao Estreito de Torres, Rivers utilizou finalmente alguns
escritos de Morgan sobre o parentesco. Seu desdobramento dos
dez indicadores do sistema classificatório de Morgan, por exem
 plo, que teve lugar no volume de 1904 do relatório da expedição,
dificilmente teria ocorrido sem detida atenção a uma curta mas
tecnicamente difícil passagem do Systems of Consanguinity ...
Contudo, seria difícil provar que a leitura do livro feita por
Rivers teria sido muito mais profunda do que isto” (Langham,1981:90). E mesmo o artigo de 1907, “On the srcin of the classi-
ficatory system of relationships”, elaborado para o Festschrift 
de Tylor, no qual Morgan e seu esquema evolucionista são
repetidamente referidos, “não é o caso de um discípulo seguindo
servilmente os passos do mestre. Ao contrário, Rivers usa o arti
go para criticar a contribuição de Morgan e sugere muitas e
importantes correções em seu esquema” (Langham, 1981:90).
Sem deixar, todavia, de reconhecer o pioneirismo de Morgan na
descoberta do campo do parentesco, o que Langham pretende
mostrar é a srcinalidade de Rivers no tratamento analítico do
tema e sua influência na antropologia britânica, para a qual “a
obra de Morgan foi amplamente ignorada ou pouco aprecia
da (...). O que importou foi Rivers ter desenvolvido seu méto
do no curso de uma expedição que foi vista como reveladora da
inadequação da antropologia de gabinete” (Langham, 1981:91).
Ê assim que na primeira parte deste volume, destinada à elabo
ração da idéia do parentesco, pareceu-nos conveniente divulgarao leitor brasileiro um conjunto de textos que constituíssem o
âmago da contribuição de Rivers à temática do parentesco, par
ticularmente no que diz respeito à obtenção do dado etnográfi
co mediante a aplicação da técnica genealógica (ver 1.1);e no
que concerne aos procedimentos analíticos, graças aos conceitos
20
 
tar o leitor na leitura do artigo de 1909. Menos do que um
entendimento entre os autores do debate (um deles, Rivers, já
falecido trinta anos antes do último artigo de Kroeber), o que
se observa é uma melhor articulação entre suas respectivas po
sições com vistas a compreendê-las de forma mais adequada. O
que significa que a diferença entre ambas não se desvanece; ao
contrário, tal diversidade persiste particularmente naquilo que
ela espelha, a saber, a diferente postura epistemológica de ambos.
Kroeber tenta explicar isso como sendo resultante de duas dife
rentes tradições seguidas respectivamente por um e por outro:
Kroeber srcinário de uma tradição humanista, para a qual as
“ciências da mente" se aplicam a tudo aquilo que o homem
 pensa e, nesse sentido, a antropologia seria uma “psicologia”,
 porém nos termos postos por Boas — seu professor — no
clássico The Mind of Primitive Man; ao passo que Rivers, for
mado no interior de uma tradição científica, como vimos, have
ria de imprimir em seu trabalho um tratamento inspirado na
 psicologia experimental e na fisiologia dos sentidos. O ponto
maior de divergência estaria, assim, na questão da causalidade:
“do ponto de vista de Rivers — como sublinha Schneider —
Kroeber não cita um único exemplo de causa psicológica” 
(Schneider, 1968:11; o grifo é meu); argumento que bem reflete
uma preocupação que, presente já nos estudos sobre o parentes
co, consolidar-se-ia em seus trabalhos posteriores. E é esse cien-
tificismo de Rivers que passaremos a examinar.
II
A segunda parte deste volume foi, portanto, intitulada A 
idéia da antropologia em seu sentido de ciência, isto é, como
uma nova ciência que se constituía. Rivers percorre assim os
mesmos passos que seu contemporâneo Durkheim, com a dife
rença de — ao contrário deste, orientado pela tradição raciona-
23
 
lista — orientar-se pela tradição empirista inerente ao pensa
mento anglo-saxão*
Sabemos que a questão da causalidade se constituiu na pe
dra de toque da filosofia empirista especialmente a partir de
Hume e prolongando-se em uma pletora de filósofos ingleses e
escoceses, dentre os quais cabe destacar John Stuart Mill: A
lógica indutiva por e}e elaborada, particularmente no Livro VI
de seu A System of Logic Ratiocinative and Inductive (1843,
edição consultada a de 1974) intitulado “On the logic of the
moral sciences’’, foi de grande importância para as gerações
seguintes à sua, mesmo que pessoas por ela influenciadas, como
Rivers, não tenham se apercebido dessa influência ou sobre elanão se tenham manifestado. No caso de Rivers, por exemplo,
não é difícil encontrar a projeção em sua obra do pensamento
de Mill. Em outras palavras, Mill fornece as categorias através
das quais Rivers irá pensar a antropologia social como uma
ciência indutiva. Embora não caiba aqui uma exposição de sua
lógica, nem mesmo se nos limitássemos apenas ao Livro VI, cabe
não obstante uma apresentação tão concisa quanto possível do
 pensamento de Mill naquilo que diz respeito a sua repercussão
na obra de Rivers, a rigor, naquilo que pode ser considerado
como uma reprodução da lógica indutiva no interior do projeto
riversiano da antropologia social (cf. Cardoso de Oliveira, 1985).
Alguns pontos devem ser destacados numa leitura da lógica
de Mill, que de algum modo exprimam sua influência no projeto
científico de Rivers. O primeiro deles — central na Lógica e que
 já indica uma definitiva opção de Rivers pela observação empí
rica — é a indução. Mill entende a indução como uma “genera
lização da experiência” (Livro III, cap. 3, § 1). Consiste em
que “inferindo-se de alguns exemplos individuais em que a ocor
rência de um fenômeno é observada, ele ocorrerá em todos os
exemplos de uma certa classe; a saber, em todos que se asseme
lhem ao primeiro, vistos como circunstâncias materiais” (ibid.).
 Nesse sentido, indução pode ser definida como “a operação de
24
 
entre lei da natureza e lei empírica. Em síntese, a “pluralidade
de causas” significa a inviabilidade de se procurar detectar uma
única causa na produção de fenômenos complexos, notadamente
quando esses fenômenos pertencem ao âmbito das ciências so
ciais. Se se trata então de um feixe de causas na determinação
de um conjunto de efeitos, pode-se aceitar como sendo viável a
identificação de uma “composição de causas” na determinação
de efeito ou efeitos. Identificadas as causas uma a uma é onde
o método dedutivo se articula com o indutivo: Mill diz que a
averiguação das leis de cada causa em separado constitui o pri
meiro alvo do método dedutivo; e define este método como con
sistindo “de três operações: a primeira, a indução direta; a
segunda, o raciocínio e a terceira, a verificação” (Livro III,
cap. II, § 1), mostrando com isso que é através da observação e
da experimentação que as causas são identificadas para serem
explicadas, no entanto, pela via dedutiva; i. è., descobertas as
leis naturais responsáveis pela causalidade inferida, a partir de
las se logrará a explicação graças ao exercício do raciocínio e
da verificação. No mesmo parágrafo Mill irá tomar precisamen
te os fenômenos sociais para ilustrar a aplicação do método dedutivo. Mostra que tais fenômenos dependem de atos e impres
sões mentais dos seres humanos que, por sua vez, estão sujeitos
a leis vitais relacionadas com a estrutura orgânica, da mesma
forma que as substâncias sólidas e fluidas formadoras do corpo
organizado e do meio em que ele subsiste estão sujeitas a leis
mecânicas e químicas. Cada uma dessas leis, tomada separada
mente, é descoberta experimentalmente, sendo que os fenômenos
 por ela abrangidos são explicados pelo método dedutivo. Tais
leis são leis da natureza, a saber, gerais e invariáveis, no que
diferem das leis empíricas, tendençiais, exprimindo apenas uma
uniformidade de sucessão ou de coexistência amparada na ob
servação de todos os casos conhecidos, mas nunca além desses,
o que confere sempre a esse tipo de lei um caráter a posteriori.
Portanto, as leis empíricas descobertas pela observação sempre
27
 
 pedirão por uma explicação que, para Mill, somente poderá ser
alcançada pela descoberta de leis da natureza, ou causais, das
quais as leis empíricas seriam derivadas.
Mas como Mill procura resolver essa relação entre as leis
empíricas e a causalidade nas ciências morais? Busca resolver
isso pela via da constituição de uma nova disciplina por ele
denominada Etologia (Ethology) ou a ciência da formação do
caráter. Ê uma disciplina que procura determinar as leis univer
sais da formação do caráter, mesmo reconhecendo que não existe
um caráter universal na humanidade. Trata-se — para Mill —
de uma disciplina em formação e, como ele mesmo reconhece.,
 jamais consolidada — fato que, segundo um dos seus comentadores (A. Ryan, 1974:88), levou Mill a lastimar-se sempre por
não ter trabalhado nela o suficiente. Mas sua concepção ajuda a
entender a difícil passagem que Mill pretende transpor entre as
leis empíricas e as leis universais, entre a indução e a dedução
e, ao que mais nos interessa aqui, entre a psicologia e a sociolo
gia (ou ciências morais). Esta última passagem — como se verá
na última seção desta Introdução — é extremamente importante
 para se entender as bases do psicologismo de Rivers. Ê assim
que, para Mill, as leis empíricas da mente ou “as verdades da
experiência comum’’ só podem serexplicadas (explained ) na
medida em que vão sendo decompostas em leis causais, estas
últimas obtidas dedutivamente, pois sendo leis universais não
 podem ser descobertas experimentalmente ou pela observação.
 Nesse sentido é que vemos como a Etologia difere da Psicolo
gia — ciência experimental — uma vez que aquela tem status
de ciência exata; porém, é das leis gerais da Psicologia que a
Etologia vai deduzir os princípios necessários à determinação
das leis universais da formação docaráter (cf. Livro VI, cap. 5,
§ 6). "Em outras palavras — diz Mill — a Etologia, uma ciên
cia dedutiva, é um sistema de corolários da Psicologia, uma ciên
cia experimental” (Livro VI, cap. 5, § 5). E sua importância
 para a fundamentação das Ciências Sociais (ou da Ciência So-
28
 
