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CENTRO UNIVERSITÁRIO ESTÁCIO DA AMAZÔNIA CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO ANA BROISLER ANA CONCEIÇÃO CÉSAR PEREIRA ERLÂNDIA PEREIRA FLEIDSON CRUZ IGHOR SALES LUCIANO DA SILVA RARIANE CARNEIRO WOLLACE GARCIAS PESSOA JURÍDICA BOA VISTA – RR 2019.2 ANA BROISLER ANA CONCEIÇÃO CÉSAR PEREIRA ERLÂNDIA PEREIRA FLEIDISON CRUZ IGHOR SALES LUCIANO DA SILVA RARIANE CARNEIRO WOLLACE GARCIAS PESSOA JURÍDICA Trabalho apresentado à disciplina de Direito Civil I como requisito parcial para Primeira Avaliação, referente ao 2º Semestre da turma 3002 do Curso de Bacharelado em Direito do Centro Universitário Estácio da Amazônia. Professora Orientadora: Cláudia Silvestre da Silva BOA VISTA – RR 2019.2 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 5 2. PESSOA JURÍDICA ................................................................................................... 6 2.1. CONCEITO ....................................................................................................................... 6 2.2. NATUREZA JÚRIDICA .................................................................................................... 7 2.3. ELEMENTOS ESTRUTURAIS (PRESSUPOSTOS EXISTENCIAIS DA PESSOA JURÍDICA) ................................................................................................................................ 9 2.4. PERSONALIDADE JURÍDICA ..................................................................................... 10 2.4.1. Personalidade jurídica e direitos da personalidade ....................................... 10 2.4.2. Inicio da personalidade ........................................................................................... 11 2.4.3. Ato constitutivo e registro da pessoa jurídica ................................................. 12 2.4.3.1. Natureza jurídica do registro das pessoas jurídicas .......................................... 13 2.4.3.2. Local do registro ...................................................................................................... 14 2.4.4. Fim da personalidade .............................................................................................. 17 2.5. REPRESENTAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA ............................................................ 17 2.6. RESPONSABILIDADE DA PESSOA JURÍDICA ...................................................... 18 2.7. DAS DIVERSAS CLASSIFICAÇÕES DAS PESSOAS JURÍDICAS ....................... 19 2.7.1. Classificação quanto à estrutura interna ........................................................... 19 2.7.2. Classificação quanto à função ............................................................................. 20 2.7.2.1. Pessoas jurídicas de direito público ..................................................................... 20 2.7.2.2. Pessoas jurídicas de direito privado..................................................................... 21 2.8. SOCIEDADES ................................................................................................................ 21 2.9. EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA ............................. 23 2.10. ASSOCIAÇÕES ........................................................................................................... 24 2.10.1. Constituição de uma associação ....................................................................... 25 2.10.2. Composição da Associação ................................................................................ 25 2.10.2.1. Associados ............................................................................................................. 25 2.10.2.2. Diretoria .................................................................................................................. 27 2.10.2.3. Assembleia geral ................................................................................................... 27 2.10.3. Dissolução da associação ................................................................................... 28 2.11. FUNDAÇÕES ............................................................................................................... 29 2.11.1. Constituição das Fundações .............................................................................. 29 2.11.2. Alteração do estatuto da fundação ................................................................... 32 2.11.3. Fiscalização ............................................................................................................. 33 2.11.4. Extinção da Fundação .......................................................................................... 34 2.12. NACIONALIDADE ........................................................................................................ 35 2.13. DOMICÍLIO DA PESSOA JURÍDICA ........................................................................ 35 2.13.1. Pessoas jurídicas de direito público ................................................................. 35 2.13.2. Pessoas jurídicas de direito privado ................................................................ 36 2.14. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE DA PESSOA JURÍDICA ........... 37 2.14.1. Teorias da desconsideração da personalidade jurídica .............................. 39 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 41 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................ 43 ANEXO .......................................................................................................................... 44 LISTAS DE ABREVIATURAS ALCA Área de Livre Comércio das Américas ANATEL Agência Nacional de Telecomunicações ANEEL Agência Nacional de Energia Elétrica ANP Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis ANS Agência Nacional de Saúde ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária Art. Artigo CADE Conselho Administrativo de Defesa Econômica CC Código Civil CJF Conselho da Justiça Federal CLT Consolidação da Leis Trabalhistas CNAS Conselho Nacional de Assistência Social CNPJ Cadastro Nacional de Pessoa Física CNSP Conselho Nacional de Segurado Privado CRBF Constituição da república Federativa do Brasil CRCPJ Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas EIRELI Empresa Individual de Responsabilidade Limitada INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INPI Instituto Nacional de Propriedade Industrial INSS Instituto Nacional de Seguridade Social INTERPOL Organização Nacional de Polícia Criminal IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional MERCOSUL Mercado Comum do Sul OAB Ordem dos Advogados OEA Organização dos Estados Americanos OIT Organização Internacional do Trabalho OMC Organização Mundial do Comércio OMS Organização Mundial de saúde ONU Organização das nações Unidas STF Superior tribunal Federal STJ Superior Tribunal de Justiça SUSEP Superintendência de Seguro Privado UNESCO Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura USP Universidade de São Paulo 5 1. INTRODUÇÃO Desde o começo dos tempos o homem teve a necessidade, devido à sobrevivência, de reunir-se em grupos com o intuito de alcançar certos objetivos, para o homem primitivo a caça, a pesca entre outros, para o homem moderno esse objetivo evoluiu, podendo ser o alcance de propósitos econômicos ou filantrópicos. O uso desta ferramenta surgiu pelo simples fato de que há metas que não podem ser alcançadas apenas com o esforço individual, mas sim, com o trabalho cooperativo de outras pessoas. Oato de organizar grupos com finalidades tão especificas, não passou despercebido aos olhos do Direito. O Direito não podendo ignorar essa inovação, que surgiu criada pela evolução histórica, passou a discipliná-las para que pudessem participar da vida jurídica de forma equivalente a qualquer pessoa natural (teoria da equiparação) dotando esses grupos de personalidade jurídica, surgindo assim a pessoa jurídica (art. 45 do código civil – lei 10406/02). O surgimento da pessoa jurídica causou diversos desacordos entre doutrinadores com diversos pontos de vista diferentes em relação ao assunto, discussões essas das quais surgiram diversas teorias quanto a definição da pessoa jurídica, essas teorias serão explicadas neste trabalho assim como as condições para o surgimento da pessoa jurídica, requisitos, começo da existência legal, classificações entre outros temas. 