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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL LILIAN CARINE DE LIMA SANTOS TRABALHO AVALIATIVO - DIREITOS REAIS PROFESSORA PATRICIA MONTEMEZZO CAXIAS DO SUL 2018 1 ASSUNTO: Conflito envolvendo posse; 2 DESCRIÇÃO DO CASO: Confronto entre índios e fazendeiros deixa 13 feridos no Maranhão 1 O caso ocorreu em maio de 2017, em que um confronto entre fazendeiros e índios no povoado de Bahia, no município de Viana, a 250 quilômetros de São Luís, no Maranhão, deixou 13 feridos. A causa deste confronto tem como ponto principal a disputa por terras na região. O ataque foi numa propriedade rural, que os indígenas tinham acabado de ocupar. O pescador Antônio Augusto Pinto disse que pediu ajuda na cidade quando os índios chegaram. Segundo testemunhas, homens armados chegaram logo após a ocupação. Um índio levou dois tiros. Os índios gamela reivindicam uma área equivalente a 14 mil campos de futebol nos municípios de Viana, Matinha e Penalva. Eles vinham ocupando fazendas e sítios aos poucos, enquanto aguardavam uma decisão da Justiça sobre o direito da terra. No conflito, dez índios e, segundo a Secretaria de Segurança Pública do Maranhão, três fazendeiros ficaram feridos Cinco feridos foram levados para um hospital em São Luís. Segundo a Pastoral da Terra, a área é território indígena e foi invadida pelos fazendeiros. "Eles estão no processo de retomada das suas terras. O estado tem a sua demora. Então eles estão fazendo isso de forma autônoma, retomando território", afirmou o padre Clemir Batista, da Comissão Pastoral da Terra. O governo do Maranhão enviou policiais de São Luís para investigar o caso. O Ministério da Justiça divulgou nota informando que está averiguando o conflito agrário no Maranhão. E que por determinação do ministro Osmar Serraglio, a Polícia federal enviou uma equipe para evitar mais conflitos. A Funai informou que vai criar um comitê de crise para prestar ajuda aos feridos e garantir o cumprimento da lei. 1 Confronto entre índios e fazendeiros deixa 13 feridos no Maranhão. Disponível em: <http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2017/05/confronto-entre-indios-e-fazendeiros-deixa-13-fer idos-no-maranhao.html> Acessado em 25/10/2018 1 3 PARECER Inicialmente, façamos uma resolução de conceitos entre propriedade e posse a qual é a base do presente trabalho. Posse segundo o autor Flávio Tartuce, em sua obra Direito Civil - Direitos das Coisas, “é o domínio fático sobre a coisa. Exercício de um dos atributos da propriedade (art. 1.196 do CC).” A Posse que o Código Civil atual adota é da 2 Teoria Objetivista ou Objetiva de Ihering, que para se caracterizar, basta apenas o corpus, diferentemente da teoria subjetiva de Savigny, que define posse como Corpus + Animus Domini, esta última não adotada pelo nosso sistema jurídico. Ainda, segundo o autor Tartuce, propriedade é o direito que alguém possui em relação a um bem determinado. Direito Fundamental protegido no art. 5.º, XXII, CF/88 que deve atender sempre a uma função social. 3 Ainda, cita alguns atributos que a propriedade possui, contida no art. 4 1.228 do Código Civil, qual seja, Gozar, Reaver, Usar, Reivindicar. Concluído estes conceitos, adentramos as questões dentro do fato presente, o conflito entre os índios e fazendeiros. Faz-se necessário elucidar alguns termos utilizados na reportagem acima apresentada. Segundo a Funai, terra indígena tem como concepção : 5 É uma porção do território nacional, de propriedade da União, habitada por um ou mais povos indígenas, por ele(s) utilizada para suas atividades produtivas, imprescindível à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e necessária à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. Trata-se de um tipo específico de posse, de natureza originária e coletiva, que não se confunde com o conceito civilista de propriedade privada. 2 TARTUCE, Flávio. Direito Civil - Vol. 4 - Direitos das Coisas, 10ª edição. Forense, 12/2017. [Minha Biblioteca], p. 106 3 Ibidem, p. 269 4 Ibidem, p. 133. 5 http://www.funai.gov.br/index.php/2014-02-07-13-24-32 2 Este conceito da FUNAI traz informações importantes, primeiro, trata-se de propriedade da União, segundo um tipo específico de posse, e terceiro que não se confunde com propriedade privada. O direito que o índio tem é de caráter originário, e nossa própria Carta Magna proporciona um capítulo para tal, qual seja, Capítulo VIII, como segue: Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. Pontua-se que o direito originário dos índios a terras indígenas teve início com o Alvará Régio de 1680, seu primeiro reconhecimento, pelo ordenamento jurídico do Estado português, da autonomia desses povos. Este direito é independente de titulação ou reconhecimento formal, celebrado no início do processo de colonização. 6 Para fim histórico, foi criado em 1910 o Serviço de Proteção do Índio, mesmo após o alvará régio de 1680. Assim, este artigo, 231 da Constituição Cidadã de 1988 reconhece a organização social, costumes, línguas, crenças e tradições dos índios, com o que reconhece a existência de minorias nacionais e institui normas de proteção de sua singularidade étnica especialmente de suas línguas, costumes e usos. 7 A luta do povo gamela da região do Maranhão pelo território já ocorre faz cinco anos, sendo que quem tem a responsabilidade de fazer a regularização fundiária é a FUNAI. Tal regularização foi registrada 2016, como consta no próprio site da fundação: “A reivindicação fundiária do povo Gamela foi registrada no banco de dados da Coordenação-Geral de Identificação e Delimitação da Funai no início de 2016. Desde então, deu-se prosseguimento aos procedimentos de qualificação 6 Direito originário. Disponível em: <http://www.funai.gov.br/index.php/2014-02-07-13-26-02> Acessado em: 26/10/2018. 