fatos são descobertos pela experimentação. Em nossa ciência
eles precisam ser encontrados pela observação (exploration) não
somente de culturas ainda existentes em formas vivas, mas tam
 bém de culturas de idades passadas, enterradas” (ver II. 1). A
longa citação não é despropositada. Ela indica muito bem a
concepção de ciência que Rivers possuía e de como a Antropo
logia Social emergente deveria se assumir — segundo ele —
 para tornar-se uma efetiva disciplina científica. Como se vê, para
Rivers o método é o das ciências naturais adaptado à natureza
 peculiar dos fenômenos socioculturais. Tal como em Mill, o
método busca explicar pela via da observação guiada pela lógica
indutiva. Mas a influência dessa lógica empírica não se limita a
elevar a observação ao nível de autoridade máxima do saber
científico; ela se estende a outros aspectos da constituição desse
saber. Destacamos dois que nos parecem fundamentais: o psico
lógico e o histórico; ambos, como procuraremos mostrar, con
templados igualmente no pensamento de Mill e refletidos na
antropologia social riversiana.
Ainda na mesma conferência, Rivers é bastante explícito
quanto à importância da análise etnológica como um meio re-
freador das especulações evolucionistas, ao mesmo tempo que
insiste sobre a necessidade de articulação dessa análise com o
estudo psicológico. Com o risco de sobrecarregar esta Introdu
ção com reiteradas citações de uma conferência reproduzida in
totum nesta coletânea, permito-me parafraseá-la o suficiente para
dar ao leitor, desde o início da sua caminhada no interior do
 pensamento de Rivers, uma idéia e uma diretriz concisas, ca
 pazes de guiá-lo. Essa idéia aflora — no que tange ao aspecto
 psicológico — em sua afirmação de que o imperativo de exerci
tar a análise etnológica, a saber, “a análise das culturas e civili
zações presentemente espalhadas na superfície da terra” (o grifo
é meu), como uma forma de derrogar as especulações evolucio
nistas, não significa qualquer desprezo pela “necessidade do es
tudo psicológico de costumes e instituições”. E acrescenta: “Se
31
 
nos estratos. Durante esse trabalho é inevitável que, de posse de
certas leis fundamentais da física e da química no fundo de
sua mente, ele não se valha delas para ajudá-lo em sua inves
tigação, ainda que elas não se constituam em seu objeto — en
quanto geólogo — destinadas a provê-lo de explicações físico-
químicas de condições geológicas, pelo menos não nos primeiros
estágios de sua pesquisa” (ibid.). Portanto, afirma Rivers, teria
sido desastroso à geologia “se ela tivesse gasto seu tempo nesse
último século a buscar explicações físico-químicas dos fenôme
nos que lhe são afetos” (ibid.). Para Rivers é como se a expli
cação físico-química se antecipasse ao estabelecimento das se
quências próprias aos fenômenos geológicos criando grande
confusão, ainda que a tal explicação caberia recorrer após —
e somente após — a descrição geológica. O mesmo raciocínio se
aplicaria à sociologia no sentido desta, indevidamente, “formu
lar explicações psicológicas de fenômenos sociais antes de ter
mos determinado o curso do desenvolvimento histórico dos fe
nômenos que nos dizem respeito” (ibid.). E conclui: “Se isso
ocorresse estaria evidenciado o quanto errados estão em seu
caminho aqueles que rejeitam o processo social da sobrevivência
à base de que, para eles, não se pode dar uma explicação psicoló
gica adequada dos fenômenos sociais”, nestes incluindo Radcliffe-
Brown (ibid.). Para Rivers, precedida da análise sociológica ou
etnológica, a explicação psicológica não só é possível quanto
necessária se se quiser alcançar um verdadeiro conhecimento
científico. Nesse sentido cabe uma referência ao testemunho de
seu colega e amigo, G. Elliot Smith, na introdução que fez ao
livro póstumo Psychology and Ethnology (1926): “A mera cole
ção e tabulação de fatos ( . . . ) não eram seus reais interesses,
mas unicamente a preparação essencial à investigação dos pro
 blemas psicológicos que se alojam no coração da Etnologia. A
interpretação das práticas sociais, crenças e costumes — continua
Elliot Smith — foi para ele mais um meio de abordagem dos
 processos mentais que estavam envolvidos. Os pensamentos e
35
 
comportamento de qualquer comunidade eram merecedores de
estudo como um meio de entender a psicologia da humanidade
como um todo” (Rivers, 1926:IX). E completa: “Para o Dr.
Rivers, que foi primeiro psicólogo e depois um etnólogo, todo problema em etnologia era essencialmente psicológico” (ibid.).
Como conciliar o interesse de Rivers pela dimensão psico
lógica e histórica dos fenômenos sociais com a sua programação
de uma disciplina — como a antropologia social — que pro
curou construir o seu domínio num espaço próprio, distinto do
ocupado pela psicologia e pela história? A solução desse enigma
 parece se encontrar no interior do campo intelectual de sua
época marcado pela presença de Stuart Mill. É por isso que não
nos parece suficiente atribuir a Rivers — como fez Elliot
Smith — a condição de ter sido primeiro psicólogo e só depois
etnólogo como a razão de suas preocupações psicologísticas.
Como se procurou mostrar, a estrutura lógica da argumentação
de Rivers acompanha quase pari passu o raciocínio e o estilo de
Mill; a rigor segue a ciência da lógica que era ensinada — como
 já se mencionou — nas escolas britânicas durante a sua juven
tude. Daí esse ar de família que se respira quando se lê (e com
 para) tanto um quanto outro autor. Toda a inteligibilidade da
obra de Rivers não pode ser alcançada se não se levar em conta
esse fato. E se compararmos o nosso autor com Durkheim, ou
com a antropologia que se constituía no interior do racionalismo
francês, veremos que enquanto este e seus associados recortam
com linhas nítidas e intransponíveis as diferentes disciplinas,
 particularmente a Filosofia e a Psicologia, Rivers se preocupa
em associá-las, como a não querer perder nada do que a psico
logia e a própria história — disciplinas com as quais mais se
 preocupa — possam dar à antropologia social. Em sua últimaconferência, “The unity of anthropology” (II.6), proferida no
ano de sua morte, Rivers procura articular entre si todos os
ramos da antropologia, tais como a arqueologia, a filologia, a
etnologia e a somatologia ou antropologia física. Mas é certa-
36
 
mente a psicologia e a história, com seus respectivos campos
fenomênicos, as disciplinas que — enquanto autônomas — vão
delimitar e de certo modo fecundar a antropologia social nas
cente. Em seu livro Social Organization (1924, 2.a edição con
sultada, 1929) editado dois anos após o seu falecimento, Rivers
 procurou didaticamente delimitar o campo da antropologia so
cial aos fenômenos de organização social, como seu título já
indicava. Os seus nove capítulos se aplicam à formulação dos
conceitos de Família (cap. I), Clã, Metade e Tribo (cap. II),
Matrimônio (cap. III), Parentesco e Relacionamento (cap. IV),
Direito Paterno e Materno (cap. V), Propriedade (cap. VI), Fra
ternidade e Sociedades Secretas (cap. VII), Ocupação, Classe e
Casta (cap. VIII) e, finalmente, Governo (cap. IX); seguem-se
três apêndices sobre a srcem classificatória do parentesco, so
 bre a organização social na Austrália e sobre a organização
dual.11 Para alcançar esse objetivo, Rivers principia seu livro
dizendo: “Gostaria de iniciar o estudo de meu objeto por um
 breve esclarecimento sobre o lugar que, creio, a organização so
cial ocupa no estudo da cultura humana. Sou daqueles que
acredita que o fim último de todos os estudos da humanidade,
sejam históricos ou científicos, está na procura de explicações
(explanations)em termos de psicologia, em termos de idéias,
crenças, sentimentos e tendências instintivas através dos quais
a conduta do homem, individual e coletiva, é determinada”
(Rivers, 1929:3). Mas não se trata, porém, de uma unidetermi-
nação ou exclusiva causalidade exercida pelos fenômenos da
mente ou mesmo do corpo (somáticos), como os instintos. Rivers
concede, particularmente no que tange ao comportamento cole
tivo, uma multideterminação (ou uma “pluralidade de causas”,como diria Mill): “essa conduta, quer individual ou coletiva, mas
 particularmente coletiva, e também determinada pela estrutura
social” (ibid.; o grifo é meu).
Essa estrutura social é considerada por Rivers como “a
 base social na qual todo ser humano, seja ele membro de um
37
 
Ê assim que, seguindo caminhos aparentemente contraditó
rios, a idéia da Antropologia Social que havia germinado no
 pensamento de Rivers reproduz, ela própria, o itinerário inte
lectual do nosso autor. Tal itinerário é o que se preocupou traçar
nesta Introdução. Como todo trajeto de vida, intelectual ou não,
está pautado de sucessos e insucessos. E, a nosso ver, há pelo
menos duas modalidades de julgamento: o que privilegia o su
cesso, e o faz com generosidade, e o que sublinha o insucesso
e se compraz em olhá-lo sob uma perspectiva hipercrítica. Mas
o julgamento final é o da história — e este, felizmente, menos
do que emitir um juízo definitivo, interpreta, i. e., ao tentar
compreender um autor/ator como Rivers, sabe que logrará apenas uma versão, a sua — talvez de sua época — como uma
síntese de si e do Outro, expressa na presença simultânea (e
 por conseguinte artificial) de dois tempos, o de Rivers e o nosso,
do leitor e de quem redige esta Introdução.
Para concluir, cabe dizer que a seleção de textos que se
segue, menos do que feita para amparar nossa leitura, foi ela
 borada para introduzir o leitor ao pensamento de um autor,
marcado por seu pioneirismo: o de criar uma disciplina. Claro
que o empreendimento de Rivers não foi solitário. Teve seus
associados, seus seguidores e, particularmente, seus antecesso
res — como se procurou mostrar. As críticas que mais recaem
sobre Rivers o atingem em seu manejo nem sempre hábil da
disciplina no desvendamento de seu objeto: os povos exóticos.
Efetivamente, não está aí o forte de Rivers. A força de seu tra
 balho reside na própria edificação da Antropologia Social, incorporando uma tradição e dela partindo para abrir o espaço
que a nova disciplina iria ocupar e nele se desenvolver. Por isso,
os textos escolhidos visam proporcionar ao leitor um acompa
nhamento, o mais próximo possível do autor, das vicissitudes
de seu pensamento na programação da disciplina. Simultanea
39
 
mente, objetivam também incentivar o leitor numa determinada
modalidade de historiografia, aquela que se aplica à reconstru
ção de perfis intelectuais, indispensáveis à boa compreensão des
se fenômeno social e cultural que chamamos de Ciência.
Cabem — antes de concluirmos — algumas indicações so
 bre a editoração dos textos. Os quatro primeiros textos, que
compõem a Parte I (A Idéia do Parentesco), foram traduzidos
da edição de 1968 do livro Kinship and Social Organization, 
citado na bibliografia; eles representam integralmente as versões
definitivas — revisadas por Rivers — das conferências de maio
de 1913 (1.2,1.3 e 1.4), publicadas em sua primeira edição (1914)
 juntamente com o artigo de 1910 (1.1), que foi incluído pela
 primeira vez em The Sociological Review (vol. 10, 1910,
 pp. 1-12). Dos textos seguintes, incluídos na Parte II (A Idéia
da Antropologia), dois deles foram traduzidos das edições ori
ginais, “Survival in sociology” (II.3), publicado em The Socio
logical Review (vol. 6, 1913, pp. 293-305), e “History and
ethnology” (11.5), em History — The Quartely Journal of the 
 Historical Association (vol. 5, 1920, pp. 65-80); a conferência
“The ethnological analysis of society” (II.l), editada primitiva
mente na revista Science (vol. 34, 1911, pp. 385-393), foi reedi
tada em 1926 e inserida na coletânea de ensaios de Rivers,
Psychology and Ethnology, com o título modificado para “The
ethnological analysis of culture”, de onde procedemos a tradu
ção. Os outros três textos foram traduzidos do volume W.H.R. 
 Rivers (1978) de R. Slobodin que os reproduziu na terceira parte
de seu livro, constituída de uma seleção de escritos: “Sociology
and psychology” (II.4) foi reproduzido integralmente, enquanto
“The disappearance of useful arts” (II.2) e “The unity of
anthropology” (II.6) foram reeditados com alguns cortes de res
 ponsabilidade de Slobodin, mas sem prejuízo da integridade dos
conteúdos que, nessas condições, foram aqui traduzidos.
 Roberto Cardoso de Oliveira
40
 