6 2. PESSOA JURÍDICA 2.1. CONCEITO Denominam-se pessoas jurídicas os entes formados pela coletividade de bens ou de pessoas a quem a lei atribui personalidade jurídica, com o objetivo de que seja atingida uma determinada finalidade autorizada ou não proibida por Lei (ou seja, lícita). Em outras palavras, para que a coletividade possa agir como uma unidade, o ordenamento jurídico confere uma personalidade própria, que não deve ser confundida com a personalidade de cada um de seus integrantes (conforme a expressão latina universitas distat a singulis). Assim: [...] ”pessoa” é o ente físico ou coletivo suscetível de direitos e obrigações, sendo sinônimo de sujeito de direito. Sujeito de direito é aquele que é sujeito de um dever jurídico, de uma prestação ou titularidade jurídica, que é o poder de fazer valer, através de uma ação, o não cumprimento do dever jurídico, ou melhor, o poder de intervir na produção da decisão judicial. (DINIZ, 2011, p.129) Quando o agrupamento é de pessoas, afirma-se que a pessoa jurídica é intersubjetiva, podendo assumir a forma de uma associação ou de uma sociedade. Quando é resultado do agrupamento de bens, a pessoa jurídica é patrimonial, sendo denominada fundação. Excepcionalmente, o ordenamento jurídico também confere personalidade a entidades sem coletividade, podendo ser citada como exemplo a Eireli (Empresa Individual de Responsabilidade Limitada). De acordo com Gonçalves: Cada país adota uma denominação para essas entidades. Na França e na Suíça chamam-se "pessoas morais". Em Portugal "pessoas coletivas". Na Argentina, que adotou a expressão proposta pro Teixeira de Freitas, "entra de existência ideal". No Brasil, na Alemanha, na Espanha, e na Itália, dentre outros países, preferiu-se a expressão "pessoa jurídica". “Inúmeras outras designações, porém, são lembradas pelos autores, como “pessoas civis”, “místicas”, “abstratas”, “compostas”, “universidade de bens e de pessoas” etc. A denominação ‘pessoas jurídicas”, todavia, é a menos imperfeita e a que mais frequentemente se usa, porque acentua o ambiente jurídico que possibilita sua existência. (2015, pág. 218). 7 2.2. NATUREZA JÚRIDICA É pacífico o entendimento na atualidade de que as pessoas jurídicas devem ser classificadas como sujeitos de direito, justamente por serem entes dotados de capacidade e personalidade jurídica própria. Entretanto, por muito tempo não houve consenso com relação à natureza jurídica das pessoas jurídicas. No passado, não foram poucos os autores que negaram a qualidade de sujeito de direito à pessoa jurídica (Duguit, Planiol, Berthélemy, Ihering, Wieland, Bolze etc.). Consideravam a pessoa jurídica uma forma especial de patrimônio (mera forma de condomínio ou propriedade coletiva), em que as decisões eram tomadas pelos seus proprietários de forma coletiva. Paulatinamente, as teorias negativistas da pessoa jurídica foram sendo rebatidas e hoje a posição majoritária é no sentido de que as pessoas jurídicas têm personalidade jurídica própria. Contudo, os autores divergem sobre a tese que fundamentara a personalidade. Dentre as diversas teorias afirmativistas da pessoa jurídica, destacam-se as seguintes: a) Teoria da equiparação: baseia-se na ideia de que a pessoa jurídica é um patrimônio que recebe do ordenamento jurídico, por equiparação, o mesmo tratamento dispensado às pessoas naturais (seres humanos). Por tratar bens como sujeitos de direitos, essa teoria é muito criticada pela doutrina, havendo até mesmo quem entenda que pertença ao grupo das teorias negativistas da pessoa jurídica. Dentre os defensores dessa teoria, destacam-se Windscheid e Brinz. b) Teoria da ficção1 legal: para essa teoria, a pessoa jurídica é uma mera abstração legal, isto é, uma criação artificial do legislador. A crítica recai sobre o fato de que esta teoria reconhece apenas a existência ideal da pessoa jurídica, negando sua existência real e colocando a lei como força criativa, e não como uma força confirmativa da personalidade jurídica. Além disso, se a personalidade das pessoas jurídicas é fruto de ficção, fictício será o direito que dela deriva. O desenvolvimento da teoria de ficção legal é atribuído a Savigny, sendo defendida também por Orlando Gomes. Importante salientar a existência de outra teoria, decorrente dela, que defende que a personalidade da pessoa jurídica é 1 No sentido empregado nesse texto, fantasia, algo criado artificialmente. 8 resultado de invenção dos estudiosos do direito (teoria da ficção doutrinária). Trata-se de posicionamento pouco difundido, e que é alvo das mesmas críticas acima mencionadas. Gonçalves afirma que: A teoria da "ficção doutrinária" é uma variação da anterior. Afirmam os seus adeptos, dentre eles Vareilles-sommières, que a pessoa jurídica não tem existência real, mas apenas intelectual, ou seja, na inteligência dos juristas, sendo assim uma mera ficção criada pela doutrina. (2015, pág. 220) c) Teoria da realidade objetiva: a teoria da realidade objetiva, também conhecida como teoria da realidade orgânica, teoria orgânica ou teoria organicionista, defende exatamente o oposto da teoria da ficção legal. As pessoas jurídicas são, portanto, entes de existência real (detentoras de identidade organizacional própria), cuja personalidade jurídica independe do reconhecimento legal. Reconhece-se a dimensão sociológica das pessoas jurídicas ao considerá-las um organismo social vivo. A formulação dessa teoria é atribuída a Gierke e Zitelmann. Conforme Gonçalves: (2018, pág. 196), esta teoria “reduz o papel do Estado a mero conhecedor de realidades já existentes, desprovido de maior poder criador.” d) Teoria da realidade técnica: mesclando as ideias das teorias anteriores, a teoria da realidade técnica defende que a personalidade da pessoa jurídica é resultado de sua existência real aliada à sua existência ideal. Reconhece, desta feita, a importância da dimensão social e legal das pessoas jurídicas, sem ignorar o lado fictício da pessoa jurídica (criação legal). Maria Helena Diniz prefere denominá-la como a teoria da realidade das instituições jurídicas (de Hauriou), opinando que: A personalidade jurídica é um atributo que a ordem jurídica estatal outorga a entes que o merecerem. Logo, essa teoria é a que melhor atende à essência da pessoa jurídica, por estabelecer, com propriedade, que a pessoa jurídica é uma realidade jurídica. (Curso de Direito Civil, 2007, v. 1, pág. 230). Assim sendo, a personalidade jurídica seria conferida pela lei a qualquer agrupamento suscetível de ter uma vontade própria e de defender seus próprios interesses. Defende essa posição Caio Mário da Silva Pereira. 9 2.3. ELEMENTOS ESTRUTURAIS (PRESSUPOSTOS EXISTENCIAIS DA PESSOA JURÍDICA) Para que a pessoa jurídica possa ser constituída de forma válida, são exigidos diversosrequisitos. Importante observar que a doutrina está longe de chegar a um consenso com relação ao tema. Contudo, entendemos que os principais pressupostos gerais são: a vontade humana criadora; a coletividade de pessoas ou de bens; e a finalidade lícita. E diz-se “gerais” porque, além destes, deverão ser observados outros exigidos pela lei, a depender do tipo específico de pessoa jurídica que será constituída. A título de exemplo podemos citar: a elaboração do estatuto ou contrato social; a inscrição do ato constitutivo; a autorização prévia do Poder Executivo exigido em hipóteses excepcionais (p. ex.: instituições bancárias e seguradoras) etc. Segundo Lopes: Existem três sistemas que vigoram acerca das condições para a existência das pessoas jurídicas: sistema da concessão, onde há necessidade de autorização estatal para a aquisição da personalidade jurídica; sistema misto, onde há necessidade de concessão estatal somente para determinada classe de pessoas jurídicas, este é o sistema adotado pelo direito brasileiro e, por último, o sistema da plena liberdade de formação de associações. (2000, p.373; apud TOLEDO, 2002, pág. 29). Vejamos, agora, de forma detalhada, os três principais requisitos: 1º Requisito: vontade humana criadora A vontade humana criadora é sempre um requisito essencial para a constituição da pessoa jurídica formada, não importando se é composta pela coletividade de pessoas ou de bens. Nas pessoas jurídicas intersubjetivas, há uma conversão de vontades de todos os participantes do grupo para que os fins comuns sejam alcançados. Nas pessoas jurídicas patrimoniais, o fundador manifesta a sua vontade para que a coletividade de bens adquira personalidade jurídica (vontade heterônoma). A vontade humana criadora deve ser manifestada de forma livre e consciente por pessoa capaz ou devidamente representada. 2º Requisito: coletividade de pessoas ou bens A coletividade de pessoas (nas sociedades e nas associações) ou a coletividade de bens (nas fundações) é a base estrutural da pessoa jurídica. Excepcionalmente, o ordenamento jurídico confere personalidade jurídica a entes 10 despidos de coletividade, como ocorre com a Eireli (Empresa Individual de Responsabilidade Limitada). 3º Requisito: finalidade lícita (liceidade) Uma pessoa jurídica sempre será constituída com o fim de alcançar uma finalidade específica, seja lucrativa (p. ex.: sociedade) ou não (p. ex.: associação filantrópica, educativa, recreativa, política, religiosa etc.). Qualquer que seja esse objetivo, certo é que não poderá estar desconforme o ordenamento jurídico, devendo respeitar a lei, a moral, a ordem pública e os bons costumes2. Caso tenha sido constituída com finalidade lícita e durante sua existência se desvirtuado, o Ministério Público poderá requerer sua dissolução. Cite-se como exemplo, aqui, o episódio envolvendo algumas torcidas organizadas de clubes de futebol do Estado de São Paulo. 2.4. PERSONALIDADE JURÍDICA Já se estudou que, no que concerne às pessoas naturais humanos são dotados de personalidade jurídica e, por isso, podem titularizar relações jurídicas. O mesmo ocorre com as pessoas jurídicas: assim como a lei confere personalidade jurídica às pessoas naturais, também a confere às pessoas jurídicas, permitindo que sejam titulares de direitos e deveres. Daí resulta que as pessoas jurídicas também são detentoras de capacidade jurídica, podendo praticar diversos atos da vida civil, como, por exemplo, celebrar contratos, adquirir bens móveis e imóveis, receber herança etc. Contudo, não se pode afirmar que as pessoas jurídicas podem praticar todos os atos da vida civil, pois alguns são reservados aos seres humanos, como a adoção, o casamento, a celebração de testamento etc. 2.4.1. Personalidade jurídica e direitos da personalidade Com relação à titularidade de direitos da personalidade, vimos no capítulo anterior (Direitos da Personalidade) que a posição doutrinária majoritária é no sentido de que as pessoas jurídicas possuem alguns direitos da personalidade, tais como o direito à imagem e à honra objetiva. Nesse sentido, o Art. 52 do Código Civil 2 Costumes: Conjunto de valores determinantes da conduta humana. 