7 Os índios em face à Constituição Federal/88 Disponível em: <https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/1602/Os-indios-em-face-a-Constituicao-Federal-88> Acessado em: 25/10/2018. 3 da referida reivindicação.” Ainda, segundo a FUNAI, qualificações de reivindicações 8 fundiária tem como conceito: Trata-se do estágio no qual a Funai está aberta a receber documentos e informações preliminares de natureza antropológica, etnohistórica, ambiental, sociológica, fundiária e cartográfica, que serão analisados e sistematizados com o objetivo de motivar, oportunamente, a constituição de Grupo Técnico multidisciplinar, responsável por realizar os estudos necessários à demarcação das áreas, com base na legislação vigente. 9 Estas terras, ocupadas pelos povos gamelas, das quais que possuem direito como supra já citado, elas são propriedade da União, segundo o art. 20 da Constituição Federal: “Art. 20. São bens da União: XI - as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.” Há certa discussão quantoao termo “tradicionalmente”, que após a súmula 650/STF foi mais alavancada a questão, que diz o seguinte: “Os incisos I e XI do art. 20 da Constituição Federal não alcançam terras de aldeamentos extintos, ainda que ocupadas por indígenas em passado remoto.” No RE 219.983, precedente da Súmula 650 do STF, o Min. Nelson Jobim destacou, em relação ao reconhecimento de terras indígenas, que: “Há um dado fático necessário: estarem os índios na posse da área. É um dado efetivo em que se leva em conta o conceito objetivo de haver a posse. É preciso deixar claro, também, que a palavra ‘tradicionalmente’ não é posse imemorial, é a forma de possuir; não é a posse no sentido da comunidade branca, mas, sim, da comunidade indígena. Quer dizer, o conceito de posse é o conceito tradicional indígena, mas há um requisito fático e histórico da atualidade dessa posse, possuída de forma tradicional.” Assim, conclui-se que o que se trata no art. 20 da CF, as terras tradicionalmente habitadas por indígenas são aquelas que os índios habitavam na data da promulgação da CF/88 (marco temporal); e se caracterizam por uma tradicional ocupação, ou seja, uma efetiva relação dos índios com a terra (marco da tradicionalidade da ocupação). Como conclusão neste artigo científico : 10 8 Em audiência, Funai e governo do Maranhão detalham parceria para regularização da Terra Indígena Gamela. Disponível em: <http://www.funai.gov.br/index.php/comunicacao/noticias/4327-gamela?limitstart=0#> Acessado em: 26/10/2018. 9 Ibidem. 10 VILLAR, Alice Saldanha.Terras indígenas: súmula 650/STF não se aplica na hipótese de renitente esbulho. Disponível em: 4 Como se vê, em regra, o conceito de “terras tradicionalmente ocupadas pelos índios” abrange apenas aquelas que estavam sendo ocupadas em 05/10/1988, não alcançando as terras ocupadas por indígenas em passado remoto. Nesse sentido é o comando da Súmula 650 do STF: “Os incisos I e XI do art. 20 da Constituição Federal não alcançam terras de aldeamentos extintos, ainda que ocupadas por indígenas em passado remoto”. O questionamento não cabe ao presente caso, visto o “marco temporal”, entretanto, ocorre que as tribos indígenas como um todo vem há anos na expressão cunhada pelo ex-Ministro Carlos Britto, sofrendo renitente esbulho. Nas palavras do Min. Teori Zavascki, “o renitente esbulho se caracteriza pelo efetivo conflito possessório, iniciado no passado e persistente até o marco demarcatório temporal da data da promulgação da Constituição de 1988, materializado por circunstâncias de fato ou por controvérsia possessória judicializada”. 11 A luta que os indígenas passam para terem o direito às suas terras são árduas e perenes, assim, contrariando a súmula acima, não se pode falar em extinção de aldeias, considerando o extenso e contínuo conflito que se segue pelas tribos, que na maioria das vezes, regadas a sangue, como no presente caso apresentado, são desprovidas de defesa, mesmo com a lei maior ao seu lado. Ainda, as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios gamelas destinam-se a posse permanente, como bem explicita o art. 231 da CF, como segue: § 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. (grifo meu) Portanto, a propriedade é da União, mas a posse é dos indígenas. Enfim, cabe o direito à tribo gamela da posse da terra, a região que os índios pretendem reivindicar são de seu direito, porém sofreram esbulho violento, como noticiado, e de forma pacífica tentaram retomar não obtendo êxito, o que se espera é uma <https://alice.jusbrasil.com.br/artigos/236653923/terras-indigenas-sumula-650-stf-nao-se-aplica-na-hi potese-de-renitente-esbulho> Acessado 25/10/2018 11 ARE 803462 AgR/MS, rel. Min. Teori Zavascki, 9.12.2014. (ARE-803462). Decisão publicada no Informativo 771 do STF - 2014. 5 http://www.jusbrasil.com.br/topicos/10721998/inciso-i-do-artigo-20-da-constitui%C3%A7%C3%A3o-federal-de-1988 http://www.jusbrasil.com.br/topicos/10721998/inciso-i-do-artigo-20-da-constitui%C3%A7%C3%A3o-federal-de-1988 resposta da justiça e da FUNAI, além do Município para o caso ainda em andamento. 6 4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm>. Acessado em 26 de outubro de 2018. FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO – FUNAI. Brasília. Disponível em: <www.funai.gov.br>. Acessado em 26 de outubro de 2018.. TARTUCE, Flávio. Direito Civil - Vol. 4 - Direitos das Coisas, 10ª edição. Forense, 12/2017. [Minha Biblioteca]. 7
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