NOTAS
1 Esse novo laboratório não significou que a pesquisa e o ensino de
 psicologia experimental estivessem suficientemente amparados. Na reali
dade, Rivers esperou anos para conseguir condições satisfatórias de tra
 balho para si e para seus alunos; dificuldades, porém, que não eram
exclusivas da psicologia. Também delas partilhava a fisiologia. Ambas
desfrutavam, à época, de baixo status acadêmico. O próprio Laboratório
de Fisiologia somente seria aberto às vésperas da guerra de 1914 (Slobo-
din, 1978:16-17). Durante a guerra Rivers se incorporou ao exército britâ
nico como médico, atuando no tratamento de neurose de guerra e valen
do-se das idéias de Paul Janet e Freud com especial êxito. Pode ser consi
derado como um dos introdutores da psicanálise na Grã-Bretanha.
2 A revista M a n em seu número de julho de 1922 publicou uma
relação de 142 títulos da bibliografia de Rivers. Richard Slobodin, em
seu livro sobre o autor, relaciona 49 títulos, entre os quais 6 publicados
 posteriormente ao falecimento de Rivers e mais 5 títulos de trabalhos
escritos em colaboração.
3 Talvez o melhor estudo sobre Hocart, e sua importância para a
Antropologia Social, esteja na introdução da edição de 1970 de seu livro
Kings and C ounci llo rs : A n es sa y i n the Com parat ive A na tom y o f Hum an 
Society de autoria de Rodney Needham. Nela Needham comenta queHocart não foi somente o discípulo mais eminente de Rivers, como tam
 bém o mais injustiçado pela academia britânica, que jamais soube reco
nhecer seus méritos concedendo-lhe um cargo docente.
4 Escreve Rivers no primeiro parágrafo de sua introdução: “Há dois
modos principais de trabalho etnográfico: um, intensivo, em que o con
 junto da cultura de um povo, suas características físicas e meio ambiente
são examinados tão minuciosamente quanto possível; o outro, um traba
lho de levantamento (survey-work) em que um número de povos são
estudados o suficiente para obter uma idéia geral de suas afinidades
físicas e culturais entre cada um deles e com povos de qualquer outro
lugar (...) Contudo, por mais profundamente que se possa ir no trabalhode levantamento, a informação obtida é inevitavelmente incompleta e
 jamais possui a precisão que um estudo intensivo poderia proporcionar”
(Rivers, 1914, vol. 1:1).
5 O exame da tradição racionalista que influenciaria a vertente fran
cesa da antropologia social, atualizada no interior da École française de
sociologie, foi por nós realizado alhures (R. Cardoso de Oliveira, 1979 e
1983) e acreditamos que possa ter algum valor para o leitor interessado
41
 
em cotejar aquela tradição com a empirista que aqui estamos examinando
 por meio de uma leitura de Rivers.
6 A esse reducionismo é que se aplica o termo psicologismo, “a
doutrina que, sendo a sociedade produto de mentes interagindo, leissociais precisam ser, em última instância, redutíveis a leis psicológicas,
desde que os eventos da vida social, incluindo suas convenções, devem
ser causados por motivos procedentes das mentes dos homens individuais”
(Popper, 1971:90).
7 Em sua teoria da convergência, Rivers procura mostrar que é pela
combinação de duas metodologias — a psicológica e a histórica vis a vis
etnológica — que oprocesso de convergência ganha sentido. Assim, diz
ele: “temos ainda que descobrir o quanto a semelhança se deve à ação
de leis comuns à constituição mental da humanidade e o quanto ela foi
 produzida por semelhanças de equipamento mental e social não comum
à humanidade em geral, mas à posse especial de um povo proveniente
de um lugar que, por suas andanças em diferentes direções, chegou a
formar um elemento comum de populações amplamente diversas, de
lugares distantes um do outro no espaço e na natureza genérica de sua
cultura. Meu objetivo neste capítulo é sugerir que será útil classificar
 juntos certos processos sociais como casos de convergência à medida em
que reconheçamos claramente que permanecemos ainda com a tarefa de
descobrir o mecanismo ao qual se deve esta convergência ( . . . ) . Conver
gência será um conceito útil na etnologia somente se reconhecermos que
ela pode ser histórica ou psicológica, ou, como' provavelmente descobri
remos com mais freqüência, dependente de um processo que apenas pode
ser inteiramente entendido quando estudado pela combinação dos méto
dos histórico e psicológico” (Rivers, 1926:149-150).
8 Na publicação C am bridge A nthr op olog y (vol. 3, n.° 3, s/d), edi
tada pelo Departamento de Antropologia Social da Universidade de
Cambridge, encontram-se reproduzidos o artigo crítico de Radcliffe-
Brown, “The study of social institutions”, e a carta-réplica de Rivers,
 procedidos de uma pequena introdução de Meyer Fortes. No catálogo
da Tozzer Library, da Universidade de Harvard, aparece 1976 como a
data de referência da revista.
9 Tal como Mill, em sua controvérsia com Comte, mostrava que os
fenômenos (estados) mentais deveriam ser estudados em suas múltiplas
interdeterminações sem recorrer aos “estados do corpo”, i.e., sem reduzir
o psicológico ao fisiológico, Rivers preocupa-se em não reduzir o socio
lógico ao psicológico.
10 Em seu artigo de crítica a Rivers (cf. nota 8), Radcliffe-Brown
vai dizer que o método psicológico de Rivers objetiva estudar aqueles
fenômenos que ele, Radcliffe-Brown, chama de estáticos, enquanto o
método histórico do mesmo Rivers se concentra nos fenômenos din âm i
cos. A nosso ver, Radcliffe-Brown, com essa nova terminologia — bas
42
 
tante durkheimiana — estava procurando eliminar de uma só vez quais
quer implicações com a Psicologia e a História como disciplinas autô
nomas.
11 Segundo seu prefaciador, G. Elliot Smith, o livro está baseadonum manuscrito elaborado por Rivers em 1920, destinado a dois cursos
de leitura que ministrou em Cambridge entre 1921 e 1922. A intenção de
Rivers era revisá-lo no verão de 1922 para um curso que daria no inverno
de 1922-1923 na Índia, e, posteriormente, publicá-lo em forma de livro.
Com sua morte, Elliot Smith pediu a W. J. Perry, então M. A. ereader 
em antropologia cultural na Universidade de Londres, para editar o
manuscrito. Assim, os capítulos II, III e IV tiveram de ser ajustados e
quase reescritos por Perry (cf. Rivers, 1929:Prefácio).
12 Sobre o caráter da oposição dos historiadores a essa naturalização
da história, leia-se o excelente livro de Frederick |. Teggart, Theory of 
 H is to ry (1925), especialmente sua segunda parte, “The study of change”.Anos depois esse livro seria reeditado, agora em conjunto com um outro
do mesmo autor, Processes of History (1918), graças a um empreendi
mento da University of Califórnia Press que intitulou a nova edição
Theory and Processes of History (1941:última edição, brochura, de 1977).
43
 
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1916.
-----------. “Psycho-Therapeutics”, em E n c y c lo p a e d ia o f R e lig io n s a n d 
 E th ic s , vol. 10, 1918.
-----------. “History and Ethnology”, em H is to ry — the Quarterly Journal
of the Historical Association: New Series, vol. V, n.° 18, July, pp.
65-80, 1920(a).
-----------. I n s t in c t a n d U n co n sc io u s . Cambridge, Cambridge University
Press, 1920(b).
-----------. “The Unity of Anthropology”, em J o u rn a l o f th e R o y a l A n th r o
 p o lo g ica l In s t i tu te o f G rea t B rita in a n d Ire la n d , 52:12-25, 1922.
-----------. Conflict and Dream. Londres, Kegan Paul, Trench, Triibner,
1923.
-----------. M e d ic in e , M a g ic a n d R e lig io n . The Fitz Patrick Lectures deli
vered before the Royal College of Physicians of London in 1915 and
1916. With preface of G. Elliot Smith. Londres, Kegan Paul, Trench,
Triibner, 1924.
-----------. Psychology and Ethnology (edited with a preface and intro
duction by G. Elliot Smith), Londres, Kegan Paul, Trench, Triibner,
1926.
46
 
1.1 
O MÉTODO GENEALÓGICO NA 
PESQUISA ANTROPOLÓGICA * 
(1910 )
É conhecido o fato de que muitos povos preservam longas
genealogias de seus ancestrais, abrangendo inúmeras gerações, e
freqüentemente chegando até tempos míticos. O que não é
sabido tão bem é que vários povos de cultura primitiva preser
vam oralmente suas genealogias por várias gerações, em todas
as linhas colaterais, de modo a apresentar genealogicamente to
dos os descendentes de um bisavô ou trisavô, e deste modo,
distinguindo aqueles que nós denominaríamos primos em segun
do e terceiro grau fazendo com que, por vezes, suas memórias
 penetrem ainda mais profundamente no tempo. É este o tipo de
genealogia utilizado no método que me proponho a considerar
neste artigo.
Iniciarei pelo modo de coletar gepealogias que fornece a
 base para este método. O primeiro ponto a ser considerado é
* Extraído do The Sociological Review, vol. 3, jan. 1910, pp. 1-12.
51
 
que, devido à grande diferença entre os sistemas de relações1 de
 parentesco dos povos primitivos e dos civilizados, é desejável
que sejam usados tão poucos termos de parentesco quanto possí
vel, sendo que genealogias completas podem ser obtidas com
expressões limitadas às seguintes: pai, mãe, filho, filha, marido
e mulher. A pequena genealogia apresentada como exemplo foi
obtida em Guadalcanal, na parte leste das Ilhas Salomão e,
neste caso, iniciei a pesquisa perguntando a meu informante:
Kurka ou Arthur, o nome de seu pai e de sua mãe, deixando
claro que queria os nomes de seus pais biológicos e não de
quaisquer outras pessoas que ele assim denominasse em virtude
do sistema classificatório. Depois de me certificar que Kulini
tinha apenas uma esposa e Kusua apenas um marido, obtive os
nomes de seus filhos e filhas por ordem etária pesquisando os
matrimônios e a prole de cada um. Assim, cheguei ao pequeno
grupo dos descendentes dos pais de Arthur. A Ilha de Guadal
canal possui um sistema social caracterizado pela descendência
matrilinear e, deste modo, Arthur conhecia melhor a genealogia
de sua mãe do que a de seu pai. Obtive os nomes dos pais de
sua mãe, certificando-me, como fiz anteriormente, de que cada
um havia sido casado apenas uma vez e então indaguei os nomes
de seus filhos e filhas obtendo assim os matrimônios e descen
dentes de cada um. Pelo fato de Arthur ter vivido por um longo
 período de tempo em Queensland, seu conhecimento não ia além
da geração de seus avós. Caso ele fosse mais versado em sua
genealogia, eu teria pesquisado a parentela de Sinei e Koniava,
e chegado até os descendentes de seus pais exatamente do mes
mo modo, seguindo assim até que o conhecimento de meu in
formante sobre sua família fosse completamente exaurido.
Ao coletar as genealogias obtêm-se os descendentes em am
 bas as linhas, masculina e feminina, mas ao transcrevê-los para
uso deste artigo, é aconselhável anotar em uma página apenas
os descendentes de uma linha, com referências cruzadas a outras
 páginas para os descendentes da outra linha.2
52
 