11 determina: “aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade”. Por serem detentoras de direitos da personalidade, podem sofrer dano moral, como, aliás, prevê a Súmula 227/STJ3. Recomendamos a leitura da Unidade anterior para conferir as posições doutrinárias sobre o tema. 2.4.2. Início da personalidade Já estudamos as diversas teorias existentes quanto à determinação do momento em que os seres humanos adquirem personalidade jurídica (se a partir do nascimento ou da concepção). Com relação às pessoas jurídicas, a questão também não é simples, mas, diferentemente da pessoa física, que surge de um fato jurídico natural (biológico), a pessoa jurídica surge a partir de um fato jurídico humano: a vontade. Para determinação do momento do surgimento da personalidade da pessoa jurídica, deve ser feita a distinção entre as pessoas jurídicas de direito público e as pessoas jurídicas de direito privado. 2.4.2.1. Início da personalidade das pessoas jurídicas de direito público As pessoas jurídicas de direito público são normalmente constituídas por lei e, desta forma, adquirem personalidade no exato momento em que a lei instituidora entrar em vigor. Excepcionalmente, a lei assume papel secundário, autorizando que o chefe do Poder Executivo (municipal, estadual ou federal) crie uma pessoa jurídica por força de decreto, adquirindo personalidade a partir da vigência deste. Além da criação por força de lei e por força de decreto, as pessoas jurídicas também podem ser constituídas por meio da promulgação de uma nova constituição, de um fato histórico ou de um tratado internacional. Vale lembrar que os tratados internacionais são normalmente utilizados para a criação de pessoas jurídicas de direito público externo – ONU, OIT, OMS etc. 3 Súmula 227 – STJ: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral". 12 2.4.2.2. Início da personalidade das pessoas jurídicas de direito privado O legislador brasileiro adotou como regra o sistema das disposições normativas ao exigir a observância de determinados requisitos legais, dentre eles o registro (a inscrição) do ato constitutivo. De acordo com o Art. 45 do Código Civil, a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado começa com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo. Antes da análise detalhada do registro de cada uma das pessoas jurídicas, devemos verificar cada um dos sistemas que tratam da existência das pessoas jurídicas: Sistema da livre formação: foi o sistema adotado no Brasil até setembro de 1983, contudo era atacado por diversas críticas. Defende que a existência da pessoa jurídica tem início a partir da simples manifestação de vontade dos membros que a compõem, bastando, assim, a elaboração do ato constitutivo. Ao dispensar o registro do ato, não oferece qualquer segurança para as pessoas que contratam com a pessoa jurídica. Sistema do reconhecimento: defende que a pessoa jurídica somente existe a partir do momento em que o Estado a reconhece, mediante um decreto de reconhecimento. Esse sistema, que tem suas origens no direito romano, ainda é adotado na Itália, França e Portugal. Sistema das disposições normativas: sistema atualmente adotado no Brasil, representa uma posição intermediária entre os dois anteriores, ao estabelecer que a existência da pessoa jurídica não depende do reconhecimento ou da autorização estatal, masdo cumprimento de certos requisitos legais (p. ex.: o registro). Em situações excepcionais, exige-se no nosso país prévia autorização do Estado para criação da pessoa jurídica (p. ex.: instituições financeiras). 2.4.3. Ato constitutivo e registro da pessoa jurídica As pessoas jurídicas passam por duas fases quando de sua criação: a primeira, consistente na elaboração do ato constitutivo; e a segunda, representada pelo registro do ato constitutivo. O ato constitutivo de uma sociedade é denominado 13 contrato social; já o de uma associação ou de uma fundação é chamando estatuto. De acordo com o Art. 46 do CC: I – a denominação, os fins, a sede, o tempo de duração e o fundo social, quando houver; II – o nome e a individualização dos fundadores ou instituidores, e dos diretores; III – o modo por que se administra e representa, ativa e passivamente, judicial e extrajudicialmente; IV – se o ato constitutivo é reformável no tocante à administração, e de que modo; V – se os membros respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais; VI – as condições de extinção da pessoa jurídica e o destino do seu patrimônio, nesse caso. A Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015/73 – Art. 115) também estabelece regras para a constituição da pessoa jurídica, proibindo o seu registro “quando o seu objeto ou circunstâncias relevantes indiquem destino ou atividade ilícitos, ou contrários, nocivos ou perigosos ao bem público, à segurança do Estado e da coletividade, à ordem pública ou social, à moral e aos bons costumes”. Caso um estatuto ou contrato social seja levado a registro e o oficial que o receber perceber que se trata de pessoa jurídica cujo objeto a lei proíbe, deverá sobrestar o feito, de ofício ou por provocação de qualquer autoridade, e suscitar dúvida para que o juiz decida. Em regra, a constituição de uma pessoa jurídica não depende de prévia autorização do Poder Executivo, somente exigida em situações excepcionais, como, por exemplo, para entidades financeiras (que requerem autorização do Banco Central), e seguradoras (as quais dependem de autorização da SUSEP). 2.4.3.1. Natureza jurídica do registro das pessoas jurídicas Diferentemente do que acontece com as pessoas físicas, em que o registro tem natureza meramente declaratória (retroagindo ao momento do nascimento/concepção – portanto, dotadas de eficácia ex tunc), o registro das pessoas jurídicas tem natureza constitutiva, pois a personalidade somente é adquirida a partir dele. Dessa forma, podemos afirmar que o registro das pessoas jurídicas tem eficácia ex nunc, não legitimando ou convalidando atos pretéritos. Essa é a posição majoritária na doutrina, 14 mas devemos destacar que alguns autores do direito empresarial, como Fábio Ulhoa Coelho, defendem que o registro é declaratório e que a pessoa jurídica existe desde o momento em que o contrato social é celebrado. Denominam-se entes despersonalizados as sociedades de fato (inexiste o ato constitutivo) e as sociedades irregulares (que possuem ato constitutivo, mas este não se encontra devidamente registrado). Ambas recebem o mesmo tratamento jurídico e dentre os diversos problemas enfrentados por uma sociedade despersonificada podemos destacar os seguintes: • Responsabilidade pessoal, solidária e ilimitada dos sócios em face de quem contratou com a pessoa jurídica e de terceiros lesados. • Impossibilidade de obter número de inscrição no Cadastro Nacional das Pessoas Jurídicas – CNPJ, perante a Receita Federal. • Impossibilidade de participar de uma licitação ou de obter empréstimos ou financiamentos bancários. • Impossibilidade de ingressar em juízo em face de terceiros (em regra). 2.4.3.2. Local do registro A determinação do local onde deve ser levado a registro o ato constitutivo varia de acordo com o tipo de pessoa jurídica que se pretende registrar. A questão nem sempre é simples, pois, além das leis federais sobre a matéria (p. ex.: Lei de Registros Públicos), as Corregedorias dos Tribunais de Justiça estaduais estabelecem normas sobre competência registral. a) Junta comercial (Registro Público de Empresa): nas Juntas Comerciais Estaduais devem ser registradas as sociedades empresárias (antigamente denominadas de sociedades mercantis), conforme dispõe a Lei n. 8.934/94. Também são registradas na Junta Comercial: Seguradoras: o ato constitutivo das seguradoras deve ser registrado na Junta Comercial do Estado em que se constituírem. Esse registro somente é possível após prévia autorização da Superintendência de Seguros Privados – SUSEP, consoante Resolução 166/2007 do Conselho Nacional de Segurados Privados – CNSP. Operadoras de plano de saúde: a constituição de uma operadora de plano privado de assistência à saúde depende de registro na Junta Comercial, na Agência 15 Nacional de Saúde – ANS, bem como de registro nos Conselhos Regionais de Medicina e Odontologia, conforme o caso, em cumprimento ao disposto no Art. 1º da Lei n. 6.839, de 30 de outubro de 1980, e conforme o disposto no Art. 8º da Lei n. 9.656/98. Instituições financeiras: a existência legal das instituições financeiras também depende do registro de seus atos constitutivos na Junta Comercial. Para que o registro seja promovido, exige-se prévia autorização do Banco Central, consoante determinação da Lei n. 4.595/64, que instituiu o Conselho Monetário Nacional. b) Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas (CRCPJ): para que possam ser consideradas regularmente constituídas, as associações e fundações deverão ter seus estatutos devidamente registrados no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas (“Livro A”) do município onde se estabelecerem. No mesmo local também deverão ser levados a registro os contratos sociais das sociedades simples (conforme Art. 114 da Lei de Registros Públicos – Lei n. 6.015/77). Além das associações, fundações e sociedades simples, devem ser destacadas as seguintes entidades: Sociedades de profissionais liberais: devem ser registradas no Cartório de Registro Civil das Pessoas jurídicas por desenvolverem atividade intelectual. De acordo com o Art. 966 do Código Civil de 2002: Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa. Como exemplo, podemos citar as sociedades de médicos, dentistas, engenheiros, contadores etc. Partidos políticos: devem ter seus estatutos registrados no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas do Distrito Federal e, posteriormente, no Tribunal Superior Eleitoral (CRFB, Art. 17, § 2º; Lei n. 9.096/95, Arts. 7º e 8º e Lei de Registros Públicos, art. 114, III). Sindicatos: o registro do sindicato deve ser feito no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas no “Livro A” (Constituição Federal, art. 8º, I e Lei de Registros Públicos, Art. 114, I). Nos termos do Art. 518 e seguintes da CLT, o sindicato também deverá ser cadastrado no Ministério do Trabalho. De acordo com a jurisprudência do 16 STJ o sindicato adquire sua personalidade jurídica a partir do registro no CRCPJ, sendo desnecessário o registro junto ao Ministério do Trabalho. Contudo, para o Supremo Tribunal Federal, a constituição válida dos sindicatos depende do duplo registro. Cooperativas: existe divergência doutrinária a respeito do local onde devem ser registradas as atas das assembleias constitutivas das cooperativas, podendo ser apontadas duas correntes. A primeira corrente defende que as cooperativas devem ser registradas na Junta Comercial, de acordo com as Leis nº 5.764/71 (Lei das Cooperativas) e 8.934/94 (Art. 32, II). A segunda corrente defende que as cooperativas devem ser registradas no Cartório de RegistroCivil das Pessoas Jurídicas, pois teriam sido tratadas como sociedades simples pelo Código Civil de 2002 (arts. 982 II; 1.093 e seguintes). A questão é bem polêmica, e podemos afirmar que na prática tem prevalecido a primeira corrente, tendo a Receita Federal recusado à emissão de CNPJ para cooperativas registradas no CRCPJ. ONGs: as Organizações Não Governamentais são entidades filantrópicas que adquirem personalidade jurídica a partir do registro dos seus estatutos no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas. Para que possam receber o Certificado de Fins Filantrópicos, devem ser inscritas no Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS, que é o órgão responsável pela regulamentação da política nacional de assistência social. A inscrição das entidades no CNAS somente é possível após a inscrição no Conselho Municipal da localidade em que exercem suas atividades (Arts. 9º, § 3º, da Lei n. 8.742/93 – Lei Orgânica da Assistência Social). Caso o município ainda não tenha instituído o Conselho Municipal de Assistência Social, a entidade deverá inscrever-se no Conselho Estadual do estado em que estiver localizada sua sede. Empresas de comunicação: de acordo com o disposto nos Arts. 116 II, e 122 e seguinte da Lei de Registros Públicos, o registro de jornais, oficinas impressoras, empresas de radiodifusão e agências de notícias deverá ser feito no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas (no “Livro B”). De acordo com o art. 125 da Lei de Registros Públicos, considera-se clandestino o jornal, ou outra publicação periódico, não matriculado (registrado) nos termos do Art. 122 ou de cuja matrícula não conste os nomes e as qualificações do diretor ou redator e do proprietário. 17 Outros locais: algumas pessoas jurídicas são registradas em outros locais, como, por exemplo, as sociedades de advogados, que devem ser registradas exclusivamente na Ordem dos Advogados do Brasil, no Conselho Seccional em cuja base territorial tiver sede, conforme dispõe o Art. 15, § 1º, do Estatuto da OAB. 2.4.4. Fim da personalidade Assim como ocorre com as pessoas naturais, a extinção da pessoa jurídica determina o fim de sua personalidade jurídica. Deve ser lembrado que a extinção nunca é instantânea, pois, seja qual for a hipótese, deverá ser feita sua liquidação, com a realização do ativo (créditos) e o pagamento do passivo (débitos). Encerrada a liquidação, poderá ser requerido o cancelamento da inscrição da pessoa jurídica. Como hipóteses de extinção, podemos citar o decurso do prazo de sua duração; a sua dissolução; a deliberação dos sócios; a falta de pluralidade dos sócios; uma determinação legal; um ato governamental; a dissolução judicial; a morte de sócio etc. Com a extinção da pessoa jurídica, deve ser dado um destino aos bens remanescentes. Nas sociedades, os bens remanescentes vão para os sócios. Nas associações e nas fundações, os bens devem ser destinados, em regra, a outra instituição com fins semelhantes, como veremos nos respectivos tópicos mais à frente. Para Gonçalves: O processo de extinção da pessoa jurídica realiza-se pela dissolução e pela liquidação. Esta se refere ao patrimônio e concerne ao pagamento das dívidas e à partilha entre os sócios. Se o destino dos bens não estiver previsto no ato constitutivo, a divisão e a partilha serão feitas de acordo com os princípios que regem a partilha dos bens da herança. (2018, pág. 222) 2.5. REPRESENTAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA A forma pela qual será representada a pessoa jurídica deve constar do ato constitutivo no momento do registro. A representação é feita pelos administradores nomeados, nos limites dos poderes conferidos (Código Civil, Art. 47). De acordo com o Enunciado 145 da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, “o Art. 18 47 não afasta a aplicação da teoria da aparência”, nos casos de responsabilização do sócio por atos praticados em nome da pessoa jurídica. Se a administração da pessoa jurídica for coletiva, as decisões serão tomadas pela maioria dos votos dos presentes, salvo se o ato constitutivo dispuser de modo diverso. Podem ser anuladas no prazo decadencial de 03 (três) anos as decisões tomadas pela maioria em caso de violação do estatuto ou lei, erro, dolo, simulação ou fraude. Se a administração da pessoa jurídica vier a faltar, o juiz, a requerimento de qualquer interessado, nomear-lhe-á administrador provisório (ad hoc). 2.6. RESPONSABILIDADE DA PESSOA JURÍDICA Por serem detentoras de personalidade jurídica própria, as pessoas jurídicas de direito privado respondem com seu próprio patrimônio pelos danos que causarem a terceiros (responsabilidade extracontratual) e pelas obrigações assumidas pelos seus administradores, nos limites estabelecidos em seus estatutos (responsabilidade contratual). Conforme Gonçalves: A responsabilidade direta da pessoa jurídica coexiste com a responsabilidade individual do órgão culposo. Em consequência, a vítima pode agir contra ambos. Já se decidiu que “o administrador de pessoa jurídica só responde civilmente pelos danos causados pela empresa a terceiros quando tiver agido com dolo ou culpa, ou, ainda, com violação da lei ou dos estatutos”. (2018, pág. 220) Os atos praticados por administradores que extrapolem os poderes definidos no estatuto, bem como os atos praticados por falsos administradores, em regra, não geram responsabilidade para as pessoas jurídicas. Excepcionalmente, a pessoa jurídica poderá ser chamada a responder por esses atos diante da aplicação da teoria da aparência (boa-fé subjetiva). Exemplo: uma empresa pode ser obrigada a honrar um contrato celebrado por um administrador que foi demitido se o fornecedor não tinha conhecimento da demissão (agiu de boa-fé). Nos termos do Art. 53 do Código Civil, as pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo. Em outras palavras, as pessoas 19 jurídicas de direito público interno têm, em regra, responsabilidade objetiva pelos danos causados a terceiros. Em situações excepcionais, relacionadas a conduta omissiva, a responsabilidade será subjetiva. Quanto às pessoas jurídicas de direito privado, a responsabilidade civil também é, em princípio, do tipo objetiva, pela incidência dos Arts 932 e 933 do Código Civil de 2002, que determinam que, ainda que não haja culpa de sua parte, o empregador responde pelos atos de seus empregados, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele. Essa afirmação é reforçada por outros dispositivos, como os Arts. 927 do Código Civil, que estabelece responsabilidade objetiva quando a atividade desenvolvida implicar risco aos direitos de outrem (atividade de risco – Art. 927, parágrafo único, CC). Também será objetiva pelos danos causados pelos produtos postos em circulação (Art. 931, CC), bem como pelos acidentes de consumo na prestação de serviços e fornecimento de produtos no mercado de consumo (Código de Defesa do Consumidor, Arts. 12 a 17). 