SINP.I r 
KliuliipnlclKliuliipnlcl
Koniuvn
LukwiliLukwili
TT
VAKOI eVAKOI e 
LukwiliLukwili
: : KoKombombokl kl TUTU AAN N -- 
Kindttpulci HuumbutuKindttpulci Huumbutu
: Kokiiukina: Kokiiukina 
LukwiliLukwili
KKUU LINLIN I =I =?? 
KimlupuleiKimlupulei
sseemm filhos rfilhos r ..—»—•——»—•—
BEN|E
morto Jovem
TIA KO v ' 'uruknmuim
MuumbuUMuumbuU
KusunKusun
LukwiliLukwili
GEORGE
KinclapalelKinclapalel
l.ukwllll.ukwlll
iem filho*iem filho*
KoluvnllKoluvnll
LukwiliLukwili
TOK.HO j Dutovl
Liikwili Kakau
sem filhos
KUKKA
oouu
ARTHURARTHUR
GEIMBA t Cell
(Stivo)(Stivo)
KukuuKukuu
l.iikwilll.iikwill
SSININ EEI KoiI Koiinl inl KopKopcrocrou u GUGU SA SA KuKuilkilk l l KoKomlumlutshtshlkiilkiill 
HHuumm fllfllhos hos momorlus rlus JovcJovcn*n*
au u i i ui uo
SINEI Koani Koperoa GUSA
sem filhos
Koriki Kondatshikai
mortas jovens
O método exato para o arranjo de nomes não é de grande
importância, entretanto achei conveniente colocar os nomes mas
culinos em letras maiusculas e os nomes femininos na forma
habitua], sempre posicionando o nome do marido à esquerda
do da esposa. Em matrimônios poligínicos, ou poliândricos, in
cluo os nomes das esposas ou dos maridos entre parênteses.
Uma das mais importantes características do método é a de
mencionar, tanto quanto possível, a condição social de cada
 pessoa incluída nas genealogias. A localidade de srcem de cadaum deve ser dita e freqüentemente faz-se necessário gravar, não
apenas o distrito, mas também o nome de algum grupo territo
rial menor, seja um vilarejo ou uma aldeia. Caso o grupo possua
organização totêmica, os nomes do totem ou dos totens de cada
53
 
 pessoa devem ser mencionados ou, se não existirem clãs totêmi-
cos ou outras divisões sociais, isto deve ser igualmente mencio
nado. Na genealogia de Guadalcanal, dada como exemplo, osnomes colocados sob os das pessoas referem-se a clãs exógamos
que provavelmente possuem natureza totêmica.8
Ao iniciar o trabalho em uma nova localidade é aconselhá
vel mencionar qualquer fato, sobre cada indivíduo, que possa
ter significação social, podendo posteriormente a pesquisa ser
limitada àqueles considerados de importância. Cuidados espe
ciais devem ser tomados para o registro das localidades de pro
cedência daqueles que se casaram dentro da comunidade, vindos
de outras tribos ou locais. Caso exista a prática da adoção, as
crianças adotadas quase que certamente são incluídas entre os
filhos legítimos, a menos que se preste atenção específica ao
tema, devendo, nos casos em que for possível, ser mencionado o
 parentesco real e o adotivo.
Freqüentemente são encontradas dificuldades e fontes de
erro quando da coleta do material para a aplicação do método
genealógico. Uma delas, com que me deparei, é a existência de
tabus em relação aos nomes dos mortos, só podendo este fatoser sobrepujado com muita dificuldade, na maioria das vezes.
Em minha própria experiência fui compelido, em consequência
deste tabu, a obter em segredo certas genealogias e de outras
 pessoas que não do grupo estudado. Outras fontes de erro e
 perplexidade são as práticas da adoção e da mudança de nomes
e, sem dúvida alguma, novas dificuldades serão encontradas por
aqueles que procurarem levantar genealogias em outros locais.
A fim de empregar o método genealógico do modo que
 proponho faz-se necessário ter certeza de que as genealogias
obtidas são fidedignas. Ao coletar as genealogias de toda uma
comunidade existirão muitos pontos de entrecruzamento; em um
caso pessoas que pertençam ao tronco paterno de um informan
te pertencerão ao tronco materno de outro, ou estarão entre os
ancestrais de sua esposa, havendo assim amplas oportunidades
54
 
 para testar a concordância das versões oferecidas pelos diferen
tes informantes.
Em quase todas as comunidades com as quais tive oportu
nidade de trabalhar, encontrei pessoas com conhecimentos ge
nealógicos especiais, sendo bom que delas se faça tanto uso
quanto possível. De acordo com minha experiência, é perigoso
confiar em homens jovens, que em quase todos os locais não se
dão mais ao trabalho de aprender suas genealogias junto aos
seus velhos. No entanto, se elas forem obtidas através destes
últimos, normalmente possuirão extraordinária acuracidade quan
do confrontadas com diferentes versões bem como uma maior
coerência dentro da genealogiacompleta da comunidade.
Tendo assim descrito rapidamente o método de registro de
genealogias, e de garantir sua acuracidade, posso seguir detalhan
do os usos a que elas se prestam.
O primeiro e mais óbvio uso refere-se à elaboração dos
sistemas de parentesco. Em quase todos os povos de cultura
simples estes sistemas diferem tanto do nosso próprio, que existe
um grande perigo de se cair em erro, caso se tente meramente
obter os equivalentes aos nossos termos através do método de
 pergunta e resposta. Meu procedimento é perguntar ao infor
mante os termos que ele aplicaria a diferentes membros de sua
genealogia e, reciprocamente, os termos que aqueles aplicariam
à sua pessoa. Assim, no caso da genealogia de Guadalcanal que
apresentei como exemplo, perguntei a Arthur como ele denomi
nava Tokho, e ele mencionou o equivalente a “irmão mais ve
lho”, quando um homem está a falar, enquanto que o modo
 pelo qual Tokho denomina a Arthur é o equivalente a “irmão
mais novo”. Os termos aplicados um ao outro por Vakoi e
Arthur deram os equivalentes a “filho da irmã” e “irmão da
mãe”, respectivamente; no parentesco de Komboki e Arthur sur
giram os temas “esposa do irmão da mãe” e “filho da irmã do
marido”, tendo sido as outras expressões de parentesco do lado
materno obtidas do mesmo modo. Para os termos de parentesco
55
 
do lado paterno, a genealogia de Kulini, pai de Arthur, era em-
 pregada. É fato real que excepcionalmente, um jogo completo
de termos de parentesco pode ser obtido a partir de apenas umagenealogia, mas mesmo se assim fosse possível, não seria reco-
mendável que se fizesse deste modo, porque sempre há a possi-
 bilidade de ocorrência de algum parentesco duplo, um talvez
 por consangüinidade e outro por afinidade, que pode nos enga-
nar. Nunca fico inteiramente satisfeito com um sistema de pa-
rentesco, a menos que cada genealogia tenha sido obtida a partir
de três outras distintas.
A seguinte lista de termos das relações de parentesco deve
ser obtida:
Pai ................................
Mãe ..............................
Irmão mais velho (h.f.)
Irmão mais velho (m.f.)
Irmã mais velha (h.f.) .
Irmã mais velha (m.f.) .
Irmão do pai ...............
Esposa do irmão do pai
Filho* do irmão do pai .
Irmã do pai
.................
Marido da irmã do pai
Filho* da irmã do pai .
Irmão da m ã e ...............
Esposa do irmão da mãe
Filho* do irmão da mãe
Irmã da m ã e .................
Marido da irmã da mãe
Filho* da irmã da mãe
Pai do pai .....................
Mãe do pai ...................
Pai da mãe ...................
Mãe da mãe
.................
Marido ...........................
Pai da esposa ...............
Mãe da esposa .............
Pai do marido .............
Mãe do marido .............
Irmão da esposa ..........
filho
filha
irmão mais novo (h.f.)
irmã mais nova (h.f.)
irmão mais novo (m.f.)
irmã mais nova (m.f.)
filho* do irmão (h.f.)
filho* do irmão do marido
filho* do irmão (m.f.)filho* do irmão da esposa
filho* da irmã (h.f.)
filho* da irmã do marido
filho* da irmã (m.f.)
filho* da irmã da esposa
filho* do filho (h.f.)
filho* do filho (m.f.)
filho* da filha (h.f.)
filho* da filha (m.f.)
esposa
marido da filha (h.f.)
marido da filha (m.f.)
esposa do filho (h.f.)
esposa do filho (m.f.)
marido da irmã (h.f.)
56
 
 por hábito suplementar o método genealógico pedindo uma lista
de todas as pessoas a quem um homem específico aplica termos
de parentesco. Na análise, geralmente descobre-se que eles caem
em uma das seguintes classes: (1) parentesco que pode ser tra
çado nas genealogias; (2) parentesco consangüíneo ou afim que
não pode ser traçado nas genealogias disponíveis, mas que pos
sui, sem sombra de dúvida, uma base genealógica; assim, em
conexão com a mesma genealogia, Arthur poderia dizer que
denominava um homem nianggu, ou “irmão de minha mãe”,
 porque ela era o tasina, ou “irmão” de Kusua; (3) parentesco
dependente da pertinência a uma divisão social — assim, Arthur
 poderia chamar um homem kukuanggu ou “meu avô” porque
este era um lakwili da mesma geração de Koniava; e (4) paren
tesco dependente de algum laço artificial estabelecido pelo usuá
rio do termo ou mesmo pelo seu pai ou avô, sendo tal parentesco
artificial, por vezes transmitido de pai para filho.
Os termos dados na lista são suficientes para determinar o
caráter geral de um sistema, mas o ideal será obter um certo
número de expressões para parentesco mais longínquo tal como
com o do irmão ou da irmã do avô paterno, juntamente comsua prole e netos. Entre estes parentes mais distantes, a esposa
do filho da irmã e o marido da filha da irmã e suas proles são,
algumas vezes, de interesse especial.
O uso de genealogias também é interessante para o estudo
das regulamentações matrimoniais. Se todas as genealogias de
uma população forem coletadas, como tenho conseguido em di
versos casos, teremos então um registro dos casamentos que
tiveram lugar na comunidade, retornando, certas vezes, até cer
ca de cento e cinqüenta anos no passado. Este registro é preser
vado nas mentes das pessoas, e através dele pode-se estudar as
leis que regem a instituição local do matrimônio, assim como
em uma comunidade civilizada pode-se fazer uso dos registros
matrimoniais em um cartório ou igreja. Podemos, então, saber
não apenas quais os tipos de matrimônio permitidos ou prefe-
58
 
rendais e quais aqueles proibidos, mas também expressar esta
tisticamente a freqüência dos diferentes tipos. Entre diversos
 povos de cultura simples, parece estar em andamento uma mu
dança gradual da condição em que o matrimônio é regulamenta
do primordialmente, ou inteiramente, por meio dos mecanismos
de clãs, fratrias ou outros arranjos sociais, para uma outra na
qual a regulamentação do matrimônio depende de uma consan-
güinidade verdadeira, e a natureza exata do estado de transição
de um povo apenas pode ser determinada de modo satisfatório
através de um método concreto, tal como o provido pelo estudo
do registro genealógico. Mais ainda, sendo o matrimônio regu
lado por alguma regra social, o método permite descobrir quais
quer tendências específicas para que pessoas de determinadas
divisões se casem entre si, tendências estas que talvez não hajam
sido informadas pelo próprio povo. O método torna possível o
estudo exato de formas de matrimônio tais como a poliginia, a
 poliandria, o levirato e o matrimônio entre primos cruzados.
Estas instituições possuem inúmeras variedades que escapam fa
cilmente à atenção pelos métodos comuns de pesquisa, mas que
se tornam perfeitamente claras quando sua natureza é trabalha
da em detalhes usando-se as genealogias; além disso, o método
 permite detectar se as regulamentações matrimoniais de um povo
estão sendo obedecidas na prática, podendo um estudo dos
casamentos, através de gerações sucessivas, revelar uma mudan
ça progressiva na severidade com que qualquer regra seja san
cionada. Na realidade, é possível trabalhar os problemas mais
complexos concernentes à regulamentação do matrimônio sem
 jamais haver formulado uma questão direta sobre o assunto,
embora isso não seja desejável, porque uma das características
mais interessantes do método genealógico é fornecida pela com
 paração entre os resultados obtidos através de seu uso e aqueles
derivados da pesquisa direta. Caso existam discrepâncias entre
os dois, a investigação poderá não apenas fornecer idéias para
novos pontos de vista, como também lançar luz sobre as peculia
59
 
ridades lingüísticas ou psicológicas que possam ter sido a causa
do mal-entendido.
A genealogia de Guadalcanal apresentada como exemplo é
muito diminuta para que possa valer como um bom exemplo da
aplicação do método, mas deve ser observado que em nenhum
caso duas pessoas do mesmo clã casaram entre si e que, de um
total de oito casamentos, quatro tiveram lugar entre membros
dos clãs kindapalei e lakwili, fato explicado provavelmente pela
existência do matrimônioentre primos cruzados naquela ilha.
Ela também nos fornece um exemplo de casamento com um
membro de outra comunidade, ou seja, com um nativo da viz:-
nha Ilha de Savo, cujos clãs correspondem muito de perto acs
de Guadalcanal.
Outra aplicação do método é a investigação das leis que
regulam a descendência e a herança de propriedades. Assim, na
genealogia servida como exemplo, será visto que cada pessoa
 pertence ao clã de sua mãe, ilustrando deste modo a descendên
cia matrilinear nesta parte das Ilhas Salomão. O método é espe
cialmente importante para o estudo sobre sucessão na chefia,
 bem como para o da herança de bens. Assim é possível tomar
um determinado pedaço de terra e pesquisar sua história, talvez
a partir do tempo em que ela começou a ser cultivada; o trajeto
de suas divisões e subdivisões, em ocasiões diversas pode ser
seguido em detalhes, e um caso de posse que pareceria sem espe
ranças de resolução torna-se perfeitamente simples e inteligível
à luz de sua história, havendo uma penetração na dinâmica das
leis concernentes à propriedade, de um modo que jamais pode
ria ter sido obtido através de um método menos concreto.
Outro uso do método que ocasionalmente torna-se de gran
de valor é no estudo das migrações. Assim, em diversas partes
da Melanésia, nos últimos cinqüenta anos teve lugar uma mu
dança no estilo de vida das matas para o litoral, e a informação
fornecida pelas localizações de gerações sucessivas pôde explicar
a natureza de tal migração.
60
 
Os usos até aqui considerados são concernentes ao estudo
da organização social, mas o método possui também validade
 para o estudo da magia e da religião. Na maior parte dos povos
que estudei, descobri que, nos cerimoniais, funções bem defini
das são destinadas a pessoas que estão em relação determinada
com quem executa a cerimônia ou com a pessoa para quem ela
está sendo levada a efeito. Acredito que a pesquisa exata, torna
da possível pelo método genealógico, mostraria que estas fun
ções conectadas às relações de parentesco são muito mais amplas
que a literatura antropológica atual pode nos levar a supor, e
mais ainda, que os direitos e privilégios oriundos do parentesco,
descobertos deste modo, podem ser mais precisamente definidos.
O método permite também que se investigue o cerimonial de
modo mais concreto do que seria possível de outro modo. Quan
do estou trabalhando com este tema, coloco à mão meu livro
de genealogias e conforme obtenho os nomes dos vários atores
 procuro verificar como eles estão ligados ao executante ou ao
sujeito da cerimônia, havendo ao mesmo tempo a vantagem de
eles se tornarem personagens reais para mim, mesmo que ante
riormente nunca os tenha visto, e a investigação proceder de
uma maneira que interessa tanto a mim quanto aos meus infor
mantes, muito mais do que se os personagens fossem meros X,
Y ou Z.
Outro grupo de usos para os quais o método pode ser co
locado à disposição é o estudo dos vários problemas que, embora
sejam primordialmente biológicos, ainda assim são de grande
importância sociológica. Refiro-me a temas como: a proporção
dos sexos, o tamanho das famílias, o sexo do primeiro filho, a
 proporção de crianças que crescem e se casam para com o núme
ro total de nascidos, e outros temas similares que podem ser
estudados estatisticamente pelo método genealógico. Nas genea
logias possuímos uma grande massa de dados de maior impor
tância para o estudo exato de vários problemas demográficos,
mas aqui torna-se necessário exprimir uma nota de advertência:
61
 
de acordo com minha experiência, a memória do povo é menos
crível no referente a crianças da geração passada que morreram
 jovens, ou antes da idade matrimonial, do que no caso daqueles
que se casaram e tiveram prole — é óbvio que estes últimos
terão ganho uma importância social dentro do grupo, que faz
da preservação de seus nomes um fato natural. Tem sido uma
freqüente fonte de surpresa para mim o fato de jovens falecidos
uma geração antes serem lembrados tão bem quanto o são; pro
vavelmente devem existir poucas dúvidas de que alguns tenham
sido esquecidos, e as estatísticas concernentes a estes temas
 biológicos são menos completas do que aquelas que lidam com
 problemas estritamente sociais.
Um outro uso do método, ainda mais importante, é a sua
 possibilidade de ajudar a antropologia física. Como exemplo des
te fato, apresentarei o exemplo de uma ilha, visitada por mim e
 pelo Sr. Hocart no ano passado, onde existem duas fontes cons
tantes de mistura, em ambos os casos com povos cujas carac
terísticas físicas são muito diferentes daquela da massa geral de
seus habitantes. A antropometria da população desta ilha pelos
métodos comuns dificilmente produz algum resultado definido,
mas através do método genealógico foi possível descobrir a
ascendência imediata de cada pessoa a ser medida; além do
mais, a combinação de medições físicas com o uso do método
genealógico provê um grande volume de material para o estudo
dos problemas de hereditariedade. O método também tornà pos
sível trabalhar exaustivamente o modo de transmissão de con
dições como o daltonismo e o albinismo que estão presentes,
em proporções variadas, na maioria das partes do mundo.
Pode-se mencionar, brevemente, algumas outras vantagens
incidentais do método genealógico. Muitas informações podem
ser obtidas no tocante à transmissão de nomes, e no exemplo
fornecido pode ser observado que uma criança recebe o nome
de seu bisavô, além do mais, o nome de alguma pessoa morta,
talvez alguém que haja vivido um século atrás, lembrará a his
62
 
tória passada do povo que, de outro modo, possivelmente não
seria obtida, e alguns comentários lançados à esmo, em conexão
com os nomes dos ancestrais, podem fornecer sugestões valiosas
 para pesquisa. Além disto, a mera coleção de nomes provida na
genealogia forma um depósito de material lingüístico que seria
de imenso valor não fosse o fato de possuirmos pouco conheci
mento das partes mais vivas da linguagem de modo a permitir
que ela seja utilizada.
Tendo agora considerado linhas mais detalhadas de pesqui
sa para as quais o emprego do método genealógico é útil ou
essencial, sintetizo brevemente algumas de suas vantagens em
termos mais gerais. Em primeiro lugar, mencionaria sua solidez.
Qualquer um que conheça povos de cultura simples sabe a
dificuldade que se coloca ante o estudo de qualquer questão
abstrata, não tanto porque o selvagem não possua idéias abs
tratas, mas sim porque ele não possui palavras para expres
sá-las, ao mesmo tempo em que é certo que dele não pode ser
esperada uma apreciação adequada dos termos abstratos do idio
ma de seu visitante ou de quaisquer outras línguas estrangeiras
que sirvam de meio de comunicação. O método genealógico torna possível a investigação de problemas abstratos em uma base
 puramente concreta. É até mesmo possível que através dele pos
sam formular-se leis que regulem a vida do povo, as quais pro
vavelmente jamais foram formuladas, certamente não com a cla
reza e exatidão que elas têm para a mente treinada em uma
civilização mais complexa. Também serão evitados desentendi
mentos infindáveis entre aqueles passíveis de surgirem entre
 povos de esferas tão diferentes, desentendimentos que possuemsua fonte em diferenças de perspectivas e falta de apreciação,
de um lado ou de outro, das amenidades da linguagem, seja
européia ou nativa, que esteja servindo como meio de comuni
cação. O método não pode eliminar as dificuldades que atrapa
lham a interpretação das condições sociais do selvagem pelo
63
 