2.7. DAS DIVERSAS CLASSIFICAÇÕES DAS PESSOAS JURÍDICAS As pessoas jurídicas podem ser classificadas levando-se em consideração a sua nacionalidade, a estrutura interna, ou a função a que se submetem. Vejamos cada uma dessas classificações e as principais consequências: 2.7.1. Classificação quanto à estrutura interna Quanto à estrutura interna, as pessoas jurídicas podem ser dividi- das em corporações (universitas personarum) e fundações (universitas bonorum). Corporações são pessoas jurídicas formadas pela reunião de pessoas, podendo assumir a forma de sociedade ou de associação. Fundações são pessoas jurídicas formadas pela coletividade de bens. O estudo dassociedades, das associações e das fundações é realizado de forma detalhada mais à frente nesta obra. 20 2.7.2. Classificação quanto à função Classificadas em atenção à função que desempenham, as pessoas jurídicas podem ser divididas em pessoas jurídicas de direito público e pessoas jurídicas de direito privado. Esta é a principal forma de classificação das pessoas jurídicas e foi adotada nos Arts. 40 a 44 do Código Civil. 2.7.2.1. Pessoas jurídicas de direito público As pessoas jurídicas de direito público são aquelas reguladas por normas de direito público e estudadas pelo Direito Administrativo, podendo ser divididas em pessoas jurídicas de direito público externo e interno: a) Pessoas jurídicas de direito público externo: de acordo com o Art. 42 do Código Civil, são consideradas pessoas jurídicas de direito público externo os Estados estrangeiros e todas as pessoas regidas pelo direito internacional público (ONU, OIT, OMC, FMI, OEA, UNESCO, INTERPOL, Santa Sé, Cruz Vermelha, MERCOSUL, ALCA, União Europeia etc.). b) Pessoas jurídicas de direito público interno: Conforme o Art. 41 do Código Civil: I – a União; II – os Estados, o Distrito Federal e os Territórios; III – os Municípios; IV – as autarquias, inclusive as associações públicas (redação dada pela Lei n. 11.107, de 2005); V – as demais entidades de caráter público criadas por lei. Salvo disposição em contrário, as pessoas jurídicas de direito público, a que se tenha dado estrutura de direito privado, regem-se, no que couber, quanto ao seu funcionamento, pelas normas desse Código Portanto, são consideradas pessoas jurídicas de direito público interno: UNIÃO, ESTADOS, DISTRITO FEDERAL, TERRITÓRIOS E MUNICÍPIOS: a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios compõem a administração direta, enquanto os Territórios Federais são considerados entes da administração indireta. AUTARQUIAS, INCLUSIVE AS ASSOCIAÇÕES PÚBLICAS: as autarquias e as associações públicas compõem a administração indireta. Como exemplo de autarquias podemos citar: USP, INCRA, INPI, INSS, IPHAN, CADE, as 21 agências reguladoras (Anatel, Aneel, Anvisa, ANP) e as agências executivas também (Lei n. 9.649/98). DEMAIS ENTIDADES DE CARÁTER PÚBLICO CRIADAS POR LEI: como exemplo, podemos citar os consórcios públicos forma- dos por pessoas jurídicas de direito público interno que compõem a administração indireta 2.7.2.2. Pessoas jurídicas de direito privado As pessoas jurídicas de direito privado são aquelas reguladas por normas de direito privado, tais como o Código Civil e a CLT – Consolidação das Leis do Trabalho. Nos termos do Art. 44 do Código Civil, são pessoas jurídicas de direito privado: I – as associações; II – as sociedades; III – as fundações; IV – as organizações religiosas (incluído pela Lei n. 10.825, de 22-12-2003); V- os partidos políticos (incluído pela Lei n. 10.825, de 22-12-2003); VI – as empresas individuais de responsabilidade limitada (Eireli). De acordo com o Enunciado 144 da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, “a relação das pessoas jurídicas de direito privado estabelecida no Art. 44, I a V, do Código Civil, não é exaustiva”. E, segundo o Enunciado 142 da mesma Jornada, “os partidos políticos, sindicatos e associações religiosas possuem natureza associativa, aplicando-lhes o Código Civil”. São livres a criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamento das organizações religiosas, sendo vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento. Os partidos políticos serão organizados e funcionarão conforme o disposto em lei específica (Lei n. 9.096/95). Como não há dispositivos do Código Civil regulando os partidos políticos e as entidades religiosas, não iremos aprofundar aqui o estudo dessas pessoas jurídicas. 2.8. SOCIEDADES São pessoas jurídicas de direito privado formadas pela união de pessoas (universitas personarum), que se organizam para desenvolver uma atividade 22 econômica com intuito lucrativo. Antigamente as sociedades eram reguladas pelo Código Comercial de 1850. Com a introdução do Código Civil de 2002 as obrigações civis e comerciais foram unificadas em um mesmo diploma e a matéria passou a ser tratada em seus Art. 981 e seguinte. No Código Comercial de 1850 as sociedades eram classificadas em civis e comerciais. Essas expressões foram substituídas por sociedades simples e empresárias. Embora não exista perfeita correspondência, podemos dizer que, em geral, as sociedades simples correspondem às civis, e as sociedades empresárias correspondem às comerciais. As sociedades simples são aquelas sem fins comerciais que visam ao lucro mediante prestação de serviços relativos à determinada profissão ou serviços técnicos. Como exemplos podemos citar uma sociedade em escritório de advocacia, uma cooperativa, uma empresa de consultoria etc. As sociedades empresárias são aquelas com fins comerciais. Visam ao lucro mediante o exercício de atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços. Para ser empresária, exigem-se o requisito material (atividade empresarial) e o requisito formal (registro na Junta Comercial), conforme previsão dos Arts. 982 e 967 do Código Civil. Independentemente de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; e simples a cooperativa. Conforme determinação dos Arts. 1.039 a 1.092 do Código Civil de 2002, as sociedades empresárias podem assumir diversas formas: sociedade em nome coletivo, sociedade em comandita simples, sociedade em comandita por ações, sociedade limitada, sociedade anônima ou por ações. Embora não tenha sido citada a atividade própria de empresário rural, foi equiparada à sociedade empresária conforme mostra abaixo Gonçalves ao citar Hentz (Direito de empresa no Código Civil de 2002, p. 28): Atende à realidade atual do campo, em que verdadeiras empresas agregam capital e trabalho exclusivamente para a exploração agrícola, pecuária e extrativista. É fruto da evolução do anteprojeto nas comissões legislativas por que passou, acabando por receber tratamento facultativo, não proposto originariamente. Sociedade entre cônjuges: os cônjuges podem contratar sociedade, entre si ou com terceiros, desde que não tenham casado no regime da comunhão universal 23 de bens, ou no da separação obrigatória. Independentemente do regime de bens, o empresário casado pode, sem necessidade de outorga conjugal, alienar os imóveis que integrem o patrimônio da empresa ou gravá-los de ônus real (Código Civil, Arts. 977 e 978). Serão arquivados e averbados no Registro Civil e no Registro Público de Empresas Mercantis os pactos e declarações antenupciais do empresário, o título de doação, herança, ou legado, de bens clausulados de incomunicabilidade ou inalienabilidade4. A empresa pública e a sociedade de economia mista, apesar de terem capital público, são dotadas de personalidade jurídica de Direito Privado. São regidas pelas normas empresarias e trabalhistas (art. 173, § 1.º, da CF/1988), mas com as cautelas do direito público, como, por exemplo, no que toca à sujeição ao regime das licitações. (Tartuce 2019, p. 286) 2.9. EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA A Lei n. 12.441/2011 acrescentou mais uma modalidade de pessoa jurídica de direito privado ao rol do Art. 44 do Código Civil: a empresa individual de responsabilidade limitada. Suas regras estão estabelecidas no art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário mínimo vigente no País. O nome empresarial deverá serformado pela inclusão da expressão “Eireli” após a firma ou a denominação social da empresa individual de responsabilidade limitada. A pessoa natural que constituir empresa individual de responsabilidade limitada somente poderá figurar em uma única empresa dessa modalidade. A empresa individual de responsabilidade limitada também poderá resultar da concentração das quotas de outra modalidade societária num único sócio, independentemente das razões que motivaram tal concentração. Poderá ser atribuída à empresa individual de responsabilidade limitada constituída para a prestação de serviços de qualquer natureza a remuneração decorrente da cessão de direitos 4 Cláusulas de incomunicabilidade e inalienabilidade: regras, em geral previstas em um contrato, que determinam que um bem não pode ser objeto de comunhão ou compartilha- mento (incomunicável) nem pode ser alienado, isto é, ter sua propriedade transferida a outra pessoal (inalienável). 