visitante de outra civilização, mas fornece uma massa de fatos
definidos e indubitáveis para serem interpretados.
Deste ponto de vista, o método é mais útil àqueles que,
como eu, apenas podem visitar os povos selvagens ou bárbaros
 por um pequeno espaço de tempo, totalmente insuficiente para
adquirir um grau de domínio sobre o idioma nativo que permita
queele seja usado como instrumento de comunicação. Para isto,
o método é essencial, caso haja alguma esperança de se conse
guir fatos de valor verdadeiro sobre as características mais com
 plexas da organização social. Através do método genealógico é
 possível, sem conhecimento do idioma e com maus intérpretes,
trabalhar com maior acuracidade os sistemas de parentesco, tãocomplicados que os europeus que têm passado suas vidas entre
estes povos nunca conseguiram entendê-los. Não é exagero dizer
que sobre este assunto ou sobre aquele da regulamentação do
matrimônio é possível obter, através deste método, um conheci
mento mais definido e exato do que é possível, sem ele, para
um homem que viva muitos anos entre estes povos e que tenha
obtido um conhecimento tão pleno quanto aquele que um euro
 peu pode adquirir da língua de um povo bárbaro ou selvagem.
Outra grande vantagem do método é que ele fornece meios
de testar a acuidade das informações obtidas. Entre os selva
gens, tal como entre nós, existem enormes diferenças quanto à
veracidade com que se descreve uma cerimônia ou a história de
uma pessoa ou um curso de eventos. O método genealógico for
nece um meio rápido de se testar a acuidade. Não quero sim
 plesmente dizer que uma pessoa que guarde em sua memória,
de maneira acurada, as genealogias, possuirá também memória
aguçada para outros temas, sendo que o método concreto de
 pesquisa, tornado possível pelo método genealógico, nos permite
detectar a falta de cuidado e de acuidade muito mais rapida
mente do que pelos métodos mais comuns de pesquisa. Não é
um detalhe sem importância o conhecimento de que fatos acura
dos dão ao pesquisador um sentido de confiança em seu traba
64
 
lho, que não é passível de ser desprezado nas penosas condições
climáticas, ou de outros tipos, em que a maior parte do trabalho
antropológico tem de ser efetuado. Mais ainda, o método genealógico não apenas garante a confiança nos informantes, como pos
sui um efeito igualmente importante no sentido de dar ao selva
gem segurança quanto ao seu interrogador. Todos conhecem o
velho refrão de que “a principal característica do selvagem é que
ele lhe contará o que você quiser saber”; quando ele age assim
é porque lhe parece o meio mais fácil de efetuar uma tarefa
 pela qual ele não possui interesse, freqüentemente porque não
entende a natureza real das perguntas, mas creio que mais usual
mente porque ele reconhece que seu interrogador não as entende
também. O que parece ser a mais simples das questões para um
europeu não instruído pode, para o nativo, ser totalmente inca
 paz de prover uma resposta direta, e não é surpresa constatar
que o confuso filho da natureza tome o caminho mais curto
 para liqüidar o assunto. Acredito que o método genealógico co
loca o pesquisador europeu no mesmo nível do nativo. É certo
que os povos de cultura simples não preservariam suas genealo
gias com as minúcias habituais, caso elas não possuíssem grandeimportância prática em suas vidas, e a familiaridade do pesqui
sador com o instrumento que ele usa dará aos selvagens confian
ça e interesse na pesquisa, os quais são de inestimável valor para
se obter informações. Além do mais, a confiança mútua que é
engendrada pelo uso do método genealógico para o entendimen
to da organização social estende-se a outros departamentos da
antropologia, não sendo limitada em seus efeitos.
Outra característica de grande valor do método genealógi
co, à qual já me referi, é a ajuda que ele nos oferece quando nos
 permite entender aquelas características da psicologia dos selva
gens que tanto dificultam o trabalho antropológico. Tenho sem
 pre o hábito de fazer perguntas utilizando o método genealógico
e o método comum de perguntas e respostas. Sempre existirão
discrepâncias, e sua investigação nos fornecerá uma percepção
65
 
que eles convençam o leitor do mesmo modo que qualquer uma
das ciências biológicas. O método genealógico, ou outro similar,
que torne tal demonstração possível, ajudará a colocar a Etno-
logia num posto de igualdade, juntamente com as demais ciên-
cias.
Tradução: Sonia Bloomfield Ramagem
67 
 
NOTAS
1 N. T.: Como na língua inglesa o termo Kinship (parentesco) tende
a ser entendido como “parentesco consanguíneo”, em oposição a “paren
tesco afim”, parece que Rivers, para evitar ambigüidades, resolveu utilizar-
se do termo relationship dando conta tanto do sentido de consangüinidade
quanto do de afinidade. Já em português, o termo “parentesco” abriga
esses dois sentidos, razão pela qual decidimos traduzir relationship, sem
 pre que possível por “parentesco” sem prejuízo da compreensão global
do texto.
2 Para o método de arranjo de uma grande qu antidade de material
genealógico o leitor deve reportar-se aos livros The Todas, Londres, Mac-
millan, 1906, e os Reports of the Cambridge Expedition to Torres Straits, 
vols. V e VI.
8 Cf. Journal Royal Anthropological Institute, vol. XXXIX, 1909,
 p. 156.
4 N. T.: O termo “prole” aqui foi utilizado no sentido de “criança”,
child.
69
 
Creio ser arriscado presumir a familiaridade do público
com este sistema e, assim sendo, iniciaremos por uma breve
descrição de suas características principais. A mais importantedelas, aquela à qual o sistema classificatório deve seu nome, é
a aplicação de seus termos, não a indivíduos, mas a classe de
 parentes que podem ser, com freqüência, imensas. Objeções têm
sido levantadas com relação ao uso do termo “classificatório”,
tendo por base a idéia de que nossos próprios termos de paren
tesco também são aplicados a classes de pessoas; o termo “ir
mão”, por exemplo, é usado para todos os filhos do sexo
masculino do mesmo pai e da mesma mãe, o termo “tio” é uti
lizado para todos os irmãos do pai e da mãe, bem como para
os maridos das tias, enquanto o termo “primo/a” pode denotar
uma classe ainda maior. É verdade que vários de nossos próprios
termos de parentesco se aplicam a classes de pessoas, mas nos
sistemas para os quais a palavra “classificatório” é usualmente
empregada, este princípio aplica-se com muito maior amplitude
e, em alguns casos, mesmo de maneira mais lógica e consistente.
 Na forma mais completa deste sistema não existe sequer
um único termo de parentesco cujo uso denote referência a uma
 pessoa, e a ela somente, enquanto que em nosso próprio sistema
existem seis destes termos, a saber: marido, esposa, pai, mãe,
sogro e sogra. Naqueles sistemas, nos quais o princípio classifi
catório é levado a um grau extremo, cada termo é aplicado a
uma classe de pessoas. O termo “pai”, por exemplo, é aplicado
àqueles aos quais o pai denomina “irmão”, e a todos os maridos
daquelas que a mãe denomina “irmã”, sendo ambos os termos,
“irmão” e “irmã”, usados de maneira muito mais ampla que
entre nós. Em algumas formas do sistema classificatório, o termo “pai” é também usado para todos aqueles a quem a mãe
chama “irmão” e para os maridos daquelas a quem o pai deno
mina “irmã”, sendo que em outros sistemas a aplicação do ter
mo pode ser ainda mais ampla. Similarmente, o termo usado
 para a esposa pode ser utilizado para todas aquelas que a esposa
72
 
mentação, ligando diretamente a srcem da terminologia a for-
mas de organização social que não existiam em lugar algum da
Terra, e das quais não havia nenhuma evidência direta no pas-
sado. Quando, além disso, a condição social primária formula-
da por Morgan foi a de promiscuidade geral, que evoluiu para o
casamento em grupo, estas condições repugnaram profundamen-
te os sentimentos das pessoas mais civilizadas, e não é surpresa
que ele tenha levantado contra si uma grande e acalorada opo-
sição que levou, não apenas à rejeição de suas idéias, mas tam-
 bém ao negligenciamento das lições a serem aprendidas com sua
nova descoberta, que poderia ter recebido reconhecimento geral
muito antes de então, caso elas não tivessem sido obscurecidas
 por outros fatores.
O primeiro a atacar vigorosamente Morgan foi nossopró-
 prio pioneiro no estudo de formas primárias da sociedade hu-
mana, John Ferguson MacLennan." Ele criticou de modo severo,
e de forma freqüentemente justa, as idéias de Morgan, demons-
trando então, como na época se acreditava, que nenhum direito
ou dever estava ligado às relações de parentesco abrangidas pelo
sistema classificatório, concluindo que os termos formavam sim-
 plesmente um código de troca de cortesias e de maneiras ceri-
moniosas usadas no contato social. Aqueles que adotaram suas
idéias geralmente se contentam em repetir a conclusão de que
o sistema classificatório não é nada mais que um corpo de sau-
dações mútuas e formas de tratamento. Eles não conseguem
 perceber que, ainda assim, permanece necessário explicar como
os termos do sistema classificatório passaram a ser usados em
saudações recíprocas, falhando em reconhecer que estão rejei-
tando o princípio do determinismo na sociologia, ou apenas co-
locando a uma distância conveniente a consideração do proble-
ma de como e por que os termos classificatórios passaram a ser
utilizados por tantos povos da Terra.
Este aspecto do problema, que foi negligenciado ou coloca-
do de lado pelos seguidores de MacLennan, não foi assim tratado
75
 
 por ele próprio. Como poderia se esperar do caráter geral de
seu trabalho, MacLennan reconheceu claramente que o sistema
classificatório deveria ter sido determinado pelas condições so
ciais, e tentou mostrar que o sistema deve ter surgido como re
sultado da mudança da forma poliândrica Nair para a Tibeta-
na.3 Ele chegou mesmo a formular variedades deste processo
através do qual acreditava terem sido criadas as principais for
mas do sistema classificatório, cuja existência havia sido de
monstrada por Morgan. É evidente que MacLennan não duvida
va da necessidade de ligar a instituição social do sistema classi
ficatório de relações parentesco a causas sociais, uma necessida
de que tem sido ignorada, ou mesmo explicitamente negada, poraqueles que o acompanharam na rejeição das idéias de Morgan.
Entre as diversas conseqüências funestas da crença de
MacLennan sobre a importância da poliandria na história da so
ciedade humana, foi a impossibilidade de que seus seguidores
 percebessem a importância social do sistema classificatório, fa
lhando em entender que o sistema classificatório não é o resul
tado nem da promiscuidade nem da poliandria, tendo sido
determinado, tanto no seu caráter geral quanto em seus detalhes,
 pelas formas existentes de organização social.
Desde a época de Morgan e MacLennan poucos foram os
que tentaram lidar com a questão de modo inteligível. O pro
 blema foi envolto pela controvérsia entre os defensores da pro
miscuidade srcinal e os da monogamia primitiva do ser huma
no, estando a maior parte dos primeiros pronta a aceitar
cegamente as idéias de Morgan, enquanto os últimos contenta
vam-se em tentar explicar a importância das conclusões deriva
das do sistema classificatório, sem tentar nenhum estudo real
da evidência. Do lado de Morgan existe uma exceção na pessoa
do Professor J. Kohler,4 que reconhece as linhas pelas quais o
 problema deve ser estudado, enquanto de outro existe, até onde
seja do meu conhecimento, apenas um autor que aceita o fato
de que a evidência da natureza do sistema classificatório de re
76
 
lações de parentesco não pode ser ignorada ou diminuída, de
vendo ser encarada de modo a prover alguma explicação alter
nativa àquela dada por Morgan.Esta tentativa foi efetuada há quatro anos atrás pelo Pro
fessor Kroeber,5 da Universidade da Califórnia. Sua linha é a
rejeição absoluta da visão comum a Morgan e MacLennan de
que a natureza do sistema classificatório é determinada pelas
condições sociais. Ele rejeita explicitamente a idéia de que a
maneira de usar os termos das relações de parentesco depende
de causas sociais, e apresenta a alternativa de que eles são con
dicionados por fatores puramente lingüísticos ou psicológicos.
 Não é muito fácil entender o que ele quer expressar quan
do fala que “os termos das relações de parentesco possuem cau-
sação lingüística”. Ao final de seu trabalho, Kroeber conclui 
que “eles (termos das relações de parentesco) são determinados
 principalmente pela linguagem”; se, entretanto, os termos das
relações de parentesco são elementos da língua, a proposição
de Kroeber é que estes elementos são determinados em princí
 pio pelo próprio idioma. Caso esta proposição possua algum
significado, ele deve ser o de que, no processo de busca das
srcens do fenômeno da linguagem, é nosso dever ignorar todos
os fatos, exceto os lingüísticos. O que se poderia deduzir é que
o estudioso sobre o assunto deveria procurar os antecedentes
dos fenômenos lingüísticos em outros fenômenos da mesma na
tureza, colocando de lado quaisquer referências a objetos e rela
ções que as palavras denotam e conotam como não pertinente
à sua tarefa.
A proposição alternativa de Kroeber é que os termos das
relações de parentesco refletem a psicologia, e não a sociologia,
ou, em outras palavras, que a maneira pela qual os termos das
relações de parentesco são usados depende de uma cadeia de
causalidades da qual os processos psicológicos seriam os antece
dentes diretos. Tentarei tornar clara a idéia de Kroeber através
77
 
de um exemplo que ele mesmo fornece: ele diz que atualmente
existe entre nós uma propensão para falar sobre o cunhado
como se o mesmo fosse um irmão; resumindo: tendemos a clas
sificar o cunhado e o irmão juntos na nomenclatura do nosso
 próprio sistema de relações de parentesco. Ele supõe que faze
mos isto devido à existência de uma similaridade psicológica
entre as duas relações, o que nos leva a classificá-las em con
 junto. Posteriormente retornarei a este e a outro dos exemplos
de Kroeber.
Vimos que os oponentes de Morgan têm assumido duas
 posições básicas, ambas passíveis de crítica: uma, a de que o
sistema classificatório não é nada mais do que um conjunto de
formas de tratamento; e a outra, a de que o sistema classifica
tório e os outros modos de exprimir relações de parentesco são
determinados por causas psicológicas e não sociológicas. Propo
nho que consideremos estas duas posições, uma de cada vez.
O próprio Morgan ficou profundamente impressionado pela
função do sistema classificatório das relações de parentesco como
um conjunto de termos de saudações. Sua própria experiência
derivava de material sobre os índios norte-americanos, e ele
notou o uso exclusivo dos termos das relações de parentesco em
saudações, um costume tão comum que uma omissão em reco
nhecer um parente desta maneira seria quase que uma afronta.
Morgan também mostrou, como um dos motivos deste costume,
a existência de uma relutância em pronunciar os nomes pessoais.
MacLennan teve de basear-se inteiramente nas evidências coleta
das por Morgan, e não há dúvidas de que foi profundamente
influenciado pela ênfase que o próprio Morgan colocou na fun
ção dos termos classificatórios como saudações mútuas. O moti
vo pelo qual, em certas sociedades simples, determinados paren
tes possuem funções sociais explicitamente designadas para si
 pela tradição já era sabido no tempo de Morgan, e acredito
que, por essa época, era fato conhecido que as relações de pa
rentesco que implicavam estas funções eram do tipo classifi-
78
 
catório. Entretanto, somente através de trabalhos mais recentes,
começando com o de Howitt, Spencer e Gillen, e de Roth na
Austrália, e da expedição de Cambridge ao Estreito de Torres,é que a grande importância das funções dos parentes através
do sistema classificatório chamou a atenção dos sociólogos.
Os procedimentos sociais e cerimoniais dos aborígenes aus
tralianos abundam de características em que funções especiais
são executadas por tais parentes, como o irmão mais velho ou o
irmão da mãe, e enquanto estive no Estreito de Torres conse
gui observar grandes conjuntos de deveres, privilégios e restrições associados a diferentes relações de parentesco classifica
tório.
De maneira geral, embora não universal, os novos trabalhos
têm demonstrado que a nomenclatura do sistema classificatório
traz consigo uma quantidade de práticas sociais claramente defi
nidas. Aquele que emprega um determinado termo de relação de
 parentesco para com outra pessoa, tende a comportar-se em re
lação a ela de uma maneira definida: ele tem de cumprir
certas obrigações para com o outro, goza de certos privilégios,
e está sujeito a certas restrições em sua conduta para com ele.
Estas obrigações, privilégios e restrições variam grandemente em
número entre os diferentes povos, mas onde quer que existam,
não conheço exceção à sua importância e ao respeito com que
são mantidos por todos os membros da comunidade. Sem dúvi
da, todos conhecem vários exemplos de tais funções associadas
às relações de parentesco e creio ser preciso fornecer apenas
um exemplo.
 Nas Ilhas Banks, o termo usado entre dois cunhados é
wulus, walus ou walui, e um homem que aplique um destes
termos a outro não pode pronunciar seu nome, nem devem, de
modo algum, os dois comportarem-se de maneira familiar entre
si. Em uma das ilhas, Merlav, estes parentes têm todas suas
 possessões em comum, e é obrigação de um ajudar o outro em
qualquer dificuldade, preveni-lo em caso de perigo e, se neces
79
 
dar-lhe algum dinheiro, mas isto é o máximo a que se pode
chegar em termos de qualquer obrigação social por parte deste
 parente.
O mesmo é verdade, em escala ampla, se nos voltarmos
 para aquelas regras sociais que foram incorporadas por nossas
leis. É apenas no caso de transmissão de linha hereditária e de
 propriedades de uma pessoa que faleceu, sem fazer testamento,
que parentes distantes são colocados em relação legal entre si
e somente no caso de inexistência de parentes próximos. É ape
nas quando forçada a agir assim, em circunstâncias excepcio
nais, que a lei reconhece quaisquer das pessoas às quais apli
cam-se os termos mais classificatórios de nossas relações de pa
rentesco. Caso nos importemos com as funções sociais associa
das às relações de parentesco, é nosso próprio sistema, não o
classificatório, que estará exposto à reprovação, pois suas rela
ções não trazem consigo direitos ou deveres.
Durante o curso do recente trabalho da “expedição Percy
Sladen Trust” na Melanésia e na Polinésia, consegui coletar um
conjunto de dados que mostra, de maneira ainda mais clara do
que até então tem sido possível, a dependência dos termos classificatórios nos direitos sociais.6 Os sistemas classificatórios da
Oceania variam grandemente de feitio: em alguns locais as re
lações de parentesco são definitivamente diferenciadas por no
menclaturas que são classificadas com outras relações de pa
rentesco nos demais lugares. Assim, enquanto a maioria dos sis
temas melanésios e alguns sistemas polinésios possuem um termo
definido para o irmão da mãe e para a classe de parentes a
quem a mãe denomina irmão, em outros sistemas este parente
é colocado na mesma classe, e é chamado pelo mesmo termo
que o pai. O ponto que agora irei focalizar é o da existência de
uma conexão bastante íntima entre a presença de um termo
especial para este parente e a presença de funções especiais
ligadas a esta relação.
81
 
 Na Polinésia, tanto os havaianos quanto os habitantes de
 Nine classificam o irmão da mãe com o pai, e em nenhum dos
dois locais fui capaz de encontrar quaisquer obrigações, privi
légios ou restrições especiais atribuídas ao irmão da mãe. Nas
ilhas polinésias de Tonga e Tikopia, por outro lado, onde exis
tem termos especiais para o irmão da mãe, este parente também
 possui funções especiais. O único local da Melanésia onde não
consegui encontrar um termo especial para o irmão da mãe foi
na parte oeste das Ilhas Salomão, e este foi também o único
lugar em que não encontrei qualquer vestígio de funções sociais
especiais atribuídas a este parente. Não conheço tais funções em
Santa Cruz, e as informações que possuo sobre o sistema desta
ilha derivam de terceiros, mas creio que futuras pesquisas qua
se que certamente demonstrarão esta ocorrência.
Através da minha experiência, na época entre dois povos
distintos, consegui estabelecer uma correlação definida entre a
 presença de um termo de relação de parentesco e funções espe
ciais associadas a tal relação. As informações gentilmente forne
cidas pelo Pe. Egide, entretanto, parecem mostrar que a mesma
correlação não é completa entre os melanésios. Em Mekeo, oirmão da mãe tem o dever de colocar o primeiro estojo peniano
em seu sobrinho, mas ele não recebe nenhum termo especial de
tratamento e é colocado na mesma classe que o pai. Entre os
Kuni, por outro lado, existe um termo específico para o irmão
da mãe, distinguindo-o do pai, mas não possuindo o tio, até
onde seja do conhecimento do Pe. Egide, quaisquer funções
especiais.
Tanto na Melanésia quanto na Polinésia uma correlaçãosimilar aparece ligada a outras relações de parentesco, sendo a ex
ceção mais proeminente a ausência de um termo especial para
a irmã do pai nas Ilhas Banks, embora esta parenta possua fun
ções bem definidas e importantes. Nestas ilhas, a irmã do pai
é colocada na mesma classe da mãe comovevvev ou veve,veve, mas
82
 
mesmo aqui, quando a generalização parece sucumbir, ela não
o faz completamente, porque a irmã do pai é distinta da mãe
como veve vus rawe, “a mãe que mata um porco” em oposição
ao simples veve usado para a mãe e suas irmãs.
Existem então, a partir de agora, evidências definidas de
uma parte do mundo que demonstram que a presença ou a
ausência de termos especiais é dependente da existência ou não
de funções sociais específicas, não sendo meras suposições para
associar os termos classificatórios das relações de parentesco a
funções sociais específicas. Podemos tomar como algo consuma
do o fato de que os termos do sistema classificatório não são,
como MacLennan supôs, meras formas de tratamento e modos desaudação mútua. MacLennan chegou a esta conclusão porque
acreditava que os termos classificatórios não estavam associados
às funções sobre as quais possuímos evidência abundante atual
mente. Ele perguntava: “Quais direitos ou deveres são afetados
 pelas relações de parentesco compreendidas no sistema classifi
catório?” e ele mesmo respondia, de acordo com o conhecimen
to então ao seu dispor: “Absolutamente nenhum”.7 Esta passa
gem deixa claro que, se MacLennan soubesse o que hoje sabemos,
 jamais teria tomado a posição de ataque a Morgan, na qual ele
teve, e ainda tem, tantos seguidores.
Posso agora voltar-me para a segunda linha de ataque,
aquela que audaciosamente descarta a srcem da terminologia
das relações de parentesco nas condições sociais e procura sua
explicação na Psicologia. Inicialmente, a linha de argumentação
que pretendo seguir é a de mostrar que várias características
dos sistemas classificatórios têm sido diretamente determinadas
 por fatores sociais. Para cumprir esta tarefa deve-se pisar em
terreno firme, do qual partir-se-á numa tentativa de ligar os
caracteres gerais dos sistemas classificatórios ou de outros tipos
de relações de parentesco a formas determinadas de organização
social. Qualquer teoria completa de uma instituição social tem
83
 