24 patrimoniais de autor ou de imagem, nome, marca ou voz de que seja detentor o titular da pessoa jurídica, vinculados à atividade profissional. Aplicam-se à empresa individual de responsabilidade limitada, no que couber, as regras previstas para as sociedades limitadas. A nova categoria foi instituída visando à diminuição de burocracia para a constituição de empresas em nosso país... A este autor parece que tais entidades não constituem sociedades na sua formação, pelo fato de serem constituídas apenas por uma pessoa. O tratamento como sociedade limitada refere-se apenas aos seus efeitos e não quanto à estrutura. Em suma, parece existir um caráter totalmente especialáter totalmente especial na nova categoria introduzida no Código Civil de 2002, que não se enquadra nos institutos antes previstos. Deve ficar claro que essa natureza diferenciada não veda a subsunção de regras fundamentais previstas para as pessoas jurídicas, caso da desconsideração da personalidade jurídica, que ainda será estudada. (longa Tartuce 2019, p. 290) 2.10. ASSOCIAÇÕES As associações são pessoas jurídicas de direito privado formadas pela união de pessoas (universitas personarum) que se organizam para desenvolver uma atividade lícita que não seja econômica, isto é, que não tenha intuito lucrativo. Podem, portanto, desenvolver atividade educacional, pia (isto é, filantrópica), religiosa, esportiva, científica, literária, recreativa, política etc. (exemplos: sindicatos, grêmios estudantis, escolas de samba, clubes esportivos). Diferenciam-se das fundações por serem formadas pela coletividade de pessoas, e não de bens, e diferenciam-se das sociedades por não terem finalidade lucrativa. Entretanto, a ausência de intuito lucrativo não as impede de ter patrimônio e desenvolver atividades visando arrecadar valores para que possam atingir seus fins (p. ex.: uma associação filantrópica pode realizar bingos; uma associação educacional pode cobrar mensalidades etc.). Desta forma, o lucro pode ser um meio, mas nunca o fim de uma associação, sendo absolutamente vedada (proibida) qualquer repartição de receita (valores recebidos) entre os associados. 25 2.10.1. Constituição de uma associação Em capítulo anterior vimos que a associação somente adquire personalidade jurídica por meio do registro do seu ato constitutivo (estatuto) no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas. A criação de uma associação não depende de prévia autorização do Poder Executivo por ser um direito fundamental da pessoa humana (princípio da liberdade de associação – CRFB, Art. 5º, XVII). O estatuto de uma associação deve ser feito por escrito (mediante instrumento público ou particular) e, de acordo com o Art. 54 do Código Civil, deverá indicar, sob pena de nulidade: I – a denominação, os fins e a sede da associação; II – os requisitos para a admissão, demissão e exclusão dos associados; III – os direitos e deveres dos associados; IV – as fontes de recursos para sua manutenção; V – o modo de constituição e de funcionamento dos órgãos deliberativos5; VI – as condições para a alteração das disposições estatutárias e para a dissolução; VII – a forma de gestão administrativa e de aprovação das respectivas contas. 2.10.2. Composição da Associação A análise da estrutura interna de uma associação revela a existência de três órgãos em sua composição: a assembleia geral, os órgãos deliberativos e os associados. De acordo com a jurisprudência do STJ, as associações são “dotadas de autonomia de organização e funcionamento”. Vejamos, então, as principais características de cada um dos órgãos que compõem a associação. 2.10.2.1. Associados Os associados devem ter iguais direitos, mas o estatuto poderá instituir categorias com vantagens especiais (Código Civil, Art. 55), seja em razão de 5 Órgãos Deliberativos: grupos ou conselhos que examinam e discutem questões dentro de uma determinada instituição, tomando decisões que passam a ser obrigatórias sobre os assuntos tratados. 26 serviços prestados, tempo de associação, mérito, ou qualquer outro fundamento que não constitua forma de preconceito em razão de raça, sexo, orientação sexual etc. É em virtude dessa possibilidade de distinção de categorias entre os associados que surgem expressões como: sócio fundador, sócio remido, sócio proprietário, sócio benemérito, etc. O estatuto não poderá estabelecer direitos e obrigações recíprocos entre os associados (Art. 53, parágrafo único), mas poderá estabelecer outras obrigações, como o pagamento de uma quantia para ingresso na associação, o pagamento de contribuições periódicas ou o cumprimento de determinadas atividades. Do princípio da liberdade de associação extrai-se que “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado” (CRFB, Art. 5º, XX). Isso não significa, contudo, que o associado não possa ser excluído da associação. De acordo com o Art. 57 do Código Civil, a exclusão do associado só é admissível havendo justa causa, assim reconhecida em procedimento que assegure a este direito de defesa e de recurso, nos termos previstos no estatuto. Gonçalves, em sua obra mais recente retrata que: A qualidade de associado, segundo prescreve o art. 56 do Código, “é intransmissível, se o estatuto não dispuser o contrário”. Poderá este, portanto, autorizar a transmissão, por ato inter vivos ou causa mortis, dos direitos dos associados a terceiro. A transferência de quota ou fração ideal do patrimônio da associação, pertencente ao titular, ao adquirente ou ao herdeiro, não importará, de per si, na atribuição a estes da qualidade de associados, salvo disposição diversa do estatuto (art. 56, parágrafo único). (2018, pág. 208) Deve ser lembrado que a qualidade de associado é intransmissível (gratuita ou onerosamente), salvo disposição em sentido contrário no estatuto (Código Civil, Art. 56). Se o associado for titular de quota ou fração ideal do patrimônio da associação, a transferência daquela não importará, por si só, na atribuição da qualidade de associado ao adquirente ou ao herdeiro, salvo orientação contrária do estatuto. Por fim, o Art. 58 do Código Civil assegura a invulnerabilidade6 dos direitos individuais dos associados ao estabelecer que nenhum associado poderá ser 6 Invulnerabilidade: impossibilidade de ser atacado, blindagem, proteção contra possíveis ameaças ou danos a direitos. 27 impedido de exercer direito (p. ex.: direito à presidência) ou função que lhes tenham sido legitimamente conferidos, a não ser nos casos e pela forma previstos na lei ou no estatuto. 2.10.2.2. Diretoria Compete à diretoriao dever de regular o funcionamento da associação e de cobrar o cumprimento das normas previstas no estatuto, podendo impor sanções disciplinares7, como multas, suspensão ou até mesmo a expulsão dos associados que violarem o estatuto, sempre respeitando o direito de defesa. Os membros que irão compor a diretoria devem ser eleitos de acordo com as regras estipuladas no estatuto. Com a nomeação, os administradores (diretores) passam a ser mandatários8 da associação, podendo representá-la judicial ou extrajudicialmente. 2.10.2.3. Assembleia Geral A assembleia geral é considerada o órgão máximo dentro da associação, podendo, dentre outras deliberações, de forma privativa, destituir os administradores e promover a alteração do estatuto (Código Civil, Art. 59). Qualquer alteração do estatuto sem determinação da assembleia geral é considerada nula. A convocação dos órgãos deliberativos será feita na forma do estatuto, garantido a 1/5 (um quinto) dos associados o direito de promovê-la (Art. 60). A lei não exige requisitos específicos para as deliberações em geral, mas para a destituição de administradores ou alteração estatutária a assembleia deverá ter sido convocada especialmente para esse fim. Em atenção ao Art. 48 do Código Civil, as deliberações assembleares são tomadas pela maioria simples dos presentes, salvo se o ato constitutivo dispuser de modo diverso. O estatuto poderá desta forma, determinar quórum9 especial para 7 Sanções disciplinares: penas (“castigos”) aplicadas para correção de comportamento, previstas previamente em leis, estatutos ou contratos, buscando evitar que atitudes indesejadas ocorram ou se repitam (ex.: multa, suspensão etc.). 8 Mandatário: representante com poderes para agir em nome de alguém. 9 Quórum: número mínimo de pessoas presentes exigido por uma Constituição, lei, estatuto ou regulamento para que as decisões por elas tomadas sejam válidas (termo latino). 28 certas deliberações, como, por exemplo, a de alteração do estatuto. Aprovada a deliberação, todos os associados deverão a ela se submeter, inclusive os dissidentes, restando-lhes, apenas, o direito de retirar-se da entidade. 2.10.3. Dissolução da associação Em caso de dissolução de uma associação, o caput do Art. 61 do Código Civil determina que os bens remanescentes do seu patrimônio líquido, depois de deduzidas, se for o caso, as quotas ou frações ideais referidas no parágrafo único do Art. 56 do CC, serão destinados à entidade de fins não econômicos designada no estatuto, ou, omisso este, por deliberação dos associados, à instituição municipal, estadual ou federal, de fins idênticos ou semelhantes. Dissolvida a associação, o remanescente do seu patrimônio líquido, depois de deduzidas, se for o caso, as quotas ou frações ideais referidas no parágrafo único do art. 56, será destinado à entidade de fins não econômicos designada no estatuto, ou, omisso este, por deliberação dos associados, a instituição municipal, estadual ou federal, de fins idênticos ou semelhantes. (CC, art. 61). Por cláusula do estatuto ou, no seu silêncio, por deliberação dos associados, podem estes, antes da destinação do remanescente referida nesse artigo, receber em restituição, atualizado o respectivo valor, as contribuições que tiverem prestado ao patrimônio da associação (Código Civil, Art. 61, § 1º). Essas quotas ou frações ideais a que se refere o caput do Art. 61 dizem respeito ao valor eventualmente pago para aquisição do título, como é comum em clubes esportivos, e correspondem a uma fração do patrimônio da associação. Nada mais justo do que recuperar o capital eventualmente investido na aquisição das cotas e nas contribuições prestadas. Mas deve ser destacado que os associados não podem retirar outros valores, como, por exemplo, aqueles obtidos por doações de outras pessoas ou arrecadados em campanhas. Não existindo no Município, no Estado, no Distrito Federal ou no Território, em que a associação tiver sede, instituição nas condições indicadas nesse artigo, o que remanescer do seu patrimônio se devolverá à Fazenda do Estado, do Distrito Federal ou da União. 29 2.11. FUNDAÇÕES As fundações são pessoas jurídicas de direito privado formadas por um patrimônio, uma coletividade de bens (universitas bonorum) para desenvolver uma atividade lícita que não seja econômica, isto é, que não tenha intuito lucrativo. Diferenciam-se das associações por serem formadas pela coletividade de bens, e não de pessoas, mas, assim como as associações, não possuem finalidade lucrativa. Maria Helena (2003, p. 211 apud TARTUCE, 2019, p. 274) observa: Que o termo fundação é originário do latim fundatio, ação ou efeito de fundar, de criar, de fazer surgir. As fundações, assim, são bens arrecadados e personificados, em atenção a um determinado fim, que por uma ficção legal lhe dá unidade parcial. Outra característica marcante das fundações é a fiscalização realizada pelos Ministérios Públicos Estaduais, pelas respectivas curadorias das fundações. Ao contrário das sociedades e das associações, as fundações não possuem sócios nem associados para fiscalizar o cumprimento de suas normas e de seus fins sociais, justificando a legitimidade do Ministério Público. As fundações foram concebidas originalmente como pessoas jurídicas de direito privado, mas na atualidade o Estado também pode constituir fundações. As fundações privadas são aquelas constituídas por particulares (pessoas naturais ou jurídicas) e regidas pelos Arts. 62 a 69 do Código Civil. As fundações públicas são aquelas instituídas pelo Estado (União, Estados, Distrito Federal ou Municípios) e são reguladas por normas próprias de direito administrativo. Contudo, iremos aqui analisar apenas as fundações privadas, pois são as únicas afeitas ao Direito Civil. 2.11.1. Constituição das Fundações Para Gonçalves, as fundações: Constituem um acervo de bens, que recebe personalidade jurídica para a realização de fins determinados, de interesse público, de modo permanente e estável. Na dicção de Clóvis, “consistem em complexos de bens (universitates bonorum) dedicados à consecução de certos fins e, para esse 30 efeito, dotados de personalidade”. Decorrem da vontade de uma pessoa, o instituidor, e seus fins, de natureza religiosa, moral, cultural ou assistencial, e imutáveis. Para que uma fundação possa ser regularmente constituída, é necessário percorrer quatro etapas. Vejamos: 1ª ETAPA – Manifestação de vontade do instituidor: para criar uma fundação, o seu instituidor fará, por escritura pública ou testamento, dotação especial de bens livres, especificando o fim a que se destina, e declarando, se quiser a maneira de administrá-la (Art. 62, parágrafo único). Da norma extrai-se que a fundação pode ser instituída mediante manifestação de vontade em vida (inter vivos) por escritura pública ou mediante declaração de última vontade (causa mortis) por testamento de qualquer espécie (público, cerrado ou particular). Essa manifestação de vontade possui dois requisitos essenciais (dotação de bens e indicação da finalidade) e um dispensável (a forma de administração). Vejamos, então, os requisitos essenciais: a) Finalidade: as fundações têm como finalidade um bem social, de interesse da própria sociedade, não podendo ter fins lucrativos. Compete ao instituidor definir a finalidade a ser cumprida e, uma vez determinada, esta é imutável. Nos termos do Art. 62, parágrafo único, “a fundação somente poderá constituir-se para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência”. O uso do termo “somente” conduz a uma interpretação de que o rol presente no dispositivo é taxativo (numerus clausus), contudo o entendimento majoritário na doutrina é no sentido de que ele é meramente exemplificativo(numerus apertus). Nesse sentido, Maria Helena Diniz defende que a finalidade da fundação deve apenas ser nobre, isto é, lícita, social (interesse público) e não lucrativa. Corroboram esse entendimento: o Enunciado 8 da I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal: “a constituição de fundação para fins científicos, educacionais ou de promoção do meio ambiente está compreendida no CC, Art. 62, parágrafo único”; e o Enunciado 9 da mesma Jornada: “o Art. 62, parágrafo único, deve ser interpretado de modo a excluir apenas as fundações de fins lucrativos”. a) Dotação de bens livres e suficientes: a escritura pública ou o testamento devem especificar os bens livres e suficientes que irão constituir a fundação: podem ser móveis, imóveis, fungíveis, infungíveis, créditos etc. Bens livres são aqueles sobre os quais não se apresenta qualquer constrição jurídica (p. ex.: 31 penhora, arresto, hipoteca etc.). Também devem ser observadas as regras que protegem a legítima dos herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e cônjuges). Bens suficientes são os exigidos para que possa ser cumprida a finalidade da fundação, pois a ideia é de que esses bens possam produzir renda mensal suficiente para que sejam alcançados os objetivos da fundação. Se os bens forem insuficientes para constituir a fundação, deverão ser incorporados em outra fundação que se proponha a fim igual ou semelhante, salvo se o instituidor dispuser de forma diversa. Constituída a fundação por negócio jurídico entre vivos, o instituidor é obrigado a transferir-lhe a propriedade, ou outro direito real, sobre os bens dotados, e, se não o fizer, serão registrados, em nome dela, por mandado judicial10 (Código Civil, Art. 64). A norma supracitada estabelece que nas instituições inter vivos o instituidor não poderá revogar a sua doação, pois os bens serão adjudicados compulsoriamente à fundação que está sendo instituída. Se instituída mortis causa (por testamento), a manifestação de vontade poderá ser revogada. Não haverá a compulsoriedade11 do registro, pois nada impede que o testamento (cerrado, público ou particular) venha a ser revogado por qualquer motivo, ocasionando assim a revogabilidade dos bens doados para a constituição da fundação. 2ª ETAPA – Elaboração do estatuto: a celebração do estatuto pode ser direta ou própria, quando feita pelo próprio instituidor, ou fiduciária, quando o instituidor destina terceira pessoa de confiança, para que esta realize a elaboração do estatuto. Nos termos do Art. 65, caput, do Código Civil, “aqueles a quem o instituidor cometer a aplicação do patrimônio, em tendo ciência do encargo, formulará logo, de acordo com as suas bases (Art. 62), o estatuto da fundação projetada, submetendo-o, em seguida, à aprovação da autoridade competente, com recurso ao juiz”. Caso o estatuto não venha a ser elaborado no prazo estabelecido, ou quando o instituidor não designar pessoa de sua confiança para realizá-lo, transcorrido 180 (cento e oitenta) dias competirá ao Ministério Público realizar a sua elaboração. 3ª ETAPA – Aprovação do estatuto: para que o estatuto da fundação possa ser registrado, é necessário que seja devidamente aprovado pelo Ministério Público 10 Mandado judicial: ordem judicial expedida por meio de um despacho em processo, para que alguém faça, entregue ou deixe de fazer algo. 11 Compulsoriedade: obrigatoriedade. 32 estadual (ou distrital) da localidade em que será registrado. O Ministério Público, no prazo de 15 (quinze) dias, poderá adotar uma das seguintes medidas: a) aprovar o estatuto, dando a devida autorização para seu registro; b) indicar as modificações que compreender necessárias; c) denegar a aprovação. Se o interessado na instituição da fundação entender como incabíveis as modificações propostas ou a denegação12 da aprovação, poderá solicitar o suprimento do magistrado. Devemos destacar que o juiz também tem poder para requerer as alterações ou para diretamente alterar as cláusulas do estatuto, requerendo modificações. Da decisão de procedência ou improcedência caberá recurso de apelação. Quando o estatuto é elaborado pelo Ministério Público também deverá ser submetido à homologação judicial13. 4ª ETAPA – Registro: o registro da fundação deverá ser realizado no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas. É considerado como ato essencial, pois somente com o registro é que a fundação adquirirá a personalidade, passando a ter existência legal (Arts. 114 a 121 da Lei de Registros Públicos). 2.11.2. Alteração do estatuto da fundação Se for necessária qualquer alteração nas disposições presentes no estatuto da fundação, será essencial que este passe por aprovação do Ministério Público. De acordo com o Art. 67 do Código Civil: Para que se possa alterar o estatuto da fundação, é mister que a reforma: I – seja deliberada por dois terços dos competentes para gerir e representar a fundação; II – não contrarie ou desvirtue o fim desta; III – seja aprovada pelo órgão do Ministério Público, e, caso este a denegue, poderá o juiz supri-la, a requerimento do interessado. Quando a alteração não houver sido aprovada por votação unânime, os administradores da fundação, ao submeterem o estatuto ao órgão do Ministério 12 Denegação: recusa negação, indeferimento. 13 Homologação judicial: validação judicial, aprovação por um juiz que torna válido ou oficial determinado ato ou documento. 33 Público, requererão que se dê ciência à minoria vencida para impugná-la, se quiser, em dez dias. As alterações não podem abranger a finalidade da fundação, pois esta é imutável. Em princípio, também não é possível a alienação dos bens que compõem o patrimônio da fundação. Entretanto, essa inalienabilidade pode ser afastada mediante autorização judicial desde que seja comprovada a necessidade da venda dos bens. O produto obtido com a alienação deve ser aplicado na aquisição de outros bens necessários ao funcionamento da fundação. A alienação, sem autorização judicial, dos bens que compõem a fundação deve ser considerada nula. 2.11.3. Fiscalização Como já mencionado anteriormente, compete ao Ministério Público a fiscalização das fundações. Velará pelas fundações o Ministério Público do Estado onde situadas. Se estenderem a atividade por mais de um Estado, caberá o encargo, em cada um deles, ao respectivo Ministério Público. De acordo com o Art. 66, § 1º14, do Código Civil, se as fundações funcionarem no Distrito Federal, ou em Território, caberá o encargo ao Ministério Público Federal. Esse dispositivo foi declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (ADIn 2.794-8), pois a competência é do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, conforme prescreve a Constituição Federal. Se a fundação for de natureza previdenciária, sua fiscalização não compete ao Ministério Público. Em se tratando de fundação pública (aquela constituída pelo Estado com personalidade jurídica de direito público), deverá ser fiscalizada pelo Tribunal de Contas, conforme dispõe o Art. 71, II, da CRFB. Mas tal fiscalização não afasta a competência do Ministério Público para investigar eventuais ilícitos. Se a fundação pública for instituída pela União, a competência será do Ministério Público Federal e, se for instituída por Estado, Município ou pelo Distrito Federal, a competência será do 14 § 1º Se funcionarem no Distrito Federal ou em Território, caberá o encargo ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. (Redação dada pela Lei nº 13.151, de 2015) § 2o Se estenderem a atividade por mais de um Estado, caberá o encargo, em cada um deles, ao respectivo MinistérioPúblico. 34 respectivo Ministério Público Estadual ou pelo Ministério Público do Distrito Federal, na última hipótese. Durante a III Jornada de Direito Civil do CJF foi aprovado o Enunciado 147 dispondo que “a expressão ‘por mais de um Estado’, contida no § 2º do art. 66 do CC, não exclui o Distrito Federal e os Territórios. A atribuição de velar pelas fundações, prevista no art. 66 do CC e seus parágrafos, ao Ministério Público local – isto é, dos Estados ou do Distrito Federal, onde situadas – não exclui a necessidade de fiscalização de tais pessoas jurídicas pelo Ministério Público Federal, quando se tratar de fundações instituídas ou mantidas pela União, autarquia ou empresa pública federal, ou que destas recebam verbas, nos termos da Constituição, da Lei Complementar n. 75/93 e da Lei de Improbidade”. 2.11.4. Extinção da Fundação Tornando-se ilícita, impossível ou inútil a finalidade a que visa a fundação, ou vencido o prazo de sua existência, o órgão do Ministério Público, ou qualquer interessado, promoverá sua extinção, incorporando-se o seu patrimônio, salvo disposição em contrário no ato constitutivo, ou no estatuto, em outra fundação, designada pelo juiz, que se proponha a fim igual ou semelhante. A finalidade da fundação se torna ilícita quando o seu objeto passa a ser contrário ao ordenamento jurídico, afrontando a lei, a moral, os bons costumes ou a ordem pública. A impossibilidade é verificada quando a fundação não possuir mais meios para sua manutenção (ex.: falta de recursos financeiros, falta de voluntários, falta de profissionais especializados para tratamento de pessoas portadoras de deficiência física etc.). A inutilidade é normalmente verificada quando o objetivo pretendido com a constituição da fundação já foi alcançado (p. ex.: erradicação de uma determinada doença). A extinção da fundação pelo decurso do tempo é hipótese excecional, pois são raras as fundações em que o seu instituidor estabelece prazo de duração. Se este não foi estabelecido, não poderá ser presumido, e a fundação somente poderá ser extinta se se tornar ilícita, impossível ou inútil à finalidade a que visava. A extinção da fundação por qualquer um dos motivos elencados poderá ser solicitada por qualquer interessado ou pelo representante do Ministério Público. 35 2.12. NACIONALIDADE A ideia de nacionalidade da pessoa jurídica leva em consideração a ordem jurídica a que se submetem, não importando a nacionalidade dos membros que a compõem ou a origem do controle financeiro. De acordo com o Art. 11 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, “as organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como as sociedades e as fundações, obedecem à lei do Estado em que se constituírem”. Assim, classificadas quanto à nacionalidade, as pessoas jurídicas podem ser divididas em nacionais e estrangeiras. Pessoas jurídicas nacionais são aquelas constituídas à luz do ordenamento jurídico brasileiro e que mantêm aqui a sede de sua administração (Código Civil, Art. 1.126). Não basta, portanto, que a pessoa jurídica tenha sido constituída no Brasil (teoria da constituição), exigindo-se que mantenha aqui a sua sede. Por outro lado, as pessoas jurídicas estrangeiras são aquelas constituídas fora do Brasil ou que, mesmo constituídas no Brasil, mantêm a sua sede fora do País. Independentemente de qual seja o seu objeto (isto é, seu ramo de atividade), as sociedades estrangeiras somente poderão funcionar no País com autorização do Poder Executivo (Código Civil, Art. 1.134). 2.13. DOMICÍLIO DA PESSOA JURÍDICA O domicílio da pessoa natural é, em regra, determinado pela residência com o animus (ou seja, sua vontade) de permanência. Como a pessoa jurídica não tem residência, seu domicílio é determinado, em regra, pela sua sede ou estabelecimento, por ser o local onde costuma celebrar seus negócios jurídicos. Com base no Art. 75 do Código Civil podem ser extraídas as seguintes regras sobre o domicílio das pessoas jurídicas: 2.13.1. Pessoas jurídicas de direito público As pessoas jurídicas de direito público interno que compõem a administração direta têm como domicílio a sede de seu governo: o domicílio da União é o Distrito 36 Federal; o domicílio dos Estados e Territórios são as respectivas capitais; e o domicílio dos Municípios é o lugar onde funcionar a administração municipal. O Código Civil estabelece apenas regras sobre domicílio, e não sobre o foro competente para a propositura de ações. Exemplificando: o Código Civil de 2002 estabelece que o domicílio da União seja o Distrito Federal, mas a União deve propor ações no foro do domicílio da outra parte. Quando a União for ré, a ação poderá ser proposta no foro do domicílio do autor, no local dos fatos, no local onde situado o bem ou Distrito Federal (Constituição Federal, Art. 109, §§ 1º e 2º). Quanto às pessoas jurídicas de direito público que compõem a administração indireta (as autarquias), o entendimento doutrinário é no sentido de que o seu domicílio é determinado pelo ente a que estão subordinadas (União, Estado, Distrito Federal ou Município). 2.13.2. Pessoas jurídicas de direito privado Após dispor sobre o domicílio das pessoas jurídicas de direito público, o caput do Art. 75 do Código Civil determina que o domicílio das demais pessoas jurídicas é o lugar onde funcionarem as respectivas diretorias e administrações, ou onde elegerem domicílio especial no seu estatuto ou atos constitutivos (domicílio de eleição). De acordo com a Súmula 363/STF, “a pessoa jurídica de direito privado pode ser demandada no domicílio da agência ou estabelecimento em que se praticou o ato”. Se a pessoa jurídica tiver diversos estabelecimentos em lugares diferentes (p. ex.: filiais), cada um deles será considerado domicílio para os atos nele praticados, facilitando a vida das pessoas que litigarem com as pessoas jurídicas. Como essa pluralidade de domicílio é estabelecida em favor da pessoa que precisar litigar contra a pessoa jurídica, admite-se que o demandante opte pelo domicílio da sede. Se a administração, ou diretoria, tiver a sede no estrangeiro, haver-se-á por domicílio da pessoa jurídica, no tocante às obrigações contraídas por suas agências, o lugar do estabelecimento, sito no Brasil, a que ela corresponder (Código Civil, Art. 75, § 2º15). O objetivo da norma é a proteção das pessoas que litigarem contra as 15 §2 Se a administração, ou diretoria, tiver a sede no estrangeiro, haver-se-á por domicílio da pessoa jurídica, no tocante às obrigações contraídas por cada uma das suas agências, o lugar do estabelecimento, sito no Brasil, a que ela corresponder. 37 pessoas jurídicas de direito privado estrangeiras, que não precisarão ingressar com ações em outros países. 2.14. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE DA PESSOA JURÍDICA A responsabilidade civil das pessoas jurídicas incide diretamente sobre o seu próprio patrimônio. Entretanto, em determinadas situações a responsabilidade pode ser ampliada ao patrimônio dos seus sócios ou administradores pelo instituto da desconsideração da personalidade jurídica, como veremos neste tópico. Conforme o Art. 50 do CC: Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. Vimos que na atualidade é indiscutível que as pessoas jurídicas possuem personalidade jurídica própria. Isso significa que as pessoas jurídicas têm aptidão para serem titulares de direitos e deveres distintos
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