de levar em conta não apenas seus aspectos gerais, mas também
seus detalhes, e proponho que comecemos pelos detalhes.
Inicialmente retornarei à história do objeto, permanecendo
nela por algum tempo para perguntar por que a linha de argu
mentação que proponho seguir não foi adotada por Morgan e
 por que tem sido tão negligenciada por outros.
Sempre que um novo fenômeno é descoberto em alguma
 parte do mundo, existe uma tendência natural da procura de
 paralelos em outros locais. Morgan viveu numa época em que
a unidade de cultura humana era um tópico que muito excitava
os etnólogos, e é evidente que um de seus interesses principais
na novadescoberta decorreu da possibilidade que parecia abrir-se para demonstrar a uniformidade da mesma. Ele esperava
mostrar a semelhança do sistema classificatório em todo o mun
do, contentando-se em observar certas variações amplas do sis
tema relacionando-as a supostos estágios da história da socie
dade humana. Morgan prestou pouca atenção a tais variedades
do sistema classificatório, tais como ilustrado em suas próprias
observações sobre os sistemas norte-americanos, e parece ter
desprezado inteiramente certas características dos sistemas india
nos e oceânicos que registrou, as quais poderiam ter-lhe permi
tido demonstrar a íntima conexão entre a terminologia das rela
ções de parentesco e as instituições sociais. A negligência de
Morgan em atentar para estas diferenças deve ser imputada, em
alguma medida, ao desconhecimento das formas simples de orga
nização social que existiam na época em que ele escreveu, mas
a falha dos demais em reconhecer a dependência que as carac
terísticas dos sistemas classificatórios têm das instituições so
ciais deve ser imputada principalmente à ausência de interesse
sobre o assunto, induzida por sua adesão ao erro inicial de
MacLennan. Aqueles que acreditam que o sistema classificatório
seja meramente um código de saudações mútuas sem importância
não estão dispostos a prestar atenção às diferenças relativamen
te pequenas nos costumes que menosprezam.
84
 
O crédito de ter sido o primeiro a reconhecer integralmente
a importância social destas diferenças pertence a ). Kohler: em
seu livro Zur Urgeschichte der Ehe, já mencionado anterior
mente. Ele estudou minuciosamente os detalhes de vários siste
mas diferentes, demonstrando que eles poderiam ser explicados
 por certas formas de casamento praticados por aqueles que
usam os termos. Proponho, neste momento, lidar com a termi
nologia classificatória a partir deste ponto de vista. Meu proce
dimento será o de, inicialmente, mostrar que as características
que distinguem entre si as diferentes formas do sistema classi-
ficatório têm sido diretamente determinadas pelas instituições
sociais daqueles que utilizam os sistemas, e somente quando tal
for estabelecido, tentarei relacionar os caracteres mais gerais do
sistema classificatório e de outros sistemas em relação às insti
tuições sociais.
A razão pela qual fui capaz de empreender esta tarefa de
maneira mais completa do que até agora tem sido possível, é
 porque observei na Melanésia uma série de sistemas de relações
de parentesco que diferem entre si em maior escala que aqueles
mencionados no livro de Morgan ou em outros que têm sido
coletados desde então. Algumas das características que distin
guem estes sistemas melanésios serão totalmente novas para os
etnólogos, não tendo ainda sido observados em qualquer outro
local. Proponho iniciar por um longo e conhecido modo de ter
minologia que acompanha este costume amplamente difundido,
conhecido como matrimônio entre primos cruzados. Em sua
forma mais freqüente, um homem casa-se com a filha do irmão
de sua mãe ou da irmã de seu pai; e ainda, embora mais rara
mente, sua escolha está limitada a uma destas parentas.
Tal matrimônio terá algumas consequências específicas. Va
mos examinar um caso em que um homem contraia núpcias com
a filha do irmão de sua mãe, conforme representado no diagrama
abaixo:
85
 
B 4= a A 4= b
C = d E f 
Diagrama 1 8
Uma das conseqüências do casamento entre C e d será
que A, que anteriormente às núpcias de C era apenas o irmão
de sua mãe, agora tornar-se-á também o pai de sua esposa, en
quanto b, que antes do casamento era a esposa do irmão da
mãe de C, agora tornar-se-á a mãe de sua esposa. Reciprocamen
te, C, que antes de seu casamento era o filho da irmã de A e
filho da irmã do marido de b, agora tornar-se-á genro de ambos.
Além do mais, E e /, os outros filhos de A e b, que antes do
casamento eram apenas os primos de C, agora tornar-se-ão o
irmão e a irmã de sua esposa.
Similarmente, a, que antes do casamento de d era a irmã
do pai de d, agora será também a mãe de seu marido, e B, omarido da irmã de seu pai, passará a ser o pai do esposo; se C 
 possuir quaisquer irmãos ou irmãs, estes primos tornar-se-ão
seus cunhados e cunhadas.
A combinação das relações de parentesco que se criam a
 partir do casamento de um homem com a filha do irmão de sua
mãe vai diferir para o homem e para a mulher, mas se, como
usual, um homem casar-se seja com a filha da irmã de seu pai
ou do irmão de sua mãe, estas combinações das relações de pa
rentesco serão válidas para ambos, homens e mulheres.
Outra conseqüência ainda mais remota do matrimônio en
tre primos cruzados, quando tal instituição é estabelecida, é que
as relações de irmão da mãe e de marido da irmã do pai podem
ser combinadas em uma só pessoa, havendo uma combinação
86
 
semelhante das relações de parentesco para a irmã do pai e
esposa do irmão da mãe. Se o matrimônio entre primos cruzados
for o costume habitual, B e b no diagrama 1 serão irmão e
irmã; em conseqüência A será, ao mesmo tempo, o irmão da
mãe e o marido da irmã do pai de C, enquanto b será a irmã
do pai de C e a esposa do irmão de sua mãe. Entretanto, uma
vez que o irmão da mãe é também o sogro, e a irmã do pai é a
sogra, em cada caso três relações de parentesco diferentes esta
rão combinadas. Através do matrimônio com a prima cruzada,
as relações de irmão da mãe, esposo da irmã do pai e sogro esta
rão combinadas em uma única pessoa, e as relações de irmã do
 pai, esposa do irmão da mãe e sogra estarão igualmente unidas. Nos vários locais onde sabemos ser o matrimônio entre
 primos cruzados uma instituição estabelecida, encontramos ape
nas aquelas designações comuns que acabei de descrever. Assim,
no dialeto Mbau de Fiji, a palavra vungo é aplicada ao irmão
da mãe, ao marido da irmã do pai e ao sogro. A palavra nganei 
é usada para a irmã do pai, a esposa do irmão da mãe e a
sogra. O termo tavale é usado por um homem para o filho do
irmão da mãe ou da irmã do pai assim como para o irmão da
esposa e o marido da irmã. A palavra ndavola é usada não ape
nas para o/a filho/a do irmão da mãe ou da irmã do pai quan
do diferem do sexo de quem fala, como também é usada por
um homem para referir-se à irmã de sua esposa e à esposa de seu
irmão, e por uma mulher para designar o irmão de seu marido
 bem como para o marido de sua irmã. Cada um desses detalhes
do sistema Mbau é conseqüência direta e inevitável do matri
mônio entre primos cruzados, a partir do momento em que este
se torne uma prática habitual e estabelecida.
Este sistema fijiano não é o único na Melanésia. Nas Novas
Hébridas que se encontram ao sul, em Tanna, Eromanga,
Aneityum e Aniwa, o matrimônio entre primos cruzados é costu
meiro e seus sistemas de relações de parentesco possuem carac
terísticas similares àquelas de Fiji. Assim, em Aneityum, a pala-
87
 
vra matak aplica-se ao irmão da mãe, ao marido da irmã do
 pai e ao sogro, enquanto o termo engak, utilizado para a prima
cruzada, não é apenas usado para a irmã da esposa e para a
esposa do irmão, mas também para a própria esposa.
Mais uma vez, na ilha de Guadalcanal, nas Ilhas Salomão,
o sistema de relações de parentesco é justamente o resultado da
instituição do matrimônio entre primos cruzados. O termo nia 
é usado para o irmão da mãe e para o pai da esposa, e prova
velmente também para o marido da irmã do pai e para o pai
do marido, embora minha estadia na ilha não tenha sido pro
longada o suficiente para permitir que se coletasse material ge
nealógico em quantidade adequada para uma demonstração maisabrangente desta terminologia. De modo similar, tarunga inclui
entre seus significados a figura da irmã do pai, da esposa do
irmão da mãe e da mãe da esposa, e provavelmente da mãe do
marido, enquanto que a palavra iva é usada tanto para primos
cruzados quanto para cunhados e cunhadas. Correspondendoa
esta terminologia, parece não haver dúvidas sobre o fato de que
o costume local era o de que um homem casasse com a filha do
irmão de sua mãe ou da irmã de seu pai, embora não me fosse
 possível demonstrar genealogicamente esta forma de matrimônio.
Estas três regiões, Fiji, Novas Hébridas do Sul e Guadal
canal, são as únicas partes da Melanésia incluídas em minha
 pesquisa nas quais encontrei a prática do matrimônio entre
 primos cruzados, sendo que em todas as três regiões os sistemas
de relações de parentesco são exatamente como seria de se espe
rar de tal costume.
Tentemos agora explorar até onde é possível explicar estas
características dos sistemas melanésios de relações de parentesco
 por similaridade psicológica. Se não fosse pelo matrimônio en
tre primos cruzados, o que pode existir para dar ao irmão da
mãe uma maior semelhança psicológica com o sogro do que o
irmão do pai, ou à irmã do pai uma maior semelhança psicoló
gica com a sogra que a irmã da mãe? Por que existem dois
88
 
NOTAS
1 Lewis Morgan, System s of Consanguinit y and A ffinity o f the 
 H u m a n F a m ily : S m ith s o n ia n C o n tr ib u tio n s to K n o w le d g e , Washington.
1871, vol. XVII.
2 John Ferguson MacLennan, Studies in Ancient History, 1st series,
1976, p. 331.
3 Ibid., p. 373.
4 “Zur Urgeschichte der Ehe”, Stuttgart, 1897 (extraído de Z e itsch . 
F. vergleich. Rechtswiss, 1897, XII, 197).
5 Jo u rn a l R o y a l A n th r o p o lo g ic a l In s t i tu te , 1909, XXXIX, 77.
6 Uma versão completa destes e de outros fatos citados nestas confe-
rências aparecerá brevemente num trabalho intitulado “The history of
Melanesian society”, a ser publicado pela Cambridge University Press.
7 John Ferguson Maclennan, op. cit., p. 366.
8 Neste, como nos demais diagramas, as letras maiúsculas represen-
tam o sexo masculino e as minúsculas o sexo feminino.
9 Grant, G azett eer o f Ce ntral Provinces, 2.a,ed., Nagpur, 1870, p